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Emoções de uma escuta musical afetam a percepção subjetiva de tempo

Emotions from listening to music affect the subjective perception of time

Resumos

Este estudo verificou se emoções percebidas durante uma escuta musical influenciam a percepção temporal. Músicos e não músicos foram submetidos a tarefas de escuta de trechos musicais do repertório erudito ocidental com 20 segundos de duração cada um e tarefas de associação temporal de cada trecho ouvido a durações padrões, que variavam de 16 a 24 segundos. Os trechos musicais empregados eram representativos de uma dentre as categorias emocionais Alegria, Tristeza, Serenidade ou Medo / Raiva. Uma análise de variância mostrou que, enquanto os não músicos apresentaram subestimações temporais associadas a pelo menos um trecho musical de cada uma das categorias emocionais, os músicos subestimaram todos os trechos musicais tristes, relacionados às características de baixo arousal e valência afetiva negativa.

Tempo subjetivo; emoções; expertise musical


This study examined whether perceived emotions during music listening tasks influence time perception. Musicians and non-musicians were submitted to tasks of listening to musical excerpts from Western classical repertoire of 20 seconds and tasks of temporal association of each piece of music to standard durations, ranging from 16 to 24 seconds. Musical excerpts were representative from one of the following emotional categories: Happiness, Sadness, Threat and Peacefulness. An analysis of variance showed that, while non-musicians showed temporal underestimations associated with, at least, one piece of music from each emotional category, musicians underestimated all sad musical excerpts, related to low arousal and negative valence features.

Subjective time; emotions; musical expertise


PROCESSOS PSICOLÓGICOS BÁSICOS

Emoções de uma escuta musical afetam a percepção subjetiva de tempo

Emotions from listening to music affect the subjective perception of time

Danilo RamosI; José Lino Oliveira BuenoII

IUniversidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil

IIUniversidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Departamento de Artes Universidade Federal do Paraná Rua Coronel Dulcídio, 638, Bairro Batel Curitiba, PR, Brasil 80420-170 E-mail: danramosnilo@gmail.com e jldobuen@ffclrp.usp.br

RESUMO

Este estudo verificou se emoções percebidas durante uma escuta musical influenciam a percepção temporal. Músicos e não músicos foram submetidos a tarefas de escuta de trechos musicais do repertório erudito ocidental com 20 segundos de duração cada um e tarefas de associação temporal de cada trecho ouvido a durações padrões, que variavam de 16 a 24 segundos. Os trechos musicais empregados eram representativos de uma dentre as categorias emocionais Alegria, Tristeza, Serenidade ou Medo / Raiva. Uma análise de variância mostrou que, enquanto os não músicos apresentaram subestimações temporais associadas a pelo menos um trecho musical de cada uma das categorias emocionais, os músicos subestimaram todos os trechos musicais tristes, relacionados às características de baixo arousal e valência afetiva negativa.

Palavras-chave: Tempo subjetivo, emoções, expertise musical.

Abstract

This study examined whether perceived emotions during music listening tasks influence time perception. Musicians and non-musicians were submitted to tasks of listening to musical excerpts from Western classical repertoire of 20 seconds and tasks of temporal association of each piece of music to standard durations, ranging from 16 to 24 seconds. Musical excerpts were representative from one of the following emotional categories: Happiness, Sadness, Threat and Peacefulness. An analysis of variance showed that, while non-musicians showed temporal underestimations associated with, at least, one piece of music from each emotional category, musicians underestimated all sad musical excerpts, related to low arousal and negative valence features.

Keywords: Subjective time, emotions, musical expertise.

A literatura científica oferece evidências de que há uma ligação da percepção das expressões emocionais com as tendências de ação humanas. Se as emoções induzidas pela percepção de faces ou outros estímulos emocionais influenciam a percepção da passagem do tempo, isto pode ter importantes implicações para a velocidade com a qual os animais e os humanos respondem a estímulos em seus ambientes. Por exemplo: se o tempo parece passar mais rápido quando um animal tem uma expressão facial agressiva, então ele pode estar capacitado a dar respostas mais rápidas ao ambiente que o rodeia (Bueno, 1985; Droit-Volet & Meck, 2007).

Neste sentido, alguns estudos têm sido realizados acerca da influência de estados emocionais sobre a percepção subjetiva de tempo em humanos (Angrilli, Cherubini, Pavese, & Manfredini, 1997; Droit-volet, Tourret, & Wearden, 2004; Gil, Niedenthal, & Droit-Volet, 2007). No entanto, ainda não se sabe ao certo se uma emoção, percebida ou vivenciada, pode influenciar de forma decisiva a percepção temporal de um evento: enquanto alguns estudos demonstraram que não há um efeito da emoção na passagem do tempo (Fraisse, 1967; Shiff & Thayer, 1968), outros apresentaram dados inconsistentes de alterações subjetivas de tempo, tanto de superestimação (Watts & Sharrock, 1984) quanto de subestimação (Orme, 1969). Além disso, enquanto alguns dados sugerem que adultos tendem a superestimar durações de imagens que sugerem um alto conteúdo emocional em relação às imagens neutras (Gibbon, Church, & Meck, 1984), outros sugerem que a percepção de uma única emoção (no caso, a Raiva) parece ser responsável por superestimações temporais (Droit-Volet & Meck, 2007).

