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Lesões articulares prévias são associadas ao desempenho muscular de jogadores de voleibol?* * Estudo desenvolvido no Laboratório de Prevenção e Reabilitação de Lesões Esportivas (LAPREV), Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brazil.

Resumo

Objetivo

O objetivo deste estudo é determinar se lesões prévias de ombro e joelho estavam associadas ao índice de fadiga isocinética e razão agonista/antagonista dos rotadores internos/externos do ombro e flexores/extensores do joelho em jogadores de voleibol.

Métodos

Esta é uma investigação transversal com 49 jogadores de voleibol de elite que competem em alto nível no Brasil. O índice de fadiga isocinética e os perfis de agonistas/antagonistas foram avaliados durante a pré-temporada. Além disso, para registro de lesões anteriores, os atletas responderam a um questionário padronizado. Conduzimos uma análise da curva de característica de operação do receptor (receiver operating characteristic, ROC) para determinar a força de associação e o ponto de corte clinicamente relevante de variáveis com significância estatística na área sob a curva (AUC) (α = 0,05). Um teste t independente comparou as variáveis isocinéticas entre atletas com e sem lesão prévia (α = 0,05).

Resultados

Os resultados da análise da curva ROC indicam que os valores do índice de fadiga dos isquiotibiais a 300o/s foram associados à presença de lesão prévia no joelho (área soba a curva [AUC] = 73%, p= 0,004), enquanto os valores do índice de fadiga dos rotadores externos do ombro a 360°/s não foram associados à presença de lesão prévia no ombro (AUC = 68%, p= 0.053).

Conclusões

Atletas de voleibol de elite que relataram lesões anteriores no joelho estavam propensos a um índice de fadiga maior do que aqueles que não relataram lesões. O treinamento de resistência de flexores do joelho pode ser útil para atletas com relatos de lesões no joelho na temporada anterior.

Palavras-chave
força muscular; lesões do ombro; traumatismos do joelho; voleibol

Abstract

Objective

The aim of the present study is to determine whether previous shoulder and knee injuries were associated with isokinetic fatigue index and agonist/antagonist ratio of shoulder internal/external rotators and knee flexors/extensors in male volleyball athletes.

Methods

The current study is a cross-sectional investigation of 49 male elite volleyball players competing at a high level in Brazil. Isokinetic fatigue index and agonist/antagonist profiles were assessed during the preseason. Additionally, in order to record previous injuries, the athletes answered a standardized questionnaire. We conducted a receiver operating characteristic (ROC) curve analysis to determine the association strength and the clinically relevant cut-off point for variables presenting statistical significance for the area under the curve (AUC) (α = 0.05). An independent t-test was used to compare isokinetic variables between athletes with and without previous injury (α = 0.05).

Results

The results of the ROC curve analysis indicated that hamstring fatigue index values at 300o/s were associated with the presence of previous knee injury (area under the curve [AUC] = 73%, p= 0.004), and shoulder external rotators fatigue index values at 360°/s were not associated with the presence of previous shoulder injury (AUC = 68%, p= 0.053).

Conclusions

Elite volleyball athletes who reported previous knee injuries were prone to a higher fatigue index than those reporting no injuries. Knee flexor resistance training might be useful for those athletes who reported knee injuries in the previous season.

Keywords
knee injuries; muscle strength; shoulder injuries; volleyball

Introdução

Bahr e Bahr11 Bahr R, Bahr IA. Incidence of acute volleyball injuries: a prospective cohort study of injury mechanisms and risk factors. Scand J Med Sci Sports 1997;7(03):166-171 relataram uma taxa de incidência total de lesões no voleibol de 1,7 ± 0,2 por 1.000 horas de jogo. Lesões por uso excessivo (overuse) de ombro e joelho representam de 15 a 50% de todas as lesões no voleibol.22 Verhagen EA, Van der Beek AJ, Bouter LM, Bahr RM, Van Mechelen W. A one season prospective cohort study of volleyball injuries. Br J Sports Med 2004;38(04):477-481 Segundo Verhagen et al.,22 Verhagen EA, Van der Beek AJ, Bouter LM, Bahr RM, Van Mechelen W. A one season prospective cohort study of volleyball injuries. Br J Sports Med 2004;38(04):477-481 lesões no ombro são responsáveis pela maior perda de tempo de treinamento e competição (6,2 semanas).

