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Mediações institucionais e inovações metodológicas: a teoria da regulação e a formalização da dinâmica econômica histórica

Resumos

O objetivo deste artigo consiste em analisar as relações entre inovações metodológicas e crise do fordismo conforme a Escola, dita "Parisiense", da Regulação. Procuramos descrever as mudanças progressivas ocorridas em relação ao projeto de pesquisas original, salientando o sentido metodológico reivindicado pelos regulacionistas: o desenvolvimento de uma teoria investigativa heterodoxa centrada na análise das mediações sociais e baseada em uma metodologia anti-reducionista das instituições sociais.

escola da regulação; fordismo; sociologia econômica; inovações metodológicas; instituições sociais


The aim of this article is to analyze the relationships between methodological innovations and fordism in the so called "Parisian" Regulation School. Therefore we describe the progressive changes that took place on its original research project, underlining the regulationist's methodological sense: the heterodox research theory development focused on social mediations analysis and based in an anti-reductionist methodology of social institutions.

Regulation School; fordism; economic sociology; methodological innovations; social institutions


Le but de cette article est d'analiser le lien entre innovations méthodologiques et crise du fordisme selon l'École, dite "Parisienne", de la Régulation. En ce sens il faut décrire les changements progressifs éxecutés en rapport au projet de recherches originel et montrer le sens méthodologique revendiqué par les régulationnistes: le développement d'une théorie hétérodoxe qui se organise a travers l'analyse des médiations sociales et qui se fonde sur une méthodologie non-reductioniste des institutions sociales.

école de la régulation; fordisme; sociologie économique; innovations méthodologiques; institutions sociales


ARTIGOS

Mediações institucionais e inovações metodológicas: a teoria da regulação e a formalização da dinâmica econômica histórica

Ruy Braga

Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP).

RESUMO

O objetivo deste artigo consiste em analisar as relações entre inovações metodológicas e crise do fordismo conforme a Escola, dita "Parisiense", da Regulação. Procuramos descrever as mudanças progressivas ocorridas em relação ao projeto de pesquisas original, salientando o sentido metodológico reivindicado pelos regulacionistas: o desenvolvimento de uma teoria investigativa heterodoxa centrada na análise das mediações sociais e baseada em uma metodologia anti-reducionista das instituições sociais.

Palavras-chave: escola da regulação, fordismo, sociologia econômica, inovações metodológicas, instituições sociais.

ABSTRACT

The aim of this article is to analyze the relationships between methodological innovations and fordism in the so called "Parisian" Regulation School. Therefore we describe the progressive changes that took place on its original research project, underlining the regulationist's methodological sense: the heterodox research theory development focused on social mediations analysis and based in an anti-reductionist methodology of social institutions.

Key-words: Regulation School, fordism, economic sociology, methodological innovations, social institutions.

RÉSUMÉ

Le but de cette article est d'analiser le lien entre innovations méthodologiques et crise du fordisme selon l'École, dite "Parisienne", de la Régulation. En ce sens il faut décrire les changements progressifs éxecutés en rapport au projet de recherches originel et montrer le sens méthodologique revendiqué par les régulationnistes: le développement d'une théorie hétérodoxe qui se organise a travers l'analyse des médiations sociales et qui se fonde sur une méthodologie non-reductioniste des institutions sociales.

Mots-clés: école de la régulation, fordisme, sociologie économique, innovations méthodologiques, institutions sociales.

Introdução

O que nos interessa neste artigo é, fundamentalmente, descrever a relação entre inovações metodológicas e crise do modo de desenvolvimento fordista conforme a, assim chamada, Escola Parisiense da Regulação.1 1 Seguimos, para todos os efeitos, a correta distinção elaborada por Jessop (1990), segundo a qual existiriam sete correntes regulacionistas principais. A Escola de Grenoble (grupo de pesquisa sobre a regulação das economias capitalistas), partindo de uma crítica ao equilíbrio econômico geral, dedicou-se a estudar os procedimentos sociais de regulação que asseguram a reprodução ampliada do capital durante um período determinado num espaço econômico considerado. A Escola de Paris, gravitando institucionalmente em torno do INSEE (Instituto Nacional da Estatística e dos Estudos Econômicos) e do CEPREMAP (Centro de Estudos Prospectivos de Economia Matemática Aplicada à Planificação), baseada no trabalho pioneiro de M. Aglietta, elaborou os conceitos de regime de acumulação (extensivo e intensivo), modo de regulação (competitivo e monopolista) e modo de desenvolvimento. A Escola do Capitalismo Monopolista de Estado, inspirada nos trabalhos de P. Boccara e ligada ao PCF, desenvolveu em meados dos anos 60 uma análise da regulação econômica como regulação espontânea, baseada nos mecanismos de "superacumulaçãodesvalorização". A Escola de Amsterdã (R. Bode, K. van der Pijl, O. Holamn e H. Overbeek) desenvolveu uma abordagem distinta das estratégias hegemônicas de acumulação e da dominação política de classe com base em uma análise de inspiração gramsciana, orientada, sobretudo, no sentido dos aspectos internacionais. A Escola Alemã representada por J. Hirsch e seus colaboradores em Frankfurt e Berlim. Seu interesse analítico repousa sobre os modos de integração de massa e a formação do "bloco histórico", assim como sobre a articulação entre regulação econômica e superestruturas políticas e ideológicas. Essa escola combinou uma reinterpretação regulacionista da tendência à queda da taxa de lucro com uma análise teórica do sistema camponês, da família nuclear, da emergência de novos movimentos sociais e modos de subjetivação. A Abordagem Nórdica, explicitamente influenciada pela Escola de Paris. A Abordagem em Termos de Estruturas Sociais da Acumulação, desenvolvida por correntes de economistas radicais norte-americanos. Os aspectos convergentes, capazes de diferenciar estas correntes em relação a outras teorias econômicas contemporâneas, radicar-se-iam em torno dos seguintes pontos: em primeiro lugar, todas elas partem de uma ampla crítica à teoria do equilíbrio econômico geral; todas reivindicam uma filiação ao menos no início de suas problematizações marxista, algumas delas pleiteando uma inspiração diretamente gramsciana; todas estas correntes inscrevem seus conceitos num marco mais ou menos comum, centrado na análise da dinâmica da crise do fordismo e do surgimento de um suposto pós-fordismo; além, é claro, da ênfase explicativa recaindo sobre os mecanismos de normatização de demandas sociais pelo Estado - principalmente por meio da forma salário -, fundamentais - segundo todas elas - para a compreensão da dinâmica econômica de conjunto. Tal objetivo exige que apresentemos uma caracterização das principais influências que condicionaram o nascimento do programa de pesquisas desta teoria, além de uma apresentação sintética de alguns de seus conceitos mais importantes. Logo em seguida, devemos expor as mudanças ocorridas em relação ao projeto original, salientando o sentido teórico-metodológico reivindicado pela corrente: a crítica aos fundamentos do marxismo de viés althusseriano e o desenvolvimento de uma teoria investigativa centrada na análise das mediações institucionais.

Inicialmente, vale lembrar que a Teoria da Regulação se reveste de uma particularidade que a diferencia nitidamente das outras ciências sociais: ela desenvolve-se na universidade apenas de maneira marginal, ao passo que esteve representada de maneira maciça no próprio âmago da alta administração do Estado. Tendo sucedido aos "desenvolvimentistas" do pós-guerra que lançaram o planejamento "à francesa" num quadro contábil neokeynesiano, esses engenheiros-economistas saem das grandes escolas a - Politécnica, a de Minas, a de Pontes... - e optam pelo serviço da administração pública, ao invés de uma carreira no setor privado.2 2 "Os membros fundadores são, na sua maioria, politécnicos e trabalham como economistas nos ' aparelhos ideológicos de Estado' (para retomar a categoria de Althusser). Eles são portanto marcados, de um lado, por uma tradição colbertiana ou saint-simoniana e, de outro, por uma certa encarnação, esta também bem francesa, do marxismo" (Husson, 2000, p. 1).

