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CONSTITUIÇÃO E DESIGUALDADE: DIREITO DE PROPRIEDADE E REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL

CONSTITUTION AND INEQUALITY: RIGHT TO PROPERTY AND LAND REFORM IN BRAZIL

Resumo

Este artigo analisa a regulação constitucional do direito de propriedade e da reforma agrária como um caso exemplar para a compreensão dos mecanismos pelos quais o sistema constitucional afeta a distribuição da riqueza no Brasil. A pesquisa focaliza a inclusão de dispositivos no texto constitucional que visam proteger os interesses contrários às políticas redistributivas nessa área e o uso do Poder Judiciário como ponto de veto para a operacionalização desses dispositivos.

Palavras-chave:
Sistema Constitucional Brasileiro; Reforma Agrária; Pontos de Veto; Supremo Tribunal Federal

Abstract

This article analyzes the law on the right to property and land reform as an exemplary case for understanding the mechanisms by which the constitutional system affects the distribution of wealth in Brazil. The research examines the inclusion of provisions aiming to protect the interests against land redistributive policies and the use of the Judiciary Branch as a veto point for operationalizing these provisions.

Keywords:
Brazilian Constitutional System; Land Reform; Veto Points; Supreme Federal Court

Introdução

No dia 10 de maio de 1988, o plenário da Assembleia Nacional Constituinte registrou um de seus quóruns mais elevados, com a presença de 531 dos 559 constituintes. Após várias negociações, o capítulo sobre reforma agrária seria finalmente votado, mas ainda restavam questões a serem decididas. Desde o início dos trabalhos constituintes, o tema da reforma agrária dividira a Constituinte e sofrera constantes mudanças nas diversas fases de elaboração da nova Constituição. A importância daquela sessão aparece no discurso proferido pelo então senador Fernando Henrique Cardoso (à época filiado ao PMDB-SP), para quem “talvez nenhuma questão tenha chamado tanto a atenção desta Casa, tenha despertado tanto o interesse do País como a que vamos decidir esta tarde, relativa à reforma agrária” (Brasil, 1988BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. 1988. Diário da Assembleia Nacional Constituinte, ano 2, n. 241, 11 de maio. , p. 168).

As disputas em torno da reforma agrária demonstram a importância que os conflitos distributivos da sociedade brasileira tiveram na Assembleia Constituinte. A crise econômica vivida pelo país na década de 1980 e o processo por meio do qual a nova Constituição foi elaborada contribuíram para que a agenda de caráter econômico e social recebesse bastante atenção nos debates constituintes. Como resultado, a Constituição de 1988 não se limitou a estabelecer normas sobre a organização do Estado e dos poderes, mas também incidiu sobre a regulação do poder econômico. Além de dedicar a essa matéria seu título “VII - Da Ordem Econômica”, o texto constitucional contém várias outras disposições que definem as bases do funcionamento da economia capitalista brasileira. Paralelamente, a Constituição consagra direitos sociais universais e ordena a implementação de políticas públicas para garanti-los, dispondo inclusive sobre seu financiamento.

Essas características tornam o sistema constitucional um elemento central na regulação dos conflitos distributivos do país. Além de exercer uma influência indireta sobre as relações econômicas por meio das competências que atribui ao Poder Público, a Constituição de 1988 regula diretamente esses conflitos ao estabelecer normas que tanto podem favorecer quanto limitar a adoção de políticas redistributivas. De maneira similar a outras Constituições do segundo pós-guerra (Graber, 2018GRABER, Mark A. 2018. What’s in Crisis? The Postwar Constitutional Paradigm, Transformative Constitutionalism, and the Fate of Constitutional Democracy. In: GRABER, Mark; LEVINSON, Sanford; TUSHNET, Mark. (ed.). Constitutional democracy in crisis ? Oxford: Oxford University Press .) e da América Latina (Gargarella, 2018GARGARELLA, Roberto. 2018. Latin America. Constitutions in Trouble. In: GRABER, Mark; LEVINSON, Sanford; TUSHNET, Mark. (ed.). Constitutional democracy in crisis? Oxford: Oxford University Press.), a Carta brasileira busca garantir o acesso dos cidadãos aos bens essenciais à vida humana. Ao mesmo tempo, ela contém uma série de dispositivos que protegem o status quo.

Neste artigo, pretendemos desenvolver um estudo sobre a regulação constitucional do direito de propriedade e da reforma agrária como um caso exemplar para a compreensão dos mecanismos pelos quais o sistema constitucional afeta a distribuição da riqueza no país. Nossa análise terá dois focos: a inclusão de dispositivos no texto constitucional que visam proteger os interesses contrários às políticas redistributivas nessa área; e o uso do Poder Judiciário como ponto de veto para a operacionalização desses dispositivos.

Apesar das reivindicações e mobilizações ocorridas durante a Constituinte, a política de reforma agrária implantada a partir de 1988 não conseguiu alterar de modo estrutural o quadro de concentração fundiária no Brasil. Segundo um estudo recente (Pinto et al., 2020PINTO, Luís Fernando Guedes; FARIA, Vinicius Guidotti; SPAROVEK, Gerd; REYDON, Bastiaan Philip; RAMOS, Claudia Azevedo; SIQUEIRA, Gabriel Pansani; GODAR, Javier; GARDNER, Toby; RAJÃO, Raoni; ALENCAR, Ane; CARVALHO, Tomás; CERIGNONI, Felipe; GRANERO, Isabella Mercuri; COUTO, Matheus. 2020. Quem são os poucos donos das terras agrícolas no Brasil - o mapa da desigualdade. Sustentabilidade em Debate, n. 10. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3umqLnP . Acesso em: 8 abr. 2022.
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), o Índice de Gini de distribuição da posse da terra no Brasil corresponde a 0,73 e os 10% maiores imóveis ocupam 73% da área agrícola do Brasil, enquanto os 90% menores imóveis ocupam somente 27% da área. Outros estudos indicam que as estruturas fundiárias desiguais do Brasil estão associadas a padrões de vida mais baixos da população (Valadares et al., 2017VALADARES, Alexandre Arbex; SILVEIRA, Fernando Gaiger; PIRANI, Nikolas de Camargo. 2017. Desenvolvimento humano e distribuição da posse da terra. In: MARGUTI, Bárbara Oliveira; COSTA, Marco Aurélio; PINTO, Carlos Vinícius da Silva. (org.). Territórios em números: insumos para políticas públicas a partir da análise do IDHM e do IVS de municípios e unidades da federação brasileira. Brasília: IPEA.). Sob a vigência da atual Constituição, o pico de desapropriações para reforma agrária ocorreu em 1998, durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, quando a área desapropriada atingiu mais de 2.250.000 hectares, número que foi se reduzindo nos anos seguintes até alcançar um novo pico em 2005, com a desapropriação de um milhão de hectares. Desde então, a área desapropriada no Brasil voltou a cair, limitando-se a menos de 250.000 hectares anuais desde 2011 (Sá, 2018SÁ, João Daniel Macedo. 2018. Direito de propriedade: uma análise do papel da propriedade rural no contexto da justiça distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris ., p. 179).

Nossa pesquisa busca analisar de que modo as normas e instituições constitucionais contribuíram para esse quadro ao dificultarem a implementação da reforma agrária no Brasil. Na seção seguinte, após um exame da literatura sobre o impacto dos conflitos distributivos nos processos de democratização, identificaremos como as disputas em torno da redistribuição da propriedade da terra se manifestaram durante a transição democrática. A análise dos debates e das decisões tomadas na Constituinte sobre o direito de propriedade e a reforma agrária, e do Poder Judiciário como ponto de veto, com foco no papel exercido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), serão objeto das demais seções.

Conflitos Distributivos e Constituição

A influência que os conflitos distributivos exercem sobre os processos de democratização tem sido objeto de atenção da literatura especializada. Diversos estudos reconhecem que os níveis de desigualdade econômica presentes na sociedade devem ser analisados com uma das variáveis que explicam a dinâmica das transições e consolidações democráticas. Embora o ponto de partida desses estudos seja uma concepção processual de democracia, que a caracteriza pela realização de eleições e pela garantia das liberdades de expressão e associação, os conflitos sociais por redistribuição da renda e da riqueza são abordados como um elemento central para compreender o funcionamento das instituições e o comportamento dos atores em um regime democrático.

