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Modos de transição em perspectiva comparada

Modes of transition in comparative perspective

Resumos

Embora a literatura sobre democratização tenha dedicado consideravel atenção ao conceito de modos de transição, as tentativas de explicar as perspectivas de consolidação democrática como conseqüência do modo de transição revelam-se inconclusivas. Revisitando esse debate, este artigo sustenta que o modo de transição afeta o padrão de competição entre elites, as regas institucionais elaboradas durante o período de transição e a disposição de atores-chave a aceitar ou rejeitar as novas regras do jogo. Dá-se conteúdo substantivo a esse argumento mediante uma comparação inter-regional que abrange os casos da Argentina, do Brasil, do Chile, da Bulgária, da Tchecoslováquia, da Hungria e da Polônia.


While the literature on democratization has devoted considerable attention to the concept of modes of transition, the attempts to explain the prospects of democratic consolidation as a consequence of the mode of transition have been inconclusive. Revisiting this debate, this article argues that the mode of transition affects the pattern of elite competition, the institutional rules that are crafted during the period of transition, and the disposition of key actors to accept or reject the new rules of the game. This argument is substantiated through a cross-regional comparison encompassing the cases of Argentina, Brazil Chile, Bulgaria, Czechoslovakia, Hungary and Poland.


AS TRANSIÇÕES E A MODERNIDADE

Modos de transição em perspectiva comparada* * "Modes of Transition and Democratization. The South American and European Cases in Comparative Perspective". Tradução de Bernardo Ricupero.

Modes of transition in comparative perspective

Gerardo L Munck; Carol Skalnik Leff

São docentes de Ciência Política da Universidade de Illinois / Campaign

RESUMO

Embora a literatura sobre democratização tenha dedicado consideravel atenção ao conceito de modos de transição, as tentativas de explicar as perspectivas de consolidação democrática como conseqüência do modo de transição revelam-se inconclusivas. Revisitando esse debate, este artigo sustenta que o modo de transição afeta o padrão de competição entre elites, as regas institucionais elaboradas durante o período de transição e a disposição de atores-chave a aceitar ou rejeitar as novas regras do jogo. Dá-se conteúdo substantivo a esse argumento mediante uma comparação inter-regional que abrange os casos da Argentina, do Brasil, do Chile, da Bulgária, da Tchecoslováquia, da Hungria e da Polônia.

ABSTRACT

While the literature on democratization has devoted considerable attention to the concept of modes of transition, the attempts to explain the prospects of democratic consolidation as a consequence of the mode of transition have been inconclusive. Revisiting this debate, this article argues that the mode of transition affects the pattern of elite competition, the institutional rules that are crafted during the period of transition, and the disposition of key actors to accept or reject the new rules of the game. This argument is substantiated through a cross-regional comparison encompassing the cases of Argentina, Brazil Chile, Bulgaria, Czechoslovakia, Hungary and Poland.

Transições, definidas como períodos de mudança de regime, são momentos formativos ou fundadores. Assim, elas encaminham sociedades num caminho que dá forma a seu desenvolvimento político posterior. Essa tese, que está no cerne de análises orientadas para a trajetória da democratização, foi recentemente articulada por uma longa lista de estudiosos importantes que têm procurado relacionar a forma como uma transição de um governo autoritário é levada a cabo com os problemas e perspectivas de consolidação democrática1 1 Juan J. Linz, "Some Comparative Thoughts on the Transition to Democracy in Portugual and Spain" in Jorge Braga de Macedo e Simon Serfaty, orgs., Portugal Since the Revolution: Economic and Political Perspectives (Boulder: Westview Press, 1981); Guillermo O'Donnell e Philippe Schmitter, Transitions From Authoritarian Rule. Tentative Conclusions about Uncertain Democracies (Baltimore: The Hohn Hopkins University Press, 1986), pp. 11, 37-39; Terry Lynn Karl, "Dilemmas of Democratization in Latin America", Comparative Politics, 23 (October 1990), 1-21; Terry Lynd Karl e Philippe Schmitter, "Modes of Transition in Latin America, Southern and Eastern Europe, International Science Journal 128 (May 1991), 269-84; Giuseppe Di Palma, To Craft Democracies. An Essay on Democratic Transitions (Berkeley, University of California Press, 1990), cap. 4 e 6; Samuel Huntington, The Third Wave of Democratization in the Late Twentieh Century (Norman: University of Oklahoma Press, 1991), cap. 3; Guillermo O'Donnell e Samuel Valenzuela, orgs., Issues in Democratic Consolidation: The New South American Democracies in Comparative Perspective (South Bend: University of Notre Dame Press, 1992). ; Samuel Valenzuela, "Democratic Consolidation in Post-Transitional Settings: Notion, Process, and Facilitating Conditions", in Mainwaring, O'Donnell e Valenzuela, orgs., Issues in Democratic Consolidation; Yossi Sahain e Juan Linz et. al., Between States. Interim Governments and Democatic Transitions (Cambridge, Cambridge University Press, 1955); Stephen Haggard e Robert Kaufman, The Political Economy of Democratic Transitions (Princeton: Princeton University Press, 1995), pp. 14-15, 163-74,368-71, cap. 4; P. Nikiforos Diamandouros e Richard Gunther, "Preface", in Richard Gunther, N. Diamandouros e Hans-Jiirgen Puhle, orgs., The Politics of Democratic Consolidation. Southern Europe in Comparative Perspective (Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1995), pp. xii-xxvii; P. N. Diamandouros, Hans Puhlee Richard Gunther, op. cit., "Conclusion", pp. 397-8, 402-07. . Apesar de suas contribuições, essa literatura é caracterizada por algumas insuficiências sérias. Não é só a imprecisão conceituai que tem prejudicado o debate. Mesmo trabalhos com foco em problemas claramente definidos não têm levado a descobertas conclusivas2 2 O debate sobre até que ponto os pactos são benéficos para para a democratização é uma ilustração disso. Depois do consenso inicial de que as transição pactadas eram mais conducentes à consolidação democrática, um ponto de vista sustentado no trabalho de 1986 de O'Donnell e Schmitter, os aspectos negativos dos pactos foram enfatizados por Karl e Valenzuela. O argumento de Karl de que os pactos normalmente envolvem elementos de exclusão que impedem a consolidação democrática, no entanto, foi por sua vez criticado por Di Palma e Diamandouros, Puhle e Gunther. Para acrescentar mais uma reviravolta, O'Donnell argumentou recentemente em favor de uma terceira posição, enfatizando os aspectos negativos e trade-offs tanto de transições pactadas quanto das não-pactadas - um ponto de vista que também é compartilhado por Huntington. O'Donnell e Schmitter, p. 39; Karl, pp. 9-12; Valenzuela, pp. 76-78; Di Palma, pp. 122-25; Diamandouros, Puhle e Gunther, pp. 406-07; O'Donnell, pp. 24-37; Huntington, p. 276. . Refletindo esse quadro, alguns estudiosos da democratização têm se tornaram-se céticos quanto a qualquer exercício de estimar o impacto dos modos de transição3 3 Essa posição é defendida, mais energicamente, por Adam Przeworski, Democracy and the Market. Political and Economic Reforma in Easterna Europe and Latin America (Cambridge, Cambridge University Press, 1991), pp. 94-99. . Desse modo, após uma década de debate, ainda é pouco claro como os modos de transição afetam os desenvolvimentos políticos; e, o que é mais importante, se eles têm mesmo alguma importância nesses processos.

Uma análise da democratização centrada em sua trajetória continua, porém, a ter um apelo inquestionável. Conseqüentemente, ao invés de descartar o debate sobre o impacto potencial dos modos de transição, procuramos revisitá-lo. Começamos clarificando o conceito chave de modos de transição e explicitando os mecanismos causais pelos quais os atributos definidores desse conceito assinalam heranças que afetam o desenvolvimento político de um país. Nosso argumento, sucintamente, é de que o modo de transição, definido em termos da identidade dos atores que conduzem o processo de transição e as estratégias que empregam, determina a natureza do regime político resultante e das políticas pós-transição ao afetar o padrão de competição entre as elites, as regras institucionais criadas durante o período de transição, e a disposição dos atores-chave a aceitar ou rejeitar as novas regras do jogo. É por meio desses mecanismos causais, portanto, que o modo de transição ajuda a explicar se e como democracias emergem e se consolidam. Em seguida, para dar corpo a esse argumento, apresentamos uma análise de um conjunto de casos da América do Sul e da Europa centro-oriental: Argentina, Brasil, Chile, Bulgária, Tche-coslováquia, Hungria e Polônia.

É importante, porém, salientar que esse tipo de enfoque aplicado a modos de transição não presume que ele seja o único fator a afetar a democratização. Nem tampouco significa que as heranças dos modos de transição estejam fixadas permanentemente. A questão é mais de enfatizar o impacto de um fator eminentemente político, o próprio processo de transição, sobre a forma assumida pela política de um país por um período de tempo considerável. Partimos, assim, de duas sugestões gerais do fecundo artigo de Dunkwart Rustow, "Transitions to democracy": sua crítica a teorias que salientam uma variedade de pré-requisitos sociais ou econômicos excluindo fatores políticos, e sua tentativa de desenvolver uma abordagem da democratização centrada no processo.4 4 Dankwart Rustow, "Transitions to Democracy: Toward a Dynamic Model", Comparative Politics, 2 (Abril 1970) 337-63. Ao enfatizar a centralidade das transições de governos autoritários, entretanto, introduzimos um novo ângulo na importante proposição de Rustow de que "os fatores que mantêm a democracia estável podem não ser os mesmos que a fizeram existir".5 5 Ibid., p. 346. Nosso argumento, resumidamente, reconhece que o processo de transição de um governo autoritário é diferente do processo de consolidação democrática e, portanto, não pode ser explicado nos mesmos termos. No entanto, esse mesmo processo de transição exerce influência nos resultados independentemente das condições que o geraram, ajudando a explicar tanto se de fato se trata de uma transição para a democracia como as perspectivas de consolidação democrática.

MODOS DE TRANSIÇÃO E SEUS IMPACTOS

O conceito de modos de transição distingue os variáveis processos pelos quais o conjunto das regras que definem o regime político de um país são descartadas, isto é, as maneiras diferentes pelas quais a transição de um regime estabelecido ocorre.6 6 Enquanto o conceito de transição refere-se ao período entre um regime político e outro, distinguimos a transição de um regime estabelecido e a transição para um novo regime. Essa distinção, que não é claramente reconhecida na literatura sobre modos de transição, nos permite definir modos de transição em termos da transição de regimes estabelecidos e avaliar se os modos de transição são responsáveis pelo regime resultante, um desafio de explicação chave. Mais especificamente, entre os possíveis critérios que podem diferenciar as transições é possível recorrer a dois critérios básicos a partir da literatura existente. A literatura inicial, que estava fortemente influenciada pelo contraste entre os casos português e espanhol, enfatizou o grau de controle que antigos governantes exercem sobre o processo de transição. Em termos mais dinâmicos, esses estudos visavam as estratégias empregadas pelos atores relevantes no processo de transição.7 7 Em razão de estratégias de mudança de ator estarem condicionadas pelo poder relativo dos antigos governantes, essas são realmente duas caracterizações paralelas. Aqui seguimos Karl ao distinguirmos transições em termos de estratégias de atores da alternativa mais comum de enfatizar o grau de controle exercido pelo antigo regime. Karl, p. 8-9. Sobre distinções que enfatizam o poder relativo dos antigos governantes, ver Linz, "Some Comparative Thoughts", e Scott Mainwaring "Transitions to Democracy and Democratic Consolidation: Theoretical and Comparative Issues", in Mainwaring, O 'Donell e Valenzuela, Issues in Democratic Consolidation, pp. 317-26. O objetivo era distinguir transições que avançam com base em diferentes graus de acomodação e de confrontação entre os atores que procuram a mudança e os defensores da antiga ordem. Tratava-se, portanto, de diferenciar as transições que introduzem uma quebra com o antigo regime daquelas que avançam dentro do quadro legal, ou por acordos com as elites governantes. Logo ficou claro, entretanto, que esse critério único não captava diferenças importantes no processo de transição, mesmo no universo de casos que inspiraram essa conceitualização inicial e muito menos no universo mais amplo das transições. Diversos estudiosos, portanto, propuseram novos critérios.