De fato, a maioria dos regulacionistas é composta por politécnicos: M. Aglietta, Robert Boyer, Alain Lipietz, Jacques Mistral. Trabalham nos aparelhos de hegemonia do Estado, no INSEE, no Comissariado do Plano, no CEPREMAP. Na verdade, os locais de onde a corrente parisiense parte para construir sua representação da dinâmica "macro-econômica" de conjunto são os aparelhos de pesquisa da planificação. Seu grupo fundador pertence a uma nova geração de tecnocratas reformistas que, impregnados pelo marxismo ocidental dos anos 1960, colocam-se o problema, nos locais institucionais ligados ao aparelho central do Estado, de saber como a reprodução da relação capital/trabalho é historicamente realizada e regulada.

A Teoria da Regulação também pôde contar, ao longo do período de formulação de sua problemática, com a contribuição bastante expressiva de alguns universitários heterodoxos, como F. Perroux, no ISEA (Instituto de Ciência Econômica Aplicada); H. Brochler, em Dauphine; M. Beaud animando o departamento de Economia Política da Universidade de Vincennes; além de André Nicolai, em Nanterre. Ao longo de sua trajetória, os regulacionistas buscaram construir uma visão dinâmico-estrutural da economia que a situa dentro de uma perspectiva da Economia Política, da História, da Sociologia e das instituições.

Economia e história: origens da formalização regulacionista

Genericamente é possível dizer que a originalidade da corrente no campo da análise econômica reside em sua metodologia centrada na análise da historicidade das sociedades contemporâneas. Tal historicidade, por sua vez, é apreendida com base no esforço por distinguir uma série de mediações institucionais parcialmente autônomas ainda que interdependentes entre elas. Neste sentido, as principais seriam: a moeda, a relação salarial, as formas da concorrência que, por sua vez, organizam as relações entre os produtores , o modo de inserção internacional, bem como as formas do Estado (cf. Aglietta 1988, 1991; Boyer, 1986b; Coriat & Zarifian, 1985b; Therét, 1995b).3 3 Por relação salarial, os regulacionistas entendem: "A separação que torna um conjunto de indivíduos livres incapazes de se constituir em produtores privados no quadro da economia mercantil. Os assalariados são também indivíduos livres para perseguir seus objetivos próprios, mas sob a condição da privação da propriedade. Seu acesso à moeda passa pelo contrato de trabalho que é uma venda de horas de trabalho mediante um salário. A subordinação aos capitalistas se exerce na produção que não é um lugar de troca, pois o contrato de trabalho confere aos capitalistas o direito de fazer executar o trabalho dos assalariados sob seu controle. As empresas são, portanto, organizações específicas, na medida em que se exerce um poder hierárquico para produzir mercadorias em vista de acumular dinheiro" (Aglietta, 1997, p. 418).

A "heterodoxia" regulacionista localiza-se, segundo os próprios autores, na perspectiva da superação da teoria econômica padrão e sua ênfase no individualismo metodológico, na rejeição à história e às transformações estruturais, na idéia da economia pura, além do desprezo pelos movimentos sociais e pela complexidade do processo político (cf. Therét, 1995a). Neste sentido, a corrente regulacionista busca desenvolver sua crítica à economia pura por intermédio, sobretudo, de uma metodologia anti-reducionista das instituições sociais. Esta perspectiva se articula em torno do problema das crises estruturais e das estratégias para a resolução dessas crises mediante princípios que mesclem compromissos institucionalizados e rotinas produtivas. Para tanto, os regulacionistas entendem que a categoria de modo de regulação permite apreender os arranjos históricos capazes de assegurar a compatibilidade entre um conjunto de decisões descentralizadas, sem que seja necessária uma "interiorização pelos agentes" dos princípios que comandam a reprodução de conjunto do sistema.

Dessa maneira, a corrente avança no projeto de reorganização das bases metodológicas de uma teoria econômica alternativa à economia ortodoxa, por meio de uma perspectiva multidisciplinar que, ao mesmo tempo, integraria a História, a Sociologia e as Ciências Políticas (cf. Boyer, 1986c, 1998). Objetiva, na verdade, recompor o campo da análise econômica de forma a constituir unidades que articulem a lógica econômica ao "terreno do político e do social na solução, sempre provisória, dos conflitos que não param de emergir da ordem estabelecida" (Braga & Therét, 1998). Para tanto, recorrem a fontes teóricas que vão da teoria marxista à Sociologia Estruturalista Genética desenvolvida por P. Bourdieu, passando pela macroeconomia kaleckiana, a escola histórica dos Annales e a ciência política pública.

A idéia de uma relativa refundação das bases do raciocínio econômico caminha ao lado dos desdobramentos de um determinado programa de pesquisas. Em linhas gerais, a corrente regulacionista resume os traços gerais desse programa segundo alguns objetivos estratégicos. O principal deles procura analisar as formas por meio das quais são estabilizadas, a longo prazo, os regimes de acumulação, bem como a dinâmica de sua crise e sua renovação.Por regime de acumulação, vale lembrar, a corrente regulacionista entende:

O conjunto das regularidades que asseguram uma progressão geral e relativamente coerente da acumulação do capital, ou seja, que permitam absorver ou repartir no tempo as distorções e os desequilíbrios que surgem permanentemente ao longo do próprio processo. (Boyer, 1986, p. 72)

Paralelamente, os regulacionistas procuram delimitar o espaço e o período durante os quais seria legítimo postular uma certa adequação entre seus conceitos gerais e os fenômenos mais relevantes, além de afirmarem a historicidade fundamental do processo de desenvolvimento das economias capitalistas.4 4 "Os regulacionistas têm, contudo, o sentimento de inovar radicalmente sobre o plano metodológico, pelo simples fato de confrontar seus conceitos com a realidade empírica. Ainda sobre esse ponto, a ruptura com um certo estruturalismo ' marxista' combina-se com sua inserção na administração econômica para os incitar a buscar uma quantificação empírica de suas análises. Mas é com o ardor dos neófitos que eles se maravilham com este corte epistemológico. (...) Certo, pode-se ver aí um progresso em relação ao dogmatismo, mas é também uma banalidade em relação ao marxismo vivo" (Husson, 2000, p. 2).

Por último, a corrente busca explicar, partindo do mesmo conjunto de hipóteses, o maior número possível de "fatos estilizados" que podem ser observados no período que vai dos anos 1950 até os dias atuais. Do ponto de vista do procedimento de análise, a Teoria da Regulação encontra-se organizada em torno de três grandes níveis de análise. No primeiro deles, verificamos a eficácia do modo de produção e sua articulação:

A filiação às relações de produção em Marx é clara, mas a correspondência entre as relações de produção e o estado das forças produtivas foi abandonada, bem como a dicotomia entre estrutura econômica e superestrutura jurídica e política. (Boyer e Saillard, 1995, p. 18).

