Acessibilidade / Reportar erro

Existe lugar para a ventriculectomia parcial esquerda no tratamento da cardiomiopatia dilatada?

Resumos

A ventriculectomia parcial esquerda tem sido realizada como alternativa ao transplante cardíaco no tratamento das miocardiopatias. Neste trabalho foi analisada a influência desse procedimento sobre a evolução clínica e o comportamento da função ventricular em 37 pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada. Métodos: Os pacientes estavam em classe funcional III (16) ou IV (21) no pré-operatório. A ressecção parcial do ventrículo esquerdo (VE) foi associada à anuloplastia mitral em 27 pacientes e à substituição mitral em 2. Resultados: Ocorreram 7 (18,9%) óbitos hospitalares e os pacientes sobreviventes foram seguidos por período que variou entre 2 e 33 meses (média de 16,2 meses). Outros 9 pacientes faleceram durante os primeiros 6 meses de pós-operatório, por progressão de insuficiência cardíaca (5) ou por eventos relacionados à arritmia (4). A sobrevida atuarial foi de 56,7 ± 8,1% dos 6 aos 30 meses de seguimento. Através de análise unifatorial e de regressão logística foi identificada relação significativa entre o grau de hipertrofia das fibras miocárdicas e o risco de mortalidade após a ventriculectomia parcial, sendo observada sobrevida de 73,6 ± 10,1% em 2 anos para os pacientes operados com diâmetro médio de fibras miocárdicas abaixo de 22. Por outro lado, a classe funcional melhorou nos pacientes sobreviventes de 3,5 ± 0,5 para 1,7 ± 0,9 aos 6 meses de pós-operatório (p < 0,001). Além disso, o volume diastólico do VE diminuiu de 523 ± 207 para 380 ± 148 ml (p < 0,001) e a fração de ejeção de VE se elevou de 17,1 ± 4,6 para 23 ± 8% (p < 0,001), enquanto que modificações significativas do índice cardíaco, índice sistólico e das pressões em território pulmonar foram observadas no 1º mês de pós-operatório. O estudo sistemático da função ventricular documentou a manutenção da melhora da fração de ejeção de VE e dos parâmetros hemodinâmicos por até 2 anos de seguimento, apesar da tendência à elevação do volume diastólico de VE. Conclusões: A ventriculectomia parcial esquerda melhora a condição clínica e a função ventricular de pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada por até 2 anos de seguimento. No entanto, a aplicação clínica desse procedimento é limitada pela elevada mortalidade observada nos primeiros meses de pós-operatório. Por outro lado, a identificação de que alterações intrínsecas da fibra miocárdica estão relacionadas ao prognóstico pós-operatório da ventriculectomia parcial abre novas perspectivas para a sua utilização.

Miocardiopatia congestiva; Procedimentos cirúrgicos cardíacos; Ventrículo cardíaco


Partial left ventriculectomy has been performed as an alternative to heart transplantation in the treatment of severe cardiomyopathies. This study reports the clinical and left ventricular function results of this procedure in 37 patients with dilated cardiomyopathy. Methods: All patients were in class III (16) or IV (21) NYHA. Partial ventriculectomy was associated with mitral annuloplasty in 27 patients and with mitral replacement in two. Results: There were seven operative deaths (18.9%) and the surviving patients were followed from 2 to 36 (mean, 16.2) months. Another nine patients died during the first 6 months of follow-up due to progression of heart failure (5) related to arrhythmia (4). Actuarial survival was 56.7 ± 8.1% from 6 to 24 months. Unifactorial and logistic regression analysis of factors influencing outcome showed that mid-term survival was significantly affected by myocardial cell hypertrophy. A survival of 73.6 ± 10.1% at 2 years was observed for patients operated with mean myocardial cell diameter of less than 22 microns. Otherwise, functional class improved from 3.5 ± 0.5 to 1.7 ± 0.9 in the survivors (p < 0.001). Furthermore, left ventricular diastolic volume decreased from 523 ± 207 to 380 ± 148 ml (p < 0.001) and left ventricular ejection fraction increased from 17.1 ± 4.6 to 23 ± 8% (p < 0.001), whereas significant changes in cardiac index, stroke index and pulmonary pressures were found at 1 month follow-up. Although left ventricular diastolic volume tended to increase in the late postoperative period, left ventricular ejection fraction and hemodynamic variables did not change significantly. Conclusions: Partial ventriculectomy improves left ventricular function and congestive heart failure in patients with dilated cardiomyopathy for up to 24 months of follow-up. Nevertheless, this procedure's clinical application is limited by the high mortality observed in the first postoperative months. But it has opened new perspectives for its use through the identification that intrinsic changes of the myocardial fibers are affected by the p.o. prognosis of partial ventriculotomy.

Cardiomyopathy; Cardiomyopathy; Cardiac surgical procedures; Heart ventricle


Existe lugar para a ventriculectomia parcial esquerda no tratamento da cardiomiopatia dilatada?

Luiz Felipe P. MOREIRA*, Noedir A. G. STOLF*, Edimar A. BOCCHI*, Fernando BACAL*, Maria de Lourdes IGUSHI*, Giovani BELLOTTI*, Adib D. JATENE*

RBCCV 44205-394

Moreira L F P, Stolf N A G, Bocchi E A, Bacal F, Igushi M L, Bellotti G, Jatene A D - Existe lugar para a ventriculectomia parcial esquerda no tratamento da cardiomiopatia dilatada? Rev Bras Cir Cardiovasc 1998; 13 (2): 89-99.

RESUMO: A ventriculectomia parcial esquerda tem sido realizada como alternativa ao transplante cardíaco no tratamento das miocardiopatias. Neste trabalho foi analisada a influência desse procedimento sobre a evolução clínica e o comportamento da função ventricular em 37 pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada.

Métodos: Os pacientes estavam em classe funcional III (16) ou IV (21) no pré-operatório. A ressecção parcial do ventrículo esquerdo (VE) foi associada à anuloplastia mitral em 27 pacientes e à substituição mitral em 2.

