Acessibilidade / Reportar erro

Por uma ética da ontoformatividade: reflexões e proposições sobre a relação ontológica entre teoria e pesquisa na sociologia contemporânea do Sul Globali i . Pesquisa financiada com recursos do CNPq. Agradeço aos editores e às(os) revisores anônimos pelas relevantes críticas e sugestões ao argumento do texto.

Towards an ethics of ontoformativity: reflections and propositions on the ontological relation between theory and research in the contemporary sociology of the Global South

Resumo

Ao partir da noção de que a teoria social que sustenta a disciplina da sociologia em escala global é definida e limitada pela matriz ontológica do sujeito moderno ocidental, o texto problematiza seus impactos para a investigação no Sul Global. A hipótese central é de que esta perspectiva limita as condições de possibilidade para a emergência de existências empíricas inauditas que renovem nossos escopos teóricos, tornando as pesquisas em contextos não hegemônicos conceitualmente irrelevantes. Ao reivindicar a adoção de uma relação simétrica e ativa entre teoria e pesquisa, o artigo propõe a construção da noção de ética da ontoformatividade. Uma postura teórico-metodológica que combina a produção das condições de existência do objeto (ontologia), com a própria investigação empírica. Deste modo, a disciplina estaria aberta à possibilidade de ampliação continuada das condições de existência e de composição da vida coletiva. O potencial desta ética é demonstrado por uma incursão pelos desafios propostos pela sociologia iorubá de A. Akiwowo.

Palavras-chave:
Teoria social; Ontologia; Teorias do Sul; Ontoformatividade; Sociologia pós-colonial

Abstract

The paper assesses the ontological relations between social theory and the empirical research in Sociology. It claims that the ontological perspective of the hegemonic social theory re-strains the possibilities for the emergence of research subjects in the discipline, turning non-modern and non-hegemonic elements into conceptually irrelevant beings. In order to super-sede such restrictions, an ethics of ontoformativity approach is suggested as an appropriate way to balance the roles of the theory and research. The potential of such an approach is demonstrated by the ontological challenges posed by the Yoruba indigenous sociology pro-posed by A. Akiwowo.

Abstract:
Social theory; Ontology; Southern theory; Ontoformativity; Post-colonial sociology

Introdução:

E m escala global, é bastante improvável encontrar no mundo acadêmico pesquisadoras e pesquisadores cientistas sociais que também não se engajem em atividades de ensino e, portanto, de formação. Boa parte dos e das colegas executa estas tarefas em um contexto periférico (Maia, 2014MAIA, João Marcelo. History of sociology and the quest for intellectual autonomy in the Global South: the cases of Alberto Guerreiro Ramos and Syed Hussein Alatas. Current Sociology, v. 62, n. 7, p. 1097-1115, 2014.) e não hegemônico do ponto de vista das teorias e dos processos por elas mesmas descritos em seus relatórios de pesquisa e aulas (Butler, 2009BUTLER, Kathleen Julie. Teaching an indigenous sociology: a response to current debate within Australian sociology. Newcastle, AU: University of Newcastle, 2009.). Nos termos do debate contemporâneo recente, esta condição de combinação entre ensino, pesquisa e situação periférica tem sido verbalizada especialmente nos diversos textos sobre as teorias do Sul, suas contribuições e seu negligenciamento intelectual (Connell, 2007______. Southern theory. The global dynamics of knowledge in social science. Cambridge, UK: Polity Press, 2007; Rosa, 2014______. Theories of the South: limits and perspectives of an emergent movement in social sciences. Current Sociology, v. 62, n. 6, p. 851-867, 2014.; Go, 2016GO, Julian. Globalizing sociology, turning South. Perspectival realism and the Southern standpoint. Sociologica, v. 10, n. 2, 2016., Keim, 2016KEIM, Wiebke. Comment on Julian Go. What are the criteria for truth in globalized sociology? A critical appraisal of go’s Southern standpoint approach. Sociologica, v. 10, n. 2, p. 1-8, 2016.). Esta literatura reverbera e amplifica para o debate hegemônico internacional, desafio que já era ensaiado em contextos nacionais (Guerreiro-Ramos, 1965; Alatas, 1972ALATAS, Syed Hussein. The captive mind in development studies.Part 1. International Social Sciences Journal, v. 24, n. 1, p. 9-25, 1972.; Anzaldúa, 1987ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/la Frontera: the new mestiza. San Francisco: Aunt Lute, 1987.) e regionais (Alatas, 1963; Hountoundji, 1997; Mafeje, 1998MAFEJE, Archie. Anthropology and independent Africans: suicide or end of an era? African Sociological Review/Revue Africaine de Sociologie, p. 1-43, 1998.; Mazrui, 1992MAZRUI, Ali A. Towards diagnosing and treating cultural dependency: the case of the African university. International Journal of Educational Development, v. 12, n. 2, p. 95-111, 1992.) com várias perspectivas que tematizaram a dependência acadêmica e a divisão do trabalho intelectual global entre teoria e pesquisa realizadas no Sul Global (Neves, 2020NEVES, Fabrício Monteiro. A periferização da ciência e os elementos do regime de administração da irrelevância. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, 2020.).

Este artigo retoma algumas destas perspectivas e defende que esta condição intelectual suscita, atualmente, três hipóteses gerais centradas nos fundamentos ontológicos contemporâneos da disciplina:

  • i. o relativo sucesso da condição de existência global da disciplina tem sido possível devido à limitação da produção teórica a uma ontologia singular do moderno;

  • ii. a reprodução teórica contínua desta ontologia limita a existência dos objetos pesquisados aos conceitos disponíveis, reforçando a centralidade política e intelectual do Ocidente e do Norte na organização da pesquisa e da docência; e

  • iii. a ampliação teórico-metodológica global da disciplina, nos termos do atual debate geopolítico, depende necessariamente de uma ampliação ontológica de suas teorias e objetos por meio de um engajamento necessário com a pesquisa empírica.

O argumento que permite o desenvolvimento analítico dessas hipóteses está organizado em quatro partes. Na primeira, descrevo o contexto de emergência das preocupações geopolíticas na Associação Internacional de Sociologia. Na segunda, apresento o uso proposto para a noção de ontologia e, posteriormente, construo a necessária relação entre ela e a teoria social que sustenta a sociologia contemporânea. Ainda nesta seção, apoiado na proposta de Nedim Karakayali (2015KARAKAYALI, Nedim. Two ontological orientations in sociology: building social ontologies and blurring the boundaries of the “social”. Sociology, v. 49, n. 4, p. 732-747, 2015.), é apresentada uma divisão analítica em duas tendências ontológicas gerais da disciplina, e, em seguida, discutidas as suas implicações para a construção de agendas de pesquisa no Sul Global.

A terceira seção retoma os argumentos do debate sobre a geopolítica da teoria social para apresentar a proposta de reformulação da noção de ontoformatividade cunhada por Raewyn Connell (1987______. Gender and power: society, the person and sexual politics. Hoboken, NJ: John Wiley & Sons, 1987.; 2011; 2012). Nela, propõe-se a utilização deste termo como base de uma agenda teórico-metodológica que permita a superação das limitações analíticas descritas na primeira parte. A quarta e última parte, utiliza a noção reformulada de ontoformativade para demonstrar seus efeitos na construção de uma narrativa ampliada para a teoria social contemporânea que evite os limites do enquadramento moderno. Nessa última seção, são construídos argumentos ancorados nos debates das sociologias indígenas Iorubá, da Nigéria.

Em linhas gerais, o texto navegará por debates e casos que subjazem às próprias condições geopolíticas de produção do conhecimento sociológico contemporâneo, para propor um rearranjo da relação entre teoria e pesquisa (Moosavi, 2022MOOSAVI, Leon. Turning the decolonial gaze towards ourselves: decolonising the curriculum and “decolonial reflexivity” in sociology and social theory. Sociology, Jul. 2022.) na forma de uma ética da ontoformatividade: uma postura teórico-metodológica na qual a teoria deverá estar sempre aberta à possibilidade de ampliação empírica das condições de existência e de composição da vida coletiva. Ou seja, uma sociologia que tenha como exercício central a pesquisa em contextos inauditos para a produção e ampliação ontológica e conceitual inovadora em escala global.