Em seu trabalho sobre democracia e desenvolvimento capitalista, Rueschemeyer, Stephens e Stephens (1992RUESCHEMEYER, Dietrich; STEPHENS, Evelyne; STEPHENS, John. 1992. Capitalist development and democracy. Chicago: University of Chicago Press.) apontam que os interesses de classe tanto podem impulsionar quanto oferecer resistências aos processos de democratização. Segundo esses autores, o fortalecimento das organizações políticas das classes subordinadas e, especialmente, da classe trabalhadora, é fundamental para a democracia, uma vez que são essas classes que demandam direitos políticos, como o sufrágio universal, a fim de se contrapor às diferenças de poder, riqueza e status das classes proprietárias. Assim, o avanço da democratização depende da existência de um equilíbrio de poder entre as classes, o que ocorre quando o desenvolvimento capitalista contribui para o aumento do tamanho da classe trabalhadora e da densidade de sua organização, ao mesmo tempo em que enfraquece as classes que mais resistem à expansão dos direitos políticos, tais como os grandes proprietários de terra.

A relação entre democracia e desigualdade também constitui um dos focos da teoria formulada por Tilly (2013TILLY, Charles. 2013. Democracia. Petrópolis: Vozes.), segundo a qual a democratização depende, dentre outros fatores, de que os processos de tomada de decisões políticas sejam isolados das desigualdades categóricas existentes na sociedade. Tais tipos de desigualdade, como aquelas vinculadas a classe, raça e gênero, criam oportunidades de vida distintas para conjuntos inteiros de pessoas e podem inviabilizar a democracia caso gerem diferenças no exercício dos direitos políticos. Para Tilly, a democratização somente pode evoluir quando ocorre uma equalização dos benefícios e/ou do bem-estar entre todas as categorias ou quando são criados mecanismos que limitam o impacto das desigualdades sobre o processo político, tais como a ampliação da participação e dos direitos políticos.

Por outro lado, as pressões redistributivas geradas nos processos de democratização criam resistências nos setores economicamente dominantes e podem levá-los a apoiar uma resposta autoritária a esses conflitos. Para Acemoglu e Robinson (2006ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. 2006. Economic origins of dictatorship and democracy. Cambridge: Cambridge University Press.), a universalização do sufrágio que caracteriza as democracias favorece a adoção de políticas mais vantajosas à maioria, cujo efeito redistributivo pode vir a ser tolerado pelas elites quando elas não dispõem de meios para reprimir as mobilizações populares ou quando se encontram sob a ameaça de uma revolução. Nessa situação, as elites admitem fazer concessões à maioria, ao mesmo tempo em que buscam organizar instituições que restrinjam o alcance da redistribuição, seja por meio da proteção do capital ou da criação de instituições políticas que limitem o poder da maioria. Para esses autores, as sociedades com níveis médios de desigualdade são mais favoráveis à democratização, à medida que as classes médias servem de amortecedores (buffers) no conflito entre as elites e os demais cidadãos, pois essas camadas médias tendem a oferecer suporte a políticas redistributivas que, embora atendam aos pobres, não ameaçam os ricos. Tal situação também explica porque as elites agrárias tendem a ser mais resistentes à democracia que as elites industriais, uma vez que as últimas dispõem de mais instrumentos para se proteger da tributação de sua riqueza, além de precisarem de um grau maior de cooperação de seus trabalhadores.

Boix (2003BOIX, Carles. 2003. Democracy and redistribution. Cambridge: Cambridge University Press .) desenvolve uma análise similar sobre a necessidade de reduzir a resistência das elites, por meio da limitação das demandas redistributivas, para que um processo de democratização tenha êxito. Porém, ele conclui que a consolidação da democracia se torna mais provável quando há equilíbrio na distribuição dos ativos e da renda na sociedade. Seu estudo destaca ainda que o grau de mobilidade do capital é um fator que condiciona a democratização, uma vez que as elites podem limitar as pressões redistributivas caso disponham de meios pouco custosos para escapar da tributação ou expropriação de sua riqueza. Contrariamente, quando uma economia está baseada em ativos fixos, como a terra, torna-se mais difícil o avanço da democracia. Em outro estudo, Ziblatt (2008ZIBLATT, Daniel. 2008. Does landholding inequality block democratization? A test of the ‘bread and democracy’ thesis and the case of Prussia. World Politics, n. 60, p. 610-641. DOI: 10.1353/wp.0.0021
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) também conclui que a desigualdade na distribuição da terra impõe dificuldades à democratização.

As reações das elites às lutas por democratização e a necessidade de um ponto de equilíbrio nas demandas por redistribuição são ainda mais evidentes em processos de transição política negociada, tal como ocorreu no Brasil ao final da ditadura militar. Nesses processos, os agentes autoritários ainda detêm poder suficiente para influenciar a organização do novo regime democrático e podem exigir da oposição que haja limites à redistribuição para aceitar a mudança de governo. Tais exigências tendem a ser incorporadas na Constituição, cuja supremacia restringe as decisões que podem ser tomadas pelos governos democráticos e condiciona o funcionamento de suas instituições. Albertus e Menaldo (2018ALBERTUS, Michael; MENALDO, Victor. 2018. Authoritarianism and the elite origins of democracy. Cambridge: Cambridge University Press ., p. 63) indicam que 70% dos casos de transições democráticas desde a Segunda Guerra Mundial foram realizados sob a égide de uma Constituição autoritária, de modo a proteger os interesses das elites políticas e econômicas. Esse desenho constitucional é composto tanto por normas processuais, que definem como o poder é distribuído em termos geográficos e para quais grupos sociais e organizações, quanto por normas substantivas, que protegem as elites políticas e o patrimônio das elites econômicas.

A inclusão desses tipos de normas na Constituição que irá reger o regime democrático significa impor limites às possibilidades redistributivas do novo regime desde seu início. Em primeiro lugar, as Constituições costumam ser rígidas, estando à salvo de mudanças produzidas pelas maiorias legislativas ordinárias. Dado o caráter de norma suprema que a Constituição assume no ordenamento jurídico, sua reforma somente pode ser feita por meio de processos mais exigentes do que aqueles previstos para a elaboração das demais leis. Esses processos agravados incluem, dentre outros, a exigência de maiorias qualificadas, um número maior de votações e a participação de órgãos distintos do parlamento. No caso brasileiro, a aprovação de emendas constitucionais requer, de acordo com o art. 60 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), maioria qualificada de 3/5 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em dois turnos de votação.

Além desse ônus que a Constituição impõe aos atores que pretendam modificar suas normas, o desenho da divisão de poderes oferece instrumentos para que um poder do Estado impeça que outro poder ultrapasse os limites constitucionais. Assim, a dispersão constitucional do poder político cria pontos de veto nas instituições, os quais oferecem aos opositores oportunidades para bloquear reformas redistributivas e obter a proteção do Estado para a manutenção do status quo (Huber e Stephens, 2012HUBER, Evelyne; STEPHENS, John D. 2012. Democracy and the left: social policy and inequality in Latin America. Chicago: The University of Chicago Press.; Immergut, 1992IMMERGUT, Ellen M. 1992. Health politics: interests and institutions in Western Europe. Cambridge: Cambridge University Press .). A existência desses pontos de veto no processo de deliberação sobre as políticas públicas tende a dificultar a expansão das políticas sociais, mesmo quando uma coalizão favorável à redistribuição se encontra à frente do governo, tal como demonstram estudos recentes sobre a América Latina (Cornia, 2010CORNIA, Giovanni Andrea. 2010. Income distribution under Latin America’s new left regimes, Journal of Human Development and Capabilities, v. 11, n. 1, p. 85-114. DOI: 10.1080/19452820903481483
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; Huber e Stephens, 2012HUBER, Evelyne; STEPHENS, John D. 2012. Democracy and the left: social policy and inequality in Latin America. Chicago: The University of Chicago Press.; Sánchez-Ancochea, 2020SÁNCHEZ-ANCOCHEA, Diego. 2020. Beyond a single model: explaining differences in inequality within Latin America. Kellogg Institute for International Studies, Working Paper n. 434.).