Resultados: Ocorreram 7 (18,9%) óbitos hospitalares e os pacientes sobreviventes foram seguidos por período que variou entre 2 e 33 meses (média de 16,2 meses). Outros 9 pacientes faleceram durante os primeiros 6 meses de pós-operatório, por progressão de insuficiência cardíaca (5) ou por eventos relacionados à arritmia (4). A sobrevida atuarial foi de 56,7 ± 8,1% dos 6 aos 30 meses de seguimento. Através de análise unifatorial e de regressão logística foi identificada relação significativa entre o grau de hipertrofia das fibras miocárdicas e o risco de mortalidade após a ventriculectomia parcial, sendo observada sobrevida de 73,6 ± 10,1% em 2 anos para os pacientes operados com diâmetro médio de fibras miocárdicas abaixo de 22. Por outro lado, a classe funcional melhorou nos pacientes sobreviventes de 3,5 ± 0,5 para 1,7 ± 0,9 aos 6 meses de pós-operatório (p < 0,001). Além disso, o volume diastólico do VE diminuiu de 523 ± 207 para 380 ± 148 ml (p < 0,001) e a fração de ejeção de VE se elevou de 17,1 ± 4,6 para 23 ± 8% (p < 0,001), enquanto que modificações significativas do índice cardíaco, índice sistólico e das pressões em território pulmonar foram observadas no 1º mês de pós-operatório. O estudo sistemático da função ventricular documentou a manutenção da melhora da fração de ejeção de VE e dos parâmetros hemodinâmicos por até 2 anos de seguimento, apesar da tendência à elevação do volume diastólico de VE.

Conclusões: A ventriculectomia parcial esquerda melhora a condição clínica e a função ventricular de pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada por até 2 anos de seguimento. No entanto, a aplicação clínica desse procedimento é limitada pela elevada mortalidade observada nos primeiros meses de pós-operatório. Por outro lado, a identificação de que alterações intrínsecas da fibra miocárdica estão relacionadas ao prognóstico pós-operatório da ventriculectomia parcial abre novas perspectivas para a sua utilização.

DESCRITORES: Miocardiopatia congestiva, cirurgia. Procedimentos cirúrgicos cardíacos, métodos. Ventrículo cardíaco, cirurgia.

INTRODUÇÃO

A redução cirúrgica do volume do ventrículo esquerdo (VE) tem sido proposta como alternativa ao transplante cardíaco no tratamento das miocardiopatias. O objetivo primário deste procedimento é diminuir a tensão da parede ventricular pela redução da relação volume/massa, o que pode resultar na recuperação parcial da contratilidade ventricular e na interrupção da progressão da doença de base.

Desde o trabalho pioneiro de BATISTA et al. (1), a ventriculectomia parcial esquerda tem sido avaliada em diversos centros de todo o mundo. Os resultados iniciais deste procedimento demonstram a melhora da função ventricular esquerda e a reversão dos sintomas de insuficiência cardíaca em pacientes portadores de miocardiopatias de diversas etiologias (2-10). No entanto, não existem relatos específicos a respeito da sobrevida tardia e da manutenção dos benefícios desta operação a longo prazo em pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada. Além disso, incidência elevada de progressão de insuficiência cardíaca e óbitos relacionados às arritmias nos primeiros meses de pós-operatório tem sido relatada na maioria dos estudos clínicos (2, 3 , 5, 9, 10), representando grande limitação para a aplicação clínica da ventriculectomia parcial.

O objetivo deste trabalho foi estudar a influência da ventriculectomia parcial esquerda, associada, quando necessário, à correção da insuficiência da valva mitral, sobre o comportamento clínico e a função ventricular de pacientes portadores de insuficiência cardíaca grave e diagnóstico de cardiomiopatia dilatada por até 2 anos de seguimento.

A influência de fatores pré-operatórios e de aspectos cirúrgicos sobre os resultados obtidos também foi analisada.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

População Estudada

A indicação da ventriculectomia parcial esquerda foi baseada na existência de limitação funcional importante apesar da otimização da terapêutica medicamentosa com doses máximas de diuréticos e drogas inibidoras da enzima de conversão ou vasodilatadores. Os pacientes também apresentavam importante redução da função ventricular esquerda, caracterizada por fração de ejeção de VE £ 25% pela angiografia com radioisótopos e pressões elevadas em território pulmonar. Contra-indicações médicas ou psicossociais ao transplante cardíaco foram documentadas ou esse procedimento havia sido recusado pelos pacientes. Todos assinaram um formulário de consentimento, de acordo com as normas da Comissão Científica e de Ética do Instituto do Coração.

Entre abril de 1995 e setembro de 1997, 37 pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada foram submetidos à ventriculectomia parcial esquerda no Instituto do Coração. Dezesseis pacientes estavam em classe funcional III e 21 em classe IV persistente, segundo critérios da New York Heart Association (NYHA), no momento da indicação do procedimento. Nove pacientes haviam estado em choque cardiogênico, que foi revertido com a utilização de drogas inotrópicas endovenosas. A duração média dos sintomas foi de 3,9 anos e os pacientes haviam sido hospitalizados no mínimo duas vezes por descompensação da insuficiência cardíaca no ano anterior à operação. Trinta pacientes eram masculinos e as idades variaram entre 28 e 72 anos (média de 46,1 anos).

A fração de ejeção de VE no pré-operatório, documentada pela angiografia com radioisótopos, variou entre 9% e 25% (média de 17,7%). Os pacientes também apresentavam pressão diastólica final de ventrículo esquerdo de 24,9 ± 9,1 mmHg e índice cardíaco médio de 2,11 ± 0,49 L/min.m2 no cateterismo cardíaco. Ausência de lesões significativas nas artérias coronárias foi documentada em todos os pacientes. Insuficiência valvar mitral foi diagnosticada em 31 pacientes, sendo moderada em 12 e leve em 19 pacientes. Sete pacientes tinham insuficiência tricúspide significativa, sendo moderada em 5 e grave em 2 pacientes.

Trinta e cinco pacientes estavam em ritmo sinusal e os outros 2 em fibrilação atrial. Episódios de taquicardia ventricular não sustentada foram documentados pela eletrocardiografia dinâmica em 22 pacientes.

