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Partidos brasileiros do século XXI: comparação entre as duas primeiras eleições dos partidos brasileiros criados entre 2000 -2014

Brazilian parties of the 21st century: comparison between the first two elections of Brazilian parties created between 2000 -2014

Resumo

Que fatores concorrem para a diferença de desempenho eleitoral entre o primeiro pleito vencedor de um partido e a eleição seguinte? Usamos os achados de Bolleyer e Bytzek (2015), sobre organizações partidárias de 17 democracias parlamentaristas, como hipóteses testadas para o caso de partidos brasileiros criados a partir de 2000. Os resultados da análise de correlação e do teste não paramétrico de Wilcoxon-Mann-Whitney foram que o tempo entre a criação do partido e sua primeira vitória no Legislativo não é correlacionado; e que não são significativas as diferenças entre os partidos de diferentes ideologias, que integraram ou não gabinete presidencial, ou que tiveram troca de liderança. Alguns destes achados destoam daqueles obtidos para os outros países. A explicação institucional pode ser a facilidade para a criação de partidos e, até 2016, as coligações em eleições proporcionais aliadas a inexistência de cláusula de desempenho partidário.

Palavras-chave:
Partidos políticos; Criação de partidos; Coalizão governamental; Competição eleitoral

Abstract

What factors contribute to the difference in electoral performance between the first election that wins a party and the next election? We use the findings of Bolleyer and Bytzek (2015) on political parties from 17 parlamentary democracies, to test them for the case of Brazilian parties created after 2000. For this, we used the correlation analysis and the Wilco­xon-Mann-Whitney non-parametric test. Our findings show that the time between the creation of the Brazilian party and its first victory in the national legislature is not correlated; there are not significant differences between ideologies; if the parties are or are not part of the presidential cabinet; and if the parties that changed or didn’t change the leadership. Some of these results differ from the results observed in the other countries considered. Some of these findings differ from those obtained for other countries. The institutional explanation may be the facility for the creation of parties and, until 2016, coalitions in proportional elections combined with the absence of a party performance clause.

Keywords:
Political parties; Creation of parties; Governmental coalition; Electoral competition

Introdução

O Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) polarizaram a cena partidária nacional por seis eleições seguidas, de 1994 a 2014, alcançado com seus candidatos os dois primeiros lugares nas disputas ao Palácio do Planalto. Porém, o quadro partidário brasileiro vai muito além destes dois partidos, uma vez que hoje o Brasil conta com 33 partidos que diferem no tempo de sua criação. Neste conjunto tem-se desde o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT), criados em 1981, até a Unidade Popular (UP) que foi criada em dezembro de 2019.

Dos atuais partidos brasileiros, 11 foram criados já no Século XXI, entre 2006 e 2019, nem todos criados sobre bases ideológicas e sociais bem definidas, como o PSD, o Solidariedade e o PROS, partidos caracterizados mais por uma atuação parlamentar baseada no governismo (Tabela 1).

Tabela 1
Partidos políticos brasileiros criados após 2000 (data de criação)*

Na Tabela 1, observa-se a ocorrência de fusões partidárias no período. As fusões muitas vezes facultaram aos micro ou pequenos partidos maiores oportunidades eleitorais e uma sobrevida. Isto passa a ser especialmente importante após a entrada da cláusula de barreira no ordenamento brasileiro, em 2017 (Emenda Constitucional 97/2017). Dos 11 partidos descritos, sete já participaram de ao menos duas eleições (Republicanos, PSOL, PL, PSD, Patriota, PROS e Solidariedade), e apenas um surgiu de uma fusão oficial entre partidos já existentes, que foi o caso do PL.

O objetivo principal deste trabalho, inspirado pelo trabalho Nicole Bolleyer e Evelyn Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.), é investigar quais fatores concorrem para a diferença de desempenho eleitoral entre o primeiro pleito vencedor de um partido e a eleição seguinte. Para isso, iremos comparar os resultados obtidos por aquelas autoras com o desempenho dos partidos brasileiros ativos em 2020, criados de 2000 em diante, que disputaram ao menos duas eleições, ganharam ao menos um assento na Câmara dos Deputados e que em suas fundações não foram o resultado de fusões de partidos já existentes. Seis partidos preenchem essas condições: Republicanos e PSOL disputaram seus primeiros pleitos em 2006, enquanto PSD, Patriota, PROS e Solidariedade iniciaram suas participações em 2014. A principal diferença do trabalho de Bolleyer e Bytzek (2015) e o presente estudo é que no caso anterior foram analisadas democracias parlamentaristas, enquanto aqui, trata-se de uma democracia presidencialista1 1 Nossos agradecimentos aos(às) pareceristas anônimos(as) que nos alertaram sobre a importância de frisar esta distinção entre sistemas de governos, e contribuíram para o aprimoramento geral do texto. . Importante observar que, diferentemente do sistema parlamentarista, no presidencialismo espera-se um efeito menor do desempenho do governo na decisão do voto do(a) eleitor(a). Isto é,

em democracias presidencialistas “mudanças de presidente ocorrem quase que exclusivamente em anos eleitorais. No entanto, na maior parte dos casos, estas mudanças ocorrem não porque os eleitores avaliam o desempenho do governo negativamente, mas porque eles não têm oportunidade de premiar o governante por seu desempenho.” [...] Em democracias parlamentaristas podemos distinguir os riscos advindos especificamente de eleições dos riscos aos quais os primeiros-ministros estão expostos durante os anos não eleitorais, seja o de ser substituído pacificamente ou o de ser violentamente removido do cargo (Cheibub & Przeworski, 1997CHEIBUB, José Antônio; PRZEWORSKI, Adam. Democracia, eleições e responsabilidade política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12, p. 49-61, 1997., p. 57-58).

Neste artigo, os fatores a serem analisadas são:

  • i. a idade do partido ao competir e conquistar sua primeira cadeira na Câmara dos Deputados;

  • ii. a troca de liderança no partido em meio à sua primeira participação parlamentar;

  • iii. o pertencimento ao gabinete presidencial; e, por fim,

  • iv. o tipo de partido segundo a classificação ideológica proposta por Adriano Codato, Fábia Berlatto & Bruno Bolognesi (2018CODATO, Adriano; BERLATTO, Fábia; BOLOGNESI, Bruno. Tipologia dos políticos de direita no Brasil: uma classificação empírica. Análise Social, Ano LIII, n. 229, p. 870-897, 2018.).

A expectativa inicial é que pelo menos algumas destas características sejam relevantes na comparação do resultado eleitoral entre as duas primeiras eleições de cada partido. Mesmo que de antemão já se faça a ressalva de que o número de organizações partidárias examinadas seja pequeno para conclusões mais gerais sobre os demais partidos brasileiros, os achados sobre eles possibilitam uma aproximação para responder, para o caso brasileiro, à pergunta de Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.) sobre que atributos podem impulsionar ou reduzir a diferença entre a eleição em que partidos conseguem assentos pela primeira vez no parlamento e a subsequente, isto é, fatores que podem ser o fiel da balança entre o sucesso e o fracasso dos partidos.

Este artigo está organizado em quatro seções, além desta introdução. A segunda seção fundamenta teoricamente as hipóteses sobre as condições que podem afetar o desempenho eleitoral dos partidos em suas primeiras eleições. Os métodos que usamos para testá-las são apresentados na terceira seção. Na quarta, estão os resultados e a discussão dos testes empíricos que estimam como - e se - a variável “diferença entre a eleição em que conseguem assentos pela primeira vez no parlamento e a subsequente” está relacionada ao “tempo de vida do partido”, à “troca de liderança”, à “participação no gabinete governamental”, e/ou à “ideologia partidária - direita confessional”. Na conclusão comparamos os efeitos encontrados para os partidos brasileiros com os reportados por Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.) para organizações partidárias de 17 democracias.

O sistema eleitoral brasileiro e a criação de partidos

Partidos políticos são fundamentais em qualquer democracia ao redor do mundo. É impossível encontrar, nos tempos atuais, qualquer país que seja considerado uma democracia que não os possua. Seguindo definição de Oswaldo Carvalho (2013CARVALHO, Oswaldo. O que sabemos sobre a organização dos partidos políticos: uma avaliação de 100 anos de literatura. Revista Debates, v. 7, n. 2, p. 11-32. 2013.) os partidos são até mesmo os responsáveis por diversas atividades, sendo as três mais essenciais:

  • i. estruturação da competição eleitoral;

  • ii. agregação de interesses; e

  • iii. condução do governo e dos trabalhos legislativos.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral mostram que, ao final de 2020, o Brasil abrigava 33 partidos sob registro. De acordo com Codato, Berlatto e Bolognesi (2018CODATO, Adriano; BERLATTO, Fábia; BOLOGNESI, Bruno. Tipologia dos políticos de direita no Brasil: uma classificação empírica. Análise Social, Ano LIII, n. 229, p. 870-897, 2018.), o Brasil sempre foi caracterizado como país de um número bastante elevado de partidos nominais, mas ainda mais expressivos são os índices de partidos efetivos eleitorais e parlamentares quando comparados a outros países. Para se ter uma ideia, os autores indicam que em 2018 o Brasil contava com 35 partidos nominais - 13,22 partidos efetivos no legislativo; 14,06 partidos efetivos eleitoralmente (Codato, Berlatto & Bolognesi, 2018). Comparativamente, na América Latina, o número efetivo de partidos nas arenas parlamentar e eleitoral do país que estava em segundo lugar no ranking, Colômbia, era 5,69 e 7,36, respectivamente, no ano 2014 (Carneiro & Moisés, 2015CARNEIRO, Gabriela Piquet; MOISÉS, José Álvaro. Sobre o enraizamento dos partidos políticos na sociedade brasileira. Interesse Nacional, Ano 7, n. 28, 2015.). Entretanto, autores como Jairo Marconi Nicolau e Rogério Augusto Schimitt (1995NICOLAU, Jairo Marconi; SCHMITT, Rogério Augusto. Sistema eleitoral e sistema partidário. Lua Nova, n. 36, p. 129-147, 1995.) argumentam que a quantidade de partidos no sistema eleitoral brasileiro não é um problema em si, mas sim que as regras partidárias e eleitorais conferem baixa capacidade de mobilização dos partidos brasileiros, no sentido de coordenar o voto e sedimentar lealdades. Outra característica do sistema partidário brasileiro que traz instabilidade ao funcionamento democrático é a facilidade com que partidos políticos são criados e dissolvidos no Brasil, principalmente em função de três aspectos:

  • i. o político, uma vez que são necessárias poucas assinaturas para a fundação de um partido;

  • ii. o financeiro, que permite ao partido captar uma parcela do fundo partidário mesmo sem receber voto algum na eleição anterior; e

  • iii. a patronagem política, que incentiva a partidos a alocar um alto número de seus dirigentes em cargos no corpo do Estado, como secretarias, ministérios e agências públicas (Nicolau & Schmitt, 1995NICOLAU, Jairo Marconi; SCHMITT, Rogério Augusto. Sistema eleitoral e sistema partidário. Lua Nova, n. 36, p. 129-147, 1995.).

Para se ter ideia do volume de criação de partidos no Brasil, dentre os 33 partidos existentes no Brasil ao final de 2020, 11 foram criados desde 2000. Outro fato que ocorre com certa relevância no Brasil é a fusão de siglas partidárias para criação de novos partidos, como o já citado caso do Partido Liberal (PL) em 2006, e as incorporações do Partido Republicano Progressista (PRP) ao Patriota, e do Partido Pátria Livre (PPL) ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ambos em 2019.

Nas palavras de Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015., p. 778) a “entrada no parlamento em nível nacional é uma conquista crucial para qualquer novo partido”. No entanto, como alertam estas autoras, as consequências e os desafios eleitorais posteriores que os partidos enfrentam por terem obtido representação no parlamento difere de partido para partido. Quais características e fatores relativos aos próprios partidos podem estar envolvidos serão discutidos nas próximas seções.

Os desafios das primeiras eleições

Em seus trabalhos sobre os desafios que os partidos políticos encontram em suas primeiras eleições, e em especial na diferença entre a eleição em que conseguem assentos pela primeira vez no parlamento e a subsequente, Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.) encontraram os seguintes fatores que podem impulsionar ou reduzir esta diferença: tempo de vida do partido, troca de liderança.

No que diz respeito ao primeiro fator, os autores argumentam que a criação do partido até a sua entrada no parlamento há correlação com o desempenho eleitoral do partido na eleição pós-entrada no parlamento, ou seja, quanto mais tempo de vida um partido alcançou desde o seu primeiro assento no parlamento, espera-se que o mesmo tenha um melhor desempenho relativo na próxima eleição. Esta conclusão é coerente ao que Robert Harmel e Lars Svasand (1993HARMEL, Robert; SVASAND, Lars. Party leadership and party institutionalization: three phases of development. West European Politics, v. 16, n. 2, p. 67-88, 1993.) encontraram anteriormente, ou seja, que partidos novos frequentemente enfrentam desafios diferentes nos seus diversos estágios de desenvolvimento (cada um deles gerando demandas distintas), e que um partido ser demasiadamente jovem ao entrar no parlamento, espreme estes desafios em um curto período. Os autores ainda afirmam que depois que um partido entra no parlamento, a atenção dos principais atores tende a mudar da construção de sua organização partidária e consolidação de uma base de apoio para suas novas atribuições parlamentares (Harmel & Svasand, 1993). A primeira hipótese proposta neste estudo é justamente confirmar o que foi encontrado por Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.), sendo H1 → Quanto mais tempo entre a fundação e a entrada de um partido no parlamento, melhor é o seu desempenho na eleição seguinte.

Outra característica constatada como impactante quando se refere a perder votos na eleição seguinte a entrada no parlamento é a troca de liderança no partido. A continuidade da liderança foi vista como fundamental para o sucesso eleitoral de um novo partido uma vez que, ao ainda não possuir a estrutura partidária completamente consolidada, o partido ainda é dependente da figura do líder para sua comunicação com eleitorado, principalmente por este líder normalmente ser o detentor de uma das cadeiras conquistadas no parlamento quando o partido lá adentra e por muitos desses votos serem leais ao político e não ao partido. Embasada nestes argumentos, a segunda hipótese a ser testada será H2 → Os partidos cujos líderes permanecem no comando até a próxima eleição perdem menos votos após a sua conquista parlamentar do que os demais tipos de partidos.

O pertencimento do partido ao segmento da nova direita é uma característica de partidos eleitorais que Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.) testaram, porém não encontraram uma correlação relevante com a perda de votos. Para as autoras, o fato de o partido ser classificado neste grupo, em geral é em razão de apresentar uma estrutura organizacional fraca, dominada por um único líder (em geral, o fundador) que pode não estar interessado em planejamento de longo prazo e a construção de uma estrutura partidária independente, mesmo que isso vá contra a lógica brasileira, uma vez que o crescimento da população evangélica no Brasil cresce exponencialmente a cada década. Muito embora não tenha sido encontrada como significativa, neste trabalho a hipótese será adaptada com base na divisão dos grupos de partidos organizada por Codato, Berlatto e Bolognesi (2018CODATO, Adriano; BERLATTO, Fábia; BOLOGNESI, Bruno. Tipologia dos políticos de direita no Brasil: uma classificação empírica. Análise Social, Ano LIII, n. 229, p. 870-897, 2018.).

Sobre esta divisão, Michael Coppedge (1997aCOPPEDGE, Michael. A classification of Latin American political parties. Working Paper n. 244. The Helen Kellogg Institute for International Studies. South Bend, IN: University of Notre Dame, 1997a.; 1997b) considera duas dimensões simultâneas para a classificação dos partidos latino-americanos: a primeira diz respeito à oposição entre “confessional” e “secular”; a segunda está baseada na dimensão clássica esquerda-direita, porém segmentada em blocos entre direita, centro-direita, centro, centro-esquerda e esquerda. Codato, Belatto e Bolognesi (2018CODATO, Adriano; BERLATTO, Fábia; BOLOGNESI, Bruno. Tipologia dos políticos de direita no Brasil: uma classificação empírica. Análise Social, Ano LIII, n. 229, p. 870-897, 2018.) se utilizam dos estudos de Coppedge (1997a; 1997b) para classificar os partidos da direita confessional brasileira como aqueles que baseiam a sua ideologia ou programa explicitamente em concessões religiosas e/ou estão vinculados a Igrejas e a movimentos com forte apelo conservador (“pró-vida”, “pró-família” etc.). Assim, será testada a H3 →Partidos da direita confessional2 2 Baseados nos trabalhos de Coppedge (1997a, 1997b), os(as) autores(as) classificam como partidos confessionais de direita aqueles que utilizam como base para suas ideologias ou programas questões religiosas e/ou estão vinculados a Igrejas e a movimentos com forte apelo conservador. perdem mais votos após a sua conquista parlamentar do que os demais.

Em geral, os novos partidos, para entrarem no parlamento, adotam um discurso anti-establishment, e ao integrar no gabinete governamental perdem o direito de assumir esta narrativa. Por conta disso, Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.) testaram se o pertencimento do partido ao gabinete do governo entre a sua primeira eleição parlamentar vitoriosa e a busca pela reeleição influencia negativamente na busca por votos nesta segunda eleição. As autoras rejeitaram que exista uma associação significativa entre o pertencimento, ou não, ao gabinete governamental e o desempenho na segunda eleição, mesmo assim, a última hipótese a ser testada será H4 → Partidos novos, ao adentrarem o parlamento também integram o gabinete de governo e perdem mais votos no pleito eleitoral após a sua conquista parlamentar do que os demais.

Materiais e métodos

Coleta de dados

Foram coletados dados sobre os votos dos partidos políticos nas eleições para a Câmara dos Deputados. Os partidos de interesse são aqueles ativos em 2020, que foram criados depois de 2000 e que participaram de ao menos duas eleições gerais (TSE, 2020). A coleta foi realizada durante o mês de dezembro de 2020 e os dados foram analisados no Software R, versão 4.0.3.

As variáveis dos modelos de análise são relativas à fundação da organização partidária (ano); a troca de liderança entre a primeira e a segunda eleição (houve ou não houve); ideologia; e o fator do partido ter ocupado o gabinete governamental (sim ou não). A análise da Diferença Relativa de Votos (DRV) em relação às demais variáveis ocorreu em duas partes:

  • i. análise de correlação entre o tempo de vida e a DRV; e

  • ii. teste não paramétrico de Wilcoxon-Mann-Whitney para cada uma das variáveis restantes.

Diferença Relativa de Votos (DRV)

A Diferença Relativa de Votos (DRV) expressará o percentual que um partido ganhou ou perdeu de votação da primeira eleição, que é aquela em que o partido alcança a sua primeira cadeira na Câmara dos Deputados, para a eleição seguinte (Bolleyer & Bytzek, 2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.). A DRV pode ser expressa por:

D R V = ( V O t 2 V O t 1 ) ( V O t 1 )

Onde:

  • VOt1 é o percentual de votação alcançado pelo partido na eleição em que ganha sua primeira cadeira na Câmara dos Deputados;

  • VOt2 é o percentual de votação alcançado pelo partido na eleição seguinte a que ganhou sua primeira cadeira na Câmara dos Deputados.

Teste não paramétrico de Wilcoxon-Mann-Whitney

O teste de Wilcoxon-Mann-Whitney - também conhecido como Teste U - é o teste não paramétrico equivalente ao teste t-student, paramétrico, que é aplicado em situações em que se tem um par de amostras independentes e se quer testar se as populações significadas podem ser consideradas semelhantes ou não. O teste de Wilcoxon-Mann-Whitney é baseado nos postos (ranques) dos valores obtidos combinando-se as duas amostras. Isso é feito ordenando-se esses valores, do menor para o maior, independentemente do fato de qual população cada valor provém.

Resultados

Foi calculada a Diferença Relativa de Votos (DRV) para cada um dos partidos analisados (Figura 1), classificando-os por ideologia de acordo com Codato, Berlatto e Bolognesi (2018CODATO, Adriano; BERLATTO, Fábia; BOLOGNESI, Bruno. Tipologia dos políticos de direita no Brasil: uma classificação empírica. Análise Social, Ano LIII, n. 229, p. 870-897, 2018.).

Nota-se, no Gráfico 1, que os partidos confessionais de direita (Republicanos e Patriota) obtiveram, em 2018, um grande aumento em suas votações em relação aos resultados eleitorais de 2014, quando elegeram seus primeiros parlamentares para a Câmara dos Deputados. Segundo Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.), partidos formados sem raízes sociais tendem a perder mais votos nas eleições que sucedem o primeiro mandato. No caso em análise, os partidos que perderam votos são o PSD e o Solidariedade, oriundos de bases governistas - que nascem no parlamento; e o PSOL, que mesmo com uma base ideológica bem definida, tem suas origens entre dissidentes do Partido dos Trabalhadores (PT), o que divide os votos do mesmo nicho ideológico de origem. Por outro lado, o Republicanos e o Patriota, situados na direita confessional, salientam as conclusões sobre desempenho e bases sociais.

Gráfico 1
DRV por partido brasileiro fundado após 2000 e sua classificação ideológica

Calculado o DRV para cada partido em análise, estamos em condições de testar as hipóteses formuladas.

Tempo de vida do partido x Diferença Relativa de Votos

A primeira hipótese é H1 → Quanto mais tempo entre a fundação e a entrada de um partido no parlamento, melhor é o seu desempenho na eleição seguinte. Através da análise de regressão linear, correlacionando o tempo, em dias, desde a data de deferimento do partido pelo TSE até a data da primeira eleição que o partido participou, é possível concluir que, no caso dos partidos brasileiros, não existe a esperada correlação positiva entre a idade do partido e o DRV, existindo mesmo uma correlação negativa (Índice de correlação de Pearson = -0,2) como pode ser visto na Figura 1, o que faz com que H1 seja prontamente rejeitada. Este resultado difere dos achados de Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.), conforme apresentado anteriormente.

Muito do resultado encontrado foi influenciado pelo caso do Republicanos que, com 402 dias entre sua deliberação no TSE e a eleição de 2006, obteve 0,24% dos votos válidos resultando em uma cadeira e, em 2010, obteve oito cadeiras com 1,79% dos votos. O que pode explicar esta diferença é o fato de que em 2006 o então PRB ter disputado a eleição em apenas oito estados da federação (AL, MA, MG, PA, PB, PE, RJ e RR) e, em 2010, em todos os estados mais o Distrito Federal, como pode ser visto na comparação de votações no partido apresentada no Mapa 1.

Mapa 1
Evolução do percentual de votação no REPUBLICANOS por estado (eleições de 2006 e 2010)

Dentre os partidos brasileiros nascidos no Século XXI, o caso do surgimento e do crescimento do Republicanos é emblemático. Segundo o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHBB) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o então Partido Republicano Brasileiro (PRB) foi fundado e montado para as eleições de 2006 pela conjunção de duas forças políticas: de um lado, políticos e lideranças religiosas vinculadas à Igreja Universal do Reino de Deus; de outro, o então vice-presidente da república e candidato à reeleição, José de Alencar, recém saído do Partido Liberal (PL), em busca de um novo partido para concorrer na disputa. A base social da Igreja Universal e o acesso ao governo federal desde a sua primeira disputa são condições que podem ter favorecido a manutenção e o considerável crescimento do partido entre 2006 e 2010.

Troca de liderança e cargo no governo x Diferença Relativa de Votos

As próximas hipóteses a serem testadas são H2 → Os partidos cujos líderes permanecem no comando após a ruptura parlamentar até a próxima eleição perdem menos votos após a sua conquista parlamentar do que os demais tipos de partidos; e H4 → Partidos novos que ao adentrar o parlamento também integram o gabinete de governo perdem mais votos após a sua conquista parlamentar do que os demais. Elas serão testadas através do mesmo teste de Wilcoxon-Mann-Whitney, uma vez que apenas o PSD teve alteração em sua direção nacional, o que ocorreu quando Gilberto Kassab se licenciou da direção do partido, em 1º de janeiro de 2015, para justamente assumir o cargo de ministro das Cidades durante o governo de Dilma Rousseff, deixando o cargo para o então líder do partido na Câmara dos Deputados, Guilherme Campos (PSD, SP, 2015). Esta movimentação de Kassab também foi única entre os partidos estudados, no sentido de participar do gabinete de governo entre a eleição de entrada dos partidos na Câmara e a eleição seguinte.

O PSD teve uma Diferença Relativa de Votos (DRV) de -0,0466, ou seja, uma ligeira perda de votos da primeira para a segunda eleição. Ao aplicar-se o teste de Wilcoxon-Mann-Whitney encontrou-se um p-valor de 1, ou seja, não existe qualquer evidência que o caso do PSD apresente alguma diferença em relação aos demais e, assim sendo, rejeita-se que tanto a participação no gabinete presidencial de Dilma Rousseff, quanto a troca de comando que esta movimentação acarretou são causadoras da perda de votos que o partido teve de 2014 para 2018. Tal perda é reflexo da retração do partido em colégios eleitorais como Amazonas, Rio Grande do Norte e Santa Catariana, onde o partido perdeu cerca de 10 pontos percentuais em cada um dos estados, e também em São Paulo, principal colégio eleitoral do país, onde o partido saiu de 4,40% dos votos, em 2014, para 3,21%, em 2018. Essa queda foi amenizada por crescimentos pontuais, como no Paraná, onde o partido obteve seu melhor desempenho, saltando de 4,10%, em 2014, para 16,35%, em 2018, além de eleger o governador do estado Ratinho Junior e, em Alagoas, onde o partido passou de 0,26% em 2014 para 9,87% em 2018, como mostra o Mapa 2.

Mapa 2
Evolução do percentual de votação no PSD por estado (eleições de 2014 e 2018)

A rejeição da H4, para este caso, vai ao encontro das confirmações de Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.); enquanto a rejeição da H2 vai em direção oposta.

Segundo Sérgio Simoni Jr e Ricardo M. Ribeiro (2019), a criação do PSD, em 2011, apresenta dois elementos marcantes que deram origem a duas narrativas distintas, porém complementares: a primeira - e mais difundida - é a de que o PSD surge de uma disputa de poder dentro do Democratas (DEM), como expressão do desejo de parte da oposição filiada ao DEM, liderada por Gilberto Kassab, de se aproximar do governo federal com o objetivo de ter acesso a cargos no governo; a segunda é a de que diante das ações do TSE em interditar e restringir as possibilidades de migração partidária (Resolução n. 22.610, de 25 de outubro de 2007), o PSD surge como resposta a arranjos institucionais do sistema partidário brasileiro ao congregar parlamentares de diversos partidos que buscavam uma nova legenda que melhor atendesse aos seus objetivos, proporcionando assim a possibilidade de migração partidária mediante a formação de um novo partido.

Convém salientar que, ao ser fundado, o PSD abrigou 51 deputados federais de 18 estados diferentes. Ao considerar que o número total de incumbentes é de 513 parlamentares, o partido tem como ponto de partida uma bancada de 10% do parlamento. Em suma, trata-se de um partido que nasce no e do parlamento para fora, com deputados incumbentes e, principalmente, direito e acesso a uma fatia considerável do fundo partidário, três anos antes de disputar sua primeira eleição nacional.

Ideologia do partido x Diferença Relativa de Votos

Por fim, foi testada neste trabalho a H3 → Partidos da direita confessional perdem mais votos após a sua conquista parlamentar do que os demais. Para isso, foi aplicado o mesmo teste para a comparação entre os partidos Republicanos e Patriota, classificados como da direita confessional por Codato, Berlato e Bolognesi (2018CODATO, Adriano; BERLATTO, Fábia; BOLOGNESI, Bruno. Tipologia dos políticos de direita no Brasil: uma classificação empírica. Análise Social, Ano LIII, n. 229, p. 870-897, 2018.), e os demais partidos. Para este teste foi encontrado um p-valor de 0,13, o que poderia ser um indicativo para a aceitação da hipótese caso não ficasse explícito que este valor está associado ao maior DRV dos partidos da direita confessional do que dos demais, o que vai totalmente contra o que a hipótese propõe, como pode ser observado no Gráfico 3. A rejeição de que partidos da direita confessional percam mais votos da primeira para a segunda eleição do que os demais é congruente com as evidências apresentadas por Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.). Entretanto, cabe observar que uma diferente agregação classificatória destes partidos poderia trazer resultado distinto.

Gráfico 2
Dispersão: Idade de partidos brasileiros, fundados a partir de 2000, ao disputar sua primeira eleição × DRV

Gráfico 3
Gráfico de DRV por partido (Direita confessional x outros)

Para explicar a ascensão da nova direita religiosa na política brasileira, entender o crescimento dos evangélicos é um ponto chave. Em 1940, o Censo indicava que 2,6% da população brasileira se declarava como evangélica; em 1970, esse percentual dobrava (5,2%), 9% em 1991 e chegou a 15,4% em 2000. O Censo 2010 indicou que o Brasil computava cerca de 22,2% de sua população como evangélica (IBGE, 2010). A expansão dos movimentos evangélicos pode ser explicada, pelo menos em parte, por movimentos sociais no Brasil dos últimos 30 anos, como o êxodo interno de famílias do campo que, em busca de uma vida melhor, passaram a viver grandes centros urbanos, em locais com alta taxa de violência, com baixa renda e alta densidade populacional. Segundo Ricardo Mariano (2004MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal. Estudos Avançados, v. 18, n. 54, p. 121-138, 2004.), diante deste contexto é valorizada a preservação do núcleo familiar, principalmente no aspecto moral, algo que Igrejas neopentecostais souberam aproveitar e explorar eficientemente, em benefício próprio, dados os contextos socioeconômico, cultural, político e religioso do último quarto de século no Brasil.

Ainda de acordo com Mariano (2004MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal. Estudos Avançados, v. 18, n. 54, p. 121-138, 2004.), outro ponto que atrai fiéis destas regiões periféricas dos grandes centros urbanos é a teologia da prosperidade, discurso que encontra terreno fértil em localidades de baixa renda como as periferias. É neste contexto que os partidos da direita confessional como o Republicanos e o Patriota, vinculados a movimentos religiosos e/ou conservadores, expandem suas bases e buscam consolidar-se como representantes do movimento. Esse fator é fundamental no conceito de raízes sociais que é destacado em Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.). Além disso, existem outros fomentos a serem considerados quando tratamos de ideologia partidária no Brasil.

Um destes elementos - o crescimento de partidos situados próximos ou na extrema direita -, acompanha a dinâmica de parte das democracias atuais desde os anos 1980 e foi denominado “guerra cultural” ou visão de mundo inconciliável que, segundo Gallego, Ortellado e Ribeiro (2107), redefiniria as regras do debate político. No debate político passa a ter centralidade temas morais (homossexualidade, aborto, perspectiva penal punitiva, por exemplo), acrescidos, no Brasil, por uma emaranhada motivação anticomunista, anticorrupção e antipolítica. Temas que desalojaram as questões econômicas e sociais - e do papel do Estado frente a elas - que, ao menos a partir da segunda grande guerra, organizam as posições político-partidárias e os compromissos de um espectro partidário que abrange desde a direita liberal até a esquerda político-partidária com o Estado democrático de Direito. Os partidos que Codato, Berlato e Bolognesi (2018CODATO, Adriano; BERLATTO, Fábia; BOLOGNESI, Bruno. Tipologia dos políticos de direita no Brasil: uma classificação empírica. Análise Social, Ano LIII, n. 229, p. 870-897, 2018.) classificam como de direita confessional mobilizam e fomentam o conservadorismo moral, tanto em suas bases nas Igrejas como nas arenas eleitoral e parlamentar, e têm sido recompensados com votos nas eleições analisadas.

Estes aspectos abrem preceito para outras variáveis a serem atribuídas futuramente, com maior tempo de vida desses partidos e que ressalvam as singularidades do sistema eleitoral brasileiro, entre elas ser proporcional e de lista aberta.

Conclusões

Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.) investigaram um número grande de partidos políticos de dezessete países e concluíram que duas características afetam negativamente a quantidade de votos que um partido recebe na eleição seguinte a sua entrada no parlamento:

  • i. pouco tempo entre a criação do partido e sua primeira vitória eleitoral;

  • ii. as trocas de liderança.

Os achados das autoras também mostraram:

  • iii. ser um partido de cartel, de um lado;

  • iv. ser um partido de direita, de outro, não são elementos suficientes com efeito sobre o desempenho eleitoral.

Usamos essas conclusões das autoras como hipóteses com o objetivo de testá-las para o caso dos partidos brasileiros ativos em 2020, partidos esses que foram criados depois de 2000 e que participaram de ao menos duas eleições gerais.

Nossas análises sobre os seis partidos brasileiros que preenchem aquelas condições, apontam que ser um partido com pouco tempo de atuação antes de vencer sua primeira eleição não afeta a quantidade de votos na eleição seguinte, muito pelo caso de sucesso do Republicanos que, embora fosse um partido recém-criado, conquistou um expressivo aumento em sua votação de 2006 para 2010. Também constatamos que troca de liderança e participação no gabinete presidencial (o que foi o caso apenas do PSD) também não influenciaram na diferença de votação obtida. Por fim, nenhuma das características dos partidos - como ser um partido vinculado às pautas religiosas -, resultou em perdas de votos na primeira eleição pós-entrada no parlamento pelos partidos brasileiros. Sobre os partidos da direita confessional, é ainda importante ressaltar que são justamente os partidos com o maior ganho relativo de votos da primeira para a segunda eleição. Este fato requer explicações contextuais que fogem dos objetivos deste artigo, mas que, como reporta a literatura, têm relação com alterações no eixo do debate político, pendente para temas morais de viés conservador.

Portanto, para o caso dos partidos brasileiros examinados, as quatro hipóteses foram rejeitadas, sendo que para duas delas (tempo de criação e troca de liderança partidária) os resultados vão na direção oposta aos achados de Bolleyer e Bytzek (2015BOLLEYER, Nicole; BYTZEK, Evelyn. New party performance after breakthrough: party origin, building and leadership. Party Politics, v. 23, n. 6, p. 772-782, 2015.), e para as demais (ocupar os gabinetes e ideologia à direita) as nossas conclusões e as das autoras estão alinhadas.

Uma possível explicação para a não confirmação das hipóteses testadas pode residir em dois incentivos institucionais característicos do Brasil:

  • i. a facilidade para a criação de partidos políticos, conforme já pontuado por Nicolau e Schmitt (1995NICOLAU, Jairo Marconi; SCHMITT, Rogério Augusto. Sistema eleitoral e sistema partidário. Lua Nova, n. 36, p. 129-147, 1995.); e

  • ii. a possibilidade de coligações eleitorais para eleições proporcionais aliada a inexistência de cláusula de desempenho partidário para acesso ao parlamento3 3 Essas eram as regras até as eleições de 2016. A partir das eleições de 2018, passou valer uma cláusula de desempenho de X% e, a partir das eleições de 2020, as coligações eleitorais para eleições proporcionais foram vetadas. .

A conjunção desses dois incentivos faz com que partidos recém-criados e com estruturas incipientes possam eleger deputados coligados com outras agremiações logo no primeiro pleito, fazendo com que o hiato entre a criação do partido e a conquista dos primeiros cargos eletivos seja curto. Enquanto o primeiro ponto foi abordado no presente artigo, o segundo desponta como uma oportunidade, um desdobramento para pesquisas futuras.

Por conseguinte, os casos sobre o surgimento e o estabelecimento do Republicanos e do PSD como forças políticas emergentes são bons exemplos de como o sistema partidário brasileiro é permeado de incentivos institucionais que favorecem a hiperfragmentação partidária, permitindo que partidos recém-criados tenham acesso a cargos na estrutura governamental e a uma fatia do fundo partidário.

Por fim, ainda que os achados desse trabalho requeiram cautela quando analisados, dado o baixo número de casos e as grandes diferenças da democracia brasileira com relação às sociedades europeias, que foram os objetos de estudo das autoras que inspiraram este texto, cabe ressalvar que a análise de todos os partidos brasileiros criados no pós-redemocratização desponta como possibilidade de pesquisa futura, proporcionando robustez e perenidade a esta agenda, bem como permitindo ainda a análise comparada entre os diversos partidos brasileiros criados ao longo de três décadas.

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  • 1
    Nossos agradecimentos aos(às) pareceristas anônimos(as) que nos alertaram sobre a importância de frisar esta distinção entre sistemas de governos, e contribuíram para o aprimoramento geral do texto.
  • 2
    Baseados nos trabalhos de Coppedge (1997a, 1997b), os(as) autores(as) classificam como partidos confessionais de direita aqueles que utilizam como base para suas ideologias ou programas questões religiosas e/ou estão vinculados a Igrejas e a movimentos com forte apelo conservador.
  • 3
    Essas eram as regras até as eleições de 2016. A partir das eleições de 2018, passou valer uma cláusula de desempenho de X% e, a partir das eleições de 2020, as coligações eleitorais para eleições proporcionais foram vetadas.
  • 0
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2022
  • Aceito
    23 Fev 2023
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