Num segundo nível, a corrente regulacionista busca apreender as regularidades sociais e econômicas que permitem à acumulação desenvolver-se a longo prazo. O conjunto dessas regularidades é resumido pela noção de regime de acumulação. Finalmente, num terceiro nível, são verificadas as configurações específicas das relações sociais para uma época e um espaço determinados. No interior de um discurso metodológico dominado pela análise das regularidades e disjunções historicamente operadas pelas instituições sociais, emerge com força a preocupação com o estudo sob a forma concorrencial, taylorista ou fordista da - relação salarial.

As origens teóricas imediatas da regulação devem ser localizadas na articulação entre a crítica às teses sobre o Capitalismo Monopolista de Estado e a crise do althusserianismo, cristalizada na crítica à categoria estruturalista da reprodução social. Genericamente, a síntese regulacionista deve ser entendida como uma determinada resposta à crise do marxismo francês, na passagem dos anos 1960 até meados da década de 1970. Indica o esgotamento de uma teoria cuja ênfase explicativa esteve centrada na convergência entre as formas da concorrência intermonopolista, o determinismo tecnológico e a reprodução social.5 5 "A regulação nasceu entre o comunismo e o maoísmo à francesa, essa mistura específica de pensamento. A. Gorz e o obreirismo italiano. Da morte de Pierre Overney, nós retivemos (como Jean Boissonnat em sua época!) que o capitalismo norte-ocidental obteve êxito em sua estabilização macroeconômica, ao preço de um fabuloso empobrecimento do sentido do trabalho. Contrariamente aos que pretendem hoje certas leituras fortemente seletivas, nós jamais esquecemos a função articuladora do operário profissional (e como teríamos podido, quando ele constituiu a base do "outro" pilar do fordismo à francesa, o maciço PCF-CGT?); mas nós medimos, por sua vez, a irracionalidade fundamental e a alienação do taylorismo" (Lipietz, 1995, p. 40).

No início dos anos 1970, Aglietta parte para os Estados Unidos com a finalidade de estudar os fundamentos da eficácia do crescimento em curso. Procura apurar, por exemplo, qual pode ser o modo de ação do Estado para contornar os fatores de crise. Identifica, pois, partindo da realidade americana, os modos de coordenação intermediários que permitem compreender a impossibilidade de uma sobreposição simples da lógica do Estado à do mercado para compor uma estrutura de conjunto (cf. Aglietta, 1977, 1978). Estabelece, desse modo, as bases teóricas daquilo que constituiu a grande originalidade da formulação regulacionista: a pesquisa das formas institucionais das relações intermediárias. Estas, por sua vez, englobariam toda uma realidade que foi apreendida numa perspectiva fundamentalmente instrumental pelo keynesianismo e, simplesmente, ignorada pelos teóricos do equilíbrio geral, como representativa de elementos exógenos não pertinentes.

Partindo da teorização a respeito da regulação monopolista centrada na configuração da relação salarial fordista, tal esforço pioneiro apontava para uma revitalização do campo de intervenção teórica hegemonizado pelo marxismo. Trabalhos expressivos de Coriat, Boyer, Mistral e Lipietz, acompanharam-no. Quando emerge a chamada crise do petróleo em 1973, a corrente regulacionista esforça-se por identificar os fundamentos de uma crise mais radical. A idéia-força parece estar centrada na análise das supostas falhas do modelo fordista, responsáveis, em última instância, pela crise do modo de desenvolvimento capitalista que teria vigorado no pós-Segunda Guerra. Mais precisamente, pelo lado do processo de trabalho, o fordismo teria confiado o progresso técnico "aos carros e às maquinas" deixando de lado isso que, mais tarde, ficou conhecido como os "recursos humanos" dos executores.

Pelo lado do modo de regulação, quase exclusivamente nacional, a própria dinâmica do modelo teria levado o fordismo após ter concluído a edificação dos "mercados internos" do capitalismo a transbordar suas fronteiras, internacionalizando mercados e processos produtivos. A corrente regulacionista passa a enumerar e analisar as razões essenciais da perda da eficácia das normas e formas da regulação social. Para tanto, invoca o modo pelo qual a inflação passa a representar após 1973 a síntese das tendências estruturais envolvendo os vários focos da crise (cf. Aglietta, 1980). A crise do capital é interpretada como uma crise da regulação salarial localizada, fundamentalmente, no âmbito das contradições produzidas pela organização do processo de trabalho.

Conseqüentemente, em Regulação e crises do capitalismo, Aglietta afirma - de maneira bastante incisiva, diga-se de passagem que - a pacificação keynesiana da "anarquia do mercado" não foi capaz de abolir a contradição capital/trabalho e, portanto, o caráter radicalmente opressor do capitalismo. A norma social de consumo do fordismo não teria dado conta de regular a evolução do consumo privado da classe operária, reforçando o antagonismo inerente à relação salarial. Como resultado desse processo de crise, seria possível verificar a elevação do custo social de reprodução da força de trabalho articulada a uma limitação cada vez mais crescente da taxa de extração de mais-valia relativa, obstaculizando tendencialmente a acumulação do capital.

Como é possível perceber, este esforço de sistematização do conjunto dos efeitos decorrentes da "reprodução problemática" da relação salarial encontra-se plenamente amparado na operacionalização conceitual reivindicada pela corrente marxista estruturalista: "Ainda toda althusseriana, a tese de Agliettta não contemplava a independência dos ramos e das empresas e asfixiava, em cada oxigenação do processo de trabalho, o controle da extorsão da mais-valia" (Lipietz, 1995, p. 41-42). Lipietz tem razão: de fato, a origem do projeto teórico regulacionista deve muito à "herança esquecida" do althusserianismo. Ou, como bem salienta Lipietz (1989, p. 2): "Nós somos nós, ' regulacionistas' , de alguma maneira, ' filhos rebeldes' de Althusser".

Não é de se espantar. Afinal de contas, entre meados dos 1960 e início dos 1970, a intelectualidade francesa - marxista ou antimarxista - foi marcada de maneira decisiva pelo surgimento e pela posterior dissolução da corrente althusseriana original. Aglietta, obviamente, não constituiu exceção. No início dos anos 1970, sua problemática girava em torno da compreensão das razões que garantiriam à "diversidade" operar num mesmo quadro estrutural. Em outras palavras, questionava-se a respeito de como os processos de regulação podem ser diferentes, complexos e, no entanto, estarem inscritos no interior de um mesmo sistema capitalista. O próprio Aglietta percebia seu esforço num campo epistemologicamente muito próximo do terreno althusseriano: "Mostrei o livro (Regulação e crises do capitalismo) a Althusser e Balibar. Foi algo que eles avalizaram muito bem. Reconheciam-se nessa abordagem" (Aglietta, apud Dosse, 1994, p. 323).

Sem dúvida, em 1974, Aglietta encontrava-se profundamente impregnado pela matriz teórica proveniente do althusserianismo. Retinha do marxismo althusseriano, particularmente, a idéia de formular os problemas em termos de sobredeterminação, além do fato de considerar as estruturas como totalidades articuladas. Conservava, portanto, a fórmula trinitária das instâncias estruturais, a saber, a econômica, a jurídico-política e a ideológica, operando, na prática, com as duas primeiras. Antes de sua partida para os Estados Unidos, ele já conduzira, com Philippe Herzog, um trabalho de pesquisa sobre as problemáticas do crescimento que, partindo da formalização estruturalista, buscava adaptar os conceitos de "formas intermediárias" e de "encaixes" à teoria econômica. Neste sentido, Aglietta decide avançar sobre o terreno do debate econômico a operacionalização conceitual da matriz althusseriana.