O caso brasileiro é um exemplo do uso da Constituição como instrumento dos conflitos distributivos. Por um lado, as demandas por redistribuição foram acolhidas no texto constitucional sob a forma de uma abrangente regulação dos direitos sociais e das políticas que lhe correspondem, o que conferiu ao Poder Público diversas competências e vários instrumentos para atuar nesse campo. Por outro lado, as elites econômicas também conquistaram vitórias na Constituinte, aprovando normas que protegem seus interesses ao impor limites às ações do Estado na ordem econômica e tributária. Por essas razões, parte significativa do texto constitucional é composta por disposições que tratam de políticas públicas (Couto e Arantes, 2006COUTO, Cláudio Gonçalves; ARANTES, Rogério Bastos. 2006. Constituição, governo e democracia no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 61, p. 41-62. DOI: 10.1590/S0102-69092006000200003
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) e muitas das emendas aprovadas à Constituição de 1988 envolvem matérias referentes à tributação e ao orçamento público.

Além dessas características, a Constituição de 1988 organiza o sistema político brasileiro de acordo com um modelo consensual de democracia (Lijphart, 2003LIJPHART, Arend. 2003. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.), o qual inclui um sistema multipartidário com representação proporcional, a federação, o bicameralismo e a já mencionada rigidez constitucional, todos eles operando de modo a favorecer a dispersão do poder político. Sem embargo, a principal inovação do sistema político pós-1988 verificou-se no fortalecimento do Poder Judiciário, cujas competências foram ampliadas, juntamente com sua independência em relação aos demais poderes.

Sob o atual regime, o Poder Judiciário dispõe de diferentes instrumentos para fiscalizar os atos dos Poderes Legislativo e Executivo, convertendo-se em um ponto de veto de suas decisões. Além de proteger os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, por meio de um conjunto amplo de instrumentos processuais, como o mandado de segurança, a ação civil pública e o habeas corpus, o STF e os demais juízes e tribunais do Brasil também possuem competência para exercer o controle de constitucionalidade das leis em sua aplicação a casos concretos. Ao lado desse controle de tipo difuso, o STF - a quem compete a “guarda da Constituição” (art. 102, caput, da CRFB) - ainda possui a atribuição de decidir sobre a compatibilidade das leis com as normas constitucionais por via direta, sem que seja necessária a existência de um litígio particular sobre sua aplicação. Ao ser dotado de competências para julgar com base na Constituição e não apenas nas leis, o Poder Judiciário passa a dispor de vários meios para impedir que decisões tomadas pelos demais poderes sejam implementadas, colocando-se como uma arena política que pode favorecer alguns grupos em detrimento de outros.1 1 A partir do trabalho pioneiro de Vianna (1999), os estudos sobre a judicialização da política no Brasil tornaram-se crescentes. Para uma análise do debate acadêmico sobre o tema, ver Koerner (2013).

A construção desse arcabouço constitucional não poderia deixar de ter um forte impacto sobre o modo como o sistema político brasileiro passou a lidar com os conflitos distributivos. No campo da reforma agrária, o período final da ditadura militar foi marcado pelo acirramento desses conflitos, demonstrando os limites das políticas implementadas com base no Estatuto da Terra, que buscavam a modernização capitalista do campo (Martins, 1980MARTINS, José de Souza. 1980. Expropriação e violência: a questão política no campo. São Paulo: Hucitec.; Pinto, 1995PINTO, Luís Carlos Guedes. 1995. Reflexões sobre a política agrária brasileira no período 1964-1994. Reforma Agrária - Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária, v. 25, n. 1, p. 65-92. Disponível em: https://bit.ly/3jkEsgM. Acesso em: 8 abr. 2022.
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).

Durante a década de 1980, além do fortalecimento da Confederação Nacional do Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), houve o surgimento de novos movimentos sociais no campo: posseiros na Amazônia, comunidades afetadas pela construção de hidrelétricas, agricultores sem-terra e seringueiros. Esses movimentos desenvolveram novas formas de luta, como a resistência na terra, os embargos de barragens, as ocupações de áreas improdutivas e os “empates” para proteger seringais nativos, além de criarem entidades representativas, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) (Medeiros, 1993MEDEIROS, Leonilde Servolo de. 1993. Reforma agrária: concepções, controvérsias e questões. Cadernos Temáticos, n. 1. Rede Interamericana Agricultura e Democracia - Fórum Alternativas para a Agricultura Brasileira.; Reis, 2012REIS, Rossana Rocha. 2012. O direito à terra como um direito humano: a luta pela reforma agrária e o movimento de direitos humanos no Brasil. Lua Nova, n. 86, p. 89-122. DOI: 10.1590/S0102-64452012000200004
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). Na mesma época, os povos indígenas e as comunidades quilombolas ampliaram suas reivindicações por direitos. A reação dos grandes proprietários rurais a essas ações não tardou a ocorrer. Em 1986, foi criada a União Democrática Ruralista (UDR), que passou a comandar diversas iniciativas de defesa dos interesses contrários a mudanças na estrutura fundiária, incentivando até mesmo o uso de armas para defender a propriedade privada.2 2 Segundo um relatório publicado pela Anistia Internacional, mais de mil trabalhadores rurais haviam sido assassinados no Brasil desde 1980 (Amnesty International, 1988).

Antes mesmo do início dos trabalhos da Constituinte, organizações como a CONTAG, o MST e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) elaboraram propostas para a nova Constituição. A reforma agrária também integrava o programa da Aliança Democrática, cujos candidatos Tancredo Neves e José Sarney foram vitoriosos no Colégio Eleitoral. Em 1985, o novo governo civil cria o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD) e aprova o Plano Nacional de Reforma Agrária, que pretendia assentar 1,4 milhão de famílias até o final de 1989.

Já no decorrer do processo constituinte, duas emendas populares tiveram como objeto a reforma agrária, capitaneadas pela Campanha Nacional pela Reforma Agrária (CNRA) e pelo MST. A emenda patrocinada pela CNRA era composta por 17 itens, dentre os quais os mais inovadores eram a criação do Instituto da Área Máxima de imóveis rurais e, em caso de seu abandono, do Instituto da Perda Sumária; a imissão automática na posse dos imóveis rurais desapropriados para fins de reforma agrária; e a adoção do valor declarado pelo proprietário, para fins tributários, como limite máximo do valor da indenização, em substituição ao valor de mercado do imóvel. Além disso, a proposta buscava constitucionalizar disposições já previstas na legislação infraconstitucional, como os critérios de cumprimento da função social da terra. Já a proposta do MST acrescentava artigos prevendo o instituto da concessão de uso, a participação dos trabalhadores rurais nas decisões sobre a reforma agrária e limitações aos benefícios do crédito rural (Silva, 1989SILVA, José Gomes da. 1989. Buraco negro: a reforma agrária na Constituinte. Rio de Janeiro: Paz e Terra., cap. 10).

Na seção seguinte, veremos como esses conflitos foram processados na Constituinte e o texto constitucional que deles resultou.

A Propriedade na Constituição

A importância do direito de propriedade é reconhecida pelas Constituições modernas, que o consagram como um direito individual. No Brasil, a propriedade é garantida desde a Constituição de 1824, porém, no século seguinte, as Constituições brasileiras passaram a declarar que esse direito estaria condicionado pelo “interesse social ou coletivo” (1934) e pelo “bem-estar social” (1946). Essas disposições, embora manifestassem uma mudança de paradigma no que se refere aos limites impostos pelo Poder Público à propriedade (Marés, 2003MARÉS, Carlos Frederico. 2003. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris.), não tiveram impacto sobre a concentração fundiária no Brasil, pois a Constituição de 1946 exigia que a desapropriação fosse indenizada de maneira prévia e justa em dinheiro (Bercovici, 2020BERCOVICI, Gilberto. 2020. A questão agrária na Era Vargas (1930-1964). História do Direito, v. 1, n. 1, p. 183-226. DOI: 10.5380/hd.v1i1.78725
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). Sob a ditadura militar, as Constituições de 1967 e 1969 incorporaram o princípio da “função social da propriedade” e adotaram regras específicas que autorizavam a União a indenizar a desapropriação da propriedade rural por meio de títulos da dívida pública. Juntamente com o Estatuto da Terra, essas normas propiciaram a implementação de políticas de reforma agrária no período.

A constitucionalização da reforma agrária ocorrida na década de 1960 criou o precedente para que o tema voltasse a ser debatido na Assembleia Constituinte. Os movimentos sociais do campo compreenderam que a aprovação de normas constitucionais favoráveis à reforma seria um meio eficaz para eliminar as barreiras legais existentes e, tal como vimos, mobilizaram-se para apresentar propostas à nova Constituição. Paralelamente, os grandes proprietários rurais também se organizaram para evitar que o arcabouço legal herdado da ditadura militar fosse alterado.

O acirramento desses confrontos, aliado ao caráter fragmentado do processo constituinte brasileiro de 1987-1988, contribuiu para que houvesse muitas mudanças nas regras sobre o direito de propriedade e a reforma agrária durante a elaboração da Constituição de 1988. Embora o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), beneficiado pelo Plano Cruzado, houvesse obtido maioria na Constituinte, esse partido não possuía unidade política, pois congregava parlamentares de direita, esquerda e centro, representando setores muito distintos da sociedade. Além disso, o processo de elaboração da nova Constituição foi particularmente complexo, de modo a garantir a participação ativa de todos os deputados e senadores constituintes. Sem contar com um projeto base, a Constituinte foi dividida em 24 subcomissões temáticas, oito comissões temáticas e uma comissão de sistematização, cujos trabalhos precederam as votações em Plenário.

A demora na elaboração da Constituição também decorreu da alteração regimental promovida pelo bloco conservador conhecido como “Centrão”, que se articulou para modificar elementos progressistas do projeto de Constituição aprovado pela Comissão de Sistematização.3 3 Munhoz (2011) identifica 22 membros do Centrão que foram apoiados pela UDR em sua eleição para a Constituinte. Por meio dessa alteração regimental, emendas coletivas apresentadas pelo Centrão tiveram prioridade em relação ao texto aprovado pela comissão, o que reabriu o processo de negociação durante a fase da votação em Plenário (Pilatti, 2008PILATTI, Adriano. 2008. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lumen Juris.).

Assim, a Constituinte ofereceu várias oportunidades para que as diferentes partes em conflito buscassem garantir seus interesses no texto constitucional, buscando utilizar a rigidez constitucional para limitar as opções políticas do legislador ordinário. Dadas as características desse processo, a formação de maiorias para aprovar a nova Constituição dependeu em grande parte de concessões mútuas feitas entre os grupos políticos. Por meio dessas concessões, a regulação constitucional de uma determinada matéria busca atender a interesses divergentes ou leva um grupo a ceder em um tema em troca da proteção de seus interesses em outro (Maués; Santos, 2008MAUÉS, Antonio Moreira; SANTOS, Élida Lauris dos. 2008. Estabilidade constitucional e acordos constitucionais: os processos constituintes de Brasil (1987-1988) e Espanha (1977-1978). Revista Direito GV, v. 4, n. 2, pp. 349-387. DOI: 10.1590/S1808-24322008000200002
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).

Nas situações em que acordos baseados em concessões mútuas são inviáveis, os constituintes podem optar por não tomar decisões sobre determinadas matérias. Nesses casos, a Constituição atribui expressamente ao legislador ordinário a competência para regular os assuntos sobre os quais não foi possível chegar a um acordo no processo constituinte. Segundo Dixon e Ginsburg (2011DIXON, Rosalind; GINSBURG, Tom. 2011. Deciding not to decide: deferral in constitutional design. International Journal of Constitutional Law, v. 9, n. 3-4, p. 636-672. DOI: 10.1093/icon/mor041
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), essa delegação da decisão ao Legislativo pode assumir as seguintes formas:

  1. delegação forte: disposições constitucionais que facultam ao legislador a regulação de determinadas matérias, a quem caberá decidir sobre o exercício dessa competência;

  2. delegação fraca: disposições constitucionais que obrigam o legislador a regular determinadas matérias, impondo-lhe o exercício dessa competência;

  3. delegação ampla: disposições constitucionais que conferem discricionariedade ao legislador para decidir sobre como regular determinada matéria;

  4. delegação estrita: disposições constitucionais que estabelecem limites substantivos e processuais sobre como o legislador deverá regular determinada matéria.

Tal como veremos, tanto concessões mútuas quanto delegações ao legislador foram utilizadas como meios para obter maiorias na Constituinte em torno da regulação do direito de propriedade e da reforma agrária. O saldo desse processo, contudo, foi contraditório. Por um lado, a Constituição de 1988 inscreveu a reforma agrária como uma política pública que impõe deveres ao Estado e criou os instrumentos para sua consecução; por outro lado, o direito de propriedade recebeu novas garantias no texto constitucional e, no que se refere à propriedade rural, retrocedeu até mesmo em relação à legislação aprovada durante o regime autoritário.

Embora o capítulo sobre os direitos individuais da Constituição de 1988 (art. 5º) tenha resultado de um processo de negociação que contou com a adesão da ampla maioria dos constituintes, alguns de seus dispositivos não obtiveram consenso e foram decididos na votação em plenário, dentre eles, as normas sobre o direito de propriedade.

A emenda coletiva apresentada pelo Centrão, que servia de base para a votação da matéria, continha a seguinte redação:

É assegurado o direito de propriedade. A lei estabelecerá o procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro. Em caso de perigo público iminente, a autoridade competente poderá usar propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior se houver dano.

O setor progressista, formado por constituintes do PMDB e dos partidos de esquerda, conseguiu derrubar esse texto por 248 votos contra 236, mas não conseguiu alcançar a maioria de 280 votos para aprovar suas próprias emendas, o que gerou a situação conhecida como “buraco-negro”. De acordo com as normas regimentais aplicáveis a esses casos, o relator apresentou a seguinte proposta de conciliação, formulada após sucessivas reuniões das lideranças:

É garantido o direito de propriedade. A propriedade atenderá sua função social, a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade e utilidade pública ou, por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição. Em caso de perigo público iminente a autoridade competente poderá usar propriedade particular, assegurado ao proprietário indenização ulterior, se houver dano.

Nos termos desse acordo, que é a base dos atuais incisos XXII a XXV do art. 5º da Constituição de 1988, os progressistas cediam à consagração da propriedade como um direito fundamental e à garantia de indenização prévia e justa em dinheiro em troca da aceitação, pelos conservadores, do princípio da função social da propriedade e da possibilidade de excetuar a regra da indenização em dinheiro na própria Constituição, o que aproveitaria às políticas de reforma agrária e urbana.

A decisão da Constituinte resultou em uma proteção robusta do direito de propriedade no Brasil. A Constituição de 1988 não se limitou a oferecer uma garantia genérica desse direito, mas incluiu disposições específicas que não podem ser alteradas pela legislação ordinária. Assim, as hipóteses legais de desapropriação restringem-se àquelas previstas na Constituição e a indenização justa e prévia em dinheiro mantém-se como regra constitucional que não pode ser excetuada pelo legislador. Ademais, ao impor proibições ao Estado, a Constituição atribui ao Poder Judiciário competências para fiscalizar e restringir ações dos demais Poderes que visem à redistribuição da propriedade.

Como se nota, o acordo sobre o direito de propriedade não abarcava todas as questões referentes à propriedade rural, uma vez que as normas sobre essa matéria seriam objeto de deliberação no título da ordem econômica. O debate sobre a reforma agrária na Constituinte iniciou-se na Subcomissão da Política Agrícola, Fundiária e da Reforma Agrária, que integrava a Comissão da Ordem Econômica. Nessa Subcomissão, a presença de dois blocos opostos em relação à reforma agrária já se expressara claramente: enquanto os progressistas indicaram o relator da comissão, os conservadores indicaram seu presidente. Nessa etapa, o projeto do relator foi derrotado em favor de um projeto apresentado pelo setor conservador, que, dentre outros dispositivos, impedia a desapropriação da propriedade produtiva, limitava a reforma agrária a “zonas prioritárias”, e estabelecia o critério da “justa indenização”. Por sua vez, a Comissão da Ordem Econômica introduziu poucas modificações no projeto aprovado pela subcomissão.4 4 A análise dos debates sobre a reforma agrária nas fases iniciais da Constituinte baseia-se nos dados apresentados por Silva (1989)

Já na Comissão de Sistematização, controlada pelos setores progressistas, houve mudanças no texto produzido nas etapas anteriores. Dentre as mais importantes, cabe destacar: a proibição de desapropriação passava-se a aplicar somente aos pequenos e médios imóveis rurais; o resgate dos títulos da dívida agrária teria um prazo de carência de dois anos; e incorporaram-se à Constituição os requisitos de cumprimento da função social da propriedade, previstos no Estatuto da Terra. Ao mesmo tempo, foram mantidos dispositivos defendidos pelos setores conservadores, tais como a fixação anual dos limites da emissão de títulos da dívida agrária e o processo judicial de desapropriação.

Embora as propostas aprovadas na Comissão de Sistematização resultassem em sua maioria de acordos entre setores progressistas e conservadores, o ponto relativo à desapropriação da propriedade produtiva permaneceu polêmico. Na emenda coletiva apresentada pelo Centrão ao capítulo da política agrícola e fundiária e da reforma agrária, previa-se a imunidade da propriedade produtiva e da parte produtiva da propriedade, limitando a desapropriação, nesse último caso, ao máximo de 75% da área total, a critério do proprietário. Essa proposta do Centrão, contudo, não obteve a maioria de 280 votos, o mesmo ocorrendo com o texto aprovado pela Comissão de Sistematização, gerando outro buraco negro na Constituinte (Sá, 2018SÁ, João Daniel Macedo. 2018. Direito de propriedade: uma análise do papel da propriedade rural no contexto da justiça distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris .; Silva, 1989SILVA, José Gomes da. 1989. Buraco negro: a reforma agrária na Constituinte. Rio de Janeiro: Paz e Terra.). Assim, o relator apresentou uma nova emenda, que foi aprovada nos seguintes termos:

Art. 219. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II - a propriedade produtiva.

Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento os requisitos relativos à sua função social, cuja inobservância permitirá a sua desapropriação, nos termos do art. 218.5 5 Esse texto corresponde atualmente ao art. 185 da Constituição de 1988.

Como se nota, esse dispositivo abria a possibilidade de que a propriedade produtiva viesse a ser desapropriada para fins de reforma agrária. Contudo, a parte final do parágrafo único foi objeto de destaque de votação em separado, que exigia maioria absoluta para a manutenção do texto destacado. Embora obtivesse 267 votos a favor, o trecho “cuja inobservância permitirá a sua desapropriação, nos termos do art. 218”, ficou aquém dos 280 votos necessários. Esses treze votos fizeram muita diferença, pois a derrubada da parte final do dispositivo resultou na criação de uma garantia constitucional da propriedade rural produtiva inexistente nas constituições anteriores, a qual iria se somar à proteção geral do direito de propriedade para ampliar as possibilidades de recurso ao Poder Judiciário contra medidas de desapropriação.

A dificuldade de firmar acordos nas matérias referentes à propriedade rural e à reforma agrária também levou os constituintes a remeterem sua regulação à legislação ordinária. Porém, essa atribuição de competência ao legislador assumiu a forma de delegações fracas e estritas. Por meio delas, a Constituição obriga o Congresso Nacional a editar as normas sobre desapropriação para fins de reforma agrária, ao mesmo tempo em que estabelece um conjunto de limites substantivos e processuais que restringem a discricionariedade do legislador nessa matéria. Assim, a Constituição determina que a indenização pela desapropriação para fins de reforma agrária será feita mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária e define que esses títulos terão cláusula de preservação de seu valor real e serão resgatáveis no prazo de vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão (art. 184, caput); que as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro (art. 184, § 1º); que caberá à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação (art. 184, § 3º); e que a lei fixará os seguintes requisitos para o cumprimento da função social da propriedade: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente; cumprimento das normas que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186).6 6 A Constituição de 1988 ainda previu o uso de terras públicas e devolutas para a realização da reforma agrária (art. 188).

Os limites criados pela Constituição à regulamentação da reforma agrária não apenas restringem as opções de que o legislador dispõe para executar sua tarefa como também abrem a possibilidade de o Poder Judiciário controlar a constitucionalidade das decisões do Congresso Nacional. Dessa forma, setores contrários à reforma agrária podem utilizar os tribunais como ponto de veto para dificultar sua implementação, alegando que a legislação não respeitou os ditames constitucionais.

Além de limites substantivos, vale destacar que a Constituição de 1988 estabeleceu um limite de caráter processual ao requerer a elaboração de uma lei complementar sobre o processo de desapropriação. Segundo a própria Constituição (art. 69), as leis complementares são aprovadas por maioria absoluta, isto é, 50% mais um dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Essa exigência de um quórum superior à maioria simples necessária para a aprovação de leis ordinárias significava que, tal como na Constituinte, somente um amplo processo de negociação entre setores progressistas e conservadores poderia ter êxito na regulamentação da reforma agrária.

Com efeito, os processos legislativos que levaram à aprovação da Lei nº 8.629/93, que regulamenta os dispositivos constitucionais sobre a matéria, e da Lei Complementar nº 76/93, que dispõe sobre o rito sumário do processo judicial de desapropriação, correram em paralelo e somente após a aprovação de ambas as legislações foi possível implementar a política de reforma agrária prevista na Constituição. Contudo, vários analistas observam que a legislação infraconstitucional trouxe novas dificuldades para a desapropriação dos imóveis rurais (Brasil, 2011BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra. Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra. 2011. Lei nº 8629/93 comentada por procuradores federais: uma contribuição da PFE/Incra para o fortalecimento da reforma agrária e do direito agrário autônomo. Brasília: INCRA.).

Para avaliar os avanços limitados da Constituição de 1988 no campo da reforma agrária é válido compará-la com as disposições sobre o tema presentes na Constituição de 1969, outorgada pela Junta Governativa Provisória, formada pelos Chefes Militares, sob o regime do AI-5. Assim, o pagamento em títulos especiais da dívida pública já estava previsto naquele texto, que delegava à lei a fixação dos critérios de justa indenização (art. 161, caput). Ademais, essa Constituição não continha disposição que imunizasse a propriedade produtiva e conferia ao legislador a competência para estabelecer o conceito legal de “latifúndio”, o qual seria objeto de desapropriação para fins de reforma agrária (art. 161, § 3º).

O STF como Ponto de Veto

A proteção conferida ao direito de propriedade pelo texto constitucional não repercute apenas nas deliberações do Congresso Nacional sobre a regulamentação da reforma agrária. Dado seu caráter de direito fundamental, a propriedade pode ser defendida junto ao Poder Judiciário, tanto contra atos do Poder Legislativo quanto contra atos do Poder Executivo, o que inclui o controle judicial da constitucionalidade das leis. A soma das disposições constitucionais sobre o tema e das competências atribuídas ao Poder Judiciário o coloca como um ponto de veto que pode ser utilizado de maneira estratégica pelos setores interessados em manter a estrutura da distribuição da propriedade no país.

No âmbito da propriedade rural, as disposições acima analisadas reforçam as possibilidades de recurso aos tribunais para obstar decisões do Legislativo e do Executivo favoráveis à reforma agrária. Tendo em vista sua posição de órgão de cúpula do Poder Judiciário, o STF exerce um papel privilegiado na fixação da jurisprudência sobre a matéria. Além disso, dois fatores processuais contribuem para que suas decisões tenham um alto impacto sobre essa política pública. De acordo com a lei, compete ao presidente da República a edição do decreto que declara o imóvel rural como de interesse social, para fins de reforma agrária, dando início ao processo de desapropriação. Tratando-se de ato do presidente da República, o decreto expropriatório pode ser questionado junto ao STF pela via do mandado de segurança (art. 102, inciso I, alínea d, da CRFB). Já no campo do controle de constitucionalidade, o STF possui a competência exclusiva para julgar a compatibilidade das leis com a Constituição pela via direta, cujo principal instrumento são as ações diretas de inconstitucionalidade (ADI). As decisões do STF tomadas por essa via produzem eficácia contra todos e vinculam os demais órgãos do Poder Judiciário e da administração federal, estadual e municipal. Em todos esses casos, as decisões do STF são irrecorríveis.

A pesquisa sobre a jurisprudência do STF7 7 O levantamento dessas decisões foi feito por meio de pesquisas na página do STF na internet, a partir de indicações da bibliografia de referência e do banco de jurisprudência “Desapropriação para a Reforma Agrária” (Brasil, 2007).. buscou localizar as decisões mais importantes que trataram dos limites constitucionais impostos à reforma agrária. Em três matérias, a construção jurisprudencial do Tribunal teve notável influência sobre a implementação dessa política no Brasil:

  • a) propriedade imune à desapropriação:

Tal como vimos, uma das principais vitórias dos setores conservadores na Constituinte foi tornar a propriedade produtiva imune à desapropriação, disposição que inexistia em textos constitucionais anteriores. Paralelamente, exigiu-se a aprovação de uma lei complementar para regulamentar o processo judicial de desapropriação.

Poucos anos após a promulgação da Constituição, esses limites mostraram sua funcionalidade no STF. No Mandado de Segurança (MS) nº 21.348, julgado à unanimidade em 2 de setembro de 1993, o STF anulou o Decreto s/nº, de 2 de abril de 1991, do Presidente da República, que havia declarado de interesse social, para fins de reforma agrária, imóvel rural de 1.504 hectares no Estado de Mato Grosso do Sul, admitindo a alegação do autor de que o imóvel em questão se qualificava como propriedade produtiva de tipo médio e, portanto, estaria constitucionalmente imune à desapropriação para reforma agrária.

O cerne da discussão estava na necessidade de regulamentar o art. 185 da CRFB. Para a Procuradoria-Geral da República, enquanto não houvesse a edição dessa norma, que fixaria os parâmetros da pequena e média propriedade e da propriedade produtiva, seriam aplicáveis as normas do Estatuto da Terra, que não imunizavam o imóvel do impetrante. Além disso, discutia-se a compatibilidade do Decreto-Lei nº 554/69 com a exigência de lei complementar sobre o rito sumário do processo de desapropriação, prevista no art. 184, § 3º. Para o relator, ministro Celso de Mello, a Constituição de 1988, embora houvesse buscado dar um novo sentido à propriedade, não deixou de caracterizá-la como um direito individual, do que decorre a imposição de uma série de limites à atuação do Poder Público. Assim, apesar de seu caráter sancionatório, a desapropriação para fins de reforma agrária teria que respeitar a cláusula constitucional do justo valor, uma vez que deveria haver equivalência financeira entre a compensação paga pelo Estado ao particular e o valor real da propriedade atingida pela ação expropriatória.

Além disso, a aferição do grau de produtividade do imóvel rural seria imprescindível para fins de desapropriação. Essa “cláusula de intangibilidade” requeria, segundo o ministro, a edição de ato legislativo para regulamentá-la, uma vez que o Decreto-Lei nº 554/69 era materialmente incompatível com a Constituição de 1988. Segundo esse decreto, a aquisição da propriedade pela União se fazia initio litis e a contestação seguia o rito processual ordinário, enquanto a Constituição passou a exigir rito sumário e prévia indenização, ou seja, somente após o pagamento da indenização em títulos da dívida agrária a União estaria autorizada a adquirir a propriedade do imóvel. Dessa forma, a lei complementar prevista no art. 184, § 3º foi considerada imprescindível pelo STF para promover a desapropriação para fins de reforma agrária, o que acarretava a nulidade do decreto presidencial que declarara o interesse social do imóvel.

O caráter fundamental do direito de propriedade, associado aos limites materiais e formais da desapropriação, seria mais uma vez reforçado pelo STF no julgamento de casos gerados pela Medida Provisória (MP) nº 2.027-38/00. Editada em um período de intensificação das mobilizações comandadas pelo MST, com o claro objetivo de desestimular as ocupações de terra, essa medida vedava a vistoria de imóvel rural que fosse objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, pelo prazo de dois anos seguintes à desocupação do imóvel. Contra esses e outros dispositivos da MP, o Partido dos Trabalhadores (PT) e a CONTAG ajuizaram a ADI nº 2.213, cujo pedido cautelar foi indeferido em 4 de abril de 2002. Para a maioria dos membros do STF, a criação desse novo limite material à desapropriação não contrariava a Constituição, uma vez que o texto constitucional estabelecia de modo estrito o processo de expropriação dos bens privados. Assim, além de respeitar o preceito constitucional da imunidade da propriedade produtiva, a ação estatal deveria observar as formas constitucionais, que também constituem garantias do direito de propriedade.8 8 A essa intepretação do STF opõe-se parte da doutrina, que considera que a função social limita o próprio direito de propriedade. Assim, a propriedade que descumpre sua função social não deveria receber a mesma proteção que o ordenamento jurídico garante àquela que a cumpre. Essa interpretação leva a defender que determinados institutos não sejam aplicados à propriedade improdutiva, tal como o esbulho possessório (Comparato, 1997).

Essa interpretação foi criticada pela minoria do STF, que considerava a MP inconstitucional, por acrescentar uma nova hipótese de imunidade ao rol do art. 185. No entanto, para o relator, a inocorrência de ocupação ilícita constituía apenas mais um requisito do processo de desapropriação estabelecido por lei, o qual se justificava para não prejudicar a apuração da produtividade do imóvel decorrente de sua ocupação.9 9 Mesmo antes da edição da MP nº 2.027-38/00, o STF já havia proferido decisões anulatórias de decreto presidencial em razão de esbulho possessório que prejudicara a produtividade do imóvel. Ver MS nº 22.666 e MS nº 22.328.

Essa polêmica permaneceu em alguns casos seguintes, embora sem ter alterado a orientação dominante do STF. No MS nº 23.857, julgado em 23 de abril de 2003, o STF chegou a admitir que a ocupação de uma área pequena do imóvel não justificava seu estado de improdutividade, critério que já havia sido utilizado no julgamento do MS nº 23.054, ocorrido em 15 de junho de 2000. Assim, propunha-se uma interpretação restritiva da norma legal, a fim de não alargar o critério da imunidade da propriedade produtiva. Essa interpretação, contudo, não prosperou. No MS nº 24.764, julgado em 6 de outubro de 2005, o STF, por maioria, declarou superados esses precedentes para confirmar que, embora ínfima a área invadida do imóvel, e mesmo diante de sua improdutividade, a desapropriação estaria vedada, conforme as disposições legais.

  • b) indenização:

Ao aplicar o parâmetro da “justa indenização” também aos casos de desapropriação para reforma agrária, a Constituição abriu um outro espaço de controle das decisões do legislador pelos juízes. Tendo em vista a abertura semântica da palavra “justa”, esse limite constitucional possibilita que os critérios utilizados na legislação, para definir o valor da indenização, sejam revistos pelos tribunais e até mesmo substituídos por critérios judiciais. Nesse campo, a jurisprudência influencia o custo das desapropriações e, assim, tem o potencial de afetar o caráter redistributivo da reforma agrária.

No âmbito do STF, a discussão sobre o significado da previsão constitucional da justa indenização surge poucos anos após a aprovação da legislação, por meio da ADI nº 1.187, ajuizada pelo procurador-Geral da República. Nessa ação, julgada em 27 de março de 1996, por maioria, discutia-se a constitucionalidade dos arts. 14 e 15 da Lei Complementar nº 76/93,10 10 “Art. 14. O valor da indenização, estabelecido por sentença, deverá ser depositado pelo expropriante à ordem do juízo, em dinheiro, para as benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais e, em Títulos da Dívida Agrária, para a terra nua. Art. 15. Em caso de reforma de sentença, com o aumento do valor da indenização, o expropriante será intimado a depositar a diferença, no prazo de quinze dias”. Esses dispositivos foram posteriormente revogados pela Medida Provisória nº 759/16 e pela Lei nº 13.465/17. que previam o pagamento em dinheiro das benfeitorias e do excedente fixado em sentença do valor da indenização. Para o autor, esses pagamentos deveriam ser feitos por meio de precatórios judiciais, seguindo o procedimento previsto no art. 100 da CRFB. A ação não foi conhecida, tendo em vista que afetaria outros dispositivos legais que não foram objeto de questionamento na ADI, o que fez com que prevalecesse o dispositivo legal, mais favorável aos proprietários de terra.

Alguns anos depois, o STF retornou à questão no Recurso Extraordinário (RE) nº 247.866, julgado em 9 de agosto de 2000. Nesse caso, por maioria, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade somente da parte do art. 14 que estabelecia o pagamento em dinheiro das benfeitorias, para submetê-lo ao regime de precatórios. No que se refere ao pagamento decorrente do aumento do valor da indenização, o STF entendeu que deveria ser feito em títulos da dívida pública.11 11 Posteriormente, esse tema reapareceu no RE 595.168, julgado em 6 de agosto de 2013. Nessa decisão, o STF estabeleceu que, após o decurso do prazo de resgate de vinte anos previsto na Constituição, o pagamento complementar da indenização fixada na ação de desapropriação deveria ser efetuado por meio de precatório, e não em títulos da dívida agrária complementares.

Embora essa decisão facilitasse o planejamento da política de reforma agrária ao vincular os pagamentos em dinheiro ao regime de precatórios, maior impacto teve a decisão do STF na ADI nº 2.332, cuja cautelar foi deferida, por maioria, em 5 de setembro de 2001. Nessa ação, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) requereu a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da MP nº 2.027-43/00, que acrescentaram o art. 15-A ao Decreto-Lei nº 3.365/41, para fixar, dentre outras medidas, o máximo de 6% ao ano para os juros compensatórios devidos sobre o valor da diferença entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença.12 12 “Art. 15-A. No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. § 1º Os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário. § 2º Não serão devidos juros compensatórios quando o imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero. § 3º O disposto no caput deste artigo aplica-se também às ações ordinárias de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem assim às ações que visem à indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público, em especial aqueles destinados à proteção ambiental, incidindo os juros sobre o valor fixado na sentença. § 4º Nas ações referidas no §3º, não será o Poder Público onerado por juros compensatórios relativos a período anterior à aquisição da propriedade ou posse titulada pelo autor da ação”. Após sucessivas reedições, essa medida provisória recebeu o número 2.183-56, e manteve-se em vigor por força da Emenda Constitucional nº 32/01.

A discussão nessa ADI envolvia o valor da taxa dos juros compensatórios e a base de cálculo desses juros, bem como sua vinculação aos graus de utilização e eficiência no uso da terra. Opondo-se ao relator, ministro Moreira Alves, a maioria do STF entendeu que deveria prevalecer, contra a disposição legal, a Súmula 618, aprovada pelo Tribunal em outubro de 1984, que estabelecia o valor de 12% ao ano como critério de “justa indenização”. Assim, a constitucionalização desse critério foi utilizada pelo STF como um limite à discricionariedade do legislador, uma vez que o Tribunal entendeu que a inclusão na indenização de juros cessantes de 12% correspondia a uma exigência constitucional. Além disso, o STF suspendeu os parágrafos 1º, 2º e 4º do art. 15-A, que também limitavam o valor dos juros compensatórios.

O julgamento dessa ADI levou quase vinte anos para ser retomado e, até o final do 2021, ainda não tinha sido concluído. Em 17 de maio de 2018, o STF julgou o mérito do caso e, por maioria, alterou o entendimento que prevaleceu na cautelar, declarando a constitucionalidade da taxa de 6%. Porém, encontram-se pendentes de julgamento os embargos de declaração apresentados contra essa decisão.

A mudança na jurisprudência devolveu ao legislador maior espaço de decisão sobre os parâmetros da justa indenização, que deixaram de ser fixados por uma súmula do STF. Segundo o novo entendimento, a escolha do legislador passou a ser considerada legítima e razoável, com base no argumento de que a taxa de 6% se tornara compatível com as aplicações financeiras disponíveis no mercado, pois o fim da instabilidade inflacionária que caracterizava o país deixara de justificar os juros compensatórios de 12%. Além disso, o STF reconheceu que a elevação do valor das indenizações dificultava a política de reforma agrária e poderia até mesmo levar ao enriquecimento sem causa do expropriado. Segundo dados trazidos pela Advocacia Geral da União ao processo, as desapropriações realizadas pelo Incra entre 2011 e 2016 implicaram um gasto com juros compensatórios em torno de R$ 978 milhões, enquanto o valor principal esteve próximo a R$ 555 milhões.

Observe-se, porém, que a deferência ao legislador adotada nessa decisão não foi completa, uma vez que o STF declarou inconstitucional, por maioria, a expressão “até”, contida no art. 15-A, o que impede que os juros compensatórios sejam inferiores a 6% a.a. Em relação à base de cálculo desses juros, o julgamento do mérito manteve o entendimento da cautelar, fixando-a com base na diferença entre o valor final definido na sentença para o bem expropriado e 80% do valor depositado em juízo. Por fim, o STF também modificou o entendimento da cautelar para declarar a constitucionalidade das normas que condicionam a incidência de juros compensatórios à comprovação de efetiva perda de renda pelo proprietário com a imissão provisória na posse, à produtividade da propriedade e ao período de aquisição da propriedade ou posse titulada.

  • c) garantias processuais:

A proteção constitucional do direito de propriedade incide igualmente sobre os procedimentos, tanto judiciais quanto administrativos, que devem ser seguidos no processo de desapropriação. Nesse ponto, o STF também efetuou uma intepretação extensiva das garantias previstas na Constituição, em particular no que se refere à exigência de notificação e acompanhamento da vistoria prévia do imóvel pelo proprietário. Conforme o art. 2º da Lei nº 8.629/93, essa vistoria é realizada pelo Incra para levantamento de dados e informações sobre o imóvel e seu objetivo é constatar se a propriedade cumpre ou não sua função social.

No MS nº 22.164, julgado em 30 de outubro de 1995, o STF invocou a garantia constitucional do devido processo legal13 13 “Art. 5º, LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. para afirmar que a notificação do proprietário quanto à realização da vistoria do imóvel deve ser prévia e pessoal. Segundo o relator, ministro Celso de Mello, o descumprimento dessa formalidade leva à nulidade de todas as fases seguintes do procedimento de desapropriação, inclusive do decreto expropriatório do presidente da República. Esse entendimento do STF levou à mudança da legislação, que passou a prever expressamente a comunicação escrita prévia ao proprietário, preposto ou seu representante (MP nº 2.183-56/01).14 14 Durante a Constituinte, a previsão de vistoria prévia com a presença do proprietário ou de seu representante fora derrubada na Comissão de Sistematização (Silva, 1989, p. 148).

Além da notificação prévia, a jurisprudência do STF também contém exigências em relação à própria vistoria. Assim, o acompanhamento da vistoria pelo proprietário é considerado parte de seu direito de defesa e lhe permite esclarecer ou desfazer dúvidas perante a autoridade pública (MS nº 25.793, julgado em 5 de novembro de 2010), e cabe ao proprietário designar a data do procedimento (MS nº 25.493, julgado em 14 de dezembro de 2011).

Tal como se observa nos casos descritos acima, o mandado de segurança tem sido um instrumento frequentemente utilizado para questionar os decretos expropriatórios do presidente da República. Em termos quantitativos, nossa pesquisa na página da internet do STF identificou, no período entre 1989 e 2020, 153 decisões do plenário do Tribunal sobre essa matéria, que resultaram no deferimento de sessenta pedidos (39%) de anulação do decreto presidencial.15 15 O levantamento foi feito utilizando como buscadores as palavras-chave “decreto expropriatório” e “decreto reforma agrária não expropriatório” e foram excluídos os resultados que não se enquadravam no objeto da pesquisa. Além das decisões plenárias, no mesmo período, houve decisões monocráticas (liminares e terminativas) em 272 mandados de segurança, dentre as quais 71 (26%) foram favoráveis à parte autora.

Em relação aos fundamentos adotados por essas decisões, a análise apresenta os seguintes resultados:

Tabela 1
Mandados de Segurança Deferidos (Fundamentos)

Embora o número de mandados de segurança deferidos seja bastante inferior ao número de decretos expropriatórios editados pelo presidente da República no período,17 17 Segundo dados do Incra, 5.760 imóveis foram objeto de desapropriação entre 1995 e 2019 (Brasil, 2020). observa-se que o STF utiliza sua interpretação das normas constitucionais sobre propriedade e reforma agrária para anular dezenas desses decretos, demonstrando que, tanto pela via do controle de constitucionalidade das leis, quanto pela via do controle dos atos administrativos, os atores contrários à implementação da reforma agrária têm sabido acionar o Tribunal como ponto de veto. O êxito dessas ações, seja em casos particulares, seja no juízo de constitucionalidade, leva à criação de jurisprudência que deve ser utilizada por outros juízes e tribunais do país, abrindo novas oportunidades para dificultar a implementação da reforma agrária.