Sociologia, unidade teórica e diversidade empírica

Conhecer o leque de opções interpretativas produzidas em 150 anos da disciplina, é uma das condições para o exercício profissional da sociologia. Ao longo deste período, aquilo que hoje conhecemos como cânone (Alatas & Sinha, 2017ALATAS, Syed Farid; SINHA, Vineeta. Sociological theory beyond the canon. London: Springer, 2017.), foi a teoria que se tornou tipo ideal no sentido weberiano, como ressaltam Jon Hendricks e C. Breckinridge Peters (1973HENDRICKS, Jon; BRECKINRIDGE PETERS, C. The ideal type and sociological theory. Acta Sociologica, v. 16, n. 1, p. 31-40, 1973.), bem como M. Michael Rosenberg (2016ROSENBERG, M. Michael. The conceptual articulation of the reality of life: Max Weber’s theo-retical constitution of sociological ideal types. Journal of Classical Sociology, v. 16, n. 1, p. 84-101. 2016.). Para ambos, na obra do autor alemão os tipos ideais são ambiguamente analíticos e conceituais, sendo, ao mesmo tempo, ferramentas abstratas do fazer disciplinar e construções ontológicas fortes e estabilizadas a partir das quais a vida coletiva passa a ser classificada, organizada e politicamente orientada. É assim que entendo o papel atual assumido pela teoria em nossa área: construções abstratas que, quando bem-sucedidas, tornam-se ferramentas de aplicação normativa comparada.

Neste sentido, na sociologia que praticamos normalmente a teoria ganha a função de um operador ontológico típico-ideal no ensino e na pesquisa. Para existir globalmente, os objetos investigados precisam primeiramente serem descritos em relação a uma teoria hegemônica que lhes empreste inteligibilidade. Ao fazer isso, mesmo quando estamos em posições periféricas, comprovamos que somos cientistas sociais para a nossa própria comunidade (periférica) e reforçamos o papel das convergências teóricas como centro da consolidação de uma identidade profissional supostamente global.

Em relação ao trabalho empírico particularmente, minha própria trajetória acadêmica tem contribuído para que observe a atividade de pesquisa como primordialmente restrita a este movimento de enquadramento, classificação e convergência (Rosa, 2019______. Sociologias indígenas Iorubá: a África, o desconcerto e ontologias na sociologia contemporânea. Estudos Históricos, v. 32, p. 389-408, Rio de Janeiro, 2019.). Quando bem-sucedidos, fazemos aquilo que Sergio Costa (2010COSTA, Sergio. Teoria por adição. Horizontes das ciências sociais: sociologia, p. 25-51. São Paulo: Anpocs, 2010.) chamou, em estudo limitado sobre as publicações na área de teoria no Brasil, de teoria por adição. Um procedimento no qual o tipo ideal teórico de circulação global permanece sempre estável, sendo sujeito apenas a variações empíricas históricas e, especialmente, regionais. Nessa chave analítica, o sentimento de “descompasso” (Tavolaro, 2021TAVOLARO, Sergio Barreira de Faria. Interpretações do Brasil e a temporalidade moderna: do sentimento de descompasso à crítica epistemológica. Sociedade e Estado, v. 36, n. 3. p. 1059-1082, 2021.) ou de “desconforto” teórico (Rosa, 2019; 2020) de quem faz sociologia fora de contextos hegemônicos1 1 É importante observar que hegemônico não significa aqui majoritário, mas sim analiticamente preponderante. , que potencialmente incitaria debates teóricos e epistemológicos mais densos, é usado apenas para demarcar a superioridade prática de um modo de existência geopoliticamente produzido como mais coerente.

Um olhar geral sobre os debates internos nas transições de Presidência (a partir dos anos 1980) e para o conjunto de textos hegemônicos nas publicações da Associação Internacional de Sociologia (ISA), ajuda-nos a observar empiricamente este dilema. Da ISA emergiu o debate sobre a necessidade da ampliação geográfica de suas publicações, atestado posteriormente pela criação da revista International Sociology, em 1986. Naquele momento, a associação havia realizado um congresso no México (1982), sob a presidência do brasileiro Fernando Henrique Cardoso, e outro na Índia (1986), presidido pela britânica Margaret Archer, e começava a discutir com maior ênfase o seu programa político-científico para as décadas subsequentes. Tais debates culminaram com a escolha do tema “Sociology for one world: unity and diversity” para o congresso mundial de sociologia ocorrido em Madrid, 1990, sob a presidência do indiano T. K. Oommen. Definia-se, assim, uma política disciplinar que deveria gravitar em torno da noção de “Um Mundo” com diversidade de perspectiva sobre sua composição.

O tema da diversidade emergiu com força e, ao mesmo tempo, cercado de muita polêmica sobre como seria introduzido na sociologia profissional internacional, sem que ameaçasse uma suposta unidade epistemológica construída nas décadas anteriores, como afirmam Archer (1991ARCHER, Margaret S. Sociology for one world: unity and diversity. International Sociology, v. 6, n. 2, p. 131-147, 1991.) e Oommen (1990OOMMEN, T. K. Sociology for one world: a plea for an authentic sociology. Sociological Bulletin, v. 39, n. 1-2, p. 1-13, 1990.). Cerca de 20 anos depois, o tema ainda se mostraria importante a ponto de suscitar uma batalha pública entre outros dois presidentes posteriores da ISA, como vemos na controvérsia entre Piotr Sztompka (2011SZTOMPKA, Piotr. Another sociological utopia. Contemporary Sociology, v. 40, n. 4, p. 388-396, 2011.) e Michael Burawoy (2011BURAWOY, Michael. The last positivist. Contemporary Sociology, v. 40, n. 4, p. 396-404, 2011.) sobre o papel da diversidade das sociologias nacionais e regionais na associação.

Naquele contexto, a diversidade foi lida hegemonicamente como possibilidade de maior representatividade internacional para a discussão de temas consagrados pela literatura euro-americana. Assim, foi garantida legitimidade institucional, por exemplo, aos debates sobre as modernidades múltiplas, globais, entrelaçadas e suas trajetórias (Featherstone, Lash & Robertson, 1995FEATHERSTONE, Mike ; LASH, Scott; ROBERTSON, Roland (Eds.). Global modernities. London: Sage Publications, 1995.; Eisenstadt, 2017EISENSTADT, Shmuel Noah. Multiple modernities. London: Routledge, 2017.; Therborn, 2003THERBORN, Göran. Entangled modernities. European Journal of Social Theory, v. 6, n. 3, p. 293-305, 2003.; Wagner, 2010WAGNER, Peter. Multiple trajectories of modernity: why social theory needs historical sociology. Thesis Eleven, v. 100, n. 1, p. 53-60, 2010.; Domingues, 2011DOMINGUES, José Maurício. Beyond the centre: the third phase of modernity in a globally compared perspective. European Journal of Social Theory, v. 14, n. 4, p. 517-535, 2011.), nos quais a noção hegemônica de modernidade recebeu contribuições analíticas a partir de contextos não hegemônicos.

Na própria ISA, o esforço foi direcionado para ampliar a circulação e os diálogos em torno de histórias nacionais do campo sociológico, como vemos na coletânea “Facing an unequal world” (Burawoy, Chang & Fei-Yu Hsieh, 2010BURAWOY, Michael; CHANG, Mau-kuei; FEI-YU HSIEH, Michelle (eds.). Facing an unequal world: challenges for a global sociology, 3 v. Taipei: Academia Sinica, 2010.). Estávamos diante de uma ampliação pensada como geográfica, cujos resultados, como observamos nas palavras nada diplomáticas de Piotr Sztompka (2011SZTOMPKA, Piotr. Another sociological utopia. Contemporary Sociology, v. 40, n. 4, p. 388-396, 2011.: 389), não teriam passado, para a grande maioria daquelas que pesquisam e ensinam sociologia, de uma coleção de nomes exóticos de publicações e pesquisadoras com as quais “ninguém se importa”. Ao levar a sério as palavras rudes do ex-presidente da ISA (publicadas em uma revista da Associação Americana de Sociologia), como representativas de um certo polo disciplinar hegemônico, organizar a disciplina em torno de países, nomes, instituições e conceitos com os quais todos se importam, seria justamente reforçar o papel ontológico do que era entendido como excelência comum2 2 “Excelence rather than balance” (excelência ao invés de equilíbrio) foi o slogan da campanha que elegeu Sztompka presidente da ISA, no congresso de Brisbane, Austrália, em 2002. . Nesta chave, o problema e o objeto principais da disciplina (definidos pela teoria) teriam como novo horizonte de transformação as mudanças sociais localizadas em diversas regiões globais, observadas a partir da ótica de países e sociologias exemplares da modernidade, com seus modos de existência já bem descritos nos compêndios teóricos gerais.