Procedimento Cirúrgico

A ventriculectomia parcial esquerda foi realizada como procedimento isolado ou associada a plastia ou substituição das valvas atrioventriculares. Os pacientes foram abordados através de esternotomia mediana, sob circulação extracorpórea convencional. Os procedimentos foram normalmente realizados em normotermia e com o coração batendo. Quando foi necessária substituição da valva mitral, ela foi realizada sob hipotermia e parada anóxica induzida pela infusão de solução cardioplégica sangüínea, resfriada a 4°C.

A ressecção parcial do VE foi realizada de acordo com a técnica inicialmente descrita por BATISTA et al. (1, 11). Um fuso, tão largo quanto possível, do miocárdio ventricular foi ressecado na parede livre do VE, entre os músculos papilares, desde o ápice do coração, chegando até 2 a 3 cm do anel mitral. Os ramos marginais da artéria circunflexa foram geralmente ressecados com o fragmento miocárdico. O VE foi, então, reparado através de dupla sutura de polipropileno 3-0 ancorada em tiras de pericárdio bovino.

Anuloplastia da valva mitral foi realizada na presença de qualquer grau de insuficiência mitral e contribuir para diminuir o tamanho da cavidade ventricular esquerda. A valva mitral foi abordada através do átrio esquerdo e o anel mitral, reduzido pela plicatura da cúspide posterior com suturas ancoradas em tiras de pericárdio bovino. Em pacientes com malposição dos músculos papilares, interferindo na ressecção miocárdica efetiva, foram ressecados e a valva mitral foi substituída por bioprótese de pericárdio bovino. Plástica do tipo De Vega foi realizada nos pacientes com graus moderados ou severos de insuficiência tricúspide. Desfibriladores automáticos implantáveis foram colocados rotineiramente nos pacientes que apresentaram episódios de taquicardia ventricular sustentada ou fibrilação ventricular.

Protocolo de Seguimento Pós-Operatório

Os pacientes foram estudados no primeiro mês de pós-operatório e, posteriormente, a cada 6 meses. Os pacientes continuaram a fazer uso de diuréticos e de inibidores da enzima de conversão ou vasodilatadores em doses semelhantes às do pré-operatório. Amiodarona foi empregada de rotina nas primeiras duas semanas de pós-operatório e em pacientes que apresentaram episódios de taquicardia ventricular sustentada ou com o objetivo de diminuir a freqüência cardíaca em pacientes com fibrilação atrial, em doses que variaram de 200 mg a 400 mg por dia.

O estudo ecocardiográfico foi realizado com aparelhos Aloka SSD-730 e SSD-870 (Aloka Inc., Tokio, Japão). Os diâmetros sistólico final e diastólico final do VE foram obtidos através do modo-M e do ecocardiograma bidimensional. O encurtamento segmentar foi calculado por fórmula convencional. A gravidade da insuficiência das valvas mitral e tricúspide foi determinada pelo método Doppler.

A angiografia com radioisótopos foi obtida após a injeção de hemácias marcadas com Tecnécio 99m. As imagens foram adquiridas com câmara Siemens modelo LEM (Siemens Corp., Union, Estados Unidos) e analisadas no computador Microvax modelo 3300 (Siemens). Os volumes e a fração de ejeção de VE foram calculadas sem levar em consideração a influência da eventual regurgitação mitral.

Para realização do cateterismo cardíaco direito, foi utilizado cateter de termodiluição do tipo Swan-Ganz, que foi posicionado na artéria pulmonar direita. O débito cardíaco foi obtido através da técnica de termodiluição, enquanto que a pressão arterial foi medida por método não invansivo.

Análise Estatística

Os índices de mortalidade e de eventos ocorridos durante o seguimento pós-operatório foram determinados pelo método atuarial e as diferenças entre eles foram avaliadas pelo teste de "log-rank". Os dados obtidos antes e após a ventriculectomia parcial foram analisados através da análise de variância para medidas repetidas e o teste de Dunnet. Regressão linear foi utilizada para testar a existência de relação entre algumas variáveis. Valores de p menores do que 0,05 foram considerados significantes. Os dados são apresentados em média ± desvio padrão, enquanto que os índices de sobrevida são apresentados em média ± desvio padrão da média.

A associação de variáveis pré e intra-operatórias com a sobrevida foi estudada por meio de análise unifatorial através do teste t de Student para medidas não pareadas e do teste exato de Fisher. Variáveis com valor de p menor do que 0,10 através da análise unifatorial foram submetidas a regressão logística. Para essa análise, foram considerados somente os eventos que ocorreram durante os primeiros 7 meses de pós-operatório e os pacientes submetidos a transplante cardíaco em caráter de urgência foram incluídos como óbitos.

RESULTADOS

Pós-Operatório Imediato

Oito pacientes foram submetidos apenas à ventriculectomia parcial esquerda, enquanto que esse procedimento foi associado a anuloplastia mitral em 27 pacientes e a substituição da valva em 2 pacientes. Em 7 dos pacientes que foram submetidos a correção mitral, também foi realizada plastia da valva tricúspide.

O ecocardiograma transesofágico foi realizado após o término da circulação extracorpórea e mostrou ausência de insuficiência mitral residual em 28 pacientes e grau leve de regurgitação em 9. O fragmento ressecado do miocárdio ventricular tinha em média 10,9 ± 2 cm de comprimento e 5 ± 0,8 cm de largura, correspondendo a um porcentual estimado de 19,1 ± 2,5% da parede ventricular esquerda. Esse parâmetro foi calculado com base na estimativa ecocardiográfica do perímetro do VE. A análise morfométrica do miocárdio ventricular, através das técnicas de hematoxilina-eosina e tricrômio, mostrou um diâmetro médio das fibras miocárdicas de 21,9 ± 6,2 microns e um porcentual médio de fibrose de 14,5 ± 6,3%.

Todos os pacientes foram retirados de circulação extracorpórea em uso de dobutamina e nitroprussiato de sódio, e 13 pacientes necessitaram a inserção de balão intra-aórtico. O suporte inotrópico endovenoso foi mantido geralmente por uma semana após a operação e o balão intra-aórtico foi normalmente retirado no segundo ou terceiro dia de pós-operatório. Dois pacientes apresentaram disfunção ventricular refratária e necessitaram a inserção de bomba centrífuga ou de dispositivo pneumático de assistência ventricular para suporte ao VE dois dias após a operação. Outro paciente teve deiscência da anuloplastia mitral e foi reoperado para substituição da valva mitral no quinto dia de pós-operatório.