Provavelmente a mais interessante das formulações alternativas foi a que sugeriu que transições também deveriam ser diferenciadas em termos da identidade do principal agente impulsionador da mudança. Esse critério chama a atenção para uma característica crítica: se uma transição é realizada por elites dentro da estrutura de poder estabelecida, por contra-elites que desafiam as elites situacionistas ou por alguma combinação das duas.8 8 Apesar de Karl distinguir entre atores que dominam o processo de transição, sua conceituação enfatiza a prevalência relativa dos atores de elite versus os de massa, e não mira diretamente um problema crucial nas transições: a disputa entre as elites governantes e as contra-elites. De fato, sua conceituação colocaria no mesmo bloco transições que são iniciadas pelas elites governantes com aquelas que resultam das ações de contra-elites. Nossa conceituação é mais próxima da de Valenzuela, que enfatiza "a atitude das últimas elites governantes do regime autoritário em direção à democratização", isto é, tanto se a mudança vem de dentro ou de fora da elite governantes. Karl, pp. 8-9; Valenzuela, pp. 73-78. Além do mais, quando combinada com o primeiro critério, estratégico, essa conceituação bi-dimensional sobre modos de transição tem a virtude de captar de maneira direta um fator distintivo de transições: elas são processos fluídos únicos definidos pela identidade do ator ou atores que pressionam por mudança, e pelas estratégias que esses atores adotam ao desafiar o antigo regime. De fato, ao enfatizar o quem e o como das transições, essa conceituação fornece uma referência apropriada para começar a pensar como o processo de transição de um regime estabelecido afeta desenvolvimentos políticos posteriores. Nesse artigo, portanto, adota mos um conceito de modo de transição definido por essas duas características: a identidade dos agentes de mudança e as estratégias pelas quais esses atores influenciam uma transição.

Tendo clarificado nosso uso do conceito de modo de transição, ainda há duas questões básicas para serem confrontadas: por que modos de transição importam e, caso isso seja verdade, como eles importam. Para responder a questão do "porquê", argumentamos que transições importam porque elas geram heranças relativamente duráveis, afetando o regime resultante e políticas pós-transição. Resumidamente, diferentes modos de transição são propensos a ter conseqüências distintas sobre a política de um país. O desafio é, assim, de enfrentar a segunda questão e explicar exatamente como os modos de transição têm importância, especificando os mecanismos causais pelos quais heranças são criadas, e assinalando o significado dessas heranças. Numerosos estudiosos enfrentaram esse desafio. Uma linha de investigação produtiva procurou relacionar o equilíbrio relativo de poder entre os governantes e a oposição durante a transição à escolha de regras institucionais específicas, regras que tanto persistem para além do período de transição como dão forma às perspectivas de consolidação do regime. Essa linha de investigação tem muitas vezes sido bastante produtiva.9 9 Sobre as escolhas institucionais, ver Arend Lijphart, "Democratrization and Constitutional Choices in Czecho-slovakia, Hungary and Poland, 1989-91" Journal of Theoretical Politics 4, 2 (1992), 207-23. Sobre a consolidação de arranjos institucionais específicos, ver Juan J. Linz e Arturo Valenzuela, orgs., The Failure of Presidential Democracy. Volume 1. Comparative Perspectives (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1994). Nesse artigo, contudo, nossa análise é, de certa forma, mais ampla.

Argumentamos que o modo de transição tem um impacto, tanto na forma resultante do regime como nas políticas pós-transição, por meio dos seguintes mecanismos causais: sua influência no padrão de competição entre elites, nas regras institucionais que são produzidas durante o período de transição, e na disposição dos atores relevantes a aceitar as novas regras do jogo. Uma conexão probalística entre modos de transição e democratização pode, portanto, ser defendida: um dado modo de transição tende a incrementar as chances de aparecimento da democracia na medida em que gera um padrão de competição entre as elites mais ou menos equilibrado10 10 Aqui seguimos Przeworski, que argumenta que no momento atual, em que restrições à participação de massa são raras, "a possibilidade de competição entre interesses conflitantes é suficiente para explicar a dinâmica da democracia. Uma vez que os direitos políticos são suficientemente amplos a ponto de que se admitam interesses conflitivos, tudo o mais se segue" Przeworski, Democracy and the Market, p. 10. , e tende a incrementar as chances de consolidação de democracias recentemente instaladas, ao facilitar tanto a adoção de instituições apropriadas para o gerenciamento de conflitos entre elites como a disposição entre todos os atores principais a aceitar as regras do jogo democráticas.

Um quadro ideal para testar esse argumento é o oferecido pelas recentes transições de governos militares na América do Sul e de governos comunistas na Europa centro-oriental. A partir dessa base interregional, que inclui uma alta proporção das transições recentes, sete casos foram selecionados. Essa amostra, ademais, inclui dois pares de casos que compartilham um modo de transição, apesar de diferenças significativas em outros pontos (Brasil e Polônia, e Argentina e Tchecoslováquia). Além de acompanhar os processos, essa amostra nos permite usar os pontos fortes do modelo "Most Different Systems".11 11 Apesar das possibilidades de exercícios comparativos inter-regionais ter gerado alguma discussão, o teste definitivo para esses enfoques está em saber se estudos desse tipo levam a descobertas úteis. Sobre esse debate, ver a polêmica entre Philippe Schmitter, Terry Karl e Valerie Bunce na Slavic Review (Spring 1994, Spring 1995 e Winter 1995).

Passando para a organização da análise empírica, procedemos da seguinte maneira. Primeiro, delimitamos historicamente a transição e justificamos nossa classificação de cada caso em nosso mapa de modos de transição.12 12 Esforços similares de codificação não classificam todos os casos da mesma forma. A razão para essa discrepância está nos critérios diferentes usados para definir um modo de transição, na tendência de algumas vezes ordenar os casos em termos das causas e não segundo as características do próprio processo de transição, e em novas informações sobre os casos. Para outras tentativas de ordenar casos de transição, ver Karl and Schmitter, p. 276; Huntington, p. 113; Valenzuela, p. 77; James W. McGuire, "ínterim Government and Democratic Consolidation: Argentina in Comparative Perspective" , in Shain e Linz et. al., Between States, pp. 194-95; e Felipe Agüero, Soldiers, Civilians, and Democracy. Post-Franco Spain in Comparative Perspective (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1995), p. 65. Enfocamos depois a maneira pela qual o modo de transição ajuda a explicar o tipo de regime político que surge da transição. Finalmente, consideramos a dinâmica política pós-transição, enfatizando os distintos desafios de consolidação de regime. Para facilitar uma análise comparativa, começamos com o caso do Chile e seguimos para os casos do Chile e da Bulgária em conjunto.

REFORMA VINDA DE BAIXO

Na transição chilena, o ímpeto para mudança veio de fora da elite governante, isto é, de grupos que tinham sido excluídos no regime anterior, em face à significativa resistência dos antigos governantes militares, liderados pelo General Augusto Pinochet. Apesar de terem sido inca pazes de evitar uma mudança de regime, essas elites situacionistas tiveram sucesso em exercer mais controle sobre a transição do que possivelmente em qualquer outro caso recente de mudança de regime. Os opositores de Pinochet foram, portanto, forçados a implementar sua agenda dentro do quadro legal do antigo regime e por meio de uma estratégia de acomodação. De fato, a transição se iniciou em outubro de 1988, quando a oposição foi vitoriosa em um plebiscito determinado pela Constituição.

O impacto desses pontos básicos da política de transição chilena, captado no conceito de modo de transição, se torna inicialmente evidente em termos do tipo de regime produzido durante a transição. Em razão do ímpeto para a mudança ter vindo quase inteiramente de fora da elite governante, uma ampla coalizão de forças foi forjada para pressionar pela mudança. A transição trouxe, portanto, uma abertura política de vasto alcance, por meio da qual uma variada gama de forças sociais entraram no processo político. Além do mais, em razão das antigas elites chilenas terem permanecido uma força política viável, a transição não envolveu simplesmente a troca da elite situacionista por contra-elites. Ao contrário, o modo de transição chileno gerou um sistema caracterizado por um padrão relativamente equilibrado de competição entre elites, ou seja, uma democracia.

Mas a transição chilena não criou um sistema político inteiramente democrático. De fato, em razão das antigas elites não apenas terem se oposto à mudança democrática mas também terem exercido um alto grau de controle sobre o processo de transição, foram capazes de forçar um quid pro quo, pelo qual a viabilidade da transição se articulou sobre a aceitação por parte da oposição democrática de aspectos abertamente não-democráticos, muitos dos quais foram embutidos na Constituição que Pinochet elaborou em 1980. Mais especificamente, a transição chilena produziu um sistema marcado pelo direito de Pinochet continuar como comandante-em-chefe do Exército por oito anos depois de transferir o poder, além de torná-lo senador vitalício, pela presença de nove senadores nomeados, por um Conselho de Segurança Nacional com grandes poderes e representação militar, por uma Corte Suprema tolhida e por uma legislação eleitoral elaborada pelos militares para favorecer os partidos direitistas e para evitar emendas à Constituição de 1980 sem o consentimento daqueles que apoiaram o regime de Pinochet.13 13 Valenzuela.p. 62-67. Resumidamente, a transição chilena produziu um sistema democrático que não estabelecia eleições para todos os postos chaves e limitou o poder dos representantes eleitos-uma forma um tanto restrita de democracia.

