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Estenose actínica de íleo terminal pós-radioterapia para tumor de endométrio associada à desnutrição severa

CARTA AO EDITOR

Estenose actínica de íleo terminal pós-radioterapia para tumor de endométrio associada à desnutrição severa

Actinic terminal ileum stenosis after radiotherapy for endometrium tumor associated with severe malnutrition

Carlos Alberto da Silva Gomes; Larissa Cavalcanti Barros; Larissa Soares Bezerra Santos Torres de Melo; Victor Cardoso Rocha

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia do Hospital Geral do Estado Osvaldo Brandão Vilela, Maceió, AL, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carlos Alberto da Silva Gomes E-mail: carlosagomes@hotmail.com

INTRODUÇÃO

A radioterapia é usada como terapia adjuvante no câncer de endométrio e é uma das modalidades terapêuticas mais importantes no tratamento desse câncer3,4,5. É possível minimizar a exposição dos tecidos sadios adjacentes à radiação através da proteção dos órgãos intra-abdominais evitando-se assim lesões actínicas3.

Tem-se observado, cada vez mais com o emprego da radioterapia pélvica, a crescente incidência de lesões actínicas agudas ou crônicas retais, vesicais e para outros órgãos pélvicos, não só representadas pelas mucosites, como também pelas perturbações funcionais, sejam elas da atividade erétil, da continência vesical ou da retal, por lesão direta sobre os esfíncteres e pelas radioneurites envolvendo os plexos e nervos sacrais8.

Cerca de 75% dos pacientes irradiados na pelve desenvolverão sintomas proctológicos como urgência, dor retal, tenesmo e sangramento10. Porém, mais raramente podem ocorrer fístulas e estenoses, o que deve ser diferenciado da doença de Crohn, pois possui sinais e sintomas semelhantes. O objetivo deste artigo é relatar o caso de uma paciente com diagnóstico de tumor de endométrio submetida à radioterapia e que evoluiu, seis anos pós-tratamento, com estenose actínica de íleo terminal.

RELATO DO CASO

Mulher de 39 anos, deu entrada no serviço de emergência com história de radioterapia pélvica para tumor de útero há cerca de seis anos com perda de 15 kg em um mês, cólicas e dor abdominal. Relatava ainda que após ingerir líquidos e/ou sólidos após alguns minutos tinha episódio de vômito dificultando sua alimentação.

Ao exame clínico apresentava-se eupneica, desidratada (+++/4+), anictérica, normotensa, afebril, abdome doloroso à palpação, com ruídos hidroaéreos presentes. Radiografia abdominal mostrou redução gasosa e edema de alça (Figura 1). Colonoscopia não evidenciou alteração.


Ela foi submetida à laparotomia exploradora com incisão mediana supra e infra umbilical que evidenciou estenose parcial de íleo à 20 cm da válvula ileocecal (Figura 2) e demais estruturas normais.


Foi realizada enterectomia e anastomose em plano único. A macroscopia da peça cirúrgica mostrava superfície externa com coloração castanha e estreitamento local. A mucosa exibia coloração castanho claro, sem alterações. À microscopia, os cortes mostraram fragmentos de tecido de delgado com reação inflamatória. Tinha extensas áreas de necrose e reação inflamatória representada por linfócitos, plasmócitos, neutrófilos, congestão vascular e edema intersticial revelando processo inflamatório necrotisante (Figura 3).


A paciente recebeu alta hospitalar cinco dias após a intervenção cirúrgica.

DISCUSSÃO

Com o avanço nas técnicas de radioterapia pélvica deve haver diminuição da incidência de complicações locais de natureza actínica. As técnicas mais novas apresentam melhor distribuição da radiação, causando menor dano às estruturas adjacentes ao órgão-alvo9.