Episódios de taquicardia ventricular sustentada ocorreram em 8 (21,6%) pacientes nas primeiras 2 semanas de seguimento. Períodos transitórios de insuficiência renal ocorreram em 5 (13,5%) pacientes e complicações pulmonares em 7 (18,9%). O pico médio do nível plasmático do componente miocárdico da enzima creatinoquinase (CKMB) foi de 111 ± 54 UI.

Sete (18,9%) pacientes faleceram durante o período hospitalar. As causas de óbito foram: choque cardiogênico em 2 pacientes; falência biventricular no paciente mantido com bomba centrífuga; falência de múltiplos órgãos no paciente submetido ao implante de dispositivo pulsátil de assistência ventricular; septicemia e choque cardiogênico no paciente reoperado para correção da deiscência da anuloplastia mitral; taquicardia ventricular incessante em 1 paciente e sangramento associado à coagulação intravascular disseminada em outro.

Seguimento Pós-Operatório Tardio

Trinta pacientes tiveram alta do hospital e foram seguidos por período que variou entre 2 e 33 meses (média de 15,2 meses). Dez desses pacientes tiveram implante de desfibriladores automáticos.

Oito pacientes foram reinternados durante os primeiros 6 meses de seguimento devido a progressão de insuficiência cardíaca e outros 3 devido a episódios de taquicardia ventricular sustentada. Transplante cardíaco foi indicado em 5 desses pacientes, sendo realizado em caráter de urgência em 1 deles, 7 meses após a ventriculectomia parcial.

Além disso, 9 pacientes faleceram durante os primeiros 6 meses de seguimento e a curva de sobrevida representada na Figura 1 mostra índices de sobrevida de 62,1 ± 7,9% aos 3 meses e de 56,7 ± 8,1% dos 6 aos 30 meses de seguimento. A causa de óbito foi relacionada à progressão de insuficiência cardíaca em 5 pacientes e 4 pacientes faleceram subitamente ou devido a taquicardia ventricular incessante. Dois dos pacientes que faleceram por arritmia estavam em uso de amiodarona e 1 deles tinha um desfibrilador automático implantado.


GRÁFICO1

CURVA DE SOBREVIDA ATUARIAL APÓS A VENTRICULECTOMIA PARCIAL ESQUERDA. OS NÚMEROS INDICAM OS PACIENTES EM RISCO EM CADA PERÍODO. OS VALORES SÃO APRESENTADOS EM MÉDIA ± DESVIO PADRÃO DA MÉDIA.

A análise univariada de fatores pré e intra-operatórios relacionados à sobrevida após a ventriculectomia parcial mostrou que apenas o grau de hipertrofia das fibras miocárdicas pôde ser associado ao insucesso do procedimento nos primeiros 7 meses de pós-operatório (Tabela 1). A esse respeito, foi também demonstrado através de regressão logística que o risco de mortalidade ou necessidade de transplante cardíaco de urgência naquele período se elevou exponencialmente e atingiu valores acima de 25%, quando o diâmetro médio das fibras miocárdicas foi maior do que 22 microns, como mostra a Figura 2. As curvas de sobrevida baseadas nesse parâmetro são apresentadas na Figura 3 e mostram que a sobrevida em 2 anos dos pacientes com grau de hipertrofia menos importante das fibras miocárdicas foi de 73,6 ± 10,1%, enquanto que os que tinham grave comprometimento do miocárdio tiveram uma sobrevida de apenas 31,2 ± 11,5% no mesmo período.


GRÁFICO 2

REGRESSÃO LOGÍSTICA DO RISCO DE MORTALIDADE OU NECESSIDADE DE TRANSPLANTE CARDÍACO DE URGÊNCIA DURANTE OS 7 PRIMEIROS MESES DE SEGUIMENTO APÓS A VENTRICULECTOMIA PARCIAL, DE ACORDO COM O VALOR MÉDIO DO DIÂMETRO DAS FIBRAS MIOCÁRDICAS DO VENTRÍCULO.


GRÁFICO 3

ÍNDICES DE SOBREVIDA LIVRE DA NECESSIDADE DE TRANSPLANTE CARDÍACO DE URGÊNCIA PARA PACIENTES COM DIÂMETRO DE FIBRAS MIOCÁRDICAS (DFM) DO VENTRÍCULO ESQUERDO ACIMA OU ABAIXO DE 22 MICRONS. OS VALORES SÃO APRESENTADOS EM MÉDIA ± DESVIO PADRÃO DA MÉDIA.

Por outro lado, a classe funcional dos pacientes sobreviventes melhorou de 3,5 ± 0,5 para 1,7 ± 0,9 aos 6 meses de seguimento (p < 0,001). O número de hospitalizações durante o período de seguimento também diminuiu de 2,3 para 0,2 por paciente-ano (p < 0,001). Além disso, 9 dos pacientes sobreviventes estão atualmente em classe funcional I, 9 em classe II e somente 2 em classe III. Alguns desses pacientes estão, inclusive, utilizando menos medicações ou doses mais baixas do que no pré-operatório.

Avaliação da Função Ventricular

Os dados obtidos pelo estudo ecocardiográfico estão na Tabela 2. A melhora do encurtamento segmentar de VE foi documentada imediatamente após a operação, na presença da diminuição do diâmetro diastólico de VE ao redor de 30%. Aos 6 e 12 meses de seguimento, os resultados da ecocardiografia foram aproximadamente os mesmos. A ecocardiografia com Doppler também demonstrou que não houve modificações no grau de insuficiência valvar mitral e tricúspide ao longo do pós-operatório.