Inspirado por uma tal problemática de fundo, Aglietta lança-se na tarefa de definir os fundamentos do processo de crise e reestruturação das normas produtivas e de consumo da classe operária, segundo a perspectiva da relação salarial. Esta, por sua vez, conferiria inteligibilidade à dinâmica macroeconômica de conjunto, ao condensar aspectos cuja centralidade indicassem as múltiplas determinações da estrutura produtiva, notadamente a negociação coletiva e a composição da classe trabalhadora, seu grau de organização e sua disposição combativa. Com efeito, é a relação salarial - forma estrutural - que sustenta os mecanismos de regulação, e é ela que vai permitir localizar a crise do modo de desenvolvimento fordista.

Mediação institucional e análise da crise: da crítica ao althusserianismo às inovações metodológicas

Apesar de reconhecer a importância do althusserianismo, seu impacto sobre a renovação das pesquisas e reflexões teóricas críticas nas décadas de 1960 e 1970, Lipietz parte exatamente da caracterização althusseriana do conceito marxista de reprodução para avançar na, suposta, "superação" teórica regulacionista. No contexto da crise econômica dos anos 1970, a corrente regulacionista - Lipietz, em particular - realça a fecundidade da tese althusseriana segundo a qual as forças produtivas são, elas mesmas, a materialização de relações sociais de produção. A crise, contudo, teria abalado definitivamente os esquemas althusserianos baseados na reprodução. Contradições e processos exigiriam ser (re)introduzidos. Paralelamente, a crise também atingiria os economistas neoclássicos que, por sua vez, também seriam forçados a questionar o velho dogma do mercado ideal, funcionando sem transtornos, traduzido em paradigma central de suas análises desde os anos 1950.

O pressuposto do equilíbrio geral teria se tornado obsoleto diante da força da crise histórica, obrigando os economistas a uma abertura para elementos exteriores ao mercado. A crítica ao equilíbrio geral torna-se decisiva para a regulação: faz-se necessário reintroduzir o "sujeito" - suas representações, suas estratégias - no interior dos próprios mecanismos de reprodução (cf. Boyer, 1995; Lipietz, 1989b). Todavia, os regulacionistas negam o funcionalismo supostamente existente na tese althusseriana que afirma ser contraditório, superficial e secundário o caráter das relações de troca.

Partindo da crítica ao conjunto das "limitações" impostas pelo estruturalismo à compreensão dos processos "econômicos" movimentos da base produtiva , a corrente parisiense vai se definindo: apresenta-se como uma determinada "superação necessária" do althusserianismo. A própria crise demonstraria o fato de a reprodução ser contraditória, podendo perdurar durante um longo período. Dos avanços na busca pela superação da categoria de reprodução decorre o estabelecimento das bases metodológicas de uma problemática renovada. A corrente aparece, assim, como uma ruptura do althusserianismo capaz de compreender as especificidades históricas do capitalismo no pós-guerra.6 6 "A ruptura em relação a Althusser é longamente descrita por Lipietz; a reprovação principal que ele endereça a Althusser é de ' negar que sobre a base material das relações sociais se possa constituir alguma coisa capaz de dizer somos nós e subverter o sistema de relações. Para nós, esta alguma coisa era o movimento revolucionário das massas'. Esta citação é divertida, sobretudo tendo em vista a evolução dos ' conceitos prospectivos' manejados por um Lipietz que se faz hoje de promotor das reciprocidades como depositárias do ganho salarial. Mas ela é sobretudo extraordinária por apresentar a intervenção do movimento revolucionário das massas como ' alguma coisa' que será necessário redescobrir para reatar com o marxismo que é, evidentemente, um elemento constitutivo! É por meio dessa capacidade de arrombar as portas abertas que se mede a camada de chumbo stalino-maoísta que os inventores da regulação tiveram de remover para se reencontrar com o ar livre. Esta trajetória não é indiferente, pois ela os empurrarou para o descarte da tradição viva do marxismo que eles não praticaram, a não ser por meio de Althusser, Mao ou Boccara. Não há, portanto, surpresa alguma em constatar que eles ignoram soberbamente correntes fecundas do marxismo (notadamente, anglo-saxãs) como, é claro, aquele encarnada por Ernest Mandel, cuja obra fundamental, O capitalismo tardio, apareceu na França em 1976. Tudo isso não impede os regulacionistas de serem, nesta época, críticos bastante conseqüentes do capitalismo" (Husson, 2000, p. 2).

Entendendo-se a regulação como "aquilo que é necessário para garantir a reprodução", os regulacionistas discutem a tendência à crise partindo do fordismo: "É sobre os problemas da acumulação capitalista que se iniciou a passagem da noção de reprodução à de regulação" (Lipietz, 1989b, p. 29). Entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 1980, vários trabalhos da corrente regulacionista analisaram as transformações do trabalhador coletivo, das normas de produção e a integração dos mercados de consumo de massa nos países imperialistas, influenciados pela Seção IV d'O capital. A reprodução da relação salarial superaria os marcos de uma leitura que enfatizasse a reprodução dos lugares, orientando-se para e pela trajetória dos agentes (cf. Coriat, 1979).

Da crítica ao althusserianismo, a corrente regulacionista salienta a tese segundo a qual a dinâmica econômica de conjunto deve recair sobre as formas assumidas pelas relações sociais fundamentais em um determinado período de tempo e em uma determinada sociedade. Observação semelhante deveria ser endereçada às teorias sobre o Capitalismo Monopolista de Estado. Os regulacionistas afirmam que os regimes de acumulação, os modos de regulação, assim como os modos de desenvolvimento assumidos pelo capitalismo são historicamente determinados. A análise parte dos efeitos das relações sociais fundamentais sobre o comportamento cíclico da dinâmica econômica. Sua idéia central repousa sobre o conceito de mediação institucional entendida como a forma assumida pela relação social fundamental, num determinado momento histórico. Forma e história mesclam-se num ecletismo metodológico mais ou menos coerente.7 7 "O ecletismo está bem presente nestas abordagens regulacionistas, que não dispõem de um paradigma mais ou menos unificado e coerente internamente. Portanto, todas elas procuram mostrar que, em primeiro lugar, o capitalismo não funciona sempre da mesma maneira, e que este encontra múltiplas soluções para suas dificuldades, ou melhor, que existem diversas reestruturações possíveis por ocasião das grandes crises; em segundo lugar, todo o tempo, as escolhas feitas dependem, sobretudo, das formas de compromissos institucionais estatais e contratuais capazes de ser propostos e até mesmo impostos pelas classes dominadas, através dos partidos e sindicatos reformistas" (Farias, 1999, p. 23).

A mediação institucional pode ser definida, segundo os regulacionistas, como toda aquela que deriva, fundamentalmente, seja da relação mercantil, da relação capital-trabalho ou ainda da interação de ambas. Por sua vez, o conceito de mediação institucional é central para a análise regulacionista exatamente por se configurar na, suposta, responsável pela estabilização da acumulação verificada pela teoria econômica (cf. Aglietta, 1976, 1988, 1990a, 1997; Boyer, 1986; Coriat, 1994b; Therét, 1995a). O sentido atribuído pela Teoria da Regulação ao conceito de mediação institucional definiria, supostamente, um vínculo teórico relacionando esta corrente à dinâmica da acumulação do capital.

O capital e sua dinâmica: a transformação das condições de existência da classe operária teria configurado o início fundamental da crise. Tal transformação exigiu, segundo Aglietta, profundas modificações na formação dos salários e na organização do trabalho (cf. Aglietta, 1997). Essas modificações foram seguidas, supostamente, por dois processos fundamentais: de um lado, o desenvolvimento das relações contratuais entre os capitalistas e as organizações operárias, e, de outro, a socialização de uma parte das despesas de reprodução da força de trabalho como condição necessária à difusão do reino da mercadoria. A modificação destas relações sociais exigiria uma extensão e uma diversificação das intervenções econômicas do Estado (cf. Therét, 1995a).