Além de explicar o tipo de regime que surgiu a partir da transição, o impacto do modo de transição foi também sentido depois que ela terminou, com a vitória dos opositores a Pinochet na eleição geral de dezembro de 1989 e sua posse em março de 1990.14 14 Apesar de alguns autores terem corretamente enfatizado que o Chile teve uma "transição incompleta", no sentido que importantes questões institucionais continuaram na agenda política, mesmo assim é correto afirmar que a transição termnou em 1990, já que as características básicas do novo regime já tinham sido definidas naquele período. De fato, grande parte da política pós-transição do Chile pode ser interpretada em termos dos atores e regras institucionais que o modo de transição deu forma: a ampla e democrática coalizão anti-Pinochet, contrabalançada pela elite que se beneficiava pela antiga ordem e cujo comprometimento com a democracia é altamente questionável. Essa configuração explica os aspectos mais básicos da dinâmica política pós-transição do Chile. Por, um lado, políticos democráticos procuraram eliminar as restrições não-democráticas no escopo das atividades e autoridade dos representantes eleitos. Mas, por outro lado, eles têm também tido aguda consciência que a elite direitista usaria sua posição sancionada legalmente para bloquear a reforma desses "enclaves autoritários", além de saber que a obliteração desses aspectos autoritários poderia engatilhar uma reação por parte de forças conservadoras ainda poderosas. O modo de transição, portanto, deixou a marca de sua herança num padrão de contestação entre elites constrangido, que caracteriza a dinâmica política pós-transição do Chile, dinâmica política essa que obstrui a consolidação democrática no Chile ao fazer com que a aceitação de uma forma restrita de democracia seja o preço pago pela estabilidade.15 15 Gerardo Munck, "Democratic Stability and Its Limits. An Analysis of Chile's 1993 Elections". Journal of Interamerican Studies and World Affairs 36, 2 (1994); Manuel Antonio Garretón, Hacia una nueva política. Estudios sobre democratizaciones (Mexico, Fondo de Cultura Económica, 1995), pp. 34-42, 111-29, 216-17.

REFORMA NEGOCIADA

O Brasil e a Polônia são casos exemplares de reforma negociada. Em ambos, o ímpeto para mudança não teve origem igualmente dentro e fora da elite governante, em razão das elites situacionistas terem se mantido ambivalentes em relação às mudanças democráticas, enquanto contra-elites pressionavam por elas. Em relação ao segundo critério que distingue entre modos de transição - o grau de controle governamental -tanto o Brasil como a Polônia, entretanto, são exemplos claros de reforma negociada. De fato, as elites situacionistas tiveram força suficiente para forçar a oposição a apresentar sua agenda por meio de negociações. Assim, é significativo que as heranças das transição, tanto no Brasil como na Polônia, exibiram similaridades importantes, apesar das diferenças notáveis que distinguem esses dois casos.

Ao analisar o Brasil, o primeiro problema a ser resolvido se refere à datação da transição. Apesar da maior parte das análises apontarem 1974 como o início da mudança de regime no Brasil, antes de 1982 o país estava, na verdade, passando por um processo de liberalização e não de democratização, isto é, um processo que visava aumentar a base social do regime autoritário mais do que a mudança de regime.16 16 A maior parte dos analistas do Brasil implicitamente tomam a liberalização como indicativa do início da transição. Mas, como argumenta Przeworski, "a liberalização nem sempre conduz à transição". E crucial, portanto, estabelecer urna demarcação precisa entre liberalização e democratização. Przeworski, Democracy and the Market, pp. 54-66. É mais preciso, portanto, considerar que a transição começa em 1982. Em eleições ocorridas naquele ano a oposição ao governo militar teve ganhos tão substantivos que conduziram as elites governantes a uma escolha crítica: ou adotar medidas crescentemente repressivas para freiar a liberalização, ou permitir que a liberalização se tornasse democratização. E quando as elites situacionistas decidiram não se opor à mudança democrática procurada por contra-elites, mas se concentrarem ao invés em usar seu considerável poder residual no processo de transição para forçar as contra-elites a adotar uma postura de acomodação, a transição começou.

O impacto desses aspectos da política de transição brasileira se manifestou, antes de mais nada, na complexidade do processo. Exercendo seu poder e manifestando sua atitude ambivalente em relação à democracia, os governantes militares reagiram de maneira firme a uma campanha oposicionista de massa realizada no começo de 1984 por eleições diretas e populares para a presidência, tendo finalmente forçado a oposição a aceitar um método de nomeação indireta. Assim, mesmo quando o candidato oposicionista foi vitorioso nas eleições indiretas de 1985, os governantes militares já tinham tido êxito em prolongar a transição e, dessa forma, conservaram maiores possibilidades de dar forma aos traços básicos do futuro regime. Conseqüentemente, ao contrário da maior parte das interpretações acerca do Brasil, a posse de José Sarney na presidência em 1985 não levou ao fim da transição, já que ela não se deu de acordo com um conjunto de regras que definiria o novo regime. O governo de Sarney foi, na verdade, um governo interino, durante o qual as novas regras do jogo foram estabelecidas. De fato, foi apenas depois de um longo processo -as eleições legislativas de 1986, a aprovação de uma nova Constituição em 1988, e finalmente a primeira eleição direta para presidente em novembro de 1989, a posse de Collor de Mello como presidente em março de 1990 e as eleições para o Congresso e governos estaduais em outubro de 1990 - que a transição brasileira chega ao fim.

O modo de transição também afetou, nesse mesmo processo, a forma de governo resultante. Em razão do ímpeto por mudança ter vindo de fora da elite governante, mas ter sido progressivamente aceito e abraçado por elementos situados no interior dela, a transição trouxe uma abertura política que não apenas sancionou a competição entre elites políticas como gerou um regime no qual faltavam os elementos claramente não democráticos presentes no Chile. No entanto, a ausência de uma elite direitista abertamente anti-democrática também trouxe complicações para a democratização. No Chile, a presença da direita anti-democrática estimulou a unidade da coalizão anti-autoritária durante a transição e mesmo depois. No Brasil, em contraste, a disposição das elites tradicionais anteriormente simpáticas ao governo militar em cooperar na eleição do colégio eleitoral em 1985 como principal partido oposicionista - o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) - diluiu a identidade do PMDB, que aceitou o ingresso no partido de antigos adeptos do regime militar. Diferentemente do Chile, o ímpeto das forças mais comprometidas com a democracia foi severamente enfraquecido.17 17 Frances Hagopian, "The Compromised Consolidation: The Political Class in the Brazilian Transition," in Maiwaring, O'Donnell e Valenzuela, orgs., Issues in Democratic Consolidation, pp. 266, 247-48.

Essa perda de identidade da coalizão anti-autoritária, fator que se combinou com a capacidade dos antigos governantes de controlar a transição, afetou a nova Constituição brasileira. Assim, apesar do PMDB ter garantido uma maioria considerável nas eleições legislativas de 1986, a infiltração que sofreu por parte de antigos adeptos do regime militar e a representação exagerada de baluartes conservadores e clientelistas das subdesenvolvidas regiões Norte e Nordeste - um reflexo de leis eleitorais tendenciosas -, fez com que adeptos dos governos militares superassem em número os membros originais do PMDB no Congresso Constituinte.18 18 Thomas Bruneau, "Constitutions and Democratic Consolidation: Brazil in Comparative Perspective," in Diane Ethier, orgs., Democratic Transition and Consolidation in Southern Europe, Latin America and Southern Asia (Basingstoke: Macmillan, 1990), pp. 178-84. Além do mais, o poder que teve o presidente Sarney de vetar uma série de demandas que teriam tornado a Assembléia Constituinte um veículo independente, enfraqueceu a capacidade desse corpo de efetuar uma ruptura clara com o passado. Dessa forma, ao mesmo tempo em que a nova Constituição, promulgada em 1988, anulou os aspectos autoritários da Constituição militar de 1967 (emendada em 1969), e incluiu muitas medidas progressistas, ela teve, em pontos decisivos, a sua forma orientada pelos militares e seus aliados, o que estabeleceu continuidade com o anden regime. De maneira ainda mais significativa, a proposta em favor de um sistema parlamentarista foi derrotada e o federalismo foi revigorado, sem introduzir mudanças que fortaleceriam os partidos políticos e evitariam a fragmentação do sistema partidário.19 19 Ibid., p. 184-90; Hagopin, p. 272-77. Mesmo que o novo regime fosse claramente democrático, a perda de ímpeto dos mais autênticos defensores da mudança e o controle exercido sobre o processo de transição por parte dos antigos governantes levaram à adoção de um conjunto de regras intitucionais que, da perspectiva da democracia, estavam longe do ótimo.

Além de seu impacto na forma do novo regime, o modo de transição também afetou a política brasileira pós-transição. Como no Chile, diferentes elites se enfrentaram num processo competitivo, mas diferentemente do Chile, nenhum ator era abertamente oposto ao novo regime. A dinâmica política brasileira pós-transição não foi, portanto, determinada pela recusa de certos atores a aceitar as regras democráticas. Ao contrário, o obstáculo à consolidação democrática se deveu mais às dificuldades que os atores encontravam para gerenciar seus conflitos dentro das regras democráticas adotadas durante a transição. Mais especificamente, as leis eleitorais facilitaram a fragmentação do sistema partidário; dezenove partidos estavam representados na Câmara dos Deputados em 1990. Além do mais, a operação dessas leis eleitorais, combinadas com um sistema presidencialista, reduziu as possibilidades para uma maioria presidencial no Congresso. De fato, um aspecto disfuncional chave da política pós-transição brasileira foram os choques entre o Executivo e o Legislativo. Em outras palavras, a combinação de presidencialismo e multipartidarismo, uma herança direta do modo de transição, constituiu um obstáculo crucial para a consolidação democrática no Brasil.20 20 Scott Mainwaring, "Presidencialism, Multipartism and Democracy: the Difficult Combination," Comparative Political Studies, 26 (July 1993), 198-228.

Na Polônia, o ímpeto por mudança veio originalmente da fundação em 1980 do movimento social de base trabalhista Solidariedade, isto é, de fora da elite governante. A transição, entretanto, não avançou até 1989, quando as elites situacionistas relaxaram medidas repressivas anteriores a fim de iniciarem negociações diretas (Mesa Redonda) com o Solidariedade. Esse passo representou um afastamento da premissa central do antigo regime: a pretensão comunista a ter o monopólio do poder político. A motivação por trás da decisão de negociar, contudo, não foi a de introduzir as mudanças democráticas que o Solidariedade buscava, mas sim a de legitimar o programa econômico comunista num período de crise econômica. Mesmo assim, a capacidade das elites governamentais de controlar o processo de transição foi considerável. De fato, os comunistas poloneses se beneficiaram pelo fato de terem sido os primeiros no bloco soviético a procurar uma abertura política; a incerteza sobre a dimensão da mudança que Gorbachev estava disposto a aceitar lhes deu a vantagem propiciada pela remanescente possibilidade de intervenção soviética. Como no Brasil, portanto, a transição polonesa começou quando as elites situacionistas permitiram uma abertura marginal que, a despeito disso, foi suficiente para enfraquecer as características básicas do ancien régime, ao mesmo tempo em que mantinham um grau de controle sobre o processo de transição suficiente para forçar as elites opocisionistas a negociar.