A angiografia com radioisótopos mostrou em 30 pacientes a melhora significativa da fração de ejeção de VE ( de 17,1 ± 4,6% para 23 ± 8%, p < 0,001) no primeiro mês de pós-operatório, associada à diminuição significativa do volume diastólico daquela câmara (de 523 ± 207 ml para 380 ± 148 ml, p < 0,001). As figuras 4A e 4B mostram que essas modificações se mantiveram durante o primeiro ano de seguimento em 20 pacientes que sobreviveram tardiamente. Por outro lado, o volume diastólico de VE tendeu a aumentar, enquanto que a fração de ejeção de VE manteve-se inalterada 2 anos após a ventriculectomia parcial nos 10 pacientes com seguimento completo. A avaliação hemodinâmica mostrou melhora significativa dos índices cardíaco e sistólico, associada à diminuição da pressão capilar pulmonar logo após a operação. Aos 6 meses de seguimento, essas modificações se mantiveram nos 20 pacientes que sobreviveram tardiamente (Tabela 3). Esse estudo mostrou, adicionalmente, que a melhora dos índices cardíaco e sistólico persistiu por até 2 anos de seguimento, enquanto que os valores da pressão capilar pulmonar tenderam a se elevar após os primeiros 6 meses.


GRÁFICO 4

VALORES DA FRAÇÃO DE EJEÇÃO (A) E DO VOLUME DIASTÓLICO (B) DO VENTRÍCULO ESQUERDO OBTIDOS PELA ANGIOGRAFIA COM RADIOISÓTOPOS NO PRÉ-OPERATÓRIO E DURANTE 2 ANOS DE SEGUIMENTO APÓS A VENTRICULECTOMIA PARCIAL ESQUERDA. OS VALORES SÃO APRESENTADOS EM MÉDIA ± DESVIO PADRÃO. *p < 0,05 EM RELAÇÃO AOS VALORES PRÉ-OPERATÓRIOS DOS MESMOS PACIENTES.


As modificações da função do VE após a ventriculectomia parcial foram comparáveis em pacientes submetidos apenas a esse procedimento ou quando ele foi associado à cirurgia da valva mitral. Nenhuma correlação existiu entre o grau de melhora da fração de ejeção do VE e o porcentual de miocárdio ressecado ou o nível de diminuição do volume diastólico do VE, como mostram as Figuras 5A e 5B.


GRÁFICO 5

A: RELAÇÃO ENTRE A VARIAÇÃO DA FRAÇÃO DE EJEÇÃO DO VENTRÍCULO ESQUERDO (F.E.V.E.) APÓS A VENTRICULECTOMIA PARCIAL E O PORCENTUAL DE RESSECÇÃO VENTRICULAR. B: RELAÇÃO ENTRE A VARIAÇÃO DA F.E.V.E. APÓS A VENTRICULECTOMIA PARCIAL E A REDUÇÃO DO VOLUME DIASTÓLICO DO VENTRÍCULO ESQUERDO (V.D.V.E.).


Por outro lado, a fração de ejeção do VE melhorou significativamente após a operação apenas nos pacientes que sobreviveram tardiamente (17,5 ± 4,7 para 26,6 ± 7,8%, p < 0,001). Esse parâmetro não se modificou nos pacientes que faleceram ou foram submetidos a transplante cardíaco de urgência (16,8 ± 4,4 para 17,1 ± 5,3%).

COMENTÁRIOS

O principal fator responsável pela ocorrência de insuficiência cardíaca em pacientes com doenças do miocárdio é a diminuição do número de células miocárdicas funcionalmente normais. Os mecanismos de compensação existentes incluem a ativação de modificações hemodinâmicas e neuro-hormonais que têm como objetivo aumentar a força de contração das células miocárdicas não afetadas (12, 13). Estes mecanismos, entretanto, introduzem fatores que podem, potencialmente, piorar a evolução dos pacientes. A dilatação da câmara ventricular aumenta a sua tensão interna, resultando em maior gasto energético (13, 14). Além disso, o desenvolvimento potencial de insuficiência da valva atrioventricular pode contribuir para sobrecarregar ainda mais o ventrículo já dilatado, comprometendo o processo de compensação (15). A limitação ou a reversão da dilatação da câmara ventricular é um objetivo terapêutico importante no tratamento medicamentoso, cujos resultados, entretanto, mostram somente efeitos modestos sobre o remodelamento do VE (12). Por outro lado, estes conceitos também justificam a utilização de procedimentos cirúrgicos na reversão do processo de remodelamento ventricular.

Este estudo mostra que a ventriculectomia parcial esquerda, associada, quando necessário, à correção da insuficiência valvar mitral, melhora significativamente a função ventricular esquerda. Além disso, o pós-operatório tardio foi caracterizado pela manutenção dos benefícios clínicos e hemodinâmicos observados logo após a operação até 2 anos de seguimento.

Por outro lado, as elevadas incidências de progressão de insuficiência cardíaca e de óbitos relacionados à arritmia, observadas nos primeiros meses de pós-operatório nesta série, impedem uma conclusão otimista a respeito do emprego clínico da ventriculectomia parcial. A identificação da influência do comprometimento intrínsico das células miocárdios sobre os resultados deste procedimento, no entanto, abre a possibilidade de se melhorar a seleção pré-operatória dos pacientes, ajudando a estabelecer uma real perspectiva para a ventriculectomia parcial esquerda no tratamento da cardiomiopatia dilatada.

Modificações da Função Ventricular

A melhora da função ventricular esquerda após a ventriculectomia parcial tem sido demonstrada por vários autores (1, 2, 4-7, 9, 10). A elevação da fração de ejeção de VE foi confirmada neste estudo e ocorreu associada à diminuição significativa dos diâmetros e do volume diastólico daquela câmara. Como esta modificação, entretanto, é baseada em um rearranjo geométrico decorrente da redução do volume do VE, ela pode, teoricamente, não representar uma melhora no volume sistólico ou, ainda, um aumento na contratilidade miocárdica. (16).

Por outro lado, benefícios hemodinâmicos foram observados nesta investigação após a ventriculectomia parcial, tendo sido também relatados por outros autores (2, 5, 7). Mais precisamente, aumentos significativos do volume sistólico e do débito cardíaco foram demonstrados na presença de diminuição significativa das pressões em território pulmonar.