A classe operária é moldada pelas exigências implicadas no processo de valorização do capital. Em Regulação e crises do capitalismo, o pós-guerra aparece como sendo a época da universalização das relações de produção capitalistas para o conjunto das atividades produtivas. A dinâmica da análise recai sobre a transformação das condições de existência da classe operária engendrada pela generalização dos métodos de produção da mais-valia relativa. Essa dinâmica teria permitido uma certa harmonização da expansão dos setores produtivos, no sentido da sedimentação das relações mercantis. Os progressos da produtividade produziriam tendências anticíclicas.

Segundo Aglietta (1997), a reprodução da relação salarial seria realizada, primordialmente, por meio do progresso da organização do trabalho, deixando de ser "comodamente alojada no contrato salarial, ou seja, no montante do salário em moeda", quando a luta de classes torna-se intensa. Esta tenderia, pois, a questionar as relações de produção impostas sobre as condições de trabalho, o modo de classificação dos postos de trabalho e as regras de organização do trabalho. A luta intensificaria a evolução do processo de trabalho, criando "novas relações sociais". Nesse processo, "a classe capitalista aposta sua existência, ou seja, a manutenção da relação salarial" (idem).

A emergência do pós-fordismo é interpretada pela regulação como o começo da realização de uma tendência histórica do desenvolvimento das forças produtivas "já anunciada por Marx como uma possibilidade no horizonte do capitalismo" (Aglietta, 1997). Tratar-se-ia da evolução em direção a uma independência cada vez maior da produtividade em relação ao investimento do trabalho vivo, visto a potência produtiva residir, essencialmente, na capacidade acrescida das forças produtivas modernas em realizar uma cooperação na produção capaz de engendrar uma complementaridade tal entre os trabalhadores que sua produtividade individual deixaria de ser mensurável.

O progresso da socialização alteraria a composição do regime de assalariamento. Tal integração configuraria um modo de socialização do trabalho "diferente e mais elaborado que as relações de equivalente da troca" (cf. Aglietta & Brender, 1984; Boyer & Mistral, 1983). Ela contribuiria para substituir a regulação cega da lei do valor, por uma matriz coletiva da produção. À medida que a integração desenvolve-se no seio da produção mercantil, a relação entre salário individual ou mesmo salário de grupos de trabalhadores e rendimento seria tão enfraquecida que deixaria de existir. Para a corrente regulacionista, uma poderosa força de homogeneização dos salários dos trabalhadores faz-se presente.

No fundamental, como é possível perceber, a existência da classe operária é apreendida sobre o terreno definido pelo consumo de massas: a transformação das condições de existência do salariado é engendrada pela produção capitalista do modo de consumo. Entre os salários e o consumo, a corrente regulacionista depreende a forma e o conteúdo da classe. No centro das preocupações de Regulação e crises do capitalismo, encontramos a análise da reprodução da força de trabalho social. Não é, portanto, o comportamento individual de consumo, mas o estabelecimento e a transformação das condições de existência da classe operária.

Tratar-se-ia, na verdade, do próprio fundamento da acumulação capitalista, do conteúdo material da generalização da relação salarial. Sobre esta base, seria possível aprofundar a teoria do salário identificando as forças cuja interação conduzem à determinação do salário nominal de referência. Seria possível, igualmente, evocar as condições sociais da estratificação do salariado e a maneira como o capitalismo agrava estas condições. Poder-se-ia, enfim, interpretar a institucionalização pela luta de classes de relações sociais novas constituindo o processo de negociação coletiva e a incidência desse processo sobre a evolução do salário médio a longo prazo.

No ambiente de trabalho, inserção ocupacional; na esfera da circulação, inserção por meio do consumo: "É assim, porque a lei geral de evolução é a mais-valia relativa que é um princípio de extensão do salariado" (Aglietta & Brender, 1984). A análise da classe operária é quase funcional. A estratificação do salariado não conteria uma divisão simples, produzida por um princípio único. Na verdade, o salariado testemunharia a superposição de processos distintos, contudo, derivados das tendências fundamentais da formação e da transformação das relações de produção capitalistas no processo de trabalho, assim como da formação e da evolução da norma social de consumo.

Por sua vez, a crise do fordismo apontaria para a ruptura do equilíbrio de forças que teria garantido o movimento geral de expansão do valor. A coerência das mediações, cujo funcionamento de conjunto teria formalizado a luta de classes, superando as tensões do processo de valorização, esgotara-se. A crise afetaria, assim, a economia, sem alterar as relações políticas. Atinge as regras econômicas, não o Estado. Na formulação regulacionista original, a crise constitui-se em momento no interior do qual as lutas de classes não são codificadas pela coerência das mediações de outrora. Ao contrário, as lutas de classes, num clima político e ideológico que não questione o próprio capitalismo, provocariam grandes "progressos na organização social do trabalho, capazes de erigir as condições de uma nova e durável acumulação" (Aglietta, 1997). A produção imediata modifica-se para absorver os efeitos perversos da crise sobre as taxas de lucro.

Cabe a pergunta: qual o estatuto metodológico atribuído às lutas de classes pela Teoria da Regulação? A fórmula regulacionista da lei da acumulação considera a transformação das forças produtivas como "componente da reprodução ampliada da relação salarial". Daí o significado da mais-valia relativa. O desenvolvimento imanente das forças produtivas adviria, por um lado, da transformação do processo de trabalho; por outro, da modificação das condições de existência do salariado. Comprimidas entre a produção e o consumo, as lutas de classes fundamentam a história na medida em que sua dimensão política dinamiza a reprodução sistêmica (cf. Orléan, 1994).

Restando pouco espaço para as relações não-contratuais, a agonia do fordismo inauguraria um período singular e distinto daqueles marcados pelas perturbações transitórias do regime. Caberia, pois, a questão: existiriam limites à transformação das condições de existência do salariado sob a forma de uma extensão das relações mercantis? Não. De acordo com o fundador da corrente parisiense, a emergência do neofordismo garantiria a renovação da aventura salarial. Da plasticidade da classe operária dependem as novas modalidades da acumulação. Força motriz da história, um novo ciclo restaurador encontra um suporte seguro nos antagonismos da relação salarial. A "jaula de servidão" permanece sólida.

Da transição ao socialismo à transição no capitalismo, as principais transformações do processo de trabalho estariam estreitamente ligadas às mudanças das condições de existência do salariado. Tal interação produziria uma norma social de consumo capaz de institucionalizar a luta econômica de classes na forma da negociação coletiva. Sob esta nova etapa da regulação do capitalismo, a classe capitalista buscaria engendrar uma gestão global da reprodução da força de trabalho assalariada, por meio da estreita articulação envolvendo as relações de produção e as relações mercantis mediante as quais os trabalhadores assalariados adquirem seus meios de consumo.

Progresso, salário e consenso: em busca de uma alternativa metodológica

O fordismo representaria o princípio de uma articulação do processo de produção e do modo de consumo, constituindo a produção de massa na qualidade de conteúdo da universalização do salariado. Isso porque a negociação coletiva teria aprisionado as lutas de classes nas modalidades que permitiriam tirar proveito de todas as potencialidades de exploração inerentes à organização do processo de trabalho centrado na produção massificada de mercadorias banalizadas. Princípio funcional, o novo regime institucionalizaria o primado da negociação racionalidade comunicativa contra o primado do enfrentamento irracionalidade das lutas. Na opinião da corrente regulacionista, o fordismo estatiza a luta de classes, sem superá-la (cf. Therét, 1995a).