Alguns autores investigaram a relação entre força muscular e lesões por uso excessivo em atletas de voleibol.33 Ellenbecker TS, Davies GJ. The application of isokinetics in testing and rehabilitation of the shoulder complex. J Athl Train 2000;35 (03):338-350

4 Hadzic V, Sattler T, Veselko M, Markovic G, Dervisevic E. Strength asymmetry of the shoulders in elite volleyball players. J Athl Train 2014;49(03):338-344

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6 Saccol MF, Almeida GP, de Souza VL. Anatomical glenohumeral internal rotation deficit and symmetric rotational strength in male and female young beach volleyball players. J Electromyogr Kinesiol 2016;29:121-125
-77 Stickley CD, Hetzler RK, Freemyer BG, Kimura IF. Isokinetic peak torque ratios and shoulder injury history in adolescent female volleyball athletes. J Athl Train 2008;43(06):571-577 Esses estudos comumente analisam o torque isocinético ou a relação agonista/antagonista e não consideram outros parâmetros, como o índice de fadiga. Suzuki e Endo88 Suzuki N, Endo S. A quantitative study of trunk muscle strength and fatigability in the low-back-pain syndrome. Spine 1983;8 (01):69-74 avaliaram a fatigabilidade dos músculos do tronco com dinamômetro isocinético e constataram que pacientes com lombalgia crônica apresentavam maior fadiga dos flexores do tronco do que controles saudáveis. Além disso, Souza e Powers99 Souza RB, Powers CM. Predictors of hip internal rotation during running: an evaluation of hip strength and femoral structure in women with and without patellofemoral pain. Am J Sports Med 2009;37(03):579-587 avaliaram a resistência muscular dos extensores do quadril em mulheres com e sem dor patelofemoral (DPF) e observaram 49% menos repetições de extensão do quadril em mulheres com DPF.

A resistência muscular (resistência à fadiga) pode ser definida como a capacidade de produzir horas extras de trabalho ou manter o esforço.1010 McLean SG, Fellin RE, Suedekum N, Calabrese G, Passerallo A, Joy S. Impact of fatigue on gender-based high-risk landing strategies. Med Sci Sports Exerc 2007;39(03):502-514 A fadiga combina mecanismos fisiológicos em níveis centrais e periféricos e pode afetar as vias neuromusculares aferentes e eferentes, como mostra o retardo na resposta muscular.1010 McLean SG, Fellin RE, Suedekum N, Calabrese G, Passerallo A, Joy S. Impact of fatigue on gender-based high-risk landing strategies. Med Sci Sports Exerc 2007;39(03):502-514 No voleibol, esforços de alta intensidade por longos períodos são frequentes, e é provável que o atleta sofra fadiga. Parece viável, portanto, que os efeitos da fadiga comprometam as respostas do controle neuromuscular, tornando inevitáveis as estratégias anormais e talvez perigosas de movimento.1010 McLean SG, Fellin RE, Suedekum N, Calabrese G, Passerallo A, Joy S. Impact of fatigue on gender-based high-risk landing strategies. Med Sci Sports Exerc 2007;39(03):502-514,1111 Leppänen M, Pasanen K, Krosshaug T, et al. Sagittal Plane Hip, Knee, and Ankle Biomechanics and the Risk of Anterior Cruciate Ligament Injury: A Prospective Study. Orthop J Sports Med 2017;5 (12):2325967117745487 Além disso, a fadiga muscular tem sido relacionada à diminuição do desempenho (polo aquático) e desalinhamento dos membros inferiores.1212 Carcia C, Eggen J, Shultz S. Hip-Abductor Fatigue, Frontal-Plane Landing Angle, and Excursion during a Drop Jump. J Sport Rehabil 2005;14(04):321-331,1313 Jacobs CA, Uhl TL, Mattacola CG, Shapiro R, Rayens WS. Hip abductor function and lower extremity landing kinematics: sex differences. J Athl Train 2007;42(01):76-83 Assim, atletas de voleibol devem ser submetidos à avaliação da resistência à fadiga do ombro e joelho durante a pré-temporada.