Ontologia na sociologia

O debate da ISA sobre o objeto da sociologia internacional hegemônica guarda relação direta com a ausência, ao longo do tempo, de discussões mais gerais sobre a própria condição de existência de nosso objeto disciplinar, ou seja, de sua ontologia.

Antes de avançar na exposição do que defendo ser a ontologia singular do moderno, presente em nossas teorias como expus anteriormente, considero importante demarcar brevemente o que trato aqui especificamente como ontologia no debate sociológico. Já na década de 1950, Joseph Gittler (1951GITTLER, Joseph B. Social ontology and the criteria for definitions in sociology. Sociometry, v. 14, n. 4, p. 355-365, 1951.) associava ao termo ontologia a própria e necessária definição inicial do que seria a natureza da realidade social a ser investigada em cada pesquisa. Nessa perspectiva, o exercício disciplinar combinado de ensino e pesquisa partiria da descrição das condições de existência a partir das quais trataremos nossos dados e, somente depois, se faria um inventário analítico das coisas que existem no mundo da teoria em busca de variações empíricas e contextuais.

Como então combinar a investigação das condições de existência do objeto (ontologia), com a própria investigação empírica na disciplina? Neste ponto, a proposta deste texto associa-se aos debates contemporâneos que lançam luz sobre a tarefa teórico-metodológica de refletir acerca de quais as condições de construção e produção de nossos próprios objetos3 3 Como fizeram Helen Verran (2001), para o estudo da formação dos números Iorubá, e Annemarie Mol (2002) em relação à arteriosclerose nos hospitais holandeses. .

Como, em razão das políticas disciplinares, nossas atividades de pesquisa nunca estão descoladas de teorias, parece-me impossível desviar das considerações sobre o problema e o caráter performativo das ontologias teóricas nestas produções e construções (Law, 2004LAW, John. After method: mess in social science research. London: Routledge, 2004.). Faz pelo menos duas décadas que pesquisadoras - atuantes nos chamados estudos sociais da ciência - chamaram atenção para que as ciências sociais poderiam ser salutarmente estruturadas como terrenos políticos de embate aberto sobre o papel de conhecimentos empíricos nas formulações teóricas (Mol, 1999______. Ontological politics. A word and some questions. The Sociological Review, v. 47, n. 1, p. 74-89, 1999.; Law, 2004). Ao reconhecer que político é equivalente à disputa, em uma sociologia ancorada na política ontológica, a pesquisa empírica seria um contínuo campo de testes para o avanço teórico e para a demarcação das suas limitações.

Para Karakayali (2015KARAKAYALI, Nedim. Two ontological orientations in sociology: building social ontologies and blurring the boundaries of the “social”. Sociology, v. 49, n. 4, p. 732-747, 2015.), uma das formas de organizar a história da teoria social hegemônica na sociologia seria por meio de uma reconstrução contrastante das fronteiras ontológicas predominantes em nossas referências atuais. A partir de um modelo dualista, são elaborados por ele dois grupos de teoria com bases ontológicas distintas que enunciam diferentes possibilidades, problemas e limites para a pesquisa social.

No primeiro, as construções teórico-metodológicas se apoiariam na autonomia explicativa da ontologia social, ou seja, na defesa de que os fenômenos sociais são qualitativamente diferentes e causalmente autônomos. Nesse grupo, as propriedades de constituição das especificidades do social variam, podendo ser epifenômenos estruturais, comunidades de sentido ou mesmo relações intersubjetivas entre indivíduos. O seu ponto comum seria a consideração de que os componentes relevantes do social em cada uma delas são limitados a certos elementos causais típicos da modernidade (seja como estrutura ou agência), a partir dos quais se estabelecem fronteiras claras e específicas para a disciplina. Neste grupo estariam, para Karakayali, autores/teorias como Durkheim, Weber, o realismo crítico, Bourdieu, Giddens e, por minha conta, também Parsons, Habermas, Elias, Honneth e Lukács, além do construtivismo social. Mesmo com um lapso de tempo de quase um século entre elas, vemos operar nestes escritos a defesa contínua da diferença e autonomia causal internalista como exercício de autoproteção disciplinar e epistêmica. Nele, a ontologia da sociologia como condição de existência coletiva é finita, assim como a de seus objetos de pesquisa.

Apoiado nessa divisão analítica, o grupo primaria pela política do fechamento investigativo em torno de um possível conjunto finito de condições de existência teórica (universo dos possíveis), necessariamente anterior à própria pesquisa na qual seriam adicionados, na melhor das hipóteses, detalhes ou variações regionais ou temporais. Este tipo de narrativa é conceitualmente ancorada em termos associados a descritores como fases ou adjetivos hierarquizantes (e.g. segunda fase, tardia, avançada) que celebram empiricamente a associação direta entre tempo e espaço geopolítico (Beck & Lau, 2005BECK, Ulrich; LAU, Christoph. Second modernity as a research agenda: theoretical and empirical explorations in the “meta-change” of modern society. The British Journal of Sociology, v. 56, n. 4, p. 525-557, 2005.). Chamo a este conjunto conceitual finito de ontorreprodutivo, demarcado por elementos que coadunam, nos autores-teoria mencionados, características próprias do que se produziu como Ocidente e modernidade, tais como racionalização, secularização, subjetividade, reflexividade e autonomização, entre outros.

O segundo grupo, por sua vez, seria caraterizado justamente por seu ceticismo em relação a definições ontológicas fechadas e de fronteiras específicas em torno da noção de social e da própria disciplina. Neste grupo, apesar das diferenças, estariam as obras das autoras dos estudos sociais da ciência, além dos mais conhecidos homens como Tarde, Simmel, Luhmann e Latour. As principais características dessas construções seriam a tensão pela composição heterogênea e aberta dos objetos, e pela aceitação de que existem elementos, potencialmente causais, que estariam fora dos elementos teóricos normais associados ao domínio moderno do “social” e de sua teoria.

Este ultimo grupo teria como marca principal o caráter eminentemente aberto e, acrescentaria, tenso e precário da sociologia, sendo dependente de contínuos investimentos empíricos renovados. O conjunto aberto, tenso e incerto, seria propício ao que chamo de ontoformatividade. Nessas construções, elementos causais modernos da sociologia hegemônica podem ou não estar presentes e, mesmo estando, precisam emergir de necessárias e demonstráveis causalidades empíricas e não de um pressuposto teórico-metodológico. Neste caso, as teorias não se referem simplesmente às condições causais espaço-temporais para existência dos objetos (modernidade ou colonialismo, por exemplo), são proposições teórico-metodológicas normativas da ética de um trabalho acadêmico de continua produção de contextos abertos.

Para as pesquisadoras mais íntimas ao debate, este seria talvez o momento propício para puxar o fio explicativo do que se vem se chamando ciências sociais - e, mais especificamente, na antropologia - de virada ontológica (Holbraad, Pedersene & Viveiros de Castro, 2014HOLBRAAD, Martin; PEDERSEN, Morten Axel; DE CASTRO, Eduardo Viveiros. The politics of ontology: anthropological positions. Cultural Anthropology, v. 13, 2014.; Holbraad & Pedersen, 2017). Dentro dos objetivos deste texto, no entanto, seria demasiadamente ambicioso reconstituir todas as suas nuances, que compreendem desde as políticas das indistinções deliberadas entre sujeito e objeto até as relações humanos e não humanos inspiradas por estudos etnológicos e sociais da ciência. Por ora, o importante para este argumento é apenas reconhecer que este se trata de um movimento próximo ao descrito no segundo grupo, traz para o centro de nossas atenções a necessidade de reflexão contínua sobre como a natureza aberta das coisas que estudamos pode (eu diria que deve) transformar a própria forma pela qual nos relacionamos com os objetos de pesquisa e com a teoria.

Ontoformatividade e o problema das ontologias dependentes

É preciso reconhecer que boa parte do debate global recente sobre os limites geo-ontológicos (Rosa, 2020ROSA, Marcelo C. How to stage a convergence between ANT and Southern sociologies? In: BLOK, Anders; FARÍAS, Ignacio; ROBERTS, Celia. The Routledge Companion to Actor-Network Theory, p. 210-219. London: Routledge, 2020.) da teoria social que analisamos até aqui foi impulsionado após a publicação de Southern theory, de Raewyn Connell (2007______. Southern theory. The global dynamics of knowledge in social science. Cambridge, UK: Polity Press, 2007). Após a publicação e circulação internacional do livro, a autora australiana buscou estender a noção de “Southern” (usada inicialmente para demarcar teorias sociais concebidas para além da Euro-América) para contextos empíricos de pesquisa especialmente associados às noções de gênero e corpo não hegemônicos (Connell, 2011; 2012a, 2012b). Nessas duas áreas de pesquisa, os termos “ontoformativo” e “ontoformatividade”, adotados por Connell, foram incorporados como potências analíticas para pesquisas recentes que buscaram expressar sociologicamente formas corporais e gêneros que não tinham lugar específico na literatura dominante (Rudy, 2020RUDY, Susan. Gender’s ontoformativity, or refusing to be spat out of reality: reclaiming queer women’s solidarity through experimental writing. Feminist Theory, v. 21, n. 3, p. 351-365, 2020.; Soldatic, 2020SOLDATIC, Karen. Disability’s circularity: presence, absence and erasure in Australian settler colonial biopolitical population regimes. Studies in Social Justice, v. 14, n. 2, p. 306-320, 2020.; Nyamnjoh & Morrel, 2021NYAMNJOH, Anye-Nkwenti; MORRELL, Robert. Southern theory and how it aids in engaging Southern youth. The Oxford Handbook of Global South Youth Studies, 2021.). A questão levantada por Connell, e que inspirou autoras e autores, é de que os processos sociais são contínuos produtores de novas formas de existir coletivamente. O termo primeiramente usado como “onto-formative” em Gênero e poder (Connell, 1987: 211) é inspirado na Dialética do concreto, de Karel Kosik (1976KOSIK, Karel. Dialectics of the concrete: a study on problems of man and world. Springer Science & Business Media, v. 52, 1976.), para se referir ao fato de que a vida social, como processo, normalmente nega e transcende as próprias condições de sua criação. Ao retomar o argumento de inspiração marxista que já estava presente em Lukács (2015LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social 1. São Paulo: Boitempo, 2015.), a ontologia do ser social seria construída e transformada continuamente pela práxis, já não apenas do trabalho e da classe, mas de corpos e gêneros que emergem da vida colonial moderna.

O uso de Connell e sua apropriação indicam um caminho virtuoso para a pesquisa social. Um caminho empírico centrado nas maneiras pelas quais as interações sociais, em contextos e circunstâncias múltiplas e descentradas, formam continuamente existências inauditas no mundo moderno. Seu recurso aos termos ontologia e formação remete à necessidade não apenas de descrição das matrizes existenciais, mas ao encontro dessas matrizes com contextos singulares que as alteram causalmente. A novidade específica de Connell foi a inclusão necessária, no universo da teoria social, do termo colonialismo como contexto ao qual as ciências sociais globais não poderiam escapar, compreendendo que a ontologia social contemporânea foi produzida nele.

Ao retornar, pelas mãos de Connell, ao texto de Kosik (1976KOSIK, Karel. Dialectics of the concrete: a study on problems of man and world. Springer Science & Business Media, v. 52, 1976.: 51) o problema a ser enfrentado na teoria contemporânea hegemônica (primeiro grupo descrito por Karakayali) é o risco de “ontologização da metodologia”, processo no qual só se tornam passíveis de existir em nossas investigações dos modos de vida gerados pelas teorias hegemônicas. Nesse sentido, a metodologia seria um mero recurso para se estudar a reprodução ampliada de matrizes como corpos, gêneros, trabalho e outras conexões. Nessa matriz a práxis produz corpos, raças, gêneros e condições de trabalho inauditas, mas continuamos a tê-los como condições analíticas básicas e necessárias que performam e limitam a possibilidade de existência sociológica de nossos objetos de pesquisa.

A “ontologização da metodologia” produz uma relação ambígua de dependência da vida coletiva observada em relação a certos conceitos-chave da teoria, especialmente àqueles relacionados à vida moderna. Que elementos da vida moderna (ou do capitalismo) podem ser hoje vislumbrados em quase todas as partes do mundo contemporâneo; que estes elementos foram coproduzidos entre Norte e Sul, Ocidente e Oriente, centro e periferia não parece ser caso para dúvidas (Coronil, 1996). No entanto, o efeito da reprodução da teoria canônica presume e delimita ontologias que seriam especificamente sociais e condiciona também os métodos necessários ao seu teste empírico. Assim conceitos construídos especialmente para observar comparativamente os efeitos da modernidade tornam-se parâmetros e escalas comparativas gerais, como no caso de termos como racionalização, secularização, autonomização, e para sermos mais contemporâneos, corpo, raça e gênero (Collins, 2016COLLINS, Patricia Hill. Aprendendo com a outsider within. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 99-127, 2016.; Crenshaw, 2017CRENSHAW, Kimberlé W. On intersectionality: essential writings. New York: The New Press, 2017.). Esta transformação de conceitos em escalas típico-ideiais, como já observei, contribui para que nossas metodologias sejam eivadas de ontologias analíticas (conceitos que definem de antemão as possibilidades de existência empírica) em torno das quais gravita a disciplina e, para muitas e muitos, a vida social. Confunde-se, em alguns casos propositalmente, a existência hegemônica, sempre parcial e limitada no mundo da teoria sociológica, com a existência potencialmente ilimitada da vida coletiva (Cruickshank, 2004CRUICKSHANK, Justin. A tale of two ontologies: an immanent critique of critical realism. The Sociological Review, v. 52, n. 4, p. 567-585, 2004.).

Nos termos sociológicos nos quais estamos enredados neste texto, o uso da noção de ontoformativo por Connell pode entrar, ao meu ver, em conflito prático com os próprios limites criados pela ontologização da metodologia da disciplina. Ao seguir seu uso do termo ontoformativo, ao reconhecermos o imperativo da ontologia teórica, presente nos elementos analíticos que cultivamos no ensino e praticamos na pesquisa, tendemos atualmente a sair pelo mundo mais dispostas a encontrar, por exemplo, corpos e gêneros em contextos diferentes daqueles inventariados na literatura hegemônica. A diferença na política ontológica atual é que quando falamos de corpos e raças, por exemplo, não há espaço para que sejam acompanhadas do vocabulário de fases ou hierarquias presentes em textos sobre as modernidades, as classes ou reflexividades. Já não se pode tomar um corpo, um gênero ou uma raça como originária ou como condição analítica de outros e outras. Ao mesmo tempo, a descrição dos efeitos das vidas coletivas em qualquer contexto global continua a depender da presença destas matrizes ontológicas conceituais para serem disciplinarmente reconhecidas. Ao retomar nossa dedicação também ao ensino, um dos efeitos mais comuns da formação hegemônica é oferecer às e aos discentes escaninhos teórico-metodológicos limitados, nos quais devem enquadrar todo e qualquer objeto de sua atenção acadêmica.

Para escapar a esta dependência ontológica e disciplinar é que gostaria de propor a noção ética da ontoformatividade. Esta é uma proposta de postura intelectual aberta que assume que toda a sociologia pode e deve ter impactos teóricos produzidos pela empiria, ao modo como já fazem há algum tempo teorias sociais associadas aos debates feministas e de gênero (Haraway, 2013HARAWAY, Donna. A manifesto for cyborgs: science, technology, and socialist feminism in the 1980s. In: ______. Feminism/postmodernism, p. 190-233. London: Routledge, 2013.; Oyewumi, 1997OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ́. The invention of women: making an African sense of western gender discourses. Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 1997.; Anzaldúa, 1997; Mbilinyi & Papart, 1989).

O que tem se tornado altamente contestável, se usamos matrizes teórico-metodológicas abertas, é o fato de as ontologias analíticas da teoria hegemônica serem os determinantes dos estudos de toda e qualquer vida coletiva global. Existências sem hierarquias modernas têm se tornado possíveis em certas construções sociológicas, não porque se desliguem completamente dessas ontologias analíticas modernas na vida coletiva, mas simplesmente porque podem ocupar papéis causais secundários, quando construímos objetos de análise não exemplares (De la Cadena, 2015, Oyěwùmí, 1997OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ́. The invention of women: making an African sense of western gender discourses. Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 1997.).

Exercício ontoformativo a partir da ontologia teórica Iourubá

No intuito de demonstrar as possibilidades empíricas enunciadas do debate teórico que sugere a pertinência da noção de ética da ontoformatividade, apresento um caso específico de minha própria agenda de pesquisa. De forma breve e restrita ao contexto desta publicação, apresentarei as condições ontológicas, políticas e intelectuais de emergência da noção de sociologias indígenas Iorubá nas publicações da Associação Internacional de Sociologia das décadas de 1980 e 1990 (Rosa, 2019______. Sociologias indígenas Iorubá: a África, o desconcerto e ontologias na sociologia contemporânea. Estudos Históricos, v. 32, p. 389-408, Rio de Janeiro, 2019.).

No universo da sociologia institucionalizada internacional, Akinsola Akiwowo (1922-2014) talvez seja o portador do mais debatido projeto de teoria a partir da África. Ao conectr elementos da cultura iorubá com questões próprias à independência e ao desenvolvimento acadêmico nacional nigeriano, seus escritos buscaram construir, no momento dos debates sobre a necessidade de internacionalização da ISA, um lugar específico para a África na literatura hegemônica ocidental sobre teoria.

A partir de 1986, já aposentado na Nigéria, suas publicações em veículos da ISA (Akiwowo, 1986______. Contributions to the sociology of knowledge from an African oral poetry. International Sociology, v. 1, n. 4, p. 343-358, 1986., 1988, 1991 e 1999) procuraram explicitamente demarcar a especificidade das contribuições africanas para a ampliação teórico-metodológica da sociologia global. Suas proposições incitaram debates e tensões generativas sobre a teoria social geral, a partir de uma postura ideográfica (Adesina, 2002ADESINA, Jimi O. Sociology and Yoruba Studies: epistemic intervention or doing sociology in the “vernacular”? African Sociological Review/Revue Africaine de Sociologie, v. 6, n. 1, p. 91-114, 2002.) ou êmica (Payne, 1992PAYNE, Mark W. Akiwowo, orature and divination: approaches to the construction of an emic sociological paradigm of society. Sociological Analysis, v. 53, n. 2, p. 175-187, 1992.). Dentro dos limites deste texto, defendo a ideia de que seus argumentos foram gradualmente evoluindo, a partir das criticas, usos e enquadramentos recebidos nos debates internacionais patrocinados pela ISA, para a formação de uma proposta de sociologia que era necessariamente ontoformativa.

Com “Contributions to the sociology of knowledge from an African oral poetry” (Akiwowo, 1986______. Contributions to the sociology of knowledge from an African oral poetry. International Sociology, v. 1, n. 4, p. 343-358, 1986.), o autor propôs um inédito descentramento na sociologia do conhecimento, por meio do uso legítimo de fontes pouco usuais: a oralidade e a poesia. Diferentemente de qualquer outro texto publicado até então nas revistas da ISA, mais da metade das páginas do texto são transcrições, traduzidas em forma de prosa do iorubá para o inglês, de 156 versos da poesia Ayajo Asuwada, seguidas de suas interpretações.

O recurso a fontes orais foi, para Akiwowo, uma estratégia para diminuir a dependência teórico-metodológica, portanto, da ontologia analítica tanto das fontes, como de conceitos ocidentais para a compreensão da vida coletiva africana (Akiwowo, 1976). Para o autor, o principal desafio para o uso da poesia Iourubá na sociologia era de que a interpretação sociológica daqueles versos orais dependeria de conhecedores qualificados, ou seja, de intelectuais acadêmicos e religiosos oriundos daquele modo de vida. Trata-se de uma metodologia e de uma epistemologia peculiar na qual a interpretação sociológica trabalha em conjunto com a narrativa metafísica normativa sobre o funcionamento ideal e integrado do mundo social.

A proposição de Akiwowo, apresentada primeiramente em um paper no congresso da ISA no México, em 1982, se coadunava com outros esforços teóricos africanos daquele momento para indigenizar a sociologia hegemônica. Em termos gerais, tratava-se de adaptar a sociologia ocidental às formas de vida e conhecimentos africanos, mas não somente isso. Especificamente, sua intenção era pensar como se poderia produzir conhecimento sociológico normativo geral sobre o funcionamento de sociedades que se orientam por outras formas de conhecer o mundo, até mesmo religiosas. Na contracorrente do que era hegemônico na sociologia internacional dos anos 1970 e 1980, Akiwowo (1986: 44) propunha que por meio de crenças e rituais, compreendidos como sistemas de conhecimento, era possível se chegar a um entendimento da organização da sociedade, de forma tão ou mais precisa do que pelos modos de subsistência (produção). O problema, como veremos adiante, é que o método e o contexto traziam para o debate de disciplina elementos que normalmente não fazem parte da noção de social na ontologia moderna.

Esse trabalho foi rapidamente enquadrado pela própria ISA e seus editores (Albrow e King, 1990ALBROW, Martin; KING, Elizabeth (Eds.). Globalization, knowledge and society: readings from international sociology. London: Sage, 1990.) com o termo “sociologia indígena”. A primeira intenção de Akiwowo não era exatamente produzir uma sociologia indígena, africana ou iorubá, e sim produzir uma sociologia relevante a partir de formas de conhecimento e de vidas coletivas não institucionalmente hegemônicas. O processo de indigenização, neste sentido, seria marcado pela adaptação transformativa da sociologia ao contexto social específico e ao modos de conhecimento africanos, como propuseram Paulin Hountoundji (1997), com o termo endogenização, e Ali Mazrui (1992MAZRUI, Ali A. Towards diagnosing and treating cultural dependency: the case of the African university. International Journal of Educational Development, v. 12, n. 2, p. 95-111, 1992.), com o termo indigenização. A diferença central em suas proposições, era de que a indigenização poderia também ter efeito reverso, afetando ou ampliando ontologicamente os modos legítimos de se fazer sociologia globalmente, por expandir seus elementos causais para além do moderno.

Na sequência deste texto de 1986, a revista International Sociology publicaria dois artigos de outros intelectuais nigerianos apontando, entre outras coisas, para possíveis problemas êmicos na interpretação e no uso da poesia oral por parte de Akiwowo (Makinde, 1988MAKINDE, M. Akin. Asuwada principle: An analysis of Akiwowo’s contributions to the sociology of knowledge from an African perspective. International Sociology, v. 3, n. 1, p. 61-76, 1988.; Lawuyi & Taiwo, 1990LAWUYI, Olatunde B.; TAIWO, Olufemi. Towards an African sociological tradition: a rejoinder to Akiwowo and Makinde. International Sociology, v. 5, n. 1, p. 57-73, 1990.). No centro do debate dos autores nigerianos estava a imprecisão nos usos da noção de asuwada, considerado por eles como um princípio que garantiria a harmonia entre individualismo e comunalismo, a partir de um mesmo propósito coletivo na sociedade iorubá (Ademoyo, 2009ADEMOYO, Adeolu. Purpose, human sociality and nature in akiwowo’s sociology of knowledge: a realist interpretation. African Sociological Review/Revue Africaine de Sociologie, v. 13, n. 2, 2009.).

O debate entre os intelectuais nigerianos sobre as divergências interpretativas em torno do princípio do asuwada foi apropriado pela ISA e seus porta-vozes (Archer, 1991ARCHER, Margaret S. Sociology for one world: unity and diversity. International Sociology, v. 6, n. 2, p. 131-147, 1991.; Albrow & King, 1990ALBROW, Martin; KING, Elizabeth (Eds.). Globalization, knowledge and society: readings from international sociology. London: Sage, 1990.), para demonstrar a impossibilidade de ser replicável globalmente. O primeiro problema seria a dificuldade de comunicabilidade e de acordo sobre a precisão do conceito na própria vida iorubá, o segundo seria sobre os possíveis riscos que termos imprecisos trariam para a própria unidade científica global da sociologia.

Em sua primeira resposta às críticas (Akiwowo, 1991______. Responses to Makinde/Lawuyi and Taiwo. International Sociology, v. 6, n. 2, p. 243-251, 1991.), o autor apresenta uma série de conceitos diferentes, mas conclui seu argumento afirmando que asuwada não seria um conceito, mas um mito e princípio por meio do qual se pode construir conhecimento mais profundo das sociedades humanas em geral. Fiel ao princípio do texto publicado em 1986, Akiwowo reafirma que o caráter geral de sua proposta era demonstrar o potencial da estrutura de conhecimento da mitologia que, em perspectiva comparativa, conduziria à busca de versões equivalentes em outras partes do mundo (Akiwowo, 1991: 250). Para Akiwowo, o asuwada não poderia e não deveria ser aplicável no estudo de outras sociedades, deveria instigar a busca e a construção de comunicabilidade entre mitos sobre coesão social e suas finalidades em sociedades nas quais essas formas de conhecimento fossem causalmente importantes. Seu objetivo, portanto, era de instigar um provável diálogo da sociologia internacional com tais formas de conhecimento.

A contribuição mais importante da poesia oral para a sociologia do conhecimento seria propor a expansão epistemológica da sociologia hegemônica. À ontologia analítica ocidental, poderia ser adicionado o diálogo comparado de mitos semelhantes e culturalmente localizados sobre o propósito da integração entre indivíduos e comunidades. Esta conexão, obviamente, faria sentido em culturas e sociedades nas quais mitos, poesia e oralidade são tratadas como formas de conhecimento que orientam a vida coletiva.

Em 1999, porém, as críticas da sociologia ocidental institucionalizada à falta de termos conceituais precisos e universalmente aplicáveis levaram o próprio autor a tentar uma última conciliação com seus críticos ocidentais nos termos hegemônicos (Akiwowo, 1999AKIWOWO, Akinsola A. Indigenous sociologies: extending the scope of the argument. International Sociology, v. 14, n. 2, p. 115-138, 1999.: 117). A revisão tardia de seu argumento retoma as críticas feitas pelos colegas nigerianos de forma mais construtiva. Em “Indigenous sociologies, extending the scope of the argument”, o autor assume pela primeira vez o uso do termo “sociologias Indígenas” e o posiciona a partir do enquadramento pessimista (Albrow & King, 1990ALBROW, Martin; KING, Elizabeth (Eds.). Globalization, knowledge and society: readings from international sociology. London: Sage, 1990.; Connell, 2007______. Southern theory. The global dynamics of knowledge in social science. Cambridge, UK: Polity Press, 2007) acerca da possibilidade de internacionalização e comunicabilidade da uma sociologia feita com base na cultura iorubá. O centro de seu argumento nesta última versão era convencer a audiência internacional de que o estabelecimento de uma sociologia com fundamentos intelectuais não exclusivamente ocidentais exige:

  • i. mudança na orientação intelectual para a lógica da tradição oral;

  • ii. desejo de explorar o conhecimento literário em busca de novas ideias e produção de um debate interdisciplinar.

Vemos aqui um exemplo daquilo que denominei, na primeira parte do artigo, proposta de disciplina ontologicamente aberta na qual a teoria hegemônica não se traduz em ontologização da metodologia.

Aparentemente acuado pelo rumo que o debate havia tomado na ISA, o texto critica o que chama de tendência positivista na lógica de pensamento ocidental, propondo a imersão em lógicas de pensamento típicas da tradição de conhecimento oral. Para Akiwowo (1999AKIWOWO, Akinsola A. Indigenous sociologies: extending the scope of the argument. International Sociology, v. 14, n. 2, p. 115-138, 1999.: 128), o sistema mitológico iorubá oferece vários exemplos e possibilidades para a construção de conhecimento sobre a coesão social, sem que as propriedades existenciais dos seres sejam singulares e precisas, como exigiram os conceitos hegemônicos ocidentais.

Para compreender como a proposta de indigenização da sociologia de Akiwowo foi transformada em exemplo de sociologia indígena no debate internacional, podemos recorrer à formulação de equivocação controlada de Eduardo Viveiros de Castro (2004). Para o etnólogo brasileiro, a equivocação é a diferença em perspectiva que sempre existe quando cada uma das partes interpreta cosmologias alheias a partir de seus próprios termos. Ao procurar traduzir ontologicamente a construção de Akiwowo em conceitos aplicáveis, como os difundidos nas teorias canônicas, as sociólogas e os sociólogos profissionais ocidentais produziram um enquadramento hegemônico tão forte que forçaram o próprio autor a revisar seu vocabulário e objetivos, para se manter fiel ao universo profissional hegemônico.

Felizmente, as condições geopolíticas do debate sociológico global estão se alterando, permitindo atualmente um entendimento situado das contribuições de Akinsola Akiwowo. Como mostram as revisões críticas recentes de ocidentais como Connell (2021CONNELL, Raewyn. Contesting Northern knowledge: Akinsola Akiwowo and the worldwide struggle to change the social sciences. Journal of Contemporary African Studies, v. 39, n. 3, p. 340-352, 2021.) e nigerianos como Olatunde Bayo Lawuyi (2021LAWUYI, Olatunde Bayo. Orí, Ayé and the ontogeny of society. Journal of Contemporary African Studies, v. 39, n. 3, p. 353-363, 2021.), Rowland Abiodun (2021ABIODUN, Rowland. Oríkì and the making of an African sociologist: Akìwọwọ (Ifá priest who recites Ifá divination texts profusely by rote like pouring rain). Journal of Contemporary African Studies, v. 39, n. 3, p. 330-339, 2021.) e Olúfẹ́mi Táíwò (2021aTÁÍWÒ, Olúfẹ́mi. Akínṣọlá Akìwọwọ: an intellectual appreciation. Journal of Contemporary African Studies, v. 39, n. 3, p. 309-317, 2021a.; 2021b). No cerne de seu argumento está o tardio reconhecimento da pertinência da utilização de princípios ideográficos bem localizados para a ampliação do arcabouço epistemológico e ontológico que conhecemos por teoria social (Adesina, 2002ADESINA, Jimi O. Sociology and Yoruba Studies: epistemic intervention or doing sociology in the “vernacular”? African Sociological Review/Revue Africaine de Sociologie, v. 6, n. 1, p. 91-114, 2002.). Em outras palavras, apesar dos limites geopolíticos de sua época, sua intenção era pensar como a indigenização da sociologia geral poderia contribuir globalmente para a ampliação da disciplina, desafiando os princípios geopolíticos estabelecidos, que interditam a produção de teoria com outras bases ontológica.

Conclusão

Este texto revisitou o debate sobre os dilemas ontológicos da teoria social hegemônica na sociologia. Para além de reforçar o movimento de crítica geopolítica amplificado pelas atuais discussões sobre teorias do Sul, sociologias pós-coloniais e decoloniais na sociologia (Go, 2013______. For a postcolonial sociology. Theory and Society, v. 42, n. 1, p. 25-55, 2013.; Rodriguez, Boatcă & Costa, 2010RODRÍGUEZ, Encarnación; BOATCĂ, Manuela; COSTA, Sérgio. Decolonizing European sociology. Transdisciplinary approaches. Surrey, UK: Ashgate, 2010.; Almeida, Miglievich-Ribeiro & Gomes, 2013ALMEIDA, Júlia; MIGLIEVICH-RIBEIRO, Adelia; GOMES, Heloisa Toller (Eds.). Crítica pós-colonial: panorama de leituras contemporâneas. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2013.), o argumento buscou construir conexões causais entre a deliberada delimitação ontológica institucional das teorias, suas consequências para a pesquisa social e para o ensino.

Busquei demonstrar que, na sociologia ordinária que praticamos em universidades e centros de pesquisa, normalmente temos uma ontologização da metodologia na qual as existências empíricas tendem a ser obrigatoriamente construídas e descritas como derivações dos modelos teóricos hegemônicos. Nas condições normais de exercício profissional, resta pouco ou nenhum espaço para a produção do inaudito e do desconcerto teórico, como se as sociologias existentes já houvessem recoberto todas as condições de possibilidade para a vida coletiva global. Assim, as pesquisas e também o ensino cumpririam, primordialmente, o papel ritual de reforçar a homogeneidade e a identidade teórica da própria disciplina, eventualmente agregando ao vocabulário conceitual hierarquias espaço temporais.

Como alternativa, defendo aqui que o papel da teoria, do ensino e da pesquisa na sociologia não devem ser estes, precisam ser tratados como construtos simétricos nos quais a produção de teoria como elemento central da disciplina depende fundamentalmente da boa construção empírica de suas condições contextuais. Sendo assim, é preciso combinar a construção contínua das formas e as condições de existência dos objetos (sua ontologia), com a própria investigação empírica na disciplina.

Com a recente emergência internacional de antigos e novos esforços intelectuais nacionais e regionais para lidar com os limites da sociologia hegemônica, precisamos reconhecer que ainda sabemos muito pouco sobre a composição contextual das vidas coletivas em escala global. Delimitar este conhecimento aos efeitos internacionais dos elementos sociológicos da modernidade restringe causalmente nossos objetos a existirem sempre como derivações contextuais de uma pretensa vida exemplar norte ocidental. Ao reformular a noção de ontoformatividade no texto, chamo atenção para a necessária abertura de disputas públicas sobre aquilo que seria digno de existir e produzir efeitos na atividade de sociólogas e sociólogos.

Por fim, ao propor uma ética da ontoformatividade, este artigo sugere que o trabalho teórico da sociologia seja sempre visto como parcial, falível e transitivo (Cruickshank, 2004CRUICKSHANK, Justin. A tale of two ontologies: an immanent critique of critical realism. The Sociological Review, v. 52, n. 4, p. 567-585, 2004.). A condição transitiva, no entanto, não estaria somente na possibilidade de contestação lógica de seus argumentos. Nem na aceitação da possibilidade de transformação empírica (contextual) das ontologias analíticas que professamos em aulas e testamos na pesquisa, como no argumento típico das sociologias da estrutura e agência que dominaram o último quartil do século XX. A teoria deverá estar aberta à sua própria reconstrução na medida em que estejamos metodologicamente preparados à emergência empírica de elementos novos na composição dos objetos. Elementos que poderiam, a depender do contexto, desestruturar ontologias teóricas estabilizadas.

Para concluir, a partir do caso da proposição de Akiwowo, para as sociologias indígenas iorubá, temos elementos concretos para afirmar que uma incorporação geopolítica substantiva do Sul, das periferias ou contextos não hegemônicos na teoria social exigiria a produção de uma expansão ontológica causal para além dos limites do moderno.

Referências

  • ABIODUN, Rowland. Oríkì and the making of an African sociologist: Akìwọwọ (Ifá priest who recites Ifá divination texts profusely by rote like pouring rain). Journal of Contemporary African Studies, v. 39, n. 3, p. 330-339, 2021.
  • ADEMOYO, Adeolu. Purpose, human sociality and nature in akiwowo’s sociology of knowledge: a realist interpretation. African Sociological Review/Revue Africaine de Sociologie, v. 13, n. 2, 2009.
  • ADESINA, Jimi O. Sociology and Yoruba Studies: epistemic intervention or doing sociology in the “vernacular”? African Sociological Review/Revue Africaine de Sociologie, v. 6, n. 1, p. 91-114, 2002.
  • ALATAS, Syed Hussein. The captive mind in development studies.Part 1. International Social Sciences Journal, v. 24, n. 1, p. 9-25, 1972.
  • ______. The Weber thesis and South East Asia. Archives de Sociologie des Religions, p. 21-34, 1963.
  • ALATAS, Syed Farid; SINHA, Vineeta. Sociological theory beyond the canon. London: Springer, 2017.
  • ALBROW, Martin; KING, Elizabeth (Eds.). Globalization, knowledge and society: readings from international sociology. London: Sage, 1990.
  • ALMEIDA, Júlia; MIGLIEVICH-RIBEIRO, Adelia; GOMES, Heloisa Toller (Eds.). Crítica pós-colonial: panorama de leituras contemporâneas. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2013.
  • AKIWOWO, Akinsola A. Indigenous sociologies: extending the scope of the argument. International Sociology, v. 14, n. 2, p. 115-138, 1999.
  • ______. Responses to Makinde/Lawuyi and Taiwo. International Sociology, v. 6, n. 2, p. 243-251, 1991.
  • ______. Universalism and indigenisation in sociological theory: Introduction. International Sociology, v. 3, n. 2, p. 155-160, 1988.
  • ______. Contributions to the sociology of knowledge from an African oral poetry. International Sociology, v. 1, n. 4, p. 343-358, 1986.
  • ______. Trend report: Sociology in Africa today. Current Sociology, v. 28, n. 2, p. 3-73, 1980.
  • ______. The Role of Social Scientists in Africa: Further Reflections. International Social Science Journal, v. 28, n. 1, p. 198-201, 1976.
  • ______. Status inconsistency in relation to social participation and political activity in a Boston Negro community: an application of the status inconsistency concept to the study of a local community. Tese de Doutorado - Boston University, 1961.
  • ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/la Frontera: the new mestiza. San Francisco: Aunt Lute, 1987.
  • ARCHER, Margaret S. Sociology for one world: unity and diversity. International Sociology, v. 6, n. 2, p. 131-147, 1991.
  • BECK, Ulrich; LAU, Christoph. Second modernity as a research agenda: theoretical and empirical explorations in the “meta-change” of modern society. The British Journal of Sociology, v. 56, n. 4, p. 525-557, 2005.
  • BUTLER, Kathleen Julie. Teaching an indigenous sociology: a response to current debate within Australian sociology. Newcastle, AU: University of Newcastle, 2009.
  • BURAWOY, Michael. The last positivist. Contemporary Sociology, v. 40, n. 4, p. 396-404, 2011.
  • BURAWOY, Michael; CHANG, Mau-kuei; FEI-YU HSIEH, Michelle (eds.). Facing an unequal world: challenges for a global sociology, 3 v. Taipei: Academia Sinica, 2010.
  • COLLINS, Patricia Hill. Aprendendo com a outsider within. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 99-127, 2016.
  • CONNELL, Raewyn. Contesting Northern knowledge: Akinsola Akiwowo and the worldwide struggle to change the social sciences. Journal of Contemporary African Studies, v. 39, n. 3, p. 340-352, 2021.
  • ______. Gender, health and theory: conceptualizing the issue, in local and world perspective. Social Science & Medicine, v. 74, n. 11, p. 1675-1683, 2012a.
  • ______. Transsexual women and feminist thought: toward new understanding and new politics. Signs: Journal of Women in Culture and Society, v. 37, n. 4, p. 857-881, 2012b.
  • ______. Gender and social justice: Southern perspectives. South African Review of Sociology, v. 42, n. 3, p. 103-115, 2011.
  • ______. Southern theory. The global dynamics of knowledge in social science. Cambridge, UK: Polity Press, 2007
  • ______. Gender and power: society, the person and sexual politics. Hoboken, NJ: John Wiley & Sons, 1987.
  • CORONIL, Fernando. Beyond occidentalism: toward nonimperial geohistorical categories. Cultural Anthropology, v. 11, n.1, p. 51-87, Feb.1996.
  • COSTA, Sergio. Teoria por adição. Horizontes das ciências sociais: sociologia, p. 25-51. São Paulo: Anpocs, 2010.
  • CRENSHAW, Kimberlé W. On intersectionality: essential writings. New York: The New Press, 2017.
  • CRUICKSHANK, Justin. A tale of two ontologies: an immanent critique of critical realism. The Sociological Review, v. 52, n. 4, p. 567-585, 2004.
  • DE LA CADENA, Marisol. Earth beings: ecologies of practice across Andean worlds. Durham, NC: Duke University Press, 2015.
  • DOMINGUES, José Maurício. Beyond the centre: the third phase of modernity in a globally compared perspective. European Journal of Social Theory, v. 14, n. 4, p. 517-535, 2011.
  • EISENSTADT, Shmuel Noah. Multiple modernities. London: Routledge, 2017.
  • FEATHERSTONE, Mike ; LASH, Scott; ROBERTSON, Roland (Eds.). Global modernities. London: Sage Publications, 1995.
  • GO, Julian. Globalizing sociology, turning South. Perspectival realism and the Southern standpoint. Sociologica, v. 10, n. 2, 2016.
  • ______. For a postcolonial sociology. Theory and Society, v. 42, n. 1, p. 25-55, 2013.
  • GUERREIRO-RAMOS, Alberto. A redução sociológica: introdução ao estudo da razão sociológica. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1965.
  • GITTLER, Joseph B. Social ontology and the criteria for definitions in sociology. Sociometry, v. 14, n. 4, p. 355-365, 1951.
  • HARAWAY, Donna. A manifesto for cyborgs: science, technology, and socialist feminism in the 1980s. In: ______. Feminism/postmodernism, p. 190-233. London: Routledge, 2013.
  • HENDRICKS, Jon; BRECKINRIDGE PETERS, C. The ideal type and sociological theory. Acta Sociologica, v. 16, n. 1, p. 31-40, 1973.
  • HOLBRAAD, Martin; PEDERSEN, Morten Axel. The ontological turn: an anthropological exposition. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2017.
  • HOLBRAAD, Martin; PEDERSEN, Morten Axel; DE CASTRO, Eduardo Viveiros. The politics of ontology: anthropological positions. Cultural Anthropology, v. 13, 2014.
  • HOUNTONDJI, Paulin J. Endogenous knowledge: research trails. Dakar: Codesria, 1997.
  • KARAKAYALI, Nedim. Two ontological orientations in sociology: building social ontologies and blurring the boundaries of the “social”. Sociology, v. 49, n. 4, p. 732-747, 2015.
  • KEIM, Wiebke. Comment on Julian Go. What are the criteria for truth in globalized sociology? A critical appraisal of go’s Southern standpoint approach. Sociologica, v. 10, n. 2, p. 1-8, 2016.
  • KOSIK, Karel. Dialectics of the concrete: a study on problems of man and world. Springer Science & Business Media, v. 52, 1976.
  • LAW, John. After method: mess in social science research. London: Routledge, 2004.
  • LAWUYI, Olatunde Bayo. Orí, Ayé and the ontogeny of society. Journal of Contemporary African Studies, v. 39, n. 3, p. 353-363, 2021.
  • LAWUYI, Olatunde B.; TAIWO, Olufemi. Towards an African sociological tradition: a rejoinder to Akiwowo and Makinde. International Sociology, v. 5, n. 1, p. 57-73, 1990.
  • LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social 1. São Paulo: Boitempo, 2015.
  • MAFEJE, Archie. Anthropology and independent Africans: suicide or end of an era? African Sociological Review/Revue Africaine de Sociologie, p. 1-43, 1998.
  • MAIA, João Marcelo. History of sociology and the quest for intellectual autonomy in the Global South: the cases of Alberto Guerreiro Ramos and Syed Hussein Alatas. Current Sociology, v. 62, n. 7, p. 1097-1115, 2014.
  • MAKINDE, M. Akin. Asuwada principle: An analysis of Akiwowo’s contributions to the sociology of knowledge from an African perspective. International Sociology, v. 3, n. 1, p. 61-76, 1988.
  • MAZRUI, Ali A. Towards diagnosing and treating cultural dependency: the case of the African university. International Journal of Educational Development, v. 12, n. 2, p. 95-111, 1992.
  • MBILINIYI, Marjorie; PARPART, J. Women and development in Africa. Comparative perspectives. New York: Dalhousie University, 1989.
  • MOL, Annemarie. The body multiple: ontology in medical practice. Durham, NC: Duke University Press, 2002.
  • ______. Ontological politics. A word and some questions. The Sociological Review, v. 47, n. 1, p. 74-89, 1999.
  • MOOSAVI, Leon. Turning the decolonial gaze towards ourselves: decolonising the curriculum and “decolonial reflexivity” in sociology and social theory. Sociology, Jul. 2022.
  • NEVES, Fabrício Monteiro. A periferização da ciência e os elementos do regime de administração da irrelevância. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, 2020.
  • NYAMNJOH, Anye-Nkwenti; MORRELL, Robert. Southern theory and how it aids in engaging Southern youth. The Oxford Handbook of Global South Youth Studies, 2021.
  • OOMMEN, T. K. Sociology for one world: a plea for an authentic sociology. Sociological Bulletin, v. 39, n. 1-2, p. 1-13, 1990.
  • OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ́. The invention of women: making an African sense of western gender discourses. Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 1997.
  • PAYNE, Mark W. Akiwowo, orature and divination: approaches to the construction of an emic sociological paradigm of society. Sociological Analysis, v. 53, n. 2, p. 175-187, 1992.
  • PRATT, Mary Louise. Modernity and Periphery. In MUDIMBE-BOYI, Elisabeth (Ed.). Beyond dichotomies: histories, identities, cultures, and the challenge of globalization. Albany, NY: State University of New York Press, 2012.
  • RODRÍGUEZ, Encarnación; BOATCĂ, Manuela; COSTA, Sérgio. Decolonizing European sociology. Transdisciplinary approaches. Surrey, UK: Ashgate, 2010.
  • ROSA, Marcelo C. How to stage a convergence between ANT and Southern sociologies? In: BLOK, Anders; FARÍAS, Ignacio; ROBERTS, Celia. The Routledge Companion to Actor-Network Theory, p. 210-219. London: Routledge, 2020.
  • ______. Sociologias indígenas Iorubá: a África, o desconcerto e ontologias na sociologia contemporânea. Estudos Históricos, v. 32, p. 389-408, Rio de Janeiro, 2019.
  • ______. Theories of the South: limits and perspectives of an emergent movement in social sciences. Current Sociology, v. 62, n. 6, p. 851-867, 2014.
  • ROSENBERG, M. Michael. The conceptual articulation of the reality of life: Max Weber’s theo-retical constitution of sociological ideal types. Journal of Classical Sociology, v. 16, n. 1, p. 84-101. 2016.
  • RUDY, Susan. Gender’s ontoformativity, or refusing to be spat out of reality: reclaiming queer women’s solidarity through experimental writing. Feminist Theory, v. 21, n. 3, p. 351-365, 2020.
  • SOLDATIC, Karen. Disability’s circularity: presence, absence and erasure in Australian settler colonial biopolitical population regimes. Studies in Social Justice, v. 14, n. 2, p. 306-320, 2020.
  • SZTOMPKA, Piotr. Another sociological utopia. Contemporary Sociology, v. 40, n. 4, p. 388-396, 2011.
  • TAVOLARO, Sergio Barreira de Faria. Interpretações do Brasil e a temporalidade moderna: do sentimento de descompasso à crítica epistemológica. Sociedade e Estado, v. 36, n. 3. p. 1059-1082, 2021.
  • TÁÍWÒ, Olúfẹ́mi. Akínṣọlá Akìwọwọ: an intellectual appreciation. Journal of Contemporary African Studies, v. 39, n. 3, p. 309-317, 2021a.
  • ______. Akínṣọlá Akìwọwọ: an intellectual appreciation. Journal of Contemporary African Studies, v. 39, n. 3, p. 309-317, 2021b.
  • THERBORN, Göran. Entangled modernities. European Journal of Social Theory, v. 6, n. 3, p. 293-305, 2003.
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectival anthropology and the method of controlled equivocation. Tipití: Journal of the Society for the Anthropology of lowland South America, v. 2, n. 1, p. 1, 2004.
  • VERRAN, Helen. Science and an African logic. Chicago, IL: University of Chicago Press, 2001.
  • WAGNER, Peter. Multiple trajectories of modernity: why social theory needs historical sociology. Thesis Eleven, v. 100, n. 1, p. 53-60, 2010.
  • i
    . Pesquisa financiada com recursos do CNPq. Agradeço aos editores e às(os) revisores anônimos pelas relevantes críticas e sugestões ao argumento do texto.
  • 1
    É importante observar que hegemônico não significa aqui majoritário, mas sim analiticamente preponderante.
  • 2
    “Excelence rather than balance” (excelência ao invés de equilíbrio) foi o slogan da campanha que elegeu Sztompka presidente da ISA, no congresso de Brisbane, Austrália, em 2002.
  • 3
    Como fizeram Helen Verran (2001), para o estudo da formação dos números Iorubá, e Annemarie Mol (2002) em relação à arteriosclerose nos hospitais holandeses.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2022
  • Aceito
    03 Out 2022
Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais - Campus Universitário Darcy Ribeiro, CEP 70910-900 - Brasília - DF - Brasil, Tel. (55 61) 3107 1537 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revistasol@unb.br