A definição do conceito de salário e sua inserção na teoria do valor caracterizaria o salariado como produto de uma relação social geral e uniforme que serviria de fundamento para um capitalismo centrado nas formas sociais da "organização" o Estado e as empresas (cf. Nadel, 1994). O problema da estratificação do salariado emergiria da produção da mais-valia. Ligado, portanto, à maneira pela qual as lutas de classes conseguiriam, ou não, transformar as condições de produção e de troca; e provocar, conseqüentemente, uma expansão da massa de mercadorias.

Se o salariado se constitui entre a organização e o mercado, sua racionalidade deve ser buscada na negociação de seu preço. A corrente regulacionista entende que as mediações progridem com as transformações materiais do modo de produção. Este progresso asseguraria a coesão social sob a dominação de uma relação de apropriação antagonista. Como novo estado do capitalismo ligado ao regime de acumulação intensivo, o fordismo unificaria as diferentes formas parciais de existência da relação salarial, constituindo-se em forma estrutural capaz de organizar a negociação coletiva. Afinal, as leis de reprodução das formas sociais induziriam transformações no terreno da valorização. A forma estrutural segundo a qual a relação salarial é reproduzida afetaria a transformação do valor da força de trabalho em salário.

De acordo com o método de análise regulacionista, a negociação coletiva arrasta consigo um conteúdo social progressista, alimentando uma via sindical ativa quando esta se aplica à organização do processo de trabalho. Dilatar o horizonte temporal por intermédio da significativa redução da incerteza coletiva seria, desde sempre, uma arma dos trabalhadores na sua luta pela segurança e melhoria nas condições de trabalho. A grande aliada do trabalho, rumo ao progresso social. Neste sentido, argumenta a corrente regulacionista, toda a trama da luta de classes do pós-guerra aponta para a transformação da negociação coletiva em principal instrumento do processo de institucionalização da luta de classes. A gênese, o funcionamento e o aperfeiçoamento das mediações configurariam, neste sentido, os elos teóricos da articulação das relações sociais em suas múltiplas dimensões.

Supostamente, a conjuntura da crise francesa teria feito com que os regulacionistas complexificassem seu marco metodológico, adotando uma abordagem prospectiva cada vez mais integrada às exigências das políticas estatais (cf. Boyer & Mistral, 1983). O reformismo procurou articular propostas que minimizassem os efeitos da crise, por intermédio de uma síntese envolvendo Marx e Keynes. Uma teoria da investigação cuja linguagem buscou "codificar" as relações sociais fundamentais: a moeda, a relação salarial, tipos de concorrência, modalidades de inserção no sistema internacional e as formas do Estado.

Num texto sintomaticamente extraído do prefácio à edição russa de A Teoria da Regulação: uma análise crítica, Boyer parte de considerações a respeito da existência de um "debate maniqueísta dos anos 1980": entre o Estado e o mercado, o que deveriam escolher os governantes para revitalizar e estabilizar o crescimento econômico? Ao não subscrever este debate "maniqueísta", a corrente regulacionista representaria uma via metodológica progressista em relação aos rumos da teoria econômica. Das advertências intelectuais, surgem bons conselhos: se se compreende como o fordismo caminhou, vai-se também, necessariamente, compreender como fazer caminhar um "modelo alternativo".

A chegada da Frente Popular e, conseqüentemente, do "campo progressista" a burguesia modernizadora inclusa ao poder, em 1981, oferece aos regulacionistas a ocasião para abandonar uma outrora posição de "críticos esclarecidos" do sistema em favorecimento de uma outra: a de "conselheiros do príncipe". A posição dos regulacionistas no aparelho de administração econômica, assim como sua formação de engenheiros, acaba por habilitá-los para a tarefa de auxiliar o Estado a abandonar um fordismo sem futuro. Dito de outra maneira, a ponderar sobre a elaboração de uma "nova" regulação capaz de superar a crise pelo alto (cf. Boyer & Durand, 1993).

Da análise histórica do modo de desenvolvimento, passamos aos estudos prospectivos objetivando escolher e racionalizar os caminhos do progresso. O programa de trabalho regulacionista é reorientado em direção à invenção do "pós-fordismo". Afinal, as possibilidades inauguradas pelo horizonte de um "campo progressista" dirigindo o Estado não podem ser desperdiçadas. Do ponto de vista do método, a "guinada harmonicista" não é desinteressada. Na verdade, trata-se da necessidade imperiosa de imaginar um novo compromisso social positivo fundado sobre novas produtividades e sobre um novo modelo social.

O passo seguinte define-se em meados dos 1980. Em 1987, Boyer coordena um volumoso estudo intitulado Aspectos da crise. "Reencontra-se aí uma lógica, típica da planificação à francesa (Massé!), que consiste em apresentar três cenários, que poderíamos chamar de o bom, o bruto e o preguiçoso" (Husson, 2000, p. 6): o último corresponderia ao prolongamento de tendências presentes, o segundo corresponderia a uma inflexão em direção a um modelo socialmente regressivo e o primeiro representa, evidentemente, a boa escolha. Uma típica operação de análise "campista" que consiste em delinear, grosso modo, um campo conservador e um reacionário, para poder contrapô-los ao campo progressista. A Teoria da Regulação transforma-se em técnica de regulação.8 8 "É sempre possível escolher não fazer nada, e é o cenário batizado' corrente de água' que serve de rechaço. Pode-se, evidentemente, escolher colocar em ação um ' programa voluntarista de retorno ao mercado ', de inspiração neoliberal. Mas o bom cenário é, evidentemente, o terceiro, tão voluntarista quanto o precedente, mas que objetiva instaurar ' formas coletivas de adaptação' às mutações e que supõe que ' seja negociada uma nova configuração da relação salarial' fundada sobre um ' princípio original de partilha dos ganhos de produtividade entre progressão do salário, redução do tempo de trabalho e criação de empregos para toda a sociedade'. Vê-se bem a pata (la patte) regulacionista: existia uma boa relação salarial fordista que já era, é necessário, portanto encontrar outra coisa, todos juntos" (Farias, 1999, p. 23).

A suposta coerência da terceira via regulacionista define-se em torno de cinco elementos básicos, diferentemente combinados: sistema técnico, formas da concorrência, relação salarial, intervenções públicas, regime internacional. O quadro que descreve esta combinatória se trata, no fundamental, de um típico instrumental de administração do social. Os regulacionistas endereçam-se aos dirigentes do Estado para lhes mostrar as opções disponíveis e avaliar suas vantagens respectivas. Metodologicamente, a dinâmica social é esvaziada e o modo de regulação torna-se uma simples "convenção":

O institucionalismo econômico e a teoria das convenções guardariam, em relação a Marx, preocupações convergentes. Alguns dos componentes metodológicos do "convencionalismo heterodoxo" Favereau, Salais, Orléan, Boltanski, Thevenot... podem ser atribuídos ao próprio autor de O capital, sem, contudo, referir-se à radicalidade de suas preocupações políticas: à idéia de uma natureza pura, de um universo natural-racional que a ciência teria por objeto descobrir ou construir, eles (os institucionalistas heterodoxos) opõem, de fato, a historicidade essencial das formas econômicas, sua ligação com as estruturas sociais determinadas, onde interferem seqüências cumulativas de efeitos não-institucionais, inovações funcionais anônimas e intervenções conscientes, instituidoras, no sentido forte, de atores sociais singulares. O institucionalismo, neste sentido amplo, identificou as práticas econômicas a seus pressupostos jurídicos, políticos, ideológicos e éticos; e, portanto, atribuiu, também, ao seu objeto científico um tratamento propriamente filosófico. Tentarei, aqui, demonstrar que a intervenção de Marx desempenhou um papel decisivo na formulação desse programa teórico, e que os desenvolvimentos atuais do institucionalismo nos remetem a todo um conjunto de questões que este formulou explicitamente, ao mesmo tempo em que bloqueava o desenvolvimento. Ora, tais questões são aquelas mesmas que governam a idéia da alternativa ao capitalismo. As pesquisas institucionalistas podem aparecer fortemente ligadas às preocupações sociais e econômicas próprias ao marxismo, e, freqüentemente, representativas de uma via política moderada. (Bidet, 1995, p. 115).