Embora a razão agonista/antagonista, o pico de torque, e o trabalho sejam estudados com frequência, há poucas informações sobre os efeitos da lesão e a resistência muscular após lesões articulares.1414 Rouis M, Coudrat L, Jaafar H, et al. Assessment of isokinetic knee strength in elite young female basketball players: correlation with vertical jump. J Sports Med Phys Fitness 2015;55(12): 1502-1508

15 Xaverova Z, Dirnberger J, Lehnert M, Belka J, Wagner H, Orechovska K. Isokinetic Strength Profile of Elite Female Handball Players. J Hum Kinet 2015;49:257-266

16 Forthomme B, Wieczorek V, Frisch A, Crielaard JM, Croisier JL. Shoulder pain among high-level volleyball players and preseason features. Med Sci Sports Exerc 2013;45(10):1852-1860
-1717 Tol JL, Hamilton B, Eirale C, Muxart P, Jacobsen P, Whiteley R. At return to play following hamstring injury the majority of professional football players have residual isokinetic deficits. Br J Sports Med 2014;48(18):1364-1369 Portanto, nosso objetivo foi verificar se lesões prévias de ombro e joelho estavam associadas à razão agonista/antagonista isocinética e ao índice de fadiga dos rotadores internos/externos do ombro e flexores/extensores do joelho em jogadores de voleibol.

Métodos

Quarenta e nove jogadores de voleibol de elite do sexo masculino (média ± desvio-padrão [DP] de idade, 21,96 ± 4,1) de duas equipes foram recrutados durante a pré-temporada. Os critérios de inclusão foram a participação no cronograma da equipe e a ausência de histórico de cirurgia de membros superiores ou inferiores no último 1 ano. Atletas que alegaram dor no ombro ou no joelho durante o teste isocinético foram excluídos. Todos os participantes leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (comitê de ética n° 0493.0.203.000-09).

O design do estudo foi observacional (transversal).

Todos os atletas elegíveis preencheram um questionário sobre lesões prévias e atuais em ombro e joelho. Esse questionário incluiu informações sobre características antropométricas, prática esportiva e mecanismos de lesão. Lesões prévias foram definidas como qualquer queixa física que leve à ausência da prática esportiva antes da avaliação pré-temporada atual. Em seguida, todos os atletas realizaram o teste isocinético do joelho e, depois de um dia, o teste isocinético do ombro.

Para avaliação isocinética do joelho, os atletas realizaram um aquecimento (5 minutos de corrida) e foram posicionados em flexão de quadril a 85°. Cintas estabilizadoras foram colocadas na pelve, no tronco e na coxa. A amplitude de movimento (ADM) do joelho foi limitada a 100°, começando em 110° e terminando em 10° de flexão.1818 Bittencourt NFN, Amaral GM, Saldanha dos Anjos MT, D'Allessandro R, Silva AA, Fonseca ST. Avaliação muscular isocinética da articulação do joelho em atletas das seleções brasileiras infanto e juvenil de voleibol masculino. Rev Bras Med Esporte 2005;11(06): 331-336 A razão entre isquiotibiais e quadríceps (I:Q) foi registrada em 60°/s e 300°/s; o índice de fadiga foi registrado em 300°/s no joelho dominante1818 Bittencourt NFN, Amaral GM, Saldanha dos Anjos MT, D'Allessandro R, Silva AA, Fonseca ST. Avaliação muscular isocinética da articulação do joelho em atletas das seleções brasileiras infanto e juvenil de voleibol masculino. Rev Bras Med Esporte 2005;11(06): 331-336 (Fig. 1a).

Fig. 1
Avaliação isocinética de joelho e ombro.

No 3° dia, os atletas sentaram-se na cadeira isocinética e o examinador posicionou o ombro dominante a 60° de abdução e 30° de adução horizontal (plano escapular), com o cotovelo em 90° de flexão1919 Mendonça LDM, Bittencourt NFN, Anjos MTS, Silva AA, Fonseca ST. Isokinetic muscular assessment of the shoulder joint in athletes from the male under-19 and under-21 Brazilian volleyball teams. Rev Bras Med Esporte 2010;16(02):107-111 (Fig. 1b). Cintas estabilizadoras foram fixadas na pelve e no tronco. A ADM do ombro foi limitada em 90°, começando com 50° de rotação interna (RI) e terminando em 40° de rotação externa (RE), considerando 0° como o antebraço em posição horizontal. A razão entre rotadores internos e rotadores externos foi determinada em 60°/s e 360°/s, e o índice de fadiga em 360°/s.1919 Mendonça LDM, Bittencourt NFN, Anjos MTS, Silva AA, Fonseca ST. Isokinetic muscular assessment of the shoulder joint in athletes from the male under-19 and under-21 Brazilian volleyball teams. Rev Bras Med Esporte 2010;16(02):107-111 Seis atletas não compareceram à avaliação isocinética do ombro realizada no 2° dia (por motivos pessoais). Portanto, 43 atletas (média ± DP de idade, 21,30 ± 4,19; estatura, 1,96 ± 0,06; e massa corporal, 89,98 ± 8,83) foram submetidos ao teste isocinético de ombro.