Conclusão

Este trabalho buscou demonstrar de que modo as normas e instituições constitucionais limitam a redistribuição da propriedade rural no Brasil. As disputas em torno da matéria na Constituinte resultaram na proteção da propriedade como um direito fundamental e na vedação da desapropriação da propriedade produtiva para fins de reforma agrária. Assim, embora a Constituição de 1988 ofereça as bases para a implementação dessa política, ao prever o pagamento da indenização em títulos da dívida agrária e definir os critérios de cumprimento da função social do imóvel rural, outras de suas disposições atuam em sentido contrário. Além disso, a Constituição se vale de delegações estritas para conferir competência ao legislador nessa matéria, o que limita sua discricionariedade na regulamentação da reforma agrária.

A contenção inscrita nas normas constitucionais é operacionalizada pela utilização do Poder Judiciário como ponto de veto, o qual possui competências para controlar tanto os atos do Poder Executivo quanto do Poder Legislativo. A análise da jurisprudência do STF sobre a matéria demonstra essa operacionalização, uma vez que o Tribunal controla os decretos expropriatórios do presidente da República e a constitucionalidade das leis que regulamentam a reforma agrária. Nesses casos, o STF reforça a proteção da propriedade rural prevista no texto constitucional, especialmente no que se refere às propriedades imunes à desapropriação, ao valor da indenização e às garantias processuais do proprietário, o que influencia ou mesmo vincula todos os demais juízes e tribunais do país.

Essas conclusões são importantes para compreender que, mesmo em um regime democrático, as normas e instituições constitucionais podem servir como obstáculo às políticas redistributivas. Os recursos de poder com os quais as classes sociais contam para alterar ou manter o padrão distributivo devem ser analisados levando-se em consideração de que modo elas utilizam os pontos de veto criados pela ordem constitucional. O estudo da reforma agrária no Brasil pós-1988 demonstra que as vitórias obtidas pelos setores conservadores na Constituinte e a atuação do STF dificultaram a alteração da estrutura fundiária do país, protegendo a propriedade rural das pressões redistributivas e, consequentemente, favorecendo a manutenção do poder político dos grandes proprietários rurais.

Bibliografia

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    » https://doi.org/10.1353/wp.0.0021
  • 1
    A partir do trabalho pioneiro de Vianna (1999VIANNA, Luiz Werneck. 1999. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan.), os estudos sobre a judicialização da política no Brasil tornaram-se crescentes. Para uma análise do debate acadêmico sobre o tema, ver Koerner (2013KOERNER, Andrei. 2013. Ativismo judicial? Jurisprudência constitucional e política no STF pós-88. Novos Estudos, n. 96, p. 69-85. DOI: 10.1590/S0101-33002013000200006
    https://doi.org/10.1590/S0101-3300201300...
    ).
  • 2
    Segundo um relatório publicado pela Anistia Internacional, mais de mil trabalhadores rurais haviam sido assassinados no Brasil desde 1980 (Amnesty International, 1988AMNESTY INTERNATIONAL. 1988. Brazil: authorized violence in rural areas. Londres: Amnesty International Publications.).
  • 3
    Munhoz (2011MUNHOZ, Sara Regina. 2011. A atuação do “Centrão” na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988: dilemas e contradições. Revista Política Hoje, v. 20, n. 1, p. 343-394. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/379h5Ea . Acesso em: 8 abr. 2022.
    https://bit.ly/379h5Ea...
    ) identifica 22 membros do Centrão que foram apoiados pela UDR em sua eleição para a Constituinte.
  • 4
    A análise dos debates sobre a reforma agrária nas fases iniciais da Constituinte baseia-se nos dados apresentados por Silva (1989SILVA, José Gomes da. 1989. Buraco negro: a reforma agrária na Constituinte. Rio de Janeiro: Paz e Terra.)
  • 5
    Esse texto corresponde atualmente ao art. 185 da Constituição de 1988.
  • 6
    A Constituição de 1988 ainda previu o uso de terras públicas e devolutas para a realização da reforma agrária (art. 188).
  • 7
    O levantamento dessas decisões foi feito por meio de pesquisas na página do STF na internet, a partir de indicações da bibliografia de referência e do banco de jurisprudência “Desapropriação para a Reforma Agrária” (Brasil, 2007BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2007. Desapropriação para a Reforma Agrária. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KsuFBg . Acesso em: 01 mar. 2021.
    https://bit.ly/3KsuFBg...
    )..
  • 8
    A essa intepretação do STF opõe-se parte da doutrina, que considera que a função social limita o próprio direito de propriedade. Assim, a propriedade que descumpre sua função social não deveria receber a mesma proteção que o ordenamento jurídico garante àquela que a cumpre. Essa interpretação leva a defender que determinados institutos não sejam aplicados à propriedade improdutiva, tal como o esbulho possessório (Comparato, 1997COMPARATO, Fábio Konder. 1997. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Revista CEJ, v. 1, n. 3, p. 92-99. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/375vOjt . Acesso em: 8 abr. 2022.
    https://bit.ly/375vOjt...
    ).
  • 9
    Mesmo antes da edição da MP nº 2.027-38/00, o STF já havia proferido decisões anulatórias de decreto presidencial em razão de esbulho possessório que prejudicara a produtividade do imóvel. Ver MS nº 22.666 e MS nº 22.328.
  • 10
    “Art. 14. O valor da indenização, estabelecido por sentença, deverá ser depositado pelo expropriante à ordem do juízo, em dinheiro, para as benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais e, em Títulos da Dívida Agrária, para a terra nua. Art. 15. Em caso de reforma de sentença, com o aumento do valor da indenização, o expropriante será intimado a depositar a diferença, no prazo de quinze dias”. Esses dispositivos foram posteriormente revogados pela Medida Provisória nº 759/16 e pela Lei nº 13.465/17.
  • 11
    Posteriormente, esse tema reapareceu no RE 595.168, julgado em 6 de agosto de 2013. Nessa decisão, o STF estabeleceu que, após o decurso do prazo de resgate de vinte anos previsto na Constituição, o pagamento complementar da indenização fixada na ação de desapropriação deveria ser efetuado por meio de precatório, e não em títulos da dívida agrária complementares.
  • 12
    “Art. 15-A. No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. § 1º Os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário. § 2º Não serão devidos juros compensatórios quando o imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero. § 3º O disposto no caput deste artigo aplica-se também às ações ordinárias de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem assim às ações que visem à indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público, em especial aqueles destinados à proteção ambiental, incidindo os juros sobre o valor fixado na sentença. § 4º Nas ações referidas no §3º, não será o Poder Público onerado por juros compensatórios relativos a período anterior à aquisição da propriedade ou posse titulada pelo autor da ação”.
  • 13
    “Art. 5º, LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
  • 14
    Durante a Constituinte, a previsão de vistoria prévia com a presença do proprietário ou de seu representante fora derrubada na Comissão de Sistematização (Silva, 1989SILVA, José Gomes da. 1989. Buraco negro: a reforma agrária na Constituinte. Rio de Janeiro: Paz e Terra., p. 148).
  • 15
    O levantamento foi feito utilizando como buscadores as palavras-chave “decreto expropriatório” e “decreto reforma agrária não expropriatório” e foram excluídos os resultados que não se enquadravam no objeto da pesquisa. Além das decisões plenárias, no mesmo período, houve decisões monocráticas (liminares e terminativas) em 272 mandados de segurança, dentre as quais 71 (26%) foram favoráveis à parte autora.
  • 16
    Os casos classificados como “área do imóvel” dizem respeito a pequenas e médias propriedades, oriundas, na maioria das vezes, do desmembramento do imóvel rural efetuado antes da edição do decreto expropriatório. De acordo com a norma constitucional, esse tipo de propriedade é imune à desapropriação.
  • 17
    Segundo dados do Incra, 5.760 imóveis foram objeto de desapropriação entre 1995 e 2019 (Brasil, 2020BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -Incra. 2020. Números da Reforma Agrária. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3DRuVXY . Acesso em: 01 mar. 2021.
    https://bit.ly/3DRuVXY...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2021
  • Aceito
    22 Fev 2022
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