Significativamente, o processo de transição na Polônia foi marcado por algumas das mesmas complicações testemunhadas no Brasil. Assim, enquanto o Solidariedade ganhou, com o acordo de abril de 1989, a legalização de seu sindicato, o poder comunista e a ambivalência em relação à democracia levaram a participação eleitoral da oposição a se restringir a meros 35% das cadeiras da importante câmara baixa (Sejm). Isso deu origem a um Sejm "contratual", incompletamente democratizado e controlado por adeptos do antigo regime. Além do mais, uma revisão constitucional estabeleceu o cargo de presidente, escolhido pelo Sejm, com poderes potencialmente grandes (e mal definidos) concebidos para se eregir num sustentáculo adicional para o líder do Partido Comunista, o General Wojciech Jaruzelski. Como no Brasil em 1985, essas restrições não eram à prova de acidentes, e a oposição usou a abertura legal restrita para criar obstáculos para as elites situacionistas. De fato, o extraordinário desempenho eleitoral do Solidariedade em junho de 1989, explicado simplesmente pela força da oposição, sua base de massa e pela habilidade de Lech Walesa, mostraram que a estratégia comunista tinha fracassado. Assim, depois de muita intriga, um governo misto comunista-Solidariedade, liderado pelo militante do Solidariedade Tadeusz Mazowiecki, foi empossado em setembro de 1989. Mas, tão importante quanto isso foi a influência limitante representada pelo pacto da Mesa Redonda, que converteu a transição em um processo complexo e demorado que afetou a configuração final do novo regime. Como no Brasil, portanto, a transição polonesa avançou num estilo cauteloso, cujos marcos principais incluíam um arranjo de partilha do poder que operava por meio das instituições comunistas existentes, modificadas pelo acordo da Mesa Redonda, pela eleição direta do presidente no outono de 1990 e peías eleições competitivas para o Parlamento em outubro de 1991, que finalmente levaram a transição a seu término.

O impacto dessa transição retardada no regime que emergiu foi grande. Em razão de os comunistas terem permitido a pressão das elites não-comunistas para liquidar as restrições que reduziam a influência destas últimas no sistema político, as limitações mais visíveis à competição entre as elites foram gradualmente eliminadas. Como no Brasil, portanto, a Polônia emergiu de sua transição com uma democracia plenamente competitiva. Mas a significativa capacidade das antigas elites de determinar a forma do passo decisivo inicial, o acordo da Mesa Redonda, e seu engajamento contínuo no processo de democratização impediram, como no Brasil, uma ruptura clara com o passado.

As conseqüências da disposição dos comunistas a negociar uma abertura para a democracia a partir de uma posição de força foram múltiplas e profundas. Antes de mais nada, o atenuado perigo representado pelos comunistas para a democratização ajudou a minar a unidade da coalizão anti-autoritária, de uma maneira que afetou diretamente o desenho das instituições democráticas subsequentes. Assim, quando o líder do Solidariedade, Walesa, que por razões estratégicas tinha decidido se abster do governo misto do Primeiro Ministro Masowiecki, se viu isolado, não hesitou em atacar a legitimidade do próprio gabinete Solidariedade-comunista, para cuja criação tinha contribuído de maneira decisiva. Ao entrar no jogo político pela abertura institucional promovida pelo acordo da Mesa Redonda, Walesa foi bem sucedido em forçar eleições diretas para a presidência, ganhando este posto em dezembro de 1990, num desafio amargo e fratricida às credenciais democráticas de seus aliados do Solidariedade.

A eleição de Walesa para a mal definida mas poderosa presidência afetou as escolhas institucionais de uma maneira perturbadora, preparando o caminho para o posterior conflito entre o Legislativo e o Executivo. Walesa podia retirar forças do fato de ser uma autoridade eleita e, assim, ameaçar vetar quase qualquer arranjo constitucional produzido por um maculado Sejm "contratual", corpo amplamente percebido como carente de legitimidade para ser uma assembléia constituinte. Assim, a combinação da eleição de Walesa e as sempre presentes heranças do acordo da Mesa Redonda criaram um impasse constitucional, um resultado altamente improvável se uma assembléia parlamentar constituinte inteiramente legítima tivesse tido a capacidade de agir sem os constrangimentos impostos pela presidência originada da Mesa Redonda.

A divisão do Solidariedade também afetou diretamente a nova lei eleitoral elaborada para as primeiras eleições competitivas em outubro de 1991. Cada vez mais incertas de seu apoio eleitoral, as fragmentadas facções do Solidariedade no Sejm uniram-se aos super-representados comunistas no parlamento para adotar, contra a vontade de Walesa, um sistema eleitoral altamente proporcional e sem uma barreira eleitoral mínima para a representação. Mesmo que o novo regime fosse claramente democrático, as escolhas institucionais polonesas produziram, a exemplo do Brasil, um sistema presidencial multipartidário problemático.

Ao se dirigir para a fase pós-transição, as condições iniciais geradas pelo modo de transição tiveram efeitos significativos sobre a dinâmica política polonesa. Continuando uma tendência iniciada no período de transição, ficou cada vez mais claro que os atores relevantes na política polonesa estavam comprometidos com um sistema centrado na competição entre elites. O retardado processo de superar as limitações do negócio inicial incorporou efetivamente as antigas elites ao novo sistema sem apresentar uma ameaça clara para a democracia. De fato, como no Brasil, os obstáculos chaves para a consolidação democrática se encontram no funcionamento problemático das instituições democráticas. A lei eleitoral sem restrições produziu um Sejm fragmentado em 29 partidos21 21 Lijphart, p. 211, 213; Krzystof Jasiewicz, "From Solidarity to Fragmentation," Journal of Democracy, 3 (Abril 1992), 55-69. , abrindo um período prolongado de governos de sucessivas coalizões minoritárias, nenhum dos quais teve apoio suficiente ou tempo de governo para promulgar uma Constituição. Além do mais, continuaram os choques recorrentes entre o presidente e o Parlamento, que tinham caracterizado a parte final da transição. Mesmo a chamada "Pequena Constituição" de agosto de 1992, uma tentativa detalhada de clarificar o equilíbrio de poder entre o Legislativo e o Executivo, respondendo a cada um dos choques jurídicos anteriores em relação à presidência da Mesa Redonda, foi um remendo, uma medida transitória. E até o Sejm mais compacto de 1993, construído com uma barreira eleitoral à representação, se provou incapaz de promover um acordo constitucional enquanto Walesa exerceu a presidência. Como no Brasil, mecanismos inadequados para regular o conflito entre o Legislativo e o Executivo - uma herança direta do modo de transição - se mantiveram como impedimentos para o estabelecimento de um padrão rotinizado de interação entre as elites, e foram obstáculos cruciais para a consolidação da democracia polonesa.

REFORMA POR DESENREDAMENTO

Na Hungria, a transição foi negociada pela oposição e elites situacionistas que tinham interesse em buscar uma abertura. A ala reformista da elite comunista estava construindo pontes em direção a correntes mais acessíveis na oposição política e cultural por diversos anos antes de 1989, na procura de uma fórmula de liberalização política por "pluralismo socialista" que legitimaria uma reforma econômica efetiva. Esses reformistas esperavam claramente evitar um ataque anticomunista ganhando crédito por sua disposição em favor da mudança política. Quando as correntes no partido mais interessadas em buscar uma abertura tomaram conta da liderança partidária depois de uma faxina massiva do septuagenário Politiburo em maio de 1988, elas tentaram implementar uma estratégia de dividir e conquistar ao procurar realizar negociações separadas com grupos oposicionistas diferenciados por tendências nacionalistas, populistas e urbano-cosmopolita divergentes. Essa estratégia ao final falhou, em face do sucesso da oposição em temporariamente coordenar suas posições, aumentando o apoio por mudança manifestado em crescentes protestos populares, e o efeito internacional do exemplo do caso polonês, que enfraqueceu os comunistas por todo leste europeu ao demonstrar a não disposição da União Soviética intervir em defesa do status quo. Assim, em junho de 1989, os comunistas iniciaram conversas com os principais grupos oposicionistas num formato de mesa redonda no estilo polonês, incluindo todos os principais partidos e organizações sociais nascentes, e chegaram a um acordo com seus rivais em setembro de 1989. A "revolução negociada" da Hungria é, portanto, um bom exemplo de uma reforma por desenredamento: tanto os antigos governantes como as contra-elites procuraram mudança, enquanto a situação - apesar de ser mais fraca do que suas similares polonesa e brasileira - ainda estava suficientemente no controle para forçar a oposição a se acomodar diante de sinais em favor da negociação.22 22 László Bruszt e David Stark, "Remaking the Political Field in Hungary: From the Politics of Confrontation to the Politics of Competition," Journal of International Affairs, 45, 1 (1991), 201-45.

De maneira diferente dos casos discutidos anteriormente, a transição húngara foi relativamente simples. Em contraste com o caso polonês, em que a "penalidade de ser o primeiro" a testar a tolerância soviética com a mudança foi a aceitação por parte da oposição de restrições não-democráticas e um processo prolongado de superar essas restrições, a transição húngara não foi constrangida de forma similar. Assim, mesmo tendo reaparecido divisões na oposição húngara, nem por isso a política constitucional, devido (como na Polônia) à ausência de resistência do governo à mudança, tornou-se mais complicada. De fato, o acordo de setembro de 1989, refletindo uma balança de poder relativamente equilibrada entre governantes e oposição e um amplo consenso favorável à mudança, levou de maneira bastante direta a uma abertura política na forma de eleições parlamentares competitivas em março de 1990. Enquanto a transição polonesa se arrastou por dois anos e meio, a transição húngara se completou em menos de nove meses.

A lei eleitoral também foi resultado de consenso. Os comunistas propuseram um sistema majoritário que eles equivocadamente acreditavam ser-lhes favorável, já que, diante de um campo oposicionista dividido, formavam o partido com os maiores recursos organizacionais. A lei adotada, resultado de um compromisso que refletia o medo que a oposição tinha da força comunista e sua reivindicação de uma diluição do princípio majoritário, acabou sendo, contudo, um sistema eleitoral misto muito complexo.

A única complicação, que resultou do esforço dos comunistas de criar uma base institucional que lhes fosse favorável, foi a instituição (de forma similar ao caso polonês) de uma presidência eleita popularmente antes da primeira eleição parlamentar competitiva. Estrategistas comunistas calcularam que seu candidato mais conhecido e mais organizado ganharia na crista do apoio popular à disposição comunista de abrir o sistema. O oposicionista Fórum Democrático Húngaro (FDH) inicialmente aceitou essa proposta, mas o estratagema foi torpedeado quando o restante da oposição levou à questão a um referendo popular no outono de 1989. Num contexto externo em transformação, o equilíbrio de poder pendeu durante as negociações dos comunistas para seus opositores, abortando a tentativa comunista de criar um sistema mais presidencialista. Em resumo, como resultado desse modo de transição, o novo regime húngaro não continha nenhuma regra abertamente não-democrática, além de possuir uma complexa lei eleitoral majoritária e um sistema parlamentarista.

As heranças do modo de transição continuaram a influenciar a dinâmica política húngara pós-transição.23 23 Adras Bozoki, "Party Formation and Constitutional Change in Hungary", in Terry Cox e Andy Furlong, orgs., Hungary. The Politics of Transition (London: Frank Cass, 1995). Diferentemente do Chile, nenhum ator relevante continuou a se opor à democracia. Além do mais, as escolhas institucionais do período de transição permitiram à Hungria evitar os sérios choques entre o Legislativo e o Executivo que caracterizaram as políticas pós-transição do Brasil e da Polônia. As complexas regras eleitorais majoritárias garantiram um bônus de cadeiras para partidos grandes, fazendo de pluralidades quase maiorias, como ocorreu com o FDH e os ex-comunistas em 1994. Isso não apenas facilitou o reingresso no sistema político do partido sucessor do comunista, o Partido Socialista Húngaro como um ator político "normal" que joga de acordo com as novas regras, mas também gerou potencialmente as condições para uma policy making coerente. Seria enganador, contudo, sugerir que o acordo relativamente sem restrições húngaro não deixou heranças negativas. Ironicamente, apesar de seus efeitos resto positivos, as regras eleitorais húngaras cobraram um pedágio da legitimidade e da "responsividade" do primeiro governo da FDH. Particularmente, a força parlamentar desproporcional garantida da FDH nas primeiras eleições reforçou uma tendência governamental arbitrária de se ver como o único verdadeiro juiz dos interesses húngaros, insistindo na sua própria agenda nacionalista e negligenciando em parte outros problemas urgentes. Quando considerada comparativamente, contudo, a reforma húngara por desenredamento gerou consideravelmente menos heranças problemáticas para a consolidação democrática do que os outros modos de transição discutidos neste artigo.