Apesar da redução do volume diastólico do VE poder resultar, ainda, em teoria, em uma piora da função diastólica daquela câmara (16), estudos de mecânica ventricular realizados logo após a ventriculectomia parcial em 11 pacientes desta série demonstraram que essa operação foi responsável pela melhora significativa de diversos parâmetros da função sistólica e diastólica (4). Reduções significativas do estresse sistólico (de 199 ± 47 para 102 ± 33 g/cm2, p < 0,001) e diastólico do VE (de 58 ± 27 para 37 ± 19 g/cm2, p < 0,001) foram documentadas através de curvas pressão-volume. Além disso, esses estudos também demonstraram a elevação da elastância máxima (de 13,8 ± 2,2 para 18,6 ± 3,2, p < 0,001), associada à diminuições da pressão diastólica final de VE e da rigidez daquela câmara.

O estresse da parede ventricular esquerda é um determinante importante do consumo de oxigênio pelo miocárdio e a sua redução, portanto, pode diminuir a demanda miocárdica de oxigênio. Em conseqüência, além da redução da tensão ventricular e da restituição parcial da contratilidade miocárdica, a ventriculectomia parcial pode ser responsável pela interrupção da progressão da miocardiopatia de base por causa da melhora do metabolismo miocárdico. Este fato encontra apoio no presente estudo pela observação da manutenção dos valores da fração de ejeção de VE e de parâmetros hemodinâmicos por até 2 anos de seguimento. No entanto, a tendência à redilatação do VE observada após o primeiro ano de pós-operatório antecipa a possibilidade desse procedimento se tornar muito mais uma ponte biológica do que uma alternativa real ao transplante cardíaco.

A melhora da contratilidade do miocárdio ventricular tem sido também observada após a realização de outros procedimentos cirúrgicos. A cardiomioplastia é responsável por modificações hemodinâmicas e das propriedades mecânicas do VE, que são comparáveis àquelas documentadas na presente investigação (17, 18). Outro método que também pode resultar na recuperação da função miocárdica e na reversão da dilatação da câmara ventricular é o uso crônico de dispositivos de assistência circulatória mecânica. O repouso do miocárdio ventricular obtido com esses dispositivos pode resultar em uma redução importante do comprometimento terminal das células miocárdicas, melhorando as propriedades mecânicas do VE na época de sua retirada (19- 21).

A melhora da função ventricular esquerda não ocorre, entretanto, em todos os pacientes submetidos à ventriculectomia parcial (2, 3, 5, 9, 10). Ausência de elevação da fração de ejeção de VE após esse procedimento ocorreu em 46% dos pacientes desta série e foi associada a elevada mortalidade ou necessidade urgente de transplante cardíaco nos primeiros meses de seguimento. A esse respeito, o conceito de que a falência miocárdica é baseada tanto em fatores anatômicos como na existência de lesão das fibras miocárdicas justifica a realização da ventriculectomia parcial, mas também indica que os resultados deste procedimento podem ser limitados pelo grau de comprometimento intrínsico do miocárdio. De acordo com um modelo matemático baseado em múltiplos compartimentos com propriedades elásticas (16), esta operação pode, inclusive, deprimir a função global do VE, se não houver melhora da contratilidade miocárdica.

Aspectos Técnicos

Várias controvérsias existem a respeito dos aspectos técnicos relacionados à ventriculectomia parcial. Entretanto, esta série mostra que uma redução significativa da cavidade ventricular esquerda pode ser obtida em pacientes com cardiomiopatia dilatada, realizando-se a ressecção ventricular com preservação dos músculos papilares na maior parte dos casos. Apesar de outros autores sugerirem uma abordagem mais agressiva a respeito do grau de ressecção ventricular, com a necessidade de substituição da valva mitral ou de translocação de músculos papilares em mais de 40% dos seus casos (3, 9, 10), resultados semelhantes aos por nós apresentados foram documentados nessas séries em relação à influência do procedimento sobre a função ventricular. Além disso, nesta investigação não foi observada correlação entre a modificação da fração de ejeção de VE e o grau de ressecção miocárdica ou o nível de redução do volume diastólico do VE.

A respeito da correção da insuficiência valvar mitral, o impacto de sua associação com a ventriculectomia parcial ainda é discutível. BOLLING et al. (22) observaram melhora significativa da função ventricular esquerda após a realização de anuloplastia mitral isolada em pacientes com miocardiopatia dilatada e insuficiência mitral grave. Entretanto, os pacientes deste estudo apresentavam insuficiência valvar apenas de grau leve ou moderado, justificando um impacto significativamente menor da correção desta alteração sobre a função ventricular. Além disso, 5 pacientes que foram submetidos apenas à ventriculectomia parcial nesta série também apresentaram elevação importante da fração de ejeção de VE (de 18,1 ± 3,9 para 25,2 ± 11,2%).

Evolução Funcional e Sobrevida

Além da melhora da função ventricular, a ventriculectomia parcial foi também responsável pela melhora da condição clínica dos pacientes nesta série, à semelhança dos resultados relatados por outros autores (2, 3, 6, 7, 9, 10). O benefício funcional desse procedimento nos nossos pacientes sobreviventes também incluiu a melhora da capacidade física (5), do estado psicológico, da atividade profissional, da atividade sexual e dos padrões de sono e alimentação, como foi anteriormente relatado em estudo de qualidade de vida (23).

Por outro lado, a mortalidade imediata e a médio prazo após a ventriculectomia parcial neste estudo foi elevada e ocorreu por progressão de insuficiência cardíaca ou por eventos relacionados à arritmia. Resultados semelhantes foram relatados por outros autores (2, 3, 8-10), apesar da existência de afecções de diversas etiologias e de outros procedimentos associados em algumas séries. Em relação à cardiomiopatia dilatada, McCARTHY et al. (10) descreveram que 8 de 51 pacientes submetidos à ventriculectomia parcial com esse diagnóstico necessitaram a inserção de dispositivos mecânicos de assistência circulatória durante o período de pós-operatório imediato. Com um seguimento médio de apenas 5 meses, outros 6 pacientes foram submetidos a transplante cardíaco ou faleceram por causas cardíacas, sendo observado um índice atuarial de pacientes livres de mortalidade ou de necessidade de transplante cardíaco de apenas 71% naquele período.

Por outro lado, é interessante observar que não houve mortalidade ou episódios de descompensação cardíaca importante depois dos 6 primeiros meses de seguimento neste estudo. Este fato, associado à demonstração de que a doença de base não progrediu de maneira importante em 2 anos de pós-operatório, poderia justificar a indicação da ventriculectomia parcial como uma alternativa válida no tratamento das miocardiopatias, se fosse possível detectar quando um paciente específico tem fibras miocárdicas preservadas em número suficiente para se beneficiar da redução do volume ventricular.