Apesar dos esforços regulacionistas em formalizar o sentido da "eficácia com eqüidade", é o neoliberalismo que resplandece, aparentemente sem grandes obstáculos. Ante os avanços do campo reacionário, a Teoria da Regulação confirma sua crença no caráter progressista de um sistema bem equilibrado. O capitalismo "pode fazer melhor" que o caminho bruto representado pelo mercado. O problema central passa a ser o das formas da inclusão social. Fundamentalmente, na opinião da corrente regulacionista, a conjuntura atual colocaria para a teoria econômica questões relacionadas à extensão da cobertutra social, à complexificação das sociedades contemporâneas, à crescente internacionalização das economias no contexto de um "balanceamento" do paradigma sociotécnico que se originou no contexto do crescimento dos "Trinta gloriosos" (cf. Boyer & Saillard, 1995).

Marcos da transição no interior do capitalismo, as falhas do mercado devem ser minimizadas partindo da intervenção do, assim chamado, "interesse público". Eficiência e responsabilidade, um programa moderno apontando para a revitalização econômica e a superação da instabilidade social. Neste sentido, a duração e o suposto "caráter atípico" da recessão começada em 1990 nos EUA prolongando-se até a Europa Ocidental em 1993 atualizaria as categorias fundamentais da abordagem regulacionista, na medida em que esta entende que uma "velha" ordem institucional somente se esgota lentamente e uma "nova" sempre encontrará extremas dificuldades para impor uma lógica socioeconômica distinta.9 9 "De vento em popa", a economia institucionalista consolidaria o terreno para uma terceira via ideológica. Na opinião da corrente regulacionista, os exemplos seriam abundantes: vários economistas (R. Coase, R. Fogel, S. Engerman, entre outros; todos citados por Boyer, 1995), cujos trabalhos apontam para a firma como mecanismo eficaz de alocação de recursos raros alternativo ao mercado , receberam recentemente reconhecimento e premiações internacionais, o que demonstraria que a vivificação dos trabalhos da teoria institucionalista teria rompido com o relativo isolamento no qual se encontrava a regulação nos anos 1980 (Powell & DiMaggio, 1999; Williamson, 1991).

Considerações finais: rumo a novas alianças?

Uma via institucionalista particular, como é possível verificar: apesar do conjunto das convergências metodológicas em relação aos institucionalistas, os teóricos da regulação permanecem afirmando a originalidade de suas formulações e de sua problemática (Boyer, 1995; Lipietz, 1995). A corrente regulacionista, por exemplo, considera ilusório pesquisar uma explicação monocausal das instituições econômicas, considerando que "a riqueza, mas também a viabilidade de uma instituição, deriva do fato que ela se apóia, simultaneamente, sobre uma variedade de registros e de mecanismos" (Boyer, 1995, p. 22).

A corrente regulacionista também afirma, ao contrário da teoria institucionalista, a necessidade de se distinguir entre a origem e a viabilidade de uma instituição econômica: "Tal é a mensagem essencial da regulação: a gênese das formas institucionais deriva de episódios dramáticos, de crises estruturais, de guerras, de conflitos abertos entre classes ou grupos sociais" (Boyer, 1995, p. 23). Neste sentido, a complementaridade das instituições determinaria, supostamente, sua viabilidade. A relação salarial, por sua vez, segue como um dos principais condicionantes da dinâmica econômica. A corrente continua insistindo, ao contrário dos institucionalistas, na variabilidade histórico-espacial dos modos de desenvolvimento. De fato, para os regulacionistas, não existe nenhum modo de regulação cuja viabilidade seja assegurada indefinidamente.

Apesar desse conjunto de ressalvas e distanciamentos enumerados por Boyer, o impacto da economia institucionalista em termos de diversificação dos métodos de análise parece decisivo para a apreensão e o entendimento dos temas por meio dos quais avança a problemática regulacionista. De fato, a grande diferença parece reservada ao papel desempenhado pela relação salarial na explicação da dinâmica macroeconômica de conjunto. Um objetivo focado no esforço de relativizar a centralidade da relação salarial, tendo em vista a complexidade crescente das mediações sociais (cf. Boyer & Saillard, 1995).

Uma via metodológica sedimentada sob a linguagem da organização, como é possível perceber. O sincretismo institucionalista, é verdade, não se faz sem contradições. Contudo, mesmo Lipietz admite que "o grande salto atrás" em direção à economia das convenções encerra um conteúdo "necessário e estratégico" ante a atual defensiva e o isolamento da teoria econômica progressista, muito marcada por uma falta de alternativas, no interior do "debate maniqueísta Estado/mercado". A regulação poderia conquistar espaços mais amplos de intervenção teórica e política, se aliada aos institucionalistas.

Notas

Artigo recebido em 23 maio 2003; aprovado em 30 ago. 2003.