REFORMA POR RUPTURA

Tanto o caso argentino como o tcheco-eslovaco são de reforma por ruptura. Na Argentina, o ímpeto inicial por mudança veio claramente de grupos na sociedade claramente opostos ao governo militar. A transição em si mesma, entretanto, não começou até que os governantes militares capitulassem à mudança de regime depois de sua derrota para os britânicos na guerra das Malvinas/Falklands de junho de 1982. Se a elite situacionista se juntou à oposição para dar apoio a uma transição, a derrota militar, contudo, tornou a antiga elite muito fraca para controlar o processo. A agenda da transição foi, assim, basicamente ditada pelas contra-elites.

Como resultado dessas características, a transição argentina foi particularmente abrupta. Diferentemente do Chile, a falta de resistência da elite situacionista para uma transição reduziu a incerteza do processo. Além do mais, diferentemente do Brasil e da Polônia, a fraqueza da antiga elite garantiu que o avanço das forças oposicionistas não seria complicado e retardado por uma série de mecanismos de constrangimento. Finalmente, diferentemente da Hungria, a vulnerabilidade política dos antigos governantes e sues aliados bloqueou sua capacidade de dar forma ao regime futuro mediante negociações. Em contraste, a transição argentina levou a uma ruptura clara com o passado.

Mas o fato de a transição argentina ter sido supervisionada por um governo provisório - uma forma interina de governo pela qual normalmente os antigos governantes determinam os termos de transição e forçam as contra-elites à acomodação - é enganador: a agenda da transição foi, na verdade, determinada pelas elites anti-governamentais e aceita pelos governantes militares de saída. Assim, os governantes militares rapidamente cederam à demanda da Multipartidária, uma aliança oposicionista multipartidária, por eleições competitivas -- que era o arranjo de compromisso possível para os vários partidos que tinham feito oposição ao governo militar. Os governantes militares, além disso, estavam incapacitados para criar regras institucionais que protegessem seus interesses ou melhorassem as chances de seus aliados em competições futuras. Tendo falhado em introduzir uma nova Constituição no auge de seu poder e agora incapazes até de emendar a Constituição, os militares oportunisticamente recorreram à Constituição presidencialista de 1853. Uma nova lei eleitoral não criou nada para dar seqüência às eleições e simplesmente reintroduziu um sistema de representação proporcional que não criou empecilhos especiais aos opositores do regime militar nem trouxe vantagens particulares para os aliados mais fracos do regime. Dessa forma, a transição argentina completou-se rapidamente: na ausência de competição por parte dos antigos governantes ou de qualquer opção continuista, os dois partidos principais da Multipartidária enfrentaram-se em eleições em outubro de 1983, e os recém-eleitos presidente e Congresso assumiram em dezembro de 1983. O resultado final da transição, além do mais, foi um sistema democrático não-tutelado e que não teve sua forma conscientemente estabelecida para favorecer os antigos governantes e seus aliados.24 24 Gerardo L. Munck, Authoritaritarianism and Democratization: Soldiers and Workes in Argentina, 1976-83, in Comparative Perspective (University Park, Pa: Pennsylvania State University Press, no prelo), capítulo 6.

A dinâmica política argentina pós-transição continuou a refletir sua reforma através de ruptura. As heranças desse modo de transição foram parcialmente positivas: a ausência de restrições não-democráticas e de atores relevantes que fossem opostos às regras democráticas do jogo. De outra parte, a tão sólidamente posicionada Multipartidária, não tendo que se unificar contra possíveis tentativas de regressão autoritária ou de transgressão às eleições livres, começou a se desintegrar no final de 1982. Diferentemente do Brasil e da Polônia, isso não complicou ou prolongou o próprio processo de transição. De fato, a falta de poder dos antigos governantes argentinos era tal que, diferentemente da Hungria, foi mesmo possível e conveniente para as contra-elites adiar a resolução de problemas institucionais decisivos. A capacidade de realizar uma ruptura clara com o passado, entretanto, teve seus custos. Pois a quebra da coalizão anti-autoritária não apenas rapidamente converteu antigos aliados em oponentes aguerridos como os impediu de discutir problemas constitucionais antes de as disputas da política eleitoral terem minado as bases da procura de consenso. De fato, tanto o governo de Alfonsin (1983-89) quanto o de Menem (1989-95) procuraram se apresentar como a personificação da Nação e usar suas maiorias temporárias para tornar seus partidos hegemônicos mediante uma solução unilateral de questões constitucionais. Devido à reforma mediante ruptura, portanto, a Argentina desperdiçou a oportunidade de resolver problemas constitucionais antes que o consenso gerado na luta anti-autoritária se dissipasse no calor da competição eleitoral. Como resultado, sua democracia tem sido colocada em risco pela relutância de atores políticos relevantes a se verem como meras partes de um sistema maior, um aspecto definidor da democracia.

Na Tchecoslováquia, a transição foi acionada por uma explosão de mobilização popular em resposta à repressão de uma manifestação estudantil em novembro de 1989. A partir daí, líderes dissidentes anteriormente isolados receberam apoio de multidões em manifestações quase diárias; culminando finalmente numa simbólica e curta greve geral ("revolução na hora do almoço") que sinalizou a defecção dos trabalhadores da liderança comunista. Praticamente da noite para o dia, a fraqueza dos governantes, ressaltada pela já evidente recusa do aparelho coercitivo soviético a intervir, foi revelada de forma completa. Diante dessa situação, os previamente inflexíveis governantes comunistas abandonaram sua resistência à mudança. Em outras palavras, a chamada Revolução de Veludo da Tchecoslováquia foi uma reforma por ruptura.

Como na Argentina, a transição foi rápida e relativamente descomplicada. Essencialmente, a oposição tomou a iniciativa de impor seu programa improvisado para uma elite governante que se retirava do jogo. As negociações que ocorreram, de fato, foram essencialmente nominais, já que elas em grande parte assumiram a forma de ciclos reiterados de demandas oposicionistas, e eventuais aceitações governamentais com má-vontade - tudo comprimido num período de duas semanas. Isto é, invés de elites oposicionistas terem aceito as condições impostas pelos antigos governantes, como no Chile, Brasil e Polônia, foram as elites situacionistas que foram forçadas a fazer concessões de larga escala que eqüivaliam à capitulação - particularmente o abandono do dogma do papel de liderança do partido e o compromisso com eleições competitivas, uma demanda básica da coalizão oposicionista. Como na Argentina, a conveniência diante da oportunidade de uma transição rápida ditou a manutenção temporária da Constituição comunista que, em contraste com a anterior Constituição democrática tcheca de 1920, estabelecia uma estrutura federal de governo para o Estado multinacional. Assim, a transição foi rapidamente completada, com as eleições parlamentares de junho de 1990 inaugurando um sistema democrático inteiramente competitivo.

Apesar da facilidade que caracterizou a transição da Tchecos-lováquia e o arranjo institucional sem constrangimentos que produziu, ela também deixou uma herança problemática para a política pós-transição. Como na Argentina, o próprio modo de transição que tornou possível a resolução de questões constitucionais fundamentais também fez com que fosse virtualmente impossível resolvê-las de forma consensual num contexto pós-transição dominado pela lógica da competição eleitoral. Apesar da coalizão anti-autoritária da Tchecoslováquia ter se mantido unida durante a transição, diversamente do que ocorreu na Argentina, dificuldades importantes entre as forças anti-comunistas, referentes particularmente ao já problemático relacionamento tcheco-eslovaco, já eram visíveis. As divisões nacionais se evidenciaram numa disputa simbólica pelo nome pós-comunista do Estado, e na divisão segundo linhas nacionais tanto da frente oposicionista como do sistema partidário que surgiu das eleições de junho de 1990 - ambas as coisas evidências de problemas futuros.

As conseqüências danosas dessa herança vieram à tona completamente com o início da fase pós-transição. Antes de mais nada, os dois movimentos anticomunistas que cooperavam, o Fórum Cívico tcheco e o eslovaco Público contra a Violência, foram dissolvidos, respectivamente em 1990 e 1991. Mais significativamente, os partidos que os sucederam se dissolveram nas correntes mais amplas de dois subsistemas políticos separados e crescentemente endurecidos. Assim, ao aparecer na agenda política a questão das relações tcheco-eslovacas, não havia nenhuma disposição para que as regras básicas da interação entre as elites checa e eslovaca num Estado mais decentralizado fossem consensualmente geradas. De fato, a política das elites eslovacas era, em grande parte, a política de oposição ao centralismo de Praga e à liderança tcheca. Essa tendência centrífuga foi reforçada, além do mais, com a manutenção da Constituição "consorcial" que dava a cada um dos grupos nacionais na Assembléia Nacional, independentemente de tamanho, um poder de veto sobre a revisão constitucional.25 25 Lipjhart, p. 216-17. Essa foi uma fórmula para o impasse. Como na Argentina, conseqüentemente, a reforma por ruptura deu origem a uma dinâmica política particularmente perniciosa. Dada a particular estrutura de clivagens da Tchecoslováquia, o empecilho não foi o padrão de pretensões hegemônicas de elites. Foi mais a política de segmentação étnica-nacional que conduziu à quebra do Estado tchecoslovaco em janeiro de 1993. Se, do lado positivo, a quebra foi pacífica ou o que se poderia chamar de um "divórcio de veludo", ela mesmo assim demonstrou a incapacidade da Tchecoslováquia de institucionalizar as regras de competição entre elites e de consolidar sua nova democracia.26 26 Carol Skalnik Leff, The Czech and Slovak Republics. Nation vs. State (Boulder: Westview Press, 1996).

REVOLUÇÃO VINDA DE CIMA

Na Bulgária, a elite governante, na falta de pressão de uma oposição forte, foi pouco receptiva à abertura política até o colapso regional do poder comunista. Esses eventos externos, com a mensagem que traziam de não-intervenção soviética, mudaram o equilíbrio interno de poder e levaram a uma abertura preventiva vinda de cima. Os líderes comunistas mais jovens, menos comprometidos com o centro governante consultaram Gorbatchev em novembro de 1989 antes de iniciarem um "golpe palaciano" que deslocou do poder os principais representantes da antiga liderança. Essa manobra, que marcou o início da transição búlgara, pode ser entendida como uma antecipação à resistência crescente, ainda que fracamente organizada, ao poder comunista, reunida sobre o guarda-chuva da União de Forças Democráticas (UFD). De fato, a estratégia comunista consistia em abrir a competição para evitar uma mobilização popular mais intensa que poderia diminuir suas possibilidades de continuar como uma força política dominante.