A esse respeito, a identificação de uma relação significativa entre o diâmetro das fibras miocárdicas e os resultados da ventriculectomia parcial neste estudo confirmam que o sucesso deste procedimento depende especificamente da existência de um comprometimento anatômico mais importante do que o grau de lesão das células do miocárdio. A relação entre o grau de hipertrofia das fibras miocárdicas e a condição clínica de pacientes com insuficiência cardíaca já tinha sido observada por outros autores (24, 25), sendo esse parâmetro, inclusive, utilizando para acompanhar a evolução de pacientes submetidos a tratamento medicamentoso (25).

O impacto da identificação de pacientes com comprometimento irreversível do miocárdio sobre os resultados da ventriculectomia parcial pode ser antecipado pela observação de que pacientes operados com diâmetro médio de fibras miocárdicas abaixo de 22 microns nesta série tiveram uma sobrevida de 73% em 2 anos. Estes valores contrastam positivamente com publicação recente sobre pacientes avaliados para tratamento cirúrgico da insuficiência cardíaca, que mostra uma probabilidade de sobrevida de apenas 53% em 2 anos para aqueles que foram inicialmente avaliados em classe funcional III ou IV (19). Como a ventriculectomia parcial tem sido indicada apenas em pacientes com limitação funcional persistente, que também apresentam grande dilatação ventricular e pressões elevadas em território pulmonar, a sua influência sobre a sobrevida pode ser ainda mais importante, pois esses fatores têm sido relacionados a um prognóstico pior do que o anteriormente relatado (14, 19).

Apesar das modificações intrínsicas do miocárdio serem de difícil quantificação pelos métodos convencionais, a avaliação de fragmentos ventriculares obtidos através de técnicas de biópsia endomiocárdica com métodos histológicos e histoquímicos mais refinados pode, potencialmente, contribuir para a seleção adequada dos pacientes para a ventriculectomia parcial. A esse respeito, estudos de autópsia não mostram grande diferença entre o grau de hipertrofia de fibras miocárdicas nos dois lados do septo interventricular (26), justificando a possibilidade da utilização da biópsia endomiocárdica do ventrículo direito.

CONCLUSÕES

A interpretação da experiência clínica atual com a ventriculectomia parcial esquerda é limitada. Entretanto, podemos concluir que esse procedimento, associado quando necessário à correção da insuficiência valvar mitral, melhora a função ventricular esquerda e os sintomas de insuficiência cardíaca em pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada. Além disso, a evolução dos pacientes sobreviventes a médio prazo parece ser caracterizada pela estabilização da doença de base por até 2 anos de seguimento.

Por outro lado, apesar da sobrevida imediata após esta operação ser limitada pela elevada incidência de progressão de insuficiência cardíaca e de óbitos relacionados à arritmia, estes eventos parecem estar relacionados ao grau de comprometimento das células miocárdicas. A identificação pré-operatória de pacientes que apresentam alterações anatômicas predominantes ao invés daqueles com lesão severa das fibras miocárdicas pode melhorar os resultados da ventriculectomia parcial e contribuir para posicionar este procedimento como uma alternativa real entre as opções de tratamento cirúrgico da insuficiência cardíaca. As instituições que se dedicarem, no entanto, à investigação deste procedimento devem ter a condição de oferecer aos seus pacientes acesso pós-operatório a opções alternativas de tratamento, incluindo o transplante cardíaco e a assistência circulatória mecânica.

RBCCV 44205-394

Morena L F P, Stolf N A G, Bocchi E A, Bacal F, Igushi M L, Bellotti G, Jatene A D - What is the place of partial left ventriculectomy in the treatment of delated cardiomyopathy? Rev Bras Cir Cardiovasc 1998; 13 (2): 89-99.

ABSTRACT: Partial left ventriculectomy has been performed as an alternative to heart transplantation in the treatment of severe cardiomyopathies. This study reports the clinical and left ventricular function results of this procedure in 37 patients with dilated cardiomyopathy.

Methods: All patients were in class III (16) or IV (21) NYHA. Partial ventriculectomy was associated with mitral annuloplasty in 27 patients and with mitral replacement in two.

Results: There were seven operative deaths (18.9%) and the surviving patients were followed from 2 to 36 (mean, 16.2) months. Another nine patients died during the first 6 months of follow-up due to progression of heart failure (5) related to arrhythmia (4). Actuarial survival was 56.7 ± 8.1% from 6 to 24 months. Unifactorial and logistic regression analysis of factors influencing outcome showed that mid-term survival was significantly affected by myocardial cell hypertrophy. A survival of 73.6 ± 10.1% at 2 years was observed for patients operated with mean myocardial cell diameter of less than 22 microns. Otherwise, functional class improved from 3.5 ± 0.5 to 1.7 ± 0.9 in the survivors (p < 0.001). Furthermore, left ventricular diastolic volume decreased from 523 ± 207 to 380 ± 148 ml (p < 0.001) and left ventricular ejection fraction increased from 17.1 ± 4.6 to 23 ± 8% (p < 0.001), whereas significant changes in cardiac index, stroke index and pulmonary pressures were found at 1 month follow-up. Although left ventricular diastolic volume tended to increase in the late postoperative period, left ventricular ejection fraction and hemodynamic variables did not change significantly.

Conclusions: Partial ventriculectomy improves left ventricular function and congestive heart failure in patients with dilated cardiomyopathy for up to 24 months of follow-up. Nevertheless, this procedure's clinical application is limited by the high mortality observed in the first postoperative months. But it has opened new perspectives for its use through the identification that intrinsic changes of the myocardial fibers are affected by the p.o. prognosis of partial ventriculotomy.

DESCRIPTORS: Cardiomyopathy, congestive, surgery. Cardiac surgical procedures, methods. Heart ventricle, surgery.

Trabalho realizado no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil.

Apresentado ao 25º Congresso Nacional de Cirurgia Cardíaca. São Paulo, SP, 12 a 14 de março, 1998.

Laureado com o "Prêmio Nacional de Cirurgia Cardíaca - 1998".

