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Sobre a sociologia econômica de Max Weber

RESENHAS

Sobre a sociologia econômica de Max Weber

Roniere Ribeiro do Amaral

Doutorando do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília

Swedberg, Richard. Max Weber and the idea of Economic Sociology. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1998.

Sociólogo da universidade de Estocolmo, Richard Swedberg é autor de uma obra de grande significado acadêmico. Especialista numa área pouco difundida em nosso meio, ele publicou em 1998 um estudo muito relevante sobre a Sociologia Econômica de Max Weber.

Em primeiro lugar, trata-se de uma obra sobre aquele que é considerado um dos maiores sociólogos de todos os tempos. Para elaborar esse trabalho, Swedberg consultou figuras acadêmicas de grande peso, tais como S. N. Eisenstadt, Johannes Winckelmann, R. K. Merton, F. W. Graf e Wolfgang Schluchter.

Em segundo lugar, este é um trabalho incomum exatamente porque Swedberg fez algo inédito: debruçar-se sobre o Kapitel II de Wirtschaft und Gesellschaft1 1 Weber, Max. Economia e Sociedade. Brasília: EdUnB, 1991. Capítulo II: Categorias sociológicas fundamentais e da gestão econômica. para (re)construir a Sociologia Econômica de Max Weber. Trata-se de um trabalho pioneiro e original. Esse é um grande mérito do trabalho do sociólogo sueco, mas só o primeiro. O segundo é justamente o fato de seu esforço ter sido bem-sucedido. Swedberg oferece um quadro exaustivo dos fundamentos conceituais e metodológicos da idéia de Sociologia Econômica de Weber, respeitando sempre fielmente os fundamentos propriamente sociológicos do sociólogo alemão - o que faz com que se possa falar de uma Sociologia Econômica de Weber. No livro de Swedberg, pode-se reconhecer três partes fundamentais: 1) conceitos sociológico-econômicos e visão do capitalismo racional moderno, 2) relação da economia com outras ordens e poderes sociais, e 3) traços básicos da Sociologia Econômica de Weber2 2 Números entre parênteses após citação correspondem a páginas da obra de Swedberg. .

O tema central do livro de Swedberg é a tentativa de Weber de integrar, na mesma análise, a idéia de "comportamento guiado por interesse" com a idéia de "comportamento social". O autor argumenta contra as reduções economistas e sociológicas para a explicação do comportamento e se identifica com os esforços de uma "nova economia institucional" e de uma "nova Sociologia Econômica", tentativa de superação daquelas limitações dos campos de saber.

Swedberg concentra-se em dois dos principais projetos de Weber: desenvolver uma Sociologia Econômica e uma nova concepção de Economia, a Sozialökonomik, que, segundo Weber, seria uma ampla ciência que englobaria teoria econômica, história econômica e Sociologia Econômica, chamadas por ele de "ciências culturais", ou seja, que lidam com fenômenos que envolvem significado. Assim, para Weber, interesse é algo investido de significado para o ator. Outra particularidade de sua noção de interesse é que esse pode se manifestar de duas formas, como interesse material e como interesse ideal; e ambos podem impulsionar o ator para a ação. O segundo tipo inclui, por exemplo, status, nacionalismo, etnia, honra e benefícios religiosos, como salvação. Weber estava atraído pela possibilidade da colisão dos dois tipos de interesses, como se vê em A ética protestante e o espírito do Capitalismo (daqui em diante, EPEC) e nos ensaios sobre a ética econômica das religiões mundiais. Finalmente, Weber admitia o condicionamento da tradição e da emoção sobre o comportamento individual, não só, então, de interesses.

O projeto de uma Sociologia Econômica de Weber pode ser encontrado no capítulo 2 da primeira parte de Economia e Sociedade (daqui em diante, ES). Se aplicada ao fenômeno econômico, a ciência sociológica, conforme definição de Weber, olha para o comportamento que é dirigido principalmente por interesses materiais e também orientado para o comportamento de outros. Esse segundo aspecto distingue sua noção de ação econômica daquela da teoria econômica. A ação econômica de Weber é uma ação econômica social. É a partir dessa noção que o sociólogo vai relacionar Economia e outras ordens e poderes sociais, como religião e política.