O impacto dessa revolução vinda de cima no resultado da transição foi bastante claro. O Partido Comunista búlgaro - rebatizado de Partido Socialista Búlgaro - marcou e venceu as eleições para uma assembléia parlamentar/constituinte em junho de 1990, na base de uma legislação eleitoral majoritária que o favorecia já que os comunistas eram os mais bem organizados e preparados. Dessa posição, os antigos comunistas tiveram poder para estabelecer as regras do novo regime na Constituição de 1991 - um documento em grande medida democrático, que suspendia todos as principais limitações para a competição política mas mesmo assim continha um vocabulário potencialmente restritivo à liberdade de expressão e à organização de minorias. Assim, quando a transição chegou ao fim, com a realização de eleições competitivas em outubro de 1991, a Bulgária se tornou democrática, apesar de ser uma democracia que trazia as marcas do controle comunista da transição.

De forma não surpreendente, o impacto mais direto do modo de transição na dinâmica política pós-transição consistiu nas vantagens estratégicas que ela garantiu para os antigos governantes. Superficialmente, poderia parecer que a estratégia dos governantes tinha fracassado, quando a oposição desalojou os ex-comunistas do poder nas eleições de 1991. Mas o novo governo, baseado numa coalizão da UFD com a minoria turca, mostrou-se incapaz de governar e sucumbiu depois de um ano, abrindo caminho para ex-comunistas mais coesos e melhor organizados voltarem ao governo e vencerem também as eleições de 1994. Como no Chile e diferentemente dos outros casos do Leste europeu discutidos aqui, a UFD se manteve unida precariamente diante dos seguidos governos comunistas. Diferentemente no Chile, contudo, o "nascimento prematuro" da UFD no período de transição iniciado pelos comunisrtas bloqueou sua capacidade de contrabalançar efetivamente os ex-comunistas.27 27 Georgi Karasimeonov, "Parliamentary Elections of 1994 and the Development of the Bulgarian Party System", Party Politics, 1 (outubro 1995), 579-88.

A política búlgara pós-transição, portanto, caracterizou-se por um padrão assimétrico de contestação entre elites, que elevou as apostas políticas e impediu a normalização das relações inter-elites que resultaria de uma mútua aceitação do conceito de oposição leal. O efeito deletério do modo de transição no processo de consolidação democrática torna-se bastante evidente no duvidoso comprometimento com as regras democráticas tanto por parte dos ex-comunistas como da oposição, cada lado procurando justificar o desvio em relação a essas regras pelo comportamento anti-sistema do outro. A política pós-transição, de fato, tem sido marcada por violações esporádicas dos procedimentos democráticos, inclusive com eleições locais sendo canceladas ou invalidadas, relatos freqüentes de manipulação e fraude, e conflitos com a mídia mais influente que não só geram críticas as governo mas levam também a processos e prisão de importantes jornalistas. A revolução vinda de cima da Bulgária, resumidamente, estimulou um padrão que constrange a democracia ao enfraquecer o compromisso de seus atores chaves com suas regras básicas.

ESCLARECIMENTOS E CONCLUSÕES

Ao procurar tirar conclusões a partir da análise empírica, é prudente reconhecer que muito da confusão no debate sobre modos de transição decorre de se exagerar o potencial explicatório desse conceito. Assim, antes de resumir nossas descobertas, nos voltaremos brevemente para certas asserções que um argumento sobre modos de transição não faz. A primeira proposição a ser analisada é a de que as explicações sobre o modo de transição implicam que as heranças de uma transição são fixas e imutáveis. De fato, essas heranças não são permanentes e "podem ser gradualmente eliminadas".28 28 Adam Przeworski, et. al, Sustainable Democracy (New York: Cambridge University Press, 1995), pp. 48-49. Isso não quer dizer, contudo, que essas heranças não persistam por um período considerável de tempo. Mais especificamente, as heranças dos modos de transição são reproduzidas porque dão forma às condições iniciais enfrentadas nos contextos pós-transição e porque essas condições iniciais têm um poderoso impacto, vinculado aos rumos do processo, nos desenvolvimentos políticos subseqüentes.29 29 Karl e Schimitter, p. 272-73; Diamandouros, Puhle e Gunther, p. 398. As asserções sobre o modo de transição, portanto, não se baseiam na posição indefensável de que as heranças de uma transição são, de certa forma, petrificadas, e sim na afirmação mais modesta substanciada neste artigo: as heranças do modo de transição persistem pelo menos por diversos anos.

A segunda afirmação a ser descartada é a de que o modo de transição prove uma explicação completa sobre porque tipos diferentes de regime aparecem e se consolidam. Isso, mais uma vez, não é o caso. Argumentos sobre modos de transição não implicam que outros fatores discutidos pela literatura sobre a democratização, tais como a estrutura de clivagens sociais, o grau de desenvolvimento econômico, a questão do Estado, ou a dinâmica de crise e da reforma econômicas, não afetam o processo de democratização, diretamente ou mediados pelo modo de transição.30 30 Juan Linz e Alfred Stepan, Problems of Democratic Transition and Consolidation: Southern Europe, South America and Post-Communist Europe (Baltimore: The John Hopkins University Press, 1996). A razão para estudar os modos de transição, de fato, não está em descartar explicações alternativas e sim em enfatizar a centralidade de processos políticos e o papel de determinações especificamente políticas. Em outras palavras, os argumentos concernentes a modos de transição não implicam uma rejeição das explicações mais econômicas ou sociológicas que os cientistas políticos tão freqüentemente elaboram, mas visam muito mais contrabalançar uma tendência a negligenciar os fatores políticos.

Uma vez esclarecidos esses equívocos, podemos agora resumir nosso argumento comparativo referente ao impacto dos modos de transição, enfatizando tanto algumas das diferenças significativas manifestadas nos casos em que ocorreram diferentes modos de transição, e as importantes similaridades nos dois pares de casos que passaram por um modo de transição similar.

Nossa análise sugere que as reformas vindas de baixo, exemplificadas pelo caso chileno, tendem a ser caracterizadas por movimentos de oposição amplos que abrem o sistema político com sua entrada nele, mas ao mesmo tempo também por uma forte elite situacionista que é capaz de restringir a competição inter-elites. A democracia que resulta desse modo de transição, conseqüentemente, é uma democracia restrita, caracterizada por um padrão de competição restrita entre elites. O desafio para a consolidação democrática é assim, reformar os aspectos não-democráticos que mantêm sanção legal depois da transição, ao mesmo tempo em que é preciso evitar um choque com as antigas elites cujo comprometimento com a democracia continua incerto e que não parecem dispostas a interpretar o papel de oposição leal.

Em comparação com as reformas vindas de baixo, as reformas negociadas tendem a ser associadas com transições mais complicadas e retardadas e com versões menos restritas de democracia. De fato, como os casos do Brasil e da Polônia demonstram, em razão das elites situacionistas nesses casos não resistirem à mudança de regime, as reformas negociadas tendem tanto a gerar uma abertura política para a competição entre as elites, e posteriormente a criar um interesse no novo sistema da parte tanto da velha como das novas elites. O problema em casos como o do Brasil e da Polônia, portanto, não está na natureza abertamente não-democrática das heranças da transição ou no descomprometimento das antigas elites para com o novo regime. Mais precisamente, o problema se encontra na maneira como o poder remanescente das antigas elites e a perda de identidade da coalizão anti-autoritária - dois fatores que se manifestam em um processo gradualista de transição - conduz à adoção de um conjunto de regras institucionais que estão longe de representar uma situação ótima para a democratização. Mais especificamente, a produção de regras institucionais que geram choques repetidos entre o Executivo e o Legislativo é uma herança que atrapalha a governabilidade e a consolidação democrática.

A reforma por desenredamento, como as reformas negociadas, tende a conduzir a uma democracia sem restrições, já que tanto as elites situacionistas como as contra-elites aceitam a necessidade da competição inter-elites. Uma importante diferença, contudo, como o caso da Hungria demonstra, resulta da incapacidade dos antigos governantes de condicionar a transição da forma como o foram na Polônia e no Brasil: a agenda da transição é basicamente resolvida nos termos das contra-elites. O processo de transição, portanto, representa um corte mais claro com o passado, e evita as custosas complicações que são inseparáveis das reformas negociadas. É crucial apontar, mesmo assim, que o poder de permanência das antigas elites tem um efeito moderador, fazendo com que a ruptura com o passado seja, de certa forma, mais macia em comparação, por exemplo, com as reformas por ruptura. Assim, apesar de as elites comunistas húngaras terem sido incapazes de impor condições importantes à negociação da transição, elas foram capazes de engajar a oposição numa negociação séria, um gesto que forçou as contra-elites, em contraste coma Argentina e a Tchecoslováquia, a confrontar as questões constitucionais antes de se lançarem às eleições competitivas, isto é, antes que as lutas divisivas da vida política normal tomassem inteiramente conta do cenário. O equilíbrio de força entre as velhas e novas elites, além do mais, aumenta a possibilidade de que os antigos governantes se adaptem às regras democráticas do jogo e não ameacem o sistema. As reformas por desenredamento, em resumo, comparativamente conduzem melhor tanto a um processo relativamente fácil de transição para a democracia como a um progresso seguro em direção à consolidação democrática.

As reformas por ruptura, como exemplificadas pelos casos da Argentina e da Tchecoslováquia, estão entre as menos transições menos problemáticas, pois realizam uma ruptura bastante dramática com o passado, e possibilitam a virtual imposição da demanda oposicionista por eleições sem restrições - o arranjo que torna possível o compromisso entre os partidos de oposição unidos em coalizões anti-autoritárias. Do lado positivo, então, a fraqueza das antigas elites conduz ao estabelecimento de um novo quadro de referências institucional do qual estão ausentes os constrangimentos problemáticos associados com uma transição mais controlada. Mas a fraqueza dos antigos governantes, e o próprio caráter não-problemático da transição, cria suas próprias heranças negativas. De fato, em razão das contra-elites serem capazes de conseguir uma ruptura sem negociações sérias e demoradas com os antigos governantes, a oportunidade para uma transição rápida pode levar a um retardamento do debate sobre questões constitucionais e à adoção de uma estrutura institucional aceita por razões de conveniência. Subseqüentemente, contudo, a lógica da competição eleitoral que domina o contexto pós-transição conduz os antigos aliados ao confronto, devido à ausência de competição por parte dos antigos governantes ou de qualquer opção continuista, tornando uma resolução consensual de questões constitucionais crescentemente improvável. Ao contrário, a mistura de intensa competição entre as elites e um quadro institucional que pouco contribui para diminuir a desconfiança ou para facilitar a resolução de conflitos torna crescentemente difícil conter a competição dentro dos limites do democrático vigente. A ironia das reformas por ruptura está em em que aquilo que torna a transição para a democracia relativamente fácil tende também a dificultar o processo de consolidação democrática. Isso porque não há nenhum incentivo para que as contra-elites façam um bom uso das oportunidades oferecidas pelo processo de transição, um período singularmente propício para o desenvolvimento de um relacionamento e de um consenso cooperativos com respeito às regras institucionais mais importantes.

Finalmente, as revoluções vindas de cima se assemelham às reformas por ruptura no sentido de que o período de transição é relativamente descomplicado. A diferença, como o caso búlgaro demonstra, é que a transição menos complicada não se deve ao poder da oposição de estabelecer a agenda, mas mais à capacidade de um segmento da elite situacionista de romper com a antiga ordem e sozinha definir uma agenda de transição a partir de cima. Em razão do objetivo básico de iniciativas como essas é de evitar ou controlar mudanças mais devastadoras, um modo de transição como esse tende a gerar uma abertura política. O problema, mais uma vez como nas reformas por ruptura, é que as condições que tornam possível uma transição abrupta para a democracia podem dificultar a consolidação democrática. O principal obstáculo, uma herança direta do modo de transição, é que os antigos governantes tendem a reter uma influência desproporcional no sistema político vis-à-vis uma oposição ainda incoerente. Isso dá origem a um padrão truncado de competição entre elites, que enfraquece a confiança recíproca entre as elites rivais e cria a tentação para o partido no poder de periodicamente violar as regras democráticas do jogo. Resumidamente, a falta de um contra-equilíbrio efetivo à elite que supervisiona a transição impede a rotinização da competição e a aceitação do conceito de oposição leal. Em termos comparativos, portanto, uma revolução vinda de cima é provavelmente o modo de transição com menos possibilidades de progredir continuamente em direção à consolidação da democracia.

Resumidamente, este artigo mostra que um fator essencialmente político, o próprio processo de transição, é um importante determinante para que o resultado da transição seja uma forma democrática de governo e examina os tipos de distintos desafios que as novas democracias têm de enfrentar para se consolidar. Ao fazer isso, faz o debate sobre os modos de transição avançar de duas maneiras. Primeiro, mostramos que ao se conceituar os modos de transição como as formas diferentes pelas quais ocorre uma transição de um regime estabelecido, ao invés de, como é comum na literatura, entendê-los como a combinação da transição de um regime estabelecido e a transição para um novo regime, o conceito ajuda a explicar a dinâmica política pós-transição, além de também facilitar a compreensão do regime resultante, o que representa um importante desafio explicativo. Segundo, mostramos que ao se conceituar os modos de transição em termos de duas dimensões que captam a natureza fluída e única do processo de transição, e ao se especificarem os mecanismos causais pelos quais as heranças do modo de transição são geradas, esclarece-se muito da confusão que há sobre a utilidade desse debate. De fato, nossa análise empírica forneceu evidências sólidas para a proposição de que os modos de transição são importantes, além de reforçar nosso argumento sobre como eles influenciam os desenvolvimentos políticos. Certamente, ainda resta muito a fazer para esclarecer os mecanismos precisos pelos quais as heranças das transições são produzidas e reproduzidas, e para mostrar como os diferentes modos de transição estão associados a diversos subtipos de democracia e suas dinâmicas distintas, o que unificaria de fato o debate sobre os modos de transição com algumas das tentativas mais sistemáticas de conceituar as variantes institucionais da democracia. Finalmente, é uma tarefa crucial ainda a ser enfrentada, apesar de intimidadora, a de integrar o tipo de determinantes políticos da democratização aqui enfatizados com as abordagens que enfocam fatores sociológicos ou econômicos. Devido a limitações de espaço, este artigo não pode elaborar de maneira mais aprofundada uma agenda de pesquisa como essa. Mesmo assim, ele terá atingido seu objetivo se tiver realizado o objetivo mais modesto de convencer o leitor de que vale a pena desenvolver uma agenda desse tipo.