A mensuração das emoções desencadeadas pela música tem sido feita pelas abordagens categórica e dimensional. A abordagem categórica emprega quatro categorias chamadas "emoções de base", que são desencadeadas de forma instantânea, facilmente associadas a tarefas de escuta musical: Alegria, Serenidade, Raiva (ou Medo) e Tristeza. A abordagem dimensional considera a organização destas quatro categorias ao longo de duas dimensões: arousal e valência afetiva (Russel, 1980). O arousal, um conceito psicológico originado da noção de estado de excitação fisiológica, está relacionado aos estados de préativações internos (altos ou baixos), em que mecanismos neurais e cognitivos são ativados, levando o sujeito a prestar atenção à música que está sendo executada. Já a valência afetiva está associada a um valor hedônico (positivo ou negativo), que pode variar de pessoa para pessoa. Uma situação de valência afetiva positiva acontece quando consideramos uma música agradável, relacionada a emoções positivas, como, por exemplo, a Alegria e a Serenidade; uma situação de valência negativa acontece quando consideramos uma música desagradável, relacionada a emoções negativas, como o Medo, a Dor, entre outras (Berlyne, 1974).

Em estudo realizado por Angrilli et al. (1997), participantes realizaram tarefas de reprodução temporal e de estimação verbal após serem submetidos à visualização de figuras que variavam quanto à valência afetiva (positiva ou negativa) e quanto ao arousal (alto ou baixo). Estas imagens foram classificadas em cinco grupos: imagens que evocavam valência afetiva positiva e arousal alto (material erótico), imagens que evocavam valência afetiva positiva e arousal baixo (bebês e filhotes de animais), imagens neutras (objetos domésticos), imagens que evocavam valência afetiva negativa e arousal baixo (aranhas e ratos) e imagens que evocavam valência afetiva negativa e arousal alto (ferimentos envolvendo sangue humano). Para a mensuração da valência afetiva e do arousal das imagens, os autores utilizaram escalas de diferencial semântico de 9 pontos, empregando as locuções "triste/ alegre" e "calmo/ativo" e medidas de condutância de pele e batimento cardíaco. Os resultados revelaram uma interação entre essas duas variáveis: para situações de altos índices de arousal, a duração de figuras que sugeriam valências afetivas negativas foi superestimada em relação à duração de figuras que sugeriam valência afetiva neutra ou positiva; para situações de baixos índices de arousal, figuras que sugeriam valência afetiva negativa foram subestimadas e figuras que sugeriam valência afetiva positiva foram superestimadas. Os autores concluíram que ambos os mecanismos de atenção e arousal desempenham um papel importante na percepção da duração de eventos emocionais.

Por outro lado, também existem evidências de que condições positivas causam superestimação do tempo. Edmonds, Cahoon e Bridges (1981) realizaram um experimento no qual um determinado tempo de espera podia ser seguido de um evento agradável ou de um evento desagradável ou, ainda, de uma experiência neutra. O grupo com expectativa positiva apresentou uma estimação mais longa do tempo em relação aos outros.

Na tentativa de esclarecer quais os mecanismos subjacentes à influência das emoções na percepção temporal, Gautier e Droît-Volet (2002) realizaram alguns estudos empregando tarefas de bissecção temporal. Neste tipo de tarefa, os participantes aprendem a categorizar durações-padrão como curtas ou longas. Em uma segunda etapa, eles devem julgar se as comparações das durações de um mesmo intervalo de tempo e de intervalos médios são mais similares às durações-padrão curtas ou longas. Esta tarefa permite ao pesquisador derivar funções psicofísicas que determinam a proporção de respostas longas sobre a comparação das durações, mostrando que os humanos sabem estimar o tempo de forma acurada.

Droit-Volet, Brunot e Niedenthal (2004) usaram durações padronizadas apresentadas em uma forma oval corde-rosa e durações de comparação em forma de figuras de faces humanas femininas com expressões faciais neutras, com raiva, tristes e alegres. Quando as imagens foram apresentadas em uma duração que variava de 400 a 1.600ms, os participantes adultos superestimaram sistematicamente as durações das imagens classificadas como de conteúdo emocional em relação às imagens neutras. Baseados no Modelo do Relógio Interno, proposto por Gibbon et al. (1984), estes autores acreditam que a superestimação temporal esteja ligada ao crescimento do arousal que, através da liberação de uma substância chamada dopamina, faz com que a velocidade do marcador temporal humano aumente. Estes achados foram replicados por Effron, Niedenthal, Gil e Droit-Volet (2006), que utilizaram uma tarefa de bissecção temporal similar, com figuras humanas femininas expressando raiva e alegria. Em ambos os estudos, a superestimação temporal foi maior para as expressões de raiva do que para outras expressões emocionais.

Estudos experimentais que procuram verificar sistematicamente a influência das emoções percebidas durante uma escuta musical sobre a percepção temporal poderão contribuir para a melhor compreensão do processamento temporal musical. A música é um estímulo acústico indutor de grande variedade de respostas emocionais nos ouvintes (Juslin & Laukