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A psicologia social como história

A psicologia social como história* * GERGEN, K. J. (1973) Social Psychology as History. Journal of Personality and Social Psychology, 26 (2), 309-320.

Kenneth J. Gergen1 1 Sou muito grato às seguintes pessoas pelas profundas considerações às várias fases dessa análise: Shel Feldman, Mary Gergen, Kenneth Hammond, Louise Kidder, George Levinger, Paul Rosenblatt, Ralph Rosnow, M. Brewster Smith, Siegfried Streufert, Lloyd Strickland, Karl Weick, and Lawrence Wrightsman. Pedidos de reimpressão deverão ser enviados ao autor, no Departamento de Psicologia, Swarthmore College, Swarthmore, Pensylvania 19080.

Swarthmore College, Swarthmore, E.U.A.

A psicologia é usualmente definida como ciência do comportamento humano e a psicologia social como aquele ramo dessa ciência que lida com a interação humana. Um dos maiores propósitos da ciência é o estabelecimento de leis gerais por meio da observação sistemática. Para o psicólogo social, tais leis gerais são desenvolvidas a fim de descrever e explicar a interação social. Essa visão tradicional da lei científica repete-se de uma ou outra forma em quase todas as pesquisas fundamentais do campo. Em sua discussão sobre o papel da explicação nas ciências do comportamento, DiRenzo (1966) apontou que uma "explicação completa" nas ciências comportamentais "é aquela que assumiu o estatuto invariável de lei" (p. 11). Krech, Crutchfield e Ballachey (1962) declararam que "enquanto estivermos interessados em psicologia social como uma ciência básica ou como uma ciência aplicada, um conjunto de princípios científicos é essencial" (p. 3). Jones e Gerard (1967) propagaram esta visão: "a Ciência busca compreender os fatores responsáveis por relações estáveis entre eventos" (p. 42). Como Mills (1969) colocou, "psicólogos sociais querem descobrir relações causais que permitam estabelecer princípios básicos que explicarão o fenômeno da psicologia social" (p. 412).

Esta visão da psicologia é, certamente, descendente direta do pensamento setecentista. Em um tempo em que as ciências físicas produziram contribuições notáveis ao conhecimento, poder-se-ia ver com grande otimismo a possibilidade de aplicação do método científico ao comportamento humano (Carr, 1963). Se princípios gerais do comportamento pudessem ser estabelecidos, talvez fosse possível eliminar os conflitos sociais, dar um fim aos problemas de doença mental e criar condições sociais em máximo benefício dos membros da sociedade. Como outros esperaram outrora, poderia mesmo ser possível dar a tais princípios uma forma matemática, desenvolver "uma matemática do comportamento humano tão precisa quanto a matemática das máquinas" (Russell, 1956, p. 142).

O notável sucesso das ciências naturais em estabelecer princípios gerais pode ser atribuído em grande medida à estabilidade geral dos eventos no mundo da natureza. A velocidade da queda dos corpos ou a combinação dos elementos químicos, por exemplo, são eventos altamente estáveis ao longo do tempo. São eventos que podem ser recriados em qualquer laboratório, 50 anos atrás, hoje, ou 100 anos depois. Porque são tão estáveis, largas generalizações podem ser estabelecidas com um alto grau de confiança, explicações podem ser empiricamente testadas e formulações matemáticas podem ser desenvolvidas com êxito. Se os eventos fossem instáveis, se a velocidade da queda dos corpos ou a composição dos elementos químicos estivesse em fluxo contínuo, o desenvolvimento das ciências naturais estaria drasticamente impedido. Leis gerais não apareceriam, e o registro de eventos naturais destinar-se-ia principalmente à análise histórica. Se os eventos naturais fossem caprichosos, a ciência natural seria amplamente substituída pela história natural.

O objetivo deste artigo é demonstrar que a psicologia social é principalmente um inquérito histórico. Diferentemente das ciências naturais, ela lida com fatos que são em grande medida irrepetíveis e notadamente instáveis. Os princípios da interação humana dificilmente podem ser desenvolvidos porque os fatos sobre os quais são baseados geralmente não permanecem estáveis. O conhecimento não pode ser acumulado, no sentido usual, porque tal conhecimento geralmente não transcende seus limites históricos. Na discussão seguinte, duas linhas centrais de argumentação serão desenvolvidas a fim de sustentar essa tese: a primeira, centrada no impacto da ciência no comportamento social; a segunda, centrada na mudança histórica. Após examinar estes argumentos, focaremos nas alterações no domínio e objetivos do campo sugerido por essa análise.

Impacto da ciência na interação social

Tal como Back (1963) mostrou, a ciência social pode proveitosamente ser vista como um extenso sistema de comunicações. Na execução da pesquisa, os cientistas recebem mensagens transmitidas pelo sujeito do experimento. Em sua forma crua, tais mensagens geram apenas "ruído" para o cientista. Teorias científicas servem como dispositivo decodificador que converte o barulho em informação útil. Embora Back tenha usado esse modelo de várias maneiras instigantes, sua análise termina no ponto da decodificação. Esse modelo precisa ser estendido além do processo de coleta e decodificação das mensagens. A tarefa do cientista é também aquela do comunicador. Se suas teorias provam ser dispositivos úteis de decodificação, elas são comunicadas à população a fim de que ela possa beneficiar-se de sua utilidade. Ciência e sociedade retroalimentam-se.

Esse tipo de relação do cientista com a sociedade expandiu-se progressivamente durante a última década. Canais de comunicação desenvolveram-se rapidamente. No nível da educação superior, mais de oito milhões de estudantes anualmente deparam-se com cursos oferecidos no domínio da psicologia, ofertas que se tornaram, nos últimos anos, insuperáveis em popularidade. A educação liberal de hoje exige familiaridade com as idéias centrais da psicologia. Os veículos de comunicação de massa vêm também satisfazer o vasto público interessado em psicologia. A imprensa monitora cuidadosamente os encontros profissionais tanto quanto os periódicos da profissão. Editoras acharam rentável apresentar a visão dos psicólogos sobre os padrões contemporâneos de comportamento, e revistas quase exclusivamente voltadas à psicologia ostentam hoje um total de mais de 600.000 leitores. Quando acrescentamos a essas marcas a ostensiva expansão do mercado de brochuras, a crescente demanda governamental por conhecimento justificando o investimento público na pesquisa psicológica, a proliferação de encontros técnicos, o estabelecimento de empreendimentos comerciais vendendo psicologia através de jogos e pôsteres, e a crescente confiança das grandes instituições (comerciais, governamentais, militares e sociais) depositada na competência de seus cientistas comportamentais; começa-se então a sentir a força do laço pelo qual os psicólogos encontram-se vinculados, em mútua comunicação, à cultura que lhes envolve.

A maioria dos psicólogos sustenta o desejo de que o conhecimento psicológico irá causar algum impacto na sociedade. Muitos de nós nos sentimos gratificados quando tal conhecimento pode ser utilizado para fins benéficos. De fato, para muitos psicólogos sociais, o comprometimento com o campo depende em grande medida da crença na utilidade social do conhecimento científico. Contudo, não se assume corriqueiramente que tal utilização alterará o caráter das relações causais da interação social. Esperamos sim que o conhecimento do funcionamento seja utilizado na alteração de comportamentos, mas não esperamos que uma tal utilização afete o caráter subseqüente do próprio funcionamento. Nossas expectativas, nesse caso, podem ser bastante infundadas. Não apenas a aplicação de nossos princípios pode alterar o dado sobre o qual eles estão baseados, como o próprio desenvolvimento dos princípios pode vir a invalidá-los. Três linhas de argumentação são pertinentes: a primeira é derivada do viés avaliativo da pesquisa psicológica; a segunda, dos efeitos libertadores do conhecimento; a terceira, da importância dos valores prevalecentes na cultura.

Viés Prescritivo da Teoria Psicológica

Como cientistas da interação humana, estamos engajados numa dualidade peculiar. Por um lado, cientificamente, avaliamos desinteressadamente o comportamento. Estamos bem avisados dos efeitos enviesadores de intensos compromissos normativos. Por outro lado, como seres humanos socializados, nós sustentamos inúmeros valores acerca da natureza das relações sociais. Raro o psicólogo social em que seus valores não influenciam o tema de sua pesquisa, seus métodos de observação, ou mesmo os termos de sua descrição. Na geração de conhecimento sobre a interação social, comunicamos também nossos valores pessoais. O receptor do conhecimento provê-se assim de duas classes de mensagens: mensagens que desinteressadamente descrevem o que parece ser, e aquelas que sutilmente prescrevem o que é desejável.

Este argumento é mais claramente evidente nas pesquisas sobre disposições pessoais. A maioria de nós sentir-se-ia insultado se fosse caracterizado como possuindo baixa auto-estima ou alto grau de busca de aprovação, cognitivamente indiferenciado, autoritário, compulsivo anal, dependente do campo, ou de mentalidade fechada. Em parte, nossas relações refletem nossa aculturação. Não é preciso ser psicólogo para ofender-se por tais rótulos. Mas, igualmente em parte, tais reações são criadas pelos conceitos utilizados na descrição e explicação de fenômenos. Por exemplo, no prefácio a The Authoritarian Personality (Adorno, Frenkel-Brunswik, Levinson & Sanford, 1950), os leitores são informados de que "em contraste com o intolerante de antigamente, (o autoritário) parece combinar as idéias e as habilidades de uma sociedade altamente industrializada a crenças irracionais e anti-racionais" (p. 3). Discutindo a personalidade maquiavélica, Christie e Geis (1970) notaram que

Inicialmente, nossa imagem dos maquiavélicos foi negativa, associada a manipulações sombrias e desagradáveis. Entretanto ... encontramo-nos nós mesmos diante de uma admiração perversa pela habilidade daqueles para ultrapassar os outros em situações experimentais (p. 339).

Em sua capacidade prescritiva, tais comunicações tornam-se agentes de mudança social. Num nível elementar, o estudante de psicologia poderia certamente desejar excluir da observação pública comportamentos rotulados pelos respeitados acadêmicos como autoritários, maquiavélicos e assim por diante. A comunicação do conhecimento pode, dessa maneira, homogeneizar os indicadores comportamentais de disposições subjacentes. Num nível mais complexo, o conhecimento dos correlatos da personalidade pode induzir o comportamento a suprimir os correlatos. Não é estranho que muitas pesquisas sobre diferenças individuais coloquem os psicólogos profissionais em alta conta. Assim, mais os sujeitos assemelham-se aos profissionais - em termos de educação, condição econômica, religião, raça, sexo e valores pessoais -, mais vantajosas suas posições em exames psicológicos. Elevada educação, por exemplo, favorece diferenciação cognitiva (Witkin, Dyk, Faterson, Goodenough & Karp, 1962), baixo grau de autoritarismo (Christie & Jahoda, 1954), mentalidade aberta (Rokeach, 1960) etc. Munidos dessas informações, aquelas pessoas depreciadas pela pesquisa poderiam contrabalancear a fim de evadir-se do estereótipo ofensivo. Por exemplo, mulheres que aprenderam que são mais persuasíveis que homens (cf. Janis & Field, 1959) podem retaliar, e, ao longo do tempo, a correlação é invalidada ou revertida.

Embora vieses avaliativos sejam facilmente identificados em pesquisas sobre personalidade, eles não estão de modo algum limitados a esta área. A maioria dos modelos de interação social também contém juízos de valor implícitos. Por exemplo, pesquisas sobre conformidade freqüentemente tratam o conformado como um cidadão de segunda categoria, uma ovelha social que abre mão de convicções pessoais em troca das opiniões errôneas dos outros. Assim, modelos de conformidade social sensibilizam-no a fatores que poderiam levá-lo a ações sociais deploráveis. Com efeito, o conhecimento protege contra a eficácia futura destes mesmos fatores. Pesquisas sobre mudança de atitude freqüentemente levam a essas mesmas implicações. Saber sobre a mudança de atitude estimula a crer que se tem o poder de mudar os outros. Conseqüentemente, outros são relegados ao status de manipuláveis. Assim, teorias de mudança de atitude poderiam sensibilizar em direção à proteção contra fatores que poderiam potencialmente influenciá-lo. Do mesmo modo, teorias de agressão usualmente condenam o agressor, modelos de negociação interpessoal desaprovam a espoliação e modelos de desenvolvimento moral depreciam aqueles abaixo do estágio ótimo (Kohnlberg, 1970). A teoria da dissonância cognitiva (Brehm & Cohen, 1966; Festinger, 1957) podia parecer neutra, porém a maioria dos estudos nesta área tem apresentado o redutor de dissonância em termos nada elogiosos. "Quão estúpido", dizemos, "que as pessoas tenham que trapacear, tirar notas baixas em exames, mudar suas opiniões sobre os outros, ou mesmo comer alimentos indesejáveis, apenas para manter a consistência".

A observação crítica subjacente a estas notas não é inadvertida. Parece infeliz que uma profissão dedicada ao desenvolvimento objetivo e imparcial do conhecimento devesse usar esta posição para fazer propaganda àqueles que inocentemente recebem esse mesmo conhecimento. Os conceitos do campo são raramente desprovidos de valor, e muitos poderiam ser substituídos por conceitos de uma carga valorativa bastante diferente. Brown (1965) indicou o fato interessante de que a personalidade autoritária clássica, tão temida em nossa própria literatura, era bastante similar à "personalidade tipo-J" (Jaensch, 1938), em alta conta entre os alemães. Aquilo que nossa literatura nomeou rigidez foi visto por eles como estabilidade; flexibilidade e individualismo na nossa literatura foram vistos como falta de firmeza e excentricidade. Tais rotulações enviesadas percorrem nossa literatura. Por exemplo, elevada alta-estima poderia ser nomeada egoísmo; necessidade de aprovação social poderia ser traduzida por necessidade de integração social; diferenciação cognitiva como perfeccionismo; criatividade como desvio; controle interno como egocentrismo. Do mesmo modo, se nossos valores fossem outros, conformidade social poderia ser vista como comportamento solidário; mudança de atitude como adaptação cognitiva; e o desvio em direção ao risco como uma conversão corajosa.

Ainda assim, mesmo que os efeitos de disseminação da terminologia psicológica precisem ser lamentados, é importante traçar suas fontes. Em parte, a carga valorativa dos termos teóricos parece bastante intencional. O ato de tornar público implica o desejo de ser ouvido. Entretanto, termos neutros têm pouco valor para o leitor potencial, e a pesquisa não-valorativa rapidamente torna-se obscura. Se obediência fosse renomeada para comportamento alfa e não fosse tornada deplorável a partir de associações com Adolph Eichman, o interesse público seria indubitavelmente menor. Além de angariar o interesse do público e da profissão, conceitos carregados de valor provêem também um considerável meio de expressão para os psicólogos. Conversei com inúmeros estudantes graduados que se voltaram para a psicologia como decorrência de profundas preocupações humanísticas. Dentre muitos se encontra um poeta frustrado, filósofo ou humanitário que vê, no método científico, simultaneamente, um meio para expressar seus valores e um obstáculo à livre expressão. Triste é o fato aparente de que a chave para a livre expressão na mídia profissional é uma vida próxima ao laboratório. Muitos desejam compartilhar seus valores diretamente, sem serem limitados pela constante demanda por evidência sistemática. Para eles, conceitos sobrecarregados de valor compensam o conservadorismo usualmente oriundo dessas demandas. O psicólogo de maior reputação pode perdoar-se mais diretamente. Normalmente, no entanto, nós não costumamos ver nossas opiniões como propagandísticas, mas sim como o reflexo de "verdades básicas".

Ainda que a comunicação de valores através do conhecimento seja em certa medida intencional, ela não o é de todo. A defesa de valores é quase um produto inevitável da existência social, e como participantes da sociedade raramente nos dissociamos desses valores ao perseguir metas profissionais. Além disso, se confiamos na linguagem da cultura para a comunicação científica, é difícil encontrar termos dizendo respeito à interação social desprovidos de valor prescritivo. Nós poderíamos reduzir as prescrições implícitas contidas em nossas comunicações se adotássemos uma linguagem completamente técnica. Entretanto, mesmo uma linguagem técnica torna-se avaliativa sempre que a ciência é usada como veículo de mudança social. Talvez nossa melhor opção seja mantermo-nos tão sensível quanto possível aos nossos vieses e comunicá-los tão abertamente quanto possível. A defesa de valores pode ser inevitável, mas podemos evitar mascará-la como reflexões objetivas da verdade.

Conhecimento e Liberação Comportamental

É comum na prática de pesquisa em psicologia evitar comunicar quaisquer premissas teóricas ao sujeito antes ou durante a pesquisa. A pesquisa de Rosenthal (1966) indicou que mesmo as pistas mais sutis das expectativas do experimentador podem alterar o comportamento do sujeito. Desse modo, sujeitos ingênuos são requeridos pelos padrões comuns de rigor. As implicações dessa cautela metodológica simples são de considerável significância. Se os sujeitos possuem conhecimento preliminar, tais como premissas teóricas, não podemos testar adequadamente nossas hipóteses. Da mesma maneira, se a sociedade é psicologicamente informada, teorias sobre isso mesmo que é informado tornam-se difíceis de serem testadas sem o risco de contaminação. Eis aqui uma diferença fundamental entre as ciências naturais e sociais. Formalmente, o cientista não pode comunicar seu conhecimento aos sujeitos de seu estudo de tal forma que suas disposições comportamentais sejam modificadas. Nas ciências sociais tal comunicação pode ter um impacto vital no comportamento.

Um exemplo simples pode ser suficiente. Parece que numa enorme variedade de condições, grupos de tomada de decisão realizam decisões arriscadas através de grupos de discussão (cf. Dion, Baron, & Miller, 1970; Wallach, Kogan & Bem, 1964). Investigadores nessa área acautelam-se bastante para que os sujeitos experimentais não ignorem seu conhecimento neste assunto. Esses sujeitos, uma vez cientes, poderiam resguardar-se dos efeitos do grupo de discussão ou responder apropriadamente a fim de ganhar a aprovação do experimentador. Entretanto, se o desvio em direção ao risco viesse a se transformar em conhecimento comum, sujeitos ingênuos tornar-se-iam inalcançáveis. Membros da cultura poderiam sistematicamente compensar as tendências em direção ao risco produzidas pelo grupo de discussão até tais comportamentos tornarem-se normais.

Como premissa geral, admite-se que o profundo conhecimento de princípios psicológicos liberte os sujeitos de suas implicações comportamentais. Princípios estabelecidos do comportamento tornam-se estímulos à tomada de decisão de alguém. Como Winch (1958) indicou, "na medida em que compreender algo envolve compreender sua contradição, alguém que, inteligentemente, realiza X deve ser capaz de visualizar a possibilidade de fazer não-X" (p. 89). Princípios psicológicos também sensibilizam os sujeitos a influências que agem sobre eles e dirigem sua atenção a certos aspectos do meio e deles mesmos. Nesse processo, seus padrões de comportamento podem ser fortemente influenciados. Como May (1971) expôs mais apaixonadamente, "cada um de nós herda da sociedade um fardo de tendências que nos modelam inevitavelmente; porém nossa capacidade de ser consciente desse fato salva-nos de sermos estritamente determinados" (p. 100). Dessa forma, o conhecimento de signos não-verbais de estresse ou calma (Eckman, 1965) habilita-nos a utilizá-los toda vez que nos é útil fazê-lo. Saber que pessoas em problema são menos dispostas a serem ajudadas quando há um grande número de espectadores (Latané & Darley, 1970) pode aumentar o desejo de oferecer ajuda em tais condições. Saber que o estado de excitação pode influenciar a interpretação de eventos (cf. Jones & Gerard, 1967) pode suscitar cautela quando esse mesmo estado encontra-se em grau elevado. Em cada caso, o conhecimento aumenta as alternativas de ação, e padrões prévios de comportamento são modificados ou dissolvidos.

Fuga em direção à Liberdade

A invalidação histórica da teoria psicológica pode ser mais profundamente investigada em sentimentos comumente observados no interior da cultura ocidental. Da maior importância é o desconforto geral que as pessoas parecem sentir quando têm o número de suas alternativas de respostas diminuído. Como Fromm (1941) viu, o desenvolvimento inclui a aquisição de fortes desejos de autonomia. Weinstein e Platt (1969) discutiram bastante o mesmo sentimento em termos de "desejo do homem de ser livre", e vincularam esta disposição à estrutura do desenvolvimento social. Brehm (1966) usou essa mesma disposição como pedra angular de sua teoria da reatância psicológica. A prevalência desse valor aprendido teve importantes implicações para a validade, a longo prazo, da teoria psicossociológica.

Teorias válidas sobre o comportamento social constituem significantes instrumentos de controle social. Na medida em que o comportamento de um indivíduo é predizível, ele torna-se vulnerável. Outros podem alterar as condições ambientais ou seu próprio comportamento em relação a ele a fim de obter um máximo de recompensa com um mínimo de custo. Da mesma maneira que um estrategista militar entrega-se a uma derrota quando suas ações tornam-se predizíveis, que um oficial de uma organização pode ser traído por seus subordinados, e que esposas manipuladas por seus maridos farristas quando seus padrões de comportamento são confiáveis. O conhecimento torna-se assim poder nas mãos de outros. Segue-se que princípios psicológicos colocam uma ameaça potencial a todos aqueles com que estão relacionados. Investimentos em liberdade podem assim potencializar um comportamento visando invalidar a teoria. Estamos satisfeitos com princípios de mudança de atitude até o momento em que os encontramos sendo usados em campanhas dedicadas à modificação de nosso comportamento. Nesse ponto, podemos nos ressentir e reagir recalcitrantemente. Maior o poder da teoria em prever o comportamento, maior seu público de disseminação e mais prevalente e reverberante sua reação. Assim, as teorias fortes podem estar sujeitas à invalidação mais rapidamente do que as fracas.

O valor comum atribuído à liberdade pessoal não é o único ponto que responde pela ruína de uma teoria psicossociológica. Na cultura ocidental, parece haver um grande valor atribuído à singularidade ou individualidade. A imensa popularidade de Erikson (1968) e Allport (1965) pode se dever ao grande apoio que esses autores dão a este valor, e recente pesquisa em laboratório (Fromkin, 1970, 1972) demonstrou a força desse valor na alteração do comportamento social. A teoria psicológica, na sua estrutura nomotética, é insensível às ocorrências singulares. Indivíduos são tratados como exemplares de classes maiores. Uma reação comum é a de que a teoria psicológica é desumanizante, e como Maslow (1968) notou, pacientes sustentam um forte ressentimento ao receberem a rubrica ou serem rotulados com termos clínicos convencionais. Similarmente, negros, mulheres, ativistas, suburbanos, educadores e idosos têm todos reagido amargamente a explicações sobre seus comportamentos. Dessa forma, podemos nos esforçar em invalidar teorias que nos seduzem por sua aparência impessoal.

Psicologia dos Efeitos de Esclarecimento

Até agora discutimos três modos através dos quais a psicologia social altera o comportamento que ela pretende estudar. Antes de passarmos a um segundo grupo de argumento em favor da dependência histórica da teoria psicológica, devemos lidar com um importante meio de combate aos efeitos descritos até agora. A fim de preservar a validade transhistórica dos princípios psicológicos, a ciência poderia ser removida do domínio público e a compreensão científica reservada a uma elite seleta. Essa elite seria, evidentemente, cooptada pelo Estado, uma vez que nenhum governo poderia admitir o risco da existência de um estabelecimento privado desenvolvendo ferramentas de controle público. Para a maioria de nós, tal proposta é repugnante, e nossa inclinação é, ao contrário, procurar uma solução científica ao problema da dependência histórica. Muito do que se disse aqui sugere uma resposta desse tipo. Se pessoas que são psicologicamente esclarecidas reagem aos princípios gerais contradizendo-lhes, ratificando-lhes, ignorando-lhes, e assim por diante, então deveria ser possível estabelecer as condições sob as quais essas várias reações ocorrerão. Baseado em noções de reatância psicológica (Brehm, 1966), profecias auto-realizadoras (Merton, 1948) e efeitos de expectativa (Gergen & Taylor, 1969), poderíamos construir uma teoria geral das reações à teoria. Uma psicologia dos efeitos de esclarecimento deveria habilitar-nos a predizer e controlar os efeitos do conhecimento.

Embora uma psicologia dos efeitos de esclarecimento pareça um promissor suplemento a teorias gerais, sua utilidade é seriamente limitada. Uma tal psicologia pode investir-se de valor, aumentar nossas alternativas comportamentais, e pode ser ofensiva por sua ameaça a sentimentos de autonomia. Assim, a teoria que prediz reações à teoria é também suscetível à violação ou justificação. Nas relações entre pais e filhos ocorre freqüentemente algo que ilustra esse ponto. Pais estão acostumados a usar recompensas diretas a fim de influenciar o comportamento de suas crianças. Com certo tempo, as crianças adquirem consciência da premissa dos adultos de que uma recompensa atingirá os resultados desejados e tornam-se obstinadas. O adulto pode então reagir com uma psicologia ingênua dos efeitos de esclarecimento e expressar desinteresse pela realização da tarefa por parte da criança, novamente com a intenção de alcançar o objetivo desejado. A criança pode responder apropriadamente, mas muito freqüentemente irá emitir alguma variação de "você só está dizendo que você não se importa porque você realmente quer que eu faça". Nos termos de Loevinger (1959), "... um aumento no controle parental é contrabalanceado por um aumento no controle filial" (p. 149). Em bom português, nomeia-se-lhe psicologia reversa, e é freqüentemente mal vista. Certamente, pode-se contar com pesquisa sobre reações à psicologia dos efeitos de esclarecimento, porém rapidamente pode-se ver que essa troca de ações e reações poderia ser estendida indefinidamente. Uma psicologia dos efeitos de esclarecimento está sujeita às mesmas limitações históricas como outras teorias de psicologia social.

Teoria psicológica e mudança cultural

O argumento contra leis transhistóricas em psicologia social não apenas reside na consideração do impacto da ciência na sociedade. Uma segunda importante linha de pensamento merece consideração. Se examinarmos as mais proeminentes linhas de pesquisa durante a última década, logo perceberemos que as regularidades observadas e, assim, os princípios teóricos mais importantes, estão firmemente vinculados a circunstâncias históricas. A dependência histórica dos princípios psicológicos é mais notável em áreas onde o foco incide sobre o público. Psicólogos sociais têm se preocupado muito, por exemplo, em isolar indicadores de ativismo político durante a última década (cf. Mankoff & Flacks, 1971; Soloman & Fishman, 1964). Entretanto, se se examina esta literatura ao longo do tempo, inúmeras inconsistências aparecem. Variáveis que predizem com êxito o ativismo político durante os primeiros estágios da guerra do Vietnã são distintos daqueles que predizem com êxito o ativismo durante os períodos finais. Parece clara a conclusão de que os fatores mobilizadores do ativismo político mudaram com o tempo. Assim, qualquer teoria do ativismo político construída de achados anteriores seria invalidada por achados posteriores. Pesquisas futuras em ativismo político encontrarão ainda, indubitavelmente, outros indicadores mais úteis.

Tais alterações nas relações funcionais não estão limitadas em princípio às áreas concernentes ao público imediato. A teoria da comparação social de Festinger (1957), por exemplo, e a extensiva linha de pesquisa dedutiva (cf. Latané, 1966) estão baseadas na dupla suposição de que (a) pessoas desejam avaliar-se corretamente e (b) a fim de fazê-lo, comparam-se com outros. Há pouquíssimas razões para achar que tais disposições são geneticamente determinadas, e podemos facilmente imaginar pessoas, e mesmo sociedades, nas quais tais suposições não se sustentariam. Muitos de nossos comentadores sociais são críticos da tendência comum a buscar na opinião dos outros a definição de si e tentam mudar a sociedade com sua crítica. Com efeito, toda a linha de pesquisa parece depender de um conjunto de propensões aprendidas, propensões que poderiam ser alteradas pelo tempo e circunstâncias.

Da mesma maneira, a teoria da dissonância cognitiva depende da suposição de que as pessoas não toleram cognições contraditórias. A base de tal intolerância não parece ser geneticamente dada. Há certamente indivíduos que entendem tais contradições de modo bastante diferente. Escritores existencialistas recentes, por exemplo, celebram o ato inconsistente. Contrariamente, devemos concluir que a teoria é preditiva em razão do estado atual das disposições aprendidas. Do mesmo modo, o trabalho de Schachter (1959) sobre afiliação está sujeito aos argumentos elaborados a partir da teoria da comparação social. O fenômeno da obediência de Milgram (1965) é certamente dependente das atitudes contemporâneas frente à autoridade. Na pesquisa sobre mudança de atitudes, a credibilidade do comunicador é um potente fator porque aprendemos a confiar em autoridades na nossa cultura, e a mensagem comunicada tornar-se dissociada de sua fonte com o passar do tempo (Kelman & Hovland, 1953) porque, atualmente, não nos parece útil reter a associação. Em pesquisas sobre conformidade, pessoas conformam-se mais a amigos do que a não-amigos (Back, 1951) parcialmente porque aprenderam que amigos punem comportamentos desviantes na sociedade contemporânea. Pesquisas em atribuição causal (cf. Jones, Davis & Gergen, 1961; Kelley, 1971) dependem da tendência culturalmente dependente a perceber o homem como a fonte de sua ação. Essa tendência pode ser modificada (Hallowell, 1958) e alguns (Skinner, 1971) de fato demonstraram que isso pode acontecer.

Talvez a garantia principal de que a psicologia social nunca desaparecerá pela sua redução à fisiologia seja a de que a fisiologia não pode dar conta das variações do comportamento humano ao longo do tempo. As pessoas podem preferir roupas de cores abertas e alegres hoje e fechadas e sóbrias amanhã; podem valorizar autonomia nessa era e dependência na próxima. Certamente, a variação das respostas ao meio repousa em variações na função fisiológica. Todavia, a fisiologia nunca pode especificar a natureza do estímulo ou do contexto da resposta a que cada indivíduo está exposto. Não pode nunca dar conta do contínuo deslocamento dos padrões do que é considerado bom e desejável na sociedade, de uma série de fontes de motivação primária para o indivíduo. Entretanto, ainda que a psicologia social esteja imunizada do reducionismo fisiológico, suas teorias não estão isoladas da mudança histórica.

É possível inferir dessa última classe de argumentos um compromisso com pelo menos uma teoria da validade transhistórica. Tem-se argumentado que a estabilidade nos padrões de interação sob a qual a maioria de nossas teorias repousa depende de disposições adquiridas de duração limitada. Isso sugere implicitamente a possibilidade de uma teoria da aprendizagem social transcendendo as circunstâncias históricas. No entanto, tal conclusão não é confiável. Consideremos, por exemplo, uma teoria elementar de reforço. Poucos duvidariam de que a maioria das pessoas responde às contingências recompensadoras e punitivas em seu meio, e é difícil imaginar um tempo em que isso não seria verdadeiro. Tais premissas parecem assim válidas transhistoricamente, e a primeira tarefa do psicólogo poderia ser o isolamento das formas funcionais precisas relacionadas aos padrões de recompensa e punição do comportamento.

Esta conclusão peca em dois pontos importantes. Muitos críticos da teoria do reforço têm sustentado que a definição de recompensa (e punição) é circular. Reforço é tipicamente definido como aquilo que aumenta a freqüência de resposta; aumento de resposta é definido como aquilo que reforça. Assim, a teoria parece limitada à interpretação post hoc. Apenas quando a mudança do comportamento ocorreu pode-se identificar o reforçador. A réplica mais significante a esse criticismo reside no fato de que recompensas e punições ganham valor preditivo tão logo são indutivamente estabelecidas. Assim, isolar a aprovação social como um reforço positivo para o comportamento humano depende inicialmente de uma observação post hoc. Contudo, uma vez estabelecida como um reforçador, a aprovação social prova ser, no que concerne à predição, um bem-sucedido meio de modificação do comportamento (cf. Barron, Hecknmueller, & Schultz, 1971; Gewirtz & Baer, 1958).

Entretanto, parece também que o reforço não permanece estável ao longo do tempo. Reisman (1952), por exemplo, convincentemente demonstrou que a aprovação social tem um valor reforçador muito maior em nossa sociedade contemporânea do que há um século. E enquanto orgulho nacional poderia ser um forte reforçador do comportamento juvenil nos idos de 1940, para a juventude contemporânea tal sentimento provavelmente seria aversivo. Com efeito, a circularidade essencial na teoria do reforço pode a qualquer momento ser recolocada. Como os valores reforçadores mudam, assim também a validade preditiva dessa pressuposição de base.

A teoria do reforço encara outras limitações históricas quando a consideramos em suas determinações mais precisas. Igualmente à maioria das teorias da interação humana, a teoria está sujeita ao investimento ideológico. A noção de que o comportamento é totalmente governado por contingências externas é vista por muitos como vulgarmente desprovida de sentido. O conhecimento da teoria habilita-nos a evitar ser capturado por suas predições. Assim como terapeutas da modificação do comportamento sabem, pessoas que estão familiarizadas com essas premissas teóricas podem subverter seus efeitos desejados com facilidade. Finalmente, já que a teoria provou-se tão efetiva na alteração do comportamento de organismos inferiores, torna-se particularmente ameaçador a alguém que valorize a autonomia. De fato, muitos de nós não gostaríamos que tentassem modelar nosso comportamento através de técnicas de reforço, e inclinar-nos-íamos a quebrar a expectativa do ofensor. Em suma, a elaboração da teoria do reforço não é menos vulnerável a efeitos de esclarecimento do que outras teorias da interação humana.

Implicações para uma ciência histórica do comportamento social

Sob a luz dos presentes argumentos, a tentativa contínua de construir leis gerais do comportamento social parece mal direcionada, e a crença associada a ela de que o conhecimento da interação social pode ser acumulado como nas ciências naturais revela-se injustificada. Em essência, o estudo em psicologia social é fundamentalmente um empreendimento histórico. Estamos essencialmente engajados em incontáveis questões contemporâneas. Utilizamos metodologia científica, porém os resultados não são princípios científicos no sentido tradicional. No futuro, historiadores poderão voltar-se para tais relatos do passado a fim de alcançar uma melhor compreensão acerca da vida nos dias atuais. Entretanto, é provável que os psicólogos do futuro encontrem pouco valor no conhecimento contemporâneo. Esses argumentos não são puramente acadêmicos e não se limitam a uma simples redefinição de ciência. Aqui estão implicadas significantes alterações na atividade de campo. Cinco dessas alterações merecem atenção.

Rumo à Integração do Puro e do Aplicado

Entre psicólogos acadêmicos encontra-se difundido um preconceito contra a pesquisa aplicada, um preconceito que é evidenciado pelo enfoque dado à pesquisa pura pelos periódicos de prestígio e pela dependência de promoção e manutenção de contribuições à pesquisa pura em oposição à pesquisa aplicada. Esse preconceito baseia-se, em parte, na suposição de que a pesquisa aplicada é de valor transitório. Enquanto esta se limitaria a resolver problemas imediatos, a pesquisa pura contribuiria para um conhecimento básico e duradouro. Do ponto de vista atual, o solo no qual se assentam tais preconceitos não é merecedor de respeito. O conhecimento que a pesquisa pura se dedica em estabelecer é também transitório; generalizações nessa área de pesquisa geralmente não perduram. A tal ponto que, quando generalizações da pesquisa pura têm grande validade transhistórica, podem estar refletindo processos de interesse periférico ou importantes para o funcionamento da sociedade.

Psicólogos sociais são treinados para usar ferramentas de análise conceitual e metodologia científica a fim de explicar a interação humana. No entanto, dada a esterilidade em aperfeiçoar os princípios gerais ao longo do tempo, essas ferramentas mostram-se mais produtivas quando usadas na resolução de problemas de importância imediata para a sociedade. Isso não implica que tais pesquisas devam ser de alcance restrito. Um defeito fundamental de grande parte das pesquisas aplicadas é que os termos usados para descrever e explicar são relativamente concretos e específicos para o caso em mãos. Enquanto os comportamentos concretos estudados pelos psicólogos acadêmicos são freqüentemente mais triviais, a linguagem explicativa é altamente geral, e assim mais amplamente heurística. É assim que os argumentos presentes sugerem uma intensa focalização em assuntos sociais contemporâneos, baseados na aplicação de métodos científicos e ferramentas conceituais largamente generalizadas.

Da Predição à Sensibilização

O objetivo central da psicologia é tradicionalmente encarado como a predição e o controle do comportamento. Do nosso ponto de vista, esse objetivo é despropositado e oferece pouca justificativa para a pesquisa. Princípios do comportamento humano podem ter valor preditivo temporalmente limitado, e seu alto conhecimento pode torná-los impotentes como ferramentas de controle social. Todavia, previsão e controle não precisam servir de pedras angulares do campo. A teoria psicológica pode desempenhar um papel excessivamente importante enquanto dispositivo de sensibilização. Pode esclarecer-nos acerca da gama de fatores que potencialmente influenciam o comportamento sob várias condições. A pesquisa pode também oferecer algumas estimativas da importância desses valores num determinado momento. Seja no caso do domínio da política pública ou dos relacionamentos pessoais, a psicologia social pode aguçar a sensibilidade de um indivíduo para influências sutis e apontar suposições sobre o comportamento que não se mostraram úteis no passado.

Quando se pede um conselho ao psicólogo social sobre um provável comportamento em uma situação concreta, a reação consiste em desculpar-se. É necessário explicar que o campo ainda não se encontra suficientemente desenvolvido a ponto de que predições confiáveis possam ser feitas. Do nosso ponto de vista, tais desculpas são inapropriadas. O campo pode raramente fornecer princípios para que predições confiáveis possam ser feitas. Padrões de comportamento estão sob constante mudança. Contudo, o que o campo pode e deve oferecer são pesquisas informando o inquiridor do número de possíveis ocorrências, ampliando assim sua sensibilidade e preparando-o para uma acomodação mais rápida à modificação ambiental. Pode prover ferramentas conceituais e metodológicas com as quais um número maior de juízos de discernimento pode ser efetuado.

Desenvolvendo Indicadores de Disposições Psicossociais

Psicólogos sociais evidenciam uma contínua preocupação com processos psicológicos básicos, ou seja, processos que influenciam um vasto e variado conjunto de comportamentos sociais. Simulando a preocupação de psicólogos experimentais com processos básicos, como visão em cores, aquisição da linguagem, memória e assim por diante, psicólogos sociais detiveram-se em alguns processos, tais como dissonância cognitiva, nível de aspiração e atribuição causal. Entretanto, há uma profunda diferença entre os processos estudados nos domínios da psicologia geral experimental e no domínio da psicologia social. No primeiro caso, os processos estão freqüentemente guardados biologicamente no organismo, não estão sujeitos a efeitos de esclarecimento e não dependem de circunstâncias culturais. Ao contrário, a maioria dos processos de domínio social é dependente de disposições sujeitas a modificação ao longo do tempo.

Assim sendo, é um erro considerar os processos em psicologia social como básicos no sentido das ciências naturais. Antes, podem ser largamente considerados a contrapartida psicológica de normas culturais. Da mesma maneira que um sociólogo preocupa-se em medir preferências parciais ou padrões de mobilidade no decurso do tempo, o psicólogo social poderia atentar para os padrões de mudança das disposições psicológicas e a sua relação com o comportamento social. Se a redução de dissonância é um processo importante, então deveríamos estar aptos a medir a prevalência e a força de tal disposição no seio da sociedade ao longo de tempo e os modos de redução de dissonância prediletos num dado momento. Se a elevação da estima parece influenciar a interação social, os amplos estudos culturais deveriam revelar a extensão dessa disposição, sua força em várias subculturas, e a forma do comportamento social com a qual se encontra mais associada a um dado momento. Embora experimentos em laboratório sejam adequados ao isolamento de disposições particulares, são pobres indicadores da série e da significância dos processos da vida social contemporânea. São extremamente necessárias metodologias que estabeleçam contato com a prevalência, força e forma das disposições sociais no tempo. Com efeito, uma tecnologia dos indicadores sociais psicologicamente sensíveis (Bauer, 1969) é desejada.

Pesquisa em Estabilidade Comportamental

O fenômeno social pode variar consideravelmente na medida em que se submete à mudança histórica. Certos fenômenos podem ser mais estreitamente vinculados a dados fisiológicos. A pesquisa de Schachter (1970) sobre estados emocionais parece ter uma forte base fisiológica, assim como o trabalho de Hess (1965) sobre afeto e constrição pupilar. Embora disposições adquiridas possam vir a superar algumas tendências fisiológicas, tais tendências deveriam se reafirmar gradualmente. Outras propensões fisiológicas, ainda, podem ser irreversíveis. Pode haver também disposições que são suficientemente poderosas para que nem o esclarecimento e nem mesmo as mudanças históricas venham a causar-lhe algum impacto. Algumas pessoas geralmente evitarão estímulos físicos dolorosos, apesar de suas sofisticações ou das normas correntes. Devemos pensar, então, em termos de um contínuo de durabilidade histórica, com fenômenos altamente suscetíveis à influência histórica num extremo e processos mais estáveis no outro.

Assim, métodos de pesquisa habilitando-nos a discernir a durabilidade relativa do fenômeno social são bastante necessários. Métodos interculturais poderiam ser empregados para esse fim. Embora a replicação intercultural seja repleta de dificuldades, similaridade numa dada função entre culturas amplamente divergentes atestaria fortemente sua durabilidade no tempo. Técnicas de análise de conteúdo poderiam também ser empregadas no exame de períodos históricos recentes. Até agora, tais empreendimentos têm fornecido pouco além de citações indicando que algum grande pensador pressentiu uma hipótese familiar. Temos ainda que travar contato com a vasta quantidade de informações referentes aos padrões de interação nos últimos períodos. Embora a progressiva sofisticação dos padrões de comportamento ao longo do espaço e do tempo fornecesse valiosas compreensões referentes à durabilidade, alguns difíceis problemas apresentar-se-iam. Alguns padrões de comportamento podem permanecer estáveis até uma observação minuciosa. Outros podem simplesmente tornar-se disfuncionais com o passar do tempo. A confiança do homem num conceito de deidade tem uma longa história e é encontrada em numerosas culturas. Entretanto, muitos são céticos sobre o futuro desta crença. Taxas de durabilidade teriam assim que contribuir para a estabilidade potencial tanto quanto atual do fenômeno.

Ainda que a pesquisa por disposições culturais mais duráveis seja extremamente valiosa, não deveríamos daí concluir que seja mais útil ou desejável que estudar os padrões passados de comportamento. Grande parte da variabilidade do comportamento social deve-se indubitavelmente a disposições historicamente dependentes, e o desafio de capturar tais processos "em luta" e durante períodos preciosos da história é imenso.

Rumo a uma História Social Integrada

Sustentou-se que a pesquisa em psicologia social é fundamentalmente o estudo sistemático da história contemporânea. Assim sendo, parece miopia manter a separação disciplinar (a) do estudo tradicional de história e (b) de outras ciências historicamente fronteiriças (incluindo sociologia, ciência política e economia). As particulares estratégias de pesquisa e a sensibilidade do historiador poderiam elevar a compreensão da psicologia social, passada e presente. Particularmente útil seria a sensibilidade do historiador às seqüências causais no curso do tempo. Muitas pesquisas em psicologia social centram-se em segmentos momentâneos de processos em andamento. Temos nos concentrado muito pouco na função desses segmentos dentro de seu contexto histórico. Temos pouca teoria lidando com a inter-relação entre eventos dentro de longos períodos de tempo. Da mesma feita, historiadores poderiam beneficiar-se das mais rigorosas metodologias empregadas pelos psicólogos sociais tanto quanto de sua sensibilidade a variáveis psicológicas. Contudo, o estudo da história, passada e presente, deveria ser empreendido da maneira mais ampla possível. Fatores políticos, econômicos e institucionais são todos fatores necessários à compreensão numa perspectiva integrada. A concentração em psicologia apenas oferece uma compreensão distorcida de nossa condição presente.

Notas

Recebido: 09/10/2008

Aceite final: 09/10/2008

Tradução de Filipe M. Boechat

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Revisão técnica de Francisco Teixeira Portugal

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Kenneth J. Gergen é psicólogo social, fundador do TAOS Institute e principal expoente do Construcionismo Social em Psicologia desde a publicação do artigo ora traduzido. Atualmente, leciona em Swarthmore College. Endereço para correspondência: Swarthmore College, Swarthmore, Pensylvania 19080. Home page: http://www.swarthmore.edu/SocSci/kgergen1/ Email: kgergen1@swarthmore.edu

Filipe M. Boechat é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, bacharel pela mesma universidade. Endereço para correspondência: Estrada da Boiuna, 519, casa 22. Taquara/Jacarepaguá. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 22723-021. Tel.: (21) 9488-2003 Email: filipeboechat@gmail.com

Francisco Teixeira Portugal é doutor em Psicologia pela PUC-Rio (2002). Co-editor do periódico Arquivos Brasileiros de Psicologia e professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da UFRJ. Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Av. Pasteur, 250, Fundos - Pavilhão Nilton Campos, Praia Vermelha. Urca. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 22290-240 Tel.: (21) 38735328 Email: fportugal@ufrj.br

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    Sou muito grato às seguintes pessoas pelas profundas considerações às várias fases dessa análise: Shel Feldman, Mary Gergen, Kenneth Hammond, Louise Kidder, George Levinger, Paul Rosenblatt, Ralph Rosnow, M. Brewster Smith, Siegfried Streufert, Lloyd Strickland, Karl Weick, and Lawrence Wrightsman. Pedidos de reimpressão deverão ser enviados ao autor, no Departamento de Psicologia, Swarthmore College, Swarthmore, Pensylvania 19080.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008
    Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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