A paciente apresentou uma complicação rara e crônica da radioterapia provavelmente pela dosagem, pois se sabe que tratamentos radioterápicos abaixo de 45 Gy raramente causam complicações actínicas nos órgãos pélvicos1,3. Por outro lado, pacientes submetidos à irradiação em torno de 75 Gy (dose máxima de radiação prescrita para a pelve) apresentam complicações mais severas em cerca de 60% dos casos1. Tal fato, possivelmente, explique a extensa estenose do caso em discussão.

As lesões agudas são frequentes, comprometem virtualmente todos os pacientes irradiados, dependendo da dose de radiação aplicada; os sintomas agudos não perduram por muito tempo. As lesões crônicas são raras podendo levar anos para aparecerem7.

Técnica que poderia atenuar complicações, com a estenose em órgãos distantes, seria a radioterapia tridimensional conformal. Trata-se de método que objetiva quase que exclusivamente o tumor, portanto com maior efetividade e com mínimo efeitos colaterais crônicos e insolúveis7.

A doença de Crohn é caracterizada por processo inflamatório crônico de natureza transmural, persistente ou recidivante, comprometendo não só a mucosa como também a parede intestinal, o mesentério e os gânglios linfáticos. Frequentemente resulta em estenoses, úlceras e/ou fístula de forma lenta e prolongada6. Ela tem algumas peculiaridades comuns a outras lesões intestinais dificultando a decisão diagnóstica por uma ou outra doença. Neste relato os sinais e sintomas apresentados foram semelhantes aos da doença de Chron, distinguindo-se somente pela história de radioterapia. O diagnóstico diferencial da inflamação actínica foi somente confirmado pelo exame anatomopatológico.

Recebido para publicação: 26/04/2011

Aceito para publicação: 15/01/2013

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

  • 1- Bem, MD; Bem, S; Singh, A. Use of Hyperbaric Oxygen Chamber in the Management of Radiation-Related Complications of the Anorectal Region. Dis Colon Rectum 2003; 43, (10): p 1435-1438.
  • 2-. Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP). Mortalidade por câncer no Estado de São Paulo no biênio 2001 - 2002. Disponível em: http://www.fosp.saude.sp.gov.br/html/fr_dados.html Acessado em 5/4/2010.
  • 3- Johnston, MJ; Robertson, GM; Frizelle, FA. Management of Late Complications of Pelvic Radiation in the rectum and Anus. Dis Colon Rectum 2003; 46, (2): p 247-256.
  • 4- Kushwaha, RS; Hayne, D; Vaizey, CJ et al. Physiologic Changes of the Anorectum After Pelvic radiotherapy for the Treatment of Prostate and Bladder Cancer. Dis Colon Rectum 2004; 46, (9): p 1182-1188.
  • 5- Lucarotti, ME; Mountford, RA; Bartolo, DCC. Surgical Management of Intestinal Radiation Injury. Dis Colon Rectum 1991; 34, (10): p 865-869.
  • 6- Santos Jr, JCM. Doença de Cronh - Aspectos Clínicos e Diagnósticos. Revista Brasileira de Coloproctologia, 1999; 19(44): 276 - 285.
  • 7- Santos JR., Júlio César Monteiro dos. Radioterapia: lesões inflamatórias e funcionais de órgãos pélvicos. Rev bras. colo-proctol. [online]. 2006, vol.26, n.3, pp. 348-355. ISSN 0101-9880.  doi: 10.1590/S0101-8802006000300019.
  • 8- Tagkalidis PP, Tjandra JJ. Chronic radiation proctitis. ANZ J Surg 2001;71:230-7.
  • 9- Taussky, D; Schneider, U; Rousson, V; Pescia, R. Toxicity Correlated to Dose-Volume Histograms of the Rectum in Radiotherapy of the Prostate. American Journal of Clinical Oncology 2003; 26, (5): p 144-149.
  • 10- Wingo PA, Cardinez CJ, Landis SH, et al. Long-term trends in cancer mortality in the United States, 1930-1998. Cancer 2003;97(12 Suppl):3133 - 3275.
  • Endereço para correspondência:

    Carlos Alberto da Silva Gomes
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
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