A estatística descritiva foi realizada para caracterização da amostra. Um teste t independente foi usado para comparar as variáveis isocinéticas entre atletas com e sem lesão prévia. Uma curva de característica de operação do receptor (receiver operating characteristic, ROC) determinou um ponto de corte clinicamente relevante para cada variável isocinética alcançada com significância estatística conforme a área sob a curva (AUC) (α = 0,05). O ponto de corte foi escolhido com base na maior distância da linha de referência e nos valores de sensibilidade e especificidade. As razões de prevalência (RPs) e o intervalo de confiança (IC) de 95% foram calculados para determinar a força da associação.

Resultados

Os dados indicaram que 22 (44,90%) atletas haviam sofrido uma lesão prévia no joelho e 29 (67,44%) uma lesão prévia no ombro. A Tabela 1 mostra a caracterização de todos os atletas incluídos em nosso estudo.

Tabela 1
Dados da avaliação pré-temporada de todos os atletas (n = 57)

A Tabela 2 compara os valores de média e DP das variáveis isocinéticas de joelho e ombro dos atletas. Não houve diferenças entre os grupos (com ou sem lesão anterior).

Tabela 2
Comparação entre atletas com e sem lesão prévia

A Tabela 3 mostra os resultados da curva ROC. Os valores do índice de fadiga dos isquiotibiais a 300o/s foram associados à presença de lesão prévia no joelho (AUC = 73%). O ponto de corte do índice de fadiga dos isquiotibiais a 300o/s foi de 57,50 (sensibilidade de 77% e especificidade de 67%). Os valores de RP foram de 3,37 (IC 95% = 1,34-8,50) para o índice de fadiga dos isquiotibiais a 300o/s.

Tabela 3
Resultados da curva de característica de operação do receptor (receiver operating characteristic, ROC)

Discussão

O objetivo deste estudo foi verificar se lesões prévias de ombro e joelho estavam associadas à razão agonista/antagonista isocinética e índice de fadiga dos rotadores internos/externos do ombro e flexores/extensores do joelho em jogadores de voleibol. Os resultados da articulação do joelho mostraram que lesões prévias influenciam a fadiga dos isquiotibiais. Esses dados poderiam contribuir para a implementação de um programa de fortalecimento específico no início da pré-temporada para atletas de voleibol que apresentavam lesões prévias no joelho.

Em jogadores de voleibol, as lesões em joelho e ombro foram relacionadas a ausências longas.22 Verhagen EA, Van der Beek AJ, Bouter LM, Bahr RM, Van Mechelen W. A one season prospective cohort study of volleyball injuries. Br J Sports Med 2004;38(04):477-481 No presente estudo, 22 dos 49 atletas avaliados (44,90%) relataram lesão prévia no joelho. Além disso, nossos achados indicam que o índice de fadiga dos isquiotibiais foi associado à presença de lesões prévias no joelho. Este é o primeiro estudo a relatar um ponto de corte para o índice de fadiga dos isquiotibiais, indicando que atletas com lesões prévias no joelho tiveram 237% mais chance de apresentar índice de fadiga acima de 57. Esses resultados demonstraram a menor capacidade de manutenção do desempenho muscular dos flexores do joelho durante o teste isocinético. Alguns autores demonstraram a associação entre fadiga e alterações cinéticas e cinemáticas no joelho.2020 Kim Y, Youm C, Son M, Kim J, Lee M. The effect of knee flexor and extensor fatigue on shock absorption during cutting movements after a jump landing. Knee 2017;24(06):1342-1349