Dentre as explicações do capitalismo ocidental moderno, a de Weber mostra sua formação como um processo longo e, mais importante, marcado por duas dimensões, uma institucional e outra cultural, o que aparece mais claramente em sua História econômica geral (HEG). Ali, não só o impacto do protestantismo ascético como também outros fatores institucionais são considerados. Segundo Weber, uma tal esfera econômica autônoma que interage com outras esferas da sociedade é uma criação moderna.

Swedberg inicia seu tratamento da "Sociologia Econômica" de Weber por sua "história econômica", que seria uma melhor introdução para sistemas conceituais posteriores. Sua base é a HEG, fruto de cursos na Universidade de Munique, em 1919-1920, e o autor expõe cada uma das partes da obra, das quais as três primeiras versam sobre o período pré-capitalista, ou seja, da agricultura em sociedades pré-capitalistas, e a última é intitulada "A situação histórica do capitalismo moderno". Nessas primeiras partes, Weber está interessado na evolução das estruturas agrárias pela história em relação a grupos sociais; nisto, o aspecto sociológico. Para Weber, o Estado e o cristianismo foram forças decisivas na diminuição da influência do clã, mas apenas, então, no Ocidente, não em outras partes do mundo, como na China. No último capítulo de HEG, Weber se dedica ao tema da origem do capitalismo moderno, onde fatores histórico-institucionais recebem o foco - enquanto em EPEC o destaque é para os fatores ideais.

Segundo Swedberg, o propósito de ES seria "to show how sociology, as a distinct perspective among the social sciences, can be used to analyse socio-economic phenomena and thereby introduce a social dimension into an interest-oriented analysis" (22). O capítulo 1 dessa obra teria o papel de mostrar o que distingue a Sociologia da teoria econômica. Sobre a relação sociologia - teoria econômica há, em Weber, três proposições: 1) a teoria econômica, diferente da Sociologia, só considera comportamento racional; 2) a teoria econômica, diferente da Sociologia, só considera comportamento com objetivos puramente econômicos, e 3) a Sociologia olha exclusivamente para a ação social ou ação que é orientada para o comportamento de outros. De outro lado, ambas se interessam pela racionalidade, usam "tipos ideais" e partem de um individualismo metodológico.

O capítulo 2 de ES começa com a definição de "ação economicamente orientada" que, além do sentido subjetivo, tem relação com a satisfação de um desejo por utilidade, que diz respeito a objetos (bens) e a comportamento humano (serviço). A probabilidade de se obter a satisfação de seus desejos é um elemento, enfatizado por Weber, da "oportunidade econômica" e também significa incerteza nas atividades econômicas. Atividade econômica é muito mais dirigida a incertezas e isso é uma característica relevante, como também o é a busca de lucro e da satisfação de necessidades. A vida econômica gira em torno do esforço de monopolização das oportunidades. Em suma, três são os elementos característicos do conceito sociológico de ação econômica: 1) tentativa pacífica para obtenção de poder de controle e bens; 2) essa ação é dirigida para algo que prevê uma oportunidade de utilidade; e 3) a ação é orientada para o comportamento de outros.

Discutindo o papel da racionalidade econômica, Swedberg está ciente de um ponto importante: que esta é parte de uma racionalização geral da vida, de modo que o interesse de Weber no tocante à economia é compreender como a "racionalidade econômica" evoluiu como parte de um movimento histórico maior. Seu uso de racionalidade distingue, por dois aspectos, a Sociologia Econômica de economias contemporâneas. Primeiro, o fato de Weber ver o comportamento racional como evoluindo historicamente, ou seja, o comportamento racional é uma variável e não é uma proposição. Numa palavra, para Weber, o comportamento racional ou a racionalidade muda de acordo com a sua esfera da vida social. O segundo aspecto de distinção da Sociologia Econômica tem a ver com a diferença entre "racionalidade formal" e "racionalidade substantiva"; a primeira está centrada no cálculo, e a segunda, em valores absolutos. Assim, a ação finalista é tão racional quanto a valorativa.

Entre as instituições econômicas, tem destaque a "propriedade" que só se estabelece a partir da apropriação do direito sobre ela - de modo que é imprescindível falar de direito como condição para a propriedade. Outro conceito é "organização econômica", que é uma relação fechada em combinação com um staff ou uma pessoa que garante sua regulação. Como a ação, as organizações podem ser "organizações econômicas" ou "economicamente orientadas", como a Igreja e o Estado, havendo ainda "grupos economicamente regulativos" (sindicato, por exemplo) e "organizações de reforço de uma ordem formal" (o Estado laissez-faire).