Endereço para correspondência: Luiz Felipe P. Moreira - Instituto do Coração. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44. Divisão Cirúrgica. São Paulo, SP, Brasil. CEP: 05403-000. Tel: (011) 3069-5075. Fax: (011) 282-2354. e-mail: dci_moreira@incor.usp.br

  • 1 Batista R J V, Santos J L V, Franzoni M et al. - Ventriculectomia parcial: um novo conceito no tratamento cirúrgico de cardiopatias em fase terminal. Rev Bras Cir Cardiovasc 1996; 11: 1-6.
  • 2 Angelini G D, Pryn S, Mehta D et al. - Left ventricular volume reduction for end-stage heart failure. Lancet 1997; 350: 489.
  • 3 Batista R J V, Santos J L V, Nery P et al. - Partial left ventriculectomy to treat end-stage heart disease. Ann Thorac Surg 1997; 64: 634-8.
  • 4 Bellotti G, Moraes A, Bocchi E A et al. - Efeitos da ventriculectomia parcial nas propriedades mecânicas, forma e geometria do ventrículo esquerdo em pacientes com miocardiopatia dilatada. Arq Bras Cardiol 1996; 67: 395-400.
  • 5 Bocchi E A, Bellotti G, Moraes A V et al. - Clinical outcome after left ventricular surgical remodeling in patients with idiopathic dilated cardiomyopathy referred for heart transplantation. Circulation 1997; 96 (Suppl. 2): 165-72.
  • 6 Bombonato R, Bestetti R B, Sgarbieri R et al. - Experięncia inicial com a ventriculectomia parcial esquerda no tratamento da insuficięncia cardíaca terminal. Arq Bras Cardiol 1996; 66: 189-92.
  • 7 Dreifus G, Al Ayle W, Leroy G et al. - Left ventricular reduction (Batista): a new surgical option in dilated cardiomyopathy. Arch Mal Coeur 1997; 90: 1521-25.
  • 8 Katsumata T & Westaby S - Left ventricular reduction operation in ischemic cardiomyopathy: a note of caution. Ann Thorac Surg 1997; 64: 1154-6.
  • 9 Lucchese F A, Frota Filho J D, Blacher C - Ventriculectomia parcial esquerda: ponte para transplante em pacientes com insuficięncia cardíaca refratária e hipertensăo pulmonar. Rev Bras Cir Cardiovasc 1997; 12: 221-5.
  • 10 McCarthy P M, Starling R C, Young J B et al. - Early results with partial left ventriculectomy. J Thorac Cardiovasc Surg 1997; 114: 755-65.
  • 11 Batista R J V, Santos J L V, Takeshita N, Bocchino L, Lima P N, Cunha M A - Partial left ventriculectomy to improve left ventricular function in end-stage heart disease. J Card Surg 1996; 11: 96-7.
  • 12 Cohn J N - Structural basis for heart failure: ventricular remodeling and its pharmacological inhibition. Circulation 1995; 91: 2504-7.
  • 13 Packer M - Pathophysiology of chronic heart failure. Lancet 1992; 340: 88-92.
  • 14 Lee T H, Hamilton M A, Stevenson L W et al. - Impact of left ventricular cavity size on survival in advanced heart failure. Am J Cardiol 1993; 72: 672-6.
  • 15 Blondheim D S, Jacobs L E, Kotler M N, Costacurta G A, Parry W R - Dilated cardiomyopathy with mitral regurgitation: decreased survival despite a low frequency of left ventricular thrombus. Am Heart J 1991; 122: 763-71.
  • 16 Dickstein M L, Spotnitz H M, Rose E A, Burkhoff D - Heart reduction surgery: an analysis of the impact on cardiac function. J Thorac Cardiovasc Surg 1997; 113: 1032-40.
  • 17 Bellotti G, Moraes A, Bocchi E A et al. - Late effects of cardiomyoplasty on left ventricular mechanics and diastolic filling. Circulation 1993; 88: (Suppl. 2) 304-8.
  • 18 Moreira L F P, Bocchi E A, Stolf N A G, Pileggi F, Jatene A D - Current expectations in dynamic cardiomyoplasty. Ann Thorac Surg 1993; 55: 299-303.
  • 19 Stevenson L W, Couper G, Natterson B et al. - Target heart failure populations for newer therapies. Circulation 1995; 92 (Suppl. 2): 174-81.
  • 20 Frazier O H, Benedict C R, Radovancevic B et al. - Improved left ventricular function after chronic left ventricular unloading. Ann Thorac Surg 1996; 62: 675-82.
  • 21 Levin H R, Oz J M, Packer M, Rose E, Burkhoff D - Reversal of chronic ventricular dilatation in patients with end-stage cardiomyopathy by prolonged mechanical unloading. Circulation 1995; 91: 2717-20.
  • 22 Bolling S F, Deeb G M, Brunsting L A, Bach D S - Early outcome of mitral valve reconstruction in patients with end-stage cardiomyopathy. J Thorac Cardiovasc Surg 1995; 109: 676-83.
  • 23 Carrara D, Bocchi E A, Bacal F et al. - Quality of life after partial left ventriculectomy for treatment of heart failure. Eur Heart J 1997; 18 (Suppl.): 223.(Abstract).
  • 24 Beltrami C A, Finato N, Rocco M et al. - The cellular basis of dilated cardiomyopathy in humans. J Mol Cell Cardiol 1995; 27: 291-305.
  • 25 Unverferth D V, Mehegan J P, Magorien R D, Unverferth B J, Leier C V - Regression of myocardial cellular hypertrophy with vasodilator therapy in chronic congestive heart failure associated with idiopathic dilated cardiomyopathy. Am J Cardiol 1983; 51: 1392-8.
  • 26 Unverferth D V, Baker P B, Swift S E et al. - Extent of myocardial fibrosis and cellular hypertrophy in dilated cardiomyopathy. Am J Cardiol 1986; 57: 816-20.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 1999
  • Data do Fascículo
    Abr 1998
Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular Rua Afonso Celso, 1178 Vila Mariana, CEP: 04119-061 - São Paulo/SP Brazil, Tel +55 (11) 3849-0341, Tel +55 (11) 5096-0079 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjcvs@sbccv.org.br