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  • WILLIAMSON, O. E. Las instituiciones econômicas del capitalismo México: Fundo de Cultura Econômica, 1989.
  • 1
    Seguimos, para todos os efeitos, a correta distinção elaborada por Jessop (1990), segundo a qual existiriam sete correntes regulacionistas principais. A Escola de Grenoble (grupo de pesquisa sobre a regulação das economias capitalistas), partindo de uma crítica ao equilíbrio econômico geral, dedicou-se a estudar os procedimentos sociais de regulação que asseguram a reprodução ampliada do capital durante um período determinado num espaço econômico considerado. A Escola de Paris, gravitando institucionalmente em torno do INSEE (Instituto Nacional da Estatística e dos Estudos Econômicos) e do CEPREMAP (Centro de Estudos Prospectivos de Economia Matemática Aplicada à Planificação), baseada no trabalho pioneiro de M. Aglietta, elaborou os conceitos de regime de acumulação (extensivo e intensivo), modo de regulação (competitivo e monopolista) e modo de desenvolvimento. A Escola do Capitalismo Monopolista de Estado, inspirada nos trabalhos de P. Boccara e ligada ao PCF, desenvolveu em meados dos anos 60 uma análise da regulação econômica como regulação espontânea, baseada nos mecanismos de "superacumulaçãodesvalorização". A Escola de Amsterdã (R. Bode, K. van der Pijl, O. Holamn e H. Overbeek) desenvolveu uma abordagem distinta das estratégias hegemônicas de acumulação e da dominação política de classe com base em uma análise de inspiração gramsciana, orientada, sobretudo, no sentido dos aspectos internacionais. A Escola Alemã representada por J. Hirsch e seus colaboradores em Frankfurt e Berlim. Seu interesse analítico repousa sobre os modos de integração de massa e a formação do "bloco histórico", assim como sobre a articulação entre regulação econômica e superestruturas políticas e ideológicas. Essa escola combinou uma reinterpretação regulacionista da tendência à queda da taxa de lucro com uma análise teórica do sistema camponês, da família nuclear, da emergência de novos movimentos sociais e modos de subjetivação. A Abordagem Nórdica, explicitamente influenciada pela Escola de Paris. A Abordagem em Termos de Estruturas Sociais da Acumulação, desenvolvida por correntes de economistas radicais norte-americanos. Os aspectos convergentes, capazes de diferenciar estas correntes em relação a outras teorias econômicas contemporâneas, radicar-se-iam em torno dos seguintes pontos: em primeiro lugar, todas elas partem de uma ampla crítica à teoria do equilíbrio econômico geral; todas reivindicam uma filiação ao menos no início de suas problematizações marxista, algumas delas pleiteando uma inspiração diretamente gramsciana; todas estas correntes inscrevem seus conceitos num marco mais ou menos comum, centrado na análise da dinâmica da crise do fordismo e do surgimento de um suposto pós-fordismo; além, é claro, da ênfase explicativa recaindo sobre os mecanismos de normatização de demandas sociais pelo Estado - principalmente por meio da forma salário -, fundamentais - segundo todas elas - para a compreensão da dinâmica econômica de conjunto.
  • 2
    "Os membros fundadores são, na sua maioria, politécnicos e trabalham como economistas nos ' aparelhos ideológicos de Estado' (para retomar a categoria de Althusser). Eles são portanto marcados, de um lado, por uma tradição colbertiana ou saint-simoniana e, de outro, por uma certa encarnação, esta também bem francesa, do marxismo" (Husson, 2000, p. 1).
  • 3
    Por relação salarial, os regulacionistas entendem: "A separação que torna um conjunto de indivíduos livres incapazes de se constituir em produtores privados no quadro da economia mercantil. Os assalariados são também indivíduos livres para perseguir seus objetivos próprios, mas sob a condição da privação da propriedade. Seu acesso à moeda passa pelo contrato de trabalho que é uma venda de horas de trabalho mediante um salário. A subordinação aos capitalistas se exerce na produção que não é um lugar de troca, pois o contrato de trabalho confere aos capitalistas o direito de fazer executar o trabalho dos assalariados sob seu controle. As empresas são, portanto, organizações específicas, na medida em que se exerce um poder hierárquico para produzir mercadorias em vista de acumular dinheiro" (Aglietta, 1997, p. 418).
  • 4
    "Os regulacionistas têm, contudo, o sentimento de inovar radicalmente sobre o plano metodológico, pelo simples fato de confrontar seus conceitos com a realidade empírica. Ainda sobre esse ponto, a ruptura com um certo estruturalismo ' marxista' combina-se com sua inserção na administração econômica para os incitar a buscar uma quantificação empírica de suas análises. Mas é com o ardor dos neófitos que eles se maravilham com este corte epistemológico. (...) Certo, pode-se ver aí um progresso em relação ao dogmatismo, mas é também uma banalidade em relação ao marxismo vivo" (Husson, 2000, p. 2).
  • 5
    "A regulação nasceu entre o comunismo e o maoísmo à francesa, essa mistura específica de pensamento. A. Gorz e o obreirismo italiano. Da morte de Pierre Overney, nós retivemos (como Jean Boissonnat em sua época!) que o capitalismo norte-ocidental obteve êxito em sua estabilização macroeconômica, ao preço de um fabuloso empobrecimento do sentido do trabalho. Contrariamente aos que pretendem hoje certas leituras fortemente seletivas, nós jamais esquecemos a função articuladora do operário profissional (e como teríamos podido, quando ele constituiu a base do "outro" pilar do fordismo à francesa, o maciço PCF-CGT?); mas nós medimos, por sua vez, a irracionalidade fundamental e a alienação do taylorismo" (Lipietz, 1995, p. 40).
  • 6
    "A ruptura em relação a Althusser é longamente descrita por Lipietz; a reprovação principal que ele endereça a Althusser é de ' negar que sobre a base material das relações sociais se possa constituir alguma coisa capaz de dizer somos nós e subverter o sistema de relações. Para nós, esta alguma coisa era o movimento revolucionário das massas'. Esta citação é divertida, sobretudo tendo em vista a evolução dos ' conceitos prospectivos' manejados por um Lipietz que se faz hoje de promotor das reciprocidades como depositárias do ganho salarial. Mas ela é sobretudo extraordinária por apresentar a intervenção do movimento revolucionário das massas como ' alguma coisa' que será necessário redescobrir para reatar com o marxismo que é, evidentemente, um elemento constitutivo! É por meio dessa capacidade de arrombar as portas abertas que se mede a camada de chumbo stalino-maoísta que os inventores da regulação tiveram de remover para se reencontrar com o ar livre. Esta trajetória não é indiferente, pois ela os empurrarou para o descarte da tradição viva do marxismo que eles não praticaram, a não ser por meio de Althusser, Mao ou Boccara. Não há, portanto, surpresa alguma em constatar que eles ignoram soberbamente correntes fecundas do marxismo (notadamente, anglo-saxãs) como, é claro, aquele encarnada por Ernest Mandel, cuja obra fundamental,
    O capitalismo tardio, apareceu na França em 1976. Tudo isso não impede os regulacionistas de serem, nesta época, críticos bastante conseqüentes do capitalismo" (Husson, 2000, p. 2).
  • 7
    "O ecletismo está bem presente nestas abordagens regulacionistas, que não dispõem de um paradigma mais ou menos unificado e coerente internamente. Portanto, todas elas procuram mostrar que, em primeiro lugar, o capitalismo não funciona sempre da mesma maneira, e que este encontra múltiplas soluções para suas dificuldades, ou melhor, que existem diversas reestruturações possíveis por ocasião das grandes crises; em segundo lugar, todo o tempo, as escolhas feitas dependem, sobretudo, das formas de compromissos institucionais estatais e contratuais capazes de ser propostos e até mesmo impostos pelas classes dominadas, através dos partidos e sindicatos reformistas" (Farias, 1999, p. 23).
  • 8
    "É sempre possível escolher não fazer nada, e é o cenário batizado' corrente de água' que serve de rechaço. Pode-se, evidentemente, escolher colocar em ação um ' programa voluntarista de retorno ao mercado ', de inspiração neoliberal. Mas o bom cenário é, evidentemente, o terceiro, tão voluntarista quanto o precedente, mas que objetiva instaurar ' formas coletivas de adaptação' às mutações e que supõe que ' seja negociada uma nova configuração da relação salarial' fundada sobre um ' princípio original de partilha dos ganhos de produtividade entre progressão do salário, redução do tempo de trabalho e criação de empregos para toda a sociedade'. Vê-se bem a pata (la patte) regulacionista: existia uma boa relação salarial fordista que já era, é necessário, portanto encontrar outra coisa, todos juntos" (Farias, 1999, p. 23).
  • 9
    "De vento em popa", a economia institucionalista consolidaria o terreno para uma terceira via ideológica. Na opinião da corrente regulacionista, os exemplos seriam abundantes: vários economistas (R. Coase, R. Fogel, S. Engerman, entre outros; todos citados por Boyer, 1995), cujos trabalhos apontam para a firma como mecanismo eficaz de alocação de recursos raros alternativo ao mercado , receberam recentemente reconhecimento e premiações internacionais, o que demonstraria que a vivificação dos trabalhos da teoria institucionalista teria rompido com o relativo isolamento no qual se encontrava a regulação nos anos 1980 (Powell & DiMaggio, 1999; Williamson, 1991).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Aceito
      30 Ago 2003
    • Recebido
      23 Maio 2003
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