21 Orishimo KF, Kremenic IJ. Effect of fatigue on single-leg hop landing biomechanics. J Appl Biomech 2006;22(04):245-254
-2222 Briem K, Jónsdóttir KV, Árnason Á, Sveinsson Þ Effects of Sex and Fatigue on Biomechanical Measures During the Drop-Jump Task in Children. Orthop J Sports Med 2017;5(01):2325967116679640 Essas alterações foram bastante relacionadas ao maior risco de lesão.77 Stickley CD, Hetzler RK, Freemyer BG, Kimura IF. Isokinetic peak torque ratios and shoulder injury history in adolescent female volleyball athletes. J Athl Train 2008;43(06):571-577,1111 Leppänen M, Pasanen K, Krosshaug T, et al. Sagittal Plane Hip, Knee, and Ankle Biomechanics and the Risk of Anterior Cruciate Ligament Injury: A Prospective Study. Orthop J Sports Med 2017;5 (12):2325967117745487,2121 Orishimo KF, Kremenic IJ. Effect of fatigue on single-leg hop landing biomechanics. J Appl Biomech 2006;22(04):245-254 Os flexores do joelho participam da flexão da articulação em cadeia aberta, sua extensão em cadeia fechada, absorção da força de reação do solo durante o pouso e geração de energia para o salto.2323 Shimokochi Y, Yong Lee S, Shultz SJ, Schmitz RJ. The relationships among sagittal-plane lower extremity moments: implications for landing strategy in anterior cruciate ligament injury prevention. J Athl Train 2009;44(01):33-38,2424 Leporace G, Praxedes J, Pereira GR, Chagas D, Pinto S, Batista LA. Ativação muscular do quadril e do joelho em duas aterrissagens realizadas por atletas do sexo masculino. Rev Bras Med Esporte 2011;17(05):324-328 De acordo com esse raciocínio clínico e nossos dados, o índice de fadiga do joelho deve ser incluído na avaliação pré-temporada.

A razão I/Q em 60°/s e 300°/s não foi diferente entre atletas com e sem histórico de lesão no joelho. No grupo com lesão, a razão foi de 51,75 e, no grupo sem lesão, de 50,10. Apesar de não haver diferença significativa, a razão I/Q em nosso estudo foi menor em comparação a outras publicações. Hadzic et al.2525 Hadzic V, Sattler T, Markovic G, Veselko M, Dervisevic E. The isokinetic strength profile of quadriceps and hamstrings in elite volleyball players. Isokinet Exerc Sci 2010;18(01):31-37 observaram uma razão I/Q média de 61 a 60°/s em 127 jogadores de voleibol e relataram que esses valores estão em consonância com outros esportes. Jogadores de voleibol com tendinopatia patelar apresentaram diminuição da força dos extensores do quadril.2626 Scattone Silva R, Nakagawa TH, Ferreira AL, Garcia LC, Santos JE, Serrão FV. Lower limb strength and flexibility in athletes with and without patellar tendinopathy. Phys Ther Sport 2016;20:19-25 Os isquiotibiais contribuem para esse movimento do glúteo máximo, principalmente durante a cadeia cinética fechada e durante a aterrissagem; os extensores do joelho e extensores do quadril atuam de forma sinérgica para dissipar a força de reação do solo.2727 Scattone Silva R, Ferreira AL, Nakagawa TH, Santos JE, Serrão FV. Rehabilitation of Patellar Tendinopathy Using Hip Extensor Strengthening and Landing-Strategy Modification: Case Report With 6-Month Follow-up. J Orthop Sports Phys Ther 2015;45(11): 899-909 Nesse sentido, a presença de fadiga dos isquiotibiais poderia aumentar a demanda dos extensores do joelho e predispor à sobrecarga do tendão patelar. Portanto, esses achados reforçam a importância do fortalecimento dos músculos flexores do joelho durante a pré-temporada.

Vinte e nove dos 43 (67,44%) atletas avaliados relataram lesões prévias no ombro. Diferentemente do que esperávamos, não houve associação entre o maior índice de fadiga dos músculos rotadores externos e lesões prévias no ombro. Tonin et al.2828 Tonin K, Stražar K, Burger H, Vidmar G. Adaptive changes in the dominant shoulders of female professional overhead athletes: mutual association and relation to shoulder injury. Int J Rehabil Res 2013;36(03):228-235 observaram maior fatigabilidade em atletas com sobrecarga sintomática (voleibol e handebol). É provável que o alto índice de fadiga dos rotadores externos possa comprometer a estabilidade funcional da articulação glenoumeral durante o spiking (ato de marcar um ponto batendo a bola sobre a rede na quadra adversária de forma eficaz e agressiva), uma vez que a função adequada dos rotadores externos evita a translação anterior excessiva do úmero.2929 Rathi S, Taylor NF, Green RA. The effect of in vivo rotator cuff muscle contraction on glenohumeral joint translation: An ultrasonographic and electromyographic study. J Biomech 2016;49 (16):3840-3847,3030 Lee SB, Kim KJ, O'Driscoll SW, Morrey BF, An KN. Dynamic glenohumeral stability provided by the rotator cuff muscles in the mid-range and end-range of motion. A study in cadavera. J Bone Joint Surg Am 2000;82(06):849-857 As diferenças no índice de fadiga podem indicar que nossos atletas apresentaram melhor capacidade muscular dos rotadores externos. Esses resultados também podem ser parcialmente confirmados pelos valores equalizados da razão RE/RI em comparação a outros estudos. Nesse sentido, fisioterapeutas e preparadores esportivos devem enfocar a manutenção da boa razão RE/RI do ombro durante a pré-temporada.