  • 1 Juan J. Linz, "Some Comparative Thoughts on the Transition to Democracy in Portugual and Spain" in Jorge Braga de Macedo e Simon Serfaty, orgs., Portugal Since the Revolution: Economic and Political Perspectives (Boulder: Westview Press, 1981);
  • Guillermo O'Donnell e Philippe Schmitter, Transitions From Authoritarian Rule. Tentative Conclusions about Uncertain Democracies (Baltimore: The Hohn Hopkins University Press, 1986), pp. 11, 37-39;
  • Terry Lynn Karl, "Dilemmas of Democratization in Latin America", Comparative Politics, 23 (October 1990), 1-21;
  • Terry Lynd Karl e Philippe Schmitter, "Modes of Transition in Latin America, Southern and Eastern Europe, International Science Journal 128 (May 1991), 269-84;
  • Giuseppe Di Palma, To Craft Democracies. An Essay on Democratic Transitions (Berkeley, University of California Press, 1990), cap. 4 e 6;
  • Samuel Huntington, The Third Wave of Democratization in the Late Twentieh Century (Norman: University of Oklahoma Press, 1991), cap. 3;
  • Guillermo O'Donnell e Samuel Valenzuela, orgs., Issues in Democratic Consolidation: The New South American Democracies in Comparative Perspective (South Bend: University of Notre Dame Press, 1992).
  • ; Samuel Valenzuela, "Democratic Consolidation in Post-Transitional Settings: Notion, Process, and Facilitating Conditions", in Mainwaring, O'Donnell e Valenzuela, orgs., Issues in Democratic Consolidation;
  • Yossi Sahain e Juan Linz et. al., Between States. Interim Governments and Democatic Transitions (Cambridge, Cambridge University Press, 1955);
  • Stephen Haggard e Robert Kaufman, The Political Economy of Democratic Transitions (Princeton: Princeton University Press, 1995), pp. 14-15, 163-74,368-71, cap. 4;
  • P. Nikiforos Diamandouros e Richard Gunther, "Preface", in Richard Gunther, N. Diamandouros e Hans-Jiirgen Puhle, orgs., The Politics of Democratic Consolidation. Southern Europe in Comparative Perspective (Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1995), pp. xii-xxvii;
  • P. N. Diamandouros, Hans Puhlee Richard Gunther, op. cit., "Conclusion", pp. 397-8, 402-07.
  • 3 Essa posição é defendida, mais energicamente, por Adam Przeworski, Democracy and the Market. Political and Economic Reforma in Easterna Europe and Latin America (Cambridge, Cambridge University Press, 1991), pp. 94-99.
  • 4 Dankwart Rustow, "Transitions to Democracy: Toward a Dynamic Model", Comparative Politics, 2 (Abril 1970) 337-63.
  • 7 Em razão de estratégias de mudança de ator estarem condicionadas pelo poder relativo dos antigos governantes, essas são realmente duas caracterizações paralelas. Aqui seguimos Karl ao distinguirmos transições em termos de estratégias de atores da alternativa mais comum de enfatizar o grau de controle exercido pelo antigo regime. Karl, p. 8-9. Sobre distinções que enfatizam o poder relativo dos antigos governantes, ver Linz, "Some Comparative Thoughts",
  • e Scott Mainwaring "Transitions to Democracy and Democratic Consolidation: Theoretical and Comparative Issues", in Mainwaring, O 'Donell e Valenzuela, Issues in Democratic Consolidation, pp. 317-26.
  • 9 Sobre as escolhas institucionais, ver Arend Lijphart, "Democratrization and Constitutional Choices in Czecho-slovakia, Hungary and Poland, 1989-91" Journal of Theoretical Politics 4, 2 (1992), 207-23.
  • Sobre a consolidação de arranjos institucionais específicos, ver Juan J. Linz e Arturo Valenzuela, orgs., The Failure of Presidential Democracy. Volume 1. Comparative Perspectives (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1994).
  • 10 Aqui seguimos Przeworski, que argumenta que no momento atual, em que restrições à participação de massa são raras, "a possibilidade de competição entre interesses conflitantes é suficiente para explicar a dinâmica da democracia. Uma vez que os direitos políticos são suficientemente amplos a ponto de que se admitam interesses conflitivos, tudo o mais se segue" Przeworski, Democracy and the Market, p. 10.
  • 11 Apesar das possibilidades de exercícios comparativos inter-regionais ter gerado alguma discussão, o teste definitivo para esses enfoques está em saber se estudos desse tipo levam a descobertas úteis. Sobre esse debate, ver a polêmica entre Philippe Schmitter, Terry Karl e Valerie Bunce na Slavic Review (Spring 1994, Spring 1995 e Winter 1995).
  • 12 Esforços similares de codificação não classificam todos os casos da mesma forma. A razão para essa discrepância está nos critérios diferentes usados para definir um modo de transição, na tendência de algumas vezes ordenar os casos em termos das causas e não segundo as características do próprio processo de transição, e em novas informações sobre os casos. Para outras tentativas de ordenar casos de transição, ver Karl and Schmitter, p. 276; Huntington, p. 113; Valenzuela, p. 77; James W. McGuire, "ínterim Government and Democratic Consolidation: Argentina in Comparative Perspective" , in Shain e Linz et. al., Between States, pp. 194-95;
  • e Felipe Agüero, Soldiers, Civilians, and Democracy. Post-Franco Spain in Comparative Perspective (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1995), p. 65.
  • 15 Gerardo Munck, "Democratic Stability and Its Limits. An Analysis of Chile's 1993 Elections". Journal of Interamerican Studies and World Affairs 36, 2 (1994);
  • Manuel Antonio Garretón, Hacia una nueva política. Estudios sobre democratizaciones (Mexico, Fondo de Cultura Económica, 1995), pp. 34-42, 111-29, 216-17.
  • 16 A maior parte dos analistas do Brasil implicitamente tomam a liberalização como indicativa do início da transição. Mas, como argumenta Przeworski, "a liberalização nem sempre conduz à transição". E crucial, portanto, estabelecer urna demarcação precisa entre liberalização e democratização. Przeworski, Democracy and the Market, pp. 54-66.
  • 17 Frances Hagopian, "The Compromised Consolidation: The Political Class in the Brazilian Transition," in Maiwaring, O'Donnell e Valenzuela, orgs., Issues in Democratic Consolidation, pp. 266, 247-48.
  • 18 Thomas Bruneau, "Constitutions and Democratic Consolidation: Brazil in Comparative Perspective," in Diane Ethier, orgs., Democratic Transition and Consolidation in Southern Europe, Latin America and Southern Asia (Basingstoke: Macmillan, 1990), pp. 178-84.
  • 20 Scott Mainwaring, "Presidencialism, Multipartism and Democracy: the Difficult Combination," Comparative Political Studies, 26 (July 1993), 198-228.
  • 21 Lijphart, p. 211, 213; Krzystof Jasiewicz, "From Solidarity to Fragmentation," Journal of Democracy, 3 (Abril 1992), 55-69.
  • 22 László Bruszt e David Stark, "Remaking the Political Field in Hungary: From the Politics of Confrontation to the Politics of Competition," Journal of International Affairs, 45, 1 (1991), 201-45.
  • 23 Adras Bozoki, "Party Formation and Constitutional Change in Hungary", in Terry Cox e Andy Furlong, orgs., Hungary. The Politics of Transition (London: Frank Cass, 1995).
  • 24 Gerardo L. Munck, Authoritaritarianism and Democratization: Soldiers and Workes in Argentina, 1976-83, in Comparative Perspective (University Park, Pa: Pennsylvania State University Press, no prelo), capítulo 6.
  • 26 Carol Skalnik Leff, The Czech and Slovak Republics. Nation vs. State (Boulder: Westview Press, 1996).
  • 27 Georgi Karasimeonov, "Parliamentary Elections of 1994 and the Development of the Bulgarian Party System", Party Politics, 1 (outubro 1995), 579-88.
  • 28 Adam Przeworski, et. al, Sustainable Democracy (New York: Cambridge University Press, 1995), pp. 48-49.
  • 30 Juan Linz e Alfred Stepan, Problems of Democratic Transition and Consolidation: Southern Europe, South America and Post-Communist Europe (Baltimore: The John Hopkins University Press, 1996).
  • *
    "Modes of Transition and Democratization. The South American and European Cases in Comparative Perspective". Tradução de Bernardo Ricupero.
  • 1
    Juan J. Linz, "Some Comparative Thoughts on the Transition to Democracy in Portugual and Spain" in Jorge Braga de Macedo e Simon Serfaty, orgs.,
    Portugal Since the Revolution: Economic and Political Perspectives (Boulder: Westview Press, 1981); Guillermo O'Donnell e Philippe Schmitter,
    Transitions From Authoritarian Rule. Tentative Conclusions about Uncertain Democracies (Baltimore: The Hohn Hopkins University Press, 1986), pp. 11, 37-39; Terry Lynn Karl, "Dilemmas of Democratization in Latin America",
    Comparative Politics, 23 (October 1990), 1-21; Terry Lynd Karl e Philippe Schmitter, "Modes of Transition in Latin America, Southern and Eastern Europe,
    International Science Journal 128 (May 1991), 269-84; Giuseppe Di Palma,
    To Craft Democracies. An Essay on Democratic Transitions (Berkeley, University of California Press, 1990), cap. 4 e 6; Samuel Huntington,
    The Third Wave of Democratization in the Late Twentieh Century (Norman: University of Oklahoma Press, 1991), cap. 3; Guillermo O'Donnell e Samuel Valenzuela, orgs.,
    Issues in Democratic Consolidation: The New South American Democracies in Comparative Perspective (South Bend: University of Notre Dame Press, 1992). ; Samuel Valenzuela, "Democratic Consolidation in Post-Transitional Settings: Notion, Process, and Facilitating Conditions", in Mainwaring, O'Donnell e Valenzuela, orgs.,
    Issues in Democratic Consolidation; Yossi Sahain e Juan Linz et. al.,
    Between States. Interim Governments and Democatic Transitions (Cambridge, Cambridge University Press, 1955); Stephen Haggard e Robert Kaufman,
    The Political Economy of Democratic Transitions (Princeton: Princeton University Press, 1995), pp. 14-15, 163-74,368-71, cap. 4; P. Nikiforos Diamandouros e Richard Gunther,
    "Preface", in Richard Gunther, N. Diamandouros e Hans-Jiirgen Puhle, orgs.,
    The Politics of Democratic Consolidation. Southern Europe in Comparative Perspective (Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1995), pp. xii-xxvii; P. N. Diamandouros, Hans Puhlee Richard Gunther,
    op. cit., "Conclusion", pp. 397-8, 402-07.
  • 2
    O debate sobre até que ponto os pactos são benéficos para para a democratização é uma ilustração disso. Depois do consenso inicial de que as transição pactadas eram mais conducentes à consolidação democrática, um ponto de vista sustentado no trabalho de 1986 de O'Donnell e Schmitter, os aspectos negativos dos pactos foram enfatizados por Karl e Valenzuela. O argumento de Karl de que os pactos normalmente envolvem elementos de exclusão que impedem a consolidação democrática, no entanto, foi por sua vez criticado por Di Palma e Diamandouros, Puhle e Gunther. Para acrescentar mais uma reviravolta, O'Donnell argumentou recentemente em favor de uma terceira posição, enfatizando os aspectos negativos e
    trade-offs tanto de transições pactadas quanto das não-pactadas - um ponto de vista que também é compartilhado por Huntington. O'Donnell e Schmitter, p. 39; Karl, pp. 9-12; Valenzuela, pp. 76-78; Di Palma, pp. 122-25; Diamandouros, Puhle e Gunther, pp. 406-07; O'Donnell, pp. 24-37; Huntington, p. 276.
  • 3
    Essa posição é defendida, mais energicamente, por Adam Przeworski,
    Democracy and the Market. Political and Economic Reforma in Easterna Europe and Latin America (Cambridge, Cambridge University Press, 1991), pp. 94-99.
  • 4
    Dankwart Rustow, "Transitions to Democracy: Toward a Dynamic Model",
    Comparative Politics, 2 (Abril 1970) 337-63.
  • 5
    Ibid., p. 346.
  • 6
    Enquanto o conceito de transição refere-se ao período entre um regime político e outro, distinguimos a transição de um regime estabelecido e a transição
    para um novo regime. Essa distinção, que não é claramente reconhecida na literatura sobre modos de transição, nos permite definir modos de transição em termos da transição de regimes estabelecidos e avaliar se os modos de transição são responsáveis pelo regime resultante, um desafio de explicação chave.
  • 7
    Em razão de estratégias de mudança de ator estarem condicionadas pelo poder relativo dos antigos governantes, essas são realmente duas caracterizações paralelas. Aqui seguimos Karl ao distinguirmos transições em termos de estratégias de atores da alternativa mais comum de enfatizar o grau de controle exercido pelo antigo regime. Karl, p. 8-9. Sobre distinções que enfatizam o poder relativo dos antigos governantes, ver Linz, "Some Comparative Thoughts", e Scott Mainwaring "Transitions to Democracy and Democratic Consolidation: Theoretical and Comparative Issues", in Mainwaring, O 'Donell e Valenzuela,
    Issues in Democratic Consolidation, pp. 317-26.
  • 8
    Apesar de Karl distinguir entre atores que dominam o processo de transição, sua conceituação enfatiza a prevalência relativa dos atores de elite versus os de massa, e não mira diretamente um problema crucial nas transições: a disputa entre as elites governantes e as contra-elites. De fato, sua conceituação colocaria no mesmo bloco transições que são iniciadas pelas elites governantes com aquelas que resultam das ações de contra-elites. Nossa conceituação é mais próxima da de Valenzuela, que enfatiza "a atitude das últimas elites governantes do regime autoritário em direção à democratização", isto é, tanto se a mudança vem de dentro ou de fora da elite governantes. Karl, pp. 8-9; Valenzuela, pp. 73-78.
  • 9
    Sobre as escolhas institucionais, ver Arend Lijphart, "Democratrization and Constitutional Choices in Czecho-slovakia, Hungary and Poland, 1989-91"
    Journal of Theoretical Politics 4, 2 (1992), 207-23. Sobre a consolidação de arranjos institucionais específicos, ver Juan J. Linz e Arturo Valenzuela, orgs., The Failure of Presidential Democracy. Volume 1.
    Comparative Perspectives (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1994).
  • 10
    Aqui seguimos Przeworski, que argumenta que no momento atual, em que restrições à participação de massa são raras, "a possibilidade de competição entre interesses conflitantes é suficiente para explicar a dinâmica da democracia. Uma vez que os direitos políticos são suficientemente amplos a ponto de que se admitam interesses conflitivos, tudo o mais se segue" Przeworski,
    Democracy and the Market, p. 10.
  • 11
    Apesar das possibilidades de exercícios comparativos inter-regionais ter gerado alguma discussão, o teste definitivo para esses enfoques está em saber se estudos desse tipo levam a descobertas úteis. Sobre esse debate, ver a polêmica entre Philippe Schmitter, Terry Karl e Valerie Bunce na
    Slavic Review (Spring 1994, Spring 1995 e Winter 1995).
  • 12
    Esforços similares de codificação não classificam todos os casos da mesma forma. A razão para essa discrepância está nos critérios diferentes usados para definir um modo de transição, na tendência de algumas vezes ordenar os casos em termos das causas e não segundo as características do próprio processo de transição, e em novas informações sobre os casos. Para outras tentativas de ordenar casos de transição, ver Karl and Schmitter, p. 276; Huntington, p. 113; Valenzuela, p. 77; James W. McGuire, "ínterim Government and Democratic Consolidation: Argentina in Comparative Perspective" ,
    in Shain e Linz et. al.,
    Between States, pp. 194-95; e Felipe Agüero,
    Soldiers, Civilians, and Democracy. Post-Franco Spain in Comparative Perspective (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1995), p. 65.
  • 13
    Valenzuela.p. 62-67.
  • 14
    Apesar de alguns autores terem corretamente enfatizado que o Chile teve uma "transição incompleta", no sentido que importantes questões institucionais continuaram na agenda política, mesmo assim é correto afirmar que a transição termnou em 1990, já que as características básicas do novo regime já tinham sido definidas naquele período.
  • 15
    Gerardo Munck, "Democratic Stability and Its Limits. An Analysis of Chile's 1993 Elections".
    Journal of Interamerican Studies and World Affairs 36, 2 (1994); Manuel Antonio Garretón,
    Hacia una nueva política. Estudios sobre democratizaciones (Mexico, Fondo de Cultura Económica, 1995), pp. 34-42, 111-29, 216-17.
  • 16
    A maior parte dos analistas do Brasil implicitamente tomam a liberalização como indicativa do início da transição. Mas, como argumenta Przeworski, "a liberalização nem sempre conduz à transição". E crucial, portanto, estabelecer urna demarcação precisa entre liberalização e democratização. Przeworski,
    Democracy and the Market, pp. 54-66.
  • 17
    Frances Hagopian, "The Compromised Consolidation: The Political Class in the Brazilian Transition," in Maiwaring, O'Donnell e Valenzuela, orgs.,
    Issues in Democratic Consolidation, pp. 266, 247-48.
  • 18
    Thomas Bruneau, "Constitutions and Democratic Consolidation: Brazil in Comparative Perspective," in Diane Ethier, orgs.,
    Democratic Transition and Consolidation in Southern Europe, Latin America and Southern Asia (Basingstoke: Macmillan, 1990), pp. 178-84.
  • 19
    Ibid., p. 184-90; Hagopin, p. 272-77.
  • 20
    Scott Mainwaring, "Presidencialism, Multipartism and Democracy: the Difficult Combination,"
    Comparative Political Studies, 26 (July 1993), 198-228.
  • 21
    Lijphart, p. 211, 213; Krzystof Jasiewicz, "From Solidarity to Fragmentation," Journal of Democracy, 3 (Abril 1992), 55-69.
  • 22
    László Bruszt e David Stark, "Remaking the Political Field in Hungary: From the Politics of Confrontation to the Politics of Competition,"
    Journal of International Affairs, 45, 1 (1991), 201-45.
  • 23
    Adras Bozoki, "Party Formation and Constitutional Change in Hungary", in Terry Cox e Andy Furlong, orgs.,
    Hungary. The Politics of Transition (London: Frank Cass, 1995).
  • 24
    Gerardo L. Munck,
    Authoritaritarianism and Democratization: Soldiers and Workes in Argentina, 1976-83, in Comparative Perspective (University Park, Pa: Pennsylvania State University Press, no prelo), capítulo 6.
  • 25
    Lipjhart, p. 216-17.
  • 26
    Carol Skalnik Leff,
    The Czech and Slovak Republics. Nation vs. State (Boulder: Westview Press, 1996).
  • 27
    Georgi Karasimeonov, "Parliamentary Elections of 1994 and the Development of the Bulgarian Party System",
    Party Politics, 1 (outubro 1995), 579-88.
  • 28
    Adam Przeworski,
    et. al, Sustainable Democracy (New York: Cambridge University Press, 1995), pp. 48-49.
  • 29
    Karl e Schimitter, p. 272-73; Diamandouros, Puhle e Gunther, p. 398.
  • 30
    Juan Linz e Alfred Stepan,
    Problems of Democratic Transition and Consolidation: Southern Europe, South America and Post-Communist Europe (Baltimore: The John Hopkins University Press, 1996).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 1997
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