Para Weber, a firma ou a empresa capitalista foi um advento "revolucionário" por assumir um tipo contínuo de ação racional que está orientada para a busca de lucro pela exploração de sempre novas oportunidades. Este caráter sistemático vai de encontro ao tradicionalismo econômico. O mercado é, obviamente, outra importante instituição econômica, da qual Weber trata: "a market has a social core and it can typically be found in a specific place. (...) Its social core nonetheless consists of repeated acts of exchange - that is, of interactions that are simultaneously directed at two different types of actor" (42). No mercado, é vigente a troca como ação econômica que tem duas direções: ao parceiro da troca ("luta pelo preço") e ao concorrente ("luta entre concorrentes"). O mercado também é um forte agente de impessoalização por ter como principal objetivo o que é trocado e não a pessoa.

Quanto à instituição "dinheiro", Weber aponta as conseqüências sociológicas gerais de seu uso como, por exemplo, a possibilidade de troca de bens e a capacidade de se reservar valores para uso futuro, de calcular lucro e de transformar o controle sobre oportunidades econômicas em somas de dinheiro.

No nível macro, Weber parte do ponto de que toda a sociedade tem uma distribuição do poder de controle e de bens, e essa ordem econômica é fundamentada não legal, em primeira instância, mas no reconhecimento "de fato" de quem controla o quê na economia. Weber trabalha especialmente com a noção de "esfera" e não de "estágio", justamente por não crer que haveria uma seqüência ou substituição sucessiva de modos de produção, mas por sugerir que os diferentes tipos de capitalismo desenvolveram-se paralelamente um ao outro, dentro um do outro, ou após um ao outro. Nesse sentido, Weber entendeu ter havido três tipos diferentes de capitalismo: o "racional", o "político" e o "comercial-tradicional". Todos são coexistentes, mas o mais racional predomina.

O capitalismo político e o racional são os mais importantes nas categorias tipológicas de Weber. No primeiro, predominam as "classes de propriedade", ou seja, os que vivem de rendas e os desprivilegiados sociais e a classe média que se mantém pelo comércio. No capitalismo racional, predominam as "classes comerciais", sendo as principais os empreendedores, os trabalhadores e a classe média dos burocratas e profissionais liberais.

Sem dúvida, a grande contribuição de Weber à Sociologia Política foi seu estudo das formas de dominação. Swedberg chama a atenção, porém, para o fato de sempre se esquecer nisso a dimensão econômica. Essa análise de Weber conduziria, segundo Swedberg, a uma Sociologia Fiscal, isto é, uma análise sociológica das finanças do Estado.

O direito é central, para Weber, numa sociedade capitalista. Ele cumpre um papel na economia por meio do "contrato", que é garantido pela ameaça de coerção legal. O direito racional, ou seja, calculável é uma pressuposição do capitalismo racional ocidental.

Na religião, predominam interesses ideais. A estratégia de Swedberg para revisar a Sociologia da Religião de Weber em sua relação com a Economia inclui os seguintes tópicos: 1) postura ante a riqueza na religião; 2) organizações religiosas e sua relação com questões econômicas; 3) propensão religiosa de certas classes e estratos socioeconômicos; e, 4) diferentes modos de acessar a salvação e como esses podem afetar a economia. No que concerne à relação classe ou estrato socioeconômico e religião, Weber constata que grupos desprivilegiados têm uma "esperança de compensação" (devir) e os privilegiados compõem uma "teodicéia da boa fortuna" (ser), estes buscam legitimação para sua condição. Nisso, o que se tem é uma inversão, se olhamos para a EPEC, na relação causal, pois a questão é a influência econômica sobre o interesse religioso. Finalmente, em se tratando da relação "salvação" e "economia", Weber vê dois modos de influência da primeira sobre a segunda: 1) os modos de salvação trazem uma atitude específica ante o econômico; e 2) eles têm conseqüências involuntárias que podem afetar o econômico. A EPEC trata justamente de um "fenômeno economicamente relevante", ou seja, que não é econômico, mas com importantes conseqüências.

Quanto ao conceito de "ética econômica", conceito controverso, Swedberg adota a definição de Marianne Weber: "By economic ethic he meant, as he did in his first study, not ethical and theological theories but the practical impulses toward action that derive from religion" (134). O entendimento do conceito torna-se ainda mais claro quando se considera que Weber não fala de éticas econômicas em geral, mas de "ética econômica" de uma religião, que também está associada a um estrato social específico, representante característico de uma religião. Contudo, Weber também admite a noção de uma ética econômica geral dentro dos limites de uma cultura particular que não depende de religião, senão da história e da geografia econômica.

A visão de Weber de "economia social" abrange teoria econômica, história econômica e Sociologia Econômica. Para analisar a largueza da visão de Weber da economia social, vale considerar alguns outros tópicos relativos à sua Sociologia Econômica.

Para começar, Swedberg observa a relação que Weber faz entre Economia e outras esferas sociais, como arte, a geografia, a raça, entre outros. O fenômeno artístico faz parte de fenômenos "economicamente condicionados", já os científicos são fenômenos "economicamente relevantes". Os fenômenos geográficos, racionais, biológicos, por exemplo, seriam vistos, sobretudo, como "estímulos" ou "inibidores" da ação econômica, isto é, para a obtenção de bens econômicos.

Finalmente, Sweberg aponta três traços que fazem da obra de Weber em Sociologia Econômica algo único: 1) ampla perspectiva do estudo da Economia; o fenômeno econômico deve ser estudado em conexão com outros fenômenos e com a ajuda de diferentes métodos (história econômica, economia teórica, geografia econômica, teoria populacional); 2) ineditismo da inclusão da perspectiva sociológica sobre economia na história da economia - o que foi realizado não só por Weber, mais por seu irmão, A. Weber e W. Sombart; e 3) a novidade em se dedicar toda a atenção ao capitalismo como sistema econômico-social distinto.

Assim, levanta-se a questão: como e por que Weber está à frente da Sociologia Econômica atual? Porque: 1) nela há pouco sobre a relação direito-economia; 2) o conceito de racionalidade de Weber tem sobretudo função heuerística e é, ele mesmo, único, pois Weber entende que uma sociedade, ou uma parte dela, pode ser mais ou menos racional dependendo de seu passado (para ele, a racionalidade moderna é, em alguma medida, produto do protestantismo ascético; tal idéia deve ser perseguida e assimilada) - poucos estudos seguem esse tópico; 3) a abordagem do capitalismo como sistema global e fatal da modernidade é sobrepujada hoje por abordagens de médio alcance quanto a temas econômicos, mas o capitalismo é ainda uma tal força e merece estudos mais amplos (suas noções de "capitalismo racional" e "político" também ficaram pouco exploradas); e 4) sua concepção de "ética econômica" também foi negligenciada posteriormente e tem a ver necessariamente com normas e valores que informam as atividades econômicas, com os interesses material e ideal e ainda com as posturas que se pode assumir ante o capitalismo. Implícitas nessa noção, estão as representações de ser humano que devem ser valorizadas numa dada sociedade.

À guisa de conclusão, menciono o que para mim seria - além daqueles dois citados no início desta resenha - o terceiro grande mérito da obra de Swedberg sobre a Sociologia Econômica de Max Weber, qual seja, a de ter, ciente disso ou não, correspondido a uma intenção fundamental do sociólogo alemão, a saber: a de, abrindo mão de um conceito de "sociedade", observar a relação (geralmente conflituosa) entre diversas esferas ou ordens sociais autônomas, tendo como foco aquela que na modernidade ganhou um papel singular por causa do capitalismo racional, a Economia. Max Weber não nomeou sua grande obra com o título Economia e Sociedade, o que foi decisão de editores após sua morte. Seus escritos faziam parte de um grande projeto editorial e "economia e sociedade" era o título de uma seção na qual eles apareceriam, mas sob o seguinte título: "a economia e as ordens e poderes sociais". Ao meu ver, foi esse espírito que Swedberg captou e desenvolveu, (re)construindo a Sociologia Econômica de Max Weber.

Para todos interessados em trabalhar sobre questões econômicas a partir da perspectiva sociológica, o livro de Swedberg é, definitivamente, uma riquíssima referência.

Notas

  • 1
    Weber, Max.
    Economia e Sociedade. Brasília: EdUnB, 1991. Capítulo II: Categorias sociológicas fundamentais e da gestão econômica.
  • 2
    Números entre parênteses após citação correspondem a páginas da obra de Swedberg.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2002
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