Da mesma forma, a razão RE/RI em 60°/s e 360°/s não foi diferente entre atletas com e sem histórico de lesão no ombro. Em 60°/s, atletas com ou sem lesão prévia apresentaram RE/RI de 71,80 e 68,87%, respectivamente. Stickley et al.77 Stickley CD, Hetzler RK, Freemyer BG, Kimura IF. Isokinetic peak torque ratios and shoulder injury history in adolescent female volleyball athletes. J Athl Train 2008;43(06):571-577 e Hadzic et al.44 Hadzic V, Sattler T, Veselko M, Markovic G, Dervisevic E. Strength asymmetry of the shoulders in elite volleyball players. J Athl Train 2014;49(03):338-344 também não encontraram diferença estatisticamente significativa na razão rotadores externos concêntricos/rotadores internos concêntricos em jogadoras de voleibol com e sem lesões prévias no ombro.77 Stickley CD, Hetzler RK, Freemyer BG, Kimura IF. Isokinetic peak torque ratios and shoulder injury history in adolescent female volleyball athletes. J Athl Train 2008;43(06):571-577 No entanto, em atletas de voleibol do sexo masculino, a razão RE/RI foi menor no ombro com lesão anterior em comparação ao ombro não lesionado (0,57 versus 0,61, p< 0,05).44 Hadzic V, Sattler T, Veselko M, Markovic G, Dervisevic E. Strength asymmetry of the shoulders in elite volleyball players. J Athl Train 2014;49(03):338-344 É importante destacar que, para prevenir lesões no ombro, essa razão deve variar de 66 a 75%.33 Ellenbecker TS, Davies GJ. The application of isokinetics in testing and rehabilitation of the shoulder complex. J Athl Train 2000;35 (03):338-350 Nesse sentido, em nosso estudo, os atletas do sexo masculino apresentaram razão RE/RI adequada, diferentemente dos jogadores do estudo de Hadzic, que tiveram valores menores. Consequentemente, nossos achados corroboram a recomendação do equilíbrio da força entre RE e RI e enfatizam o fortalecimento dos rotadores externos do ombro para manter a razão RE/RI entre 60 e 75%.

Este estudo tem algumas limitações. Os dados da lesão foram coletados por meio de questionários respondidos pelos atletas e, assim, o viés de memória pode ter contribuído para essa questão. Diante disso, os autores também optaram por desconsiderar informações sobre a natureza da lesão e reabilitação prévia, pois esses tipos de relatos são menos confiáveis e mais propensos ao viés de memória. No entanto, nossos resultados mostraram que lesões prévias no joelho estão associadas ao índice de fadiga dos isquiotibiais. Assim, em contextos esportivos sem testes isocinéticos, pode-se recomendar a inclusão de treinamento de resistência flexores do joelho em atletas que relataram lesões nessa articulação na temporada anterior.

Aplicações práticas

Na ausência de testes isocinéticos, pode-se recomendar a inclusão de treinamento de resistência de flexores do joelho em atletas que relataram lesões nessa articulação em uma temporada anterior.

Conclusão

Os resultados desse estudo demonstraram uma associação entre a lesão prévia no joelho e o índice de fadiga dos isquiotibiais em jogadores de voleibol de elite. Por outro lado, uma lesão no ombro em uma temporada anterior não gerou diferenças estatísticas nas variáveis isocinéticas durante a avaliação da pré-temporada seguinte. Portanto, recomendamos a inclusão do teste de fadiga dos isquiotibiais e o treinamento específico de resistência desses músculos durante a pré-temporada de atletas com lesões anteriores no joelho.

  • Suporte financeiro
    Não houve suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.
  • *
    Estudo desenvolvido no Laboratório de Prevenção e Reabilitação de Lesões Esportivas (LAPREV), Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brazil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2021
  • Aceito
    07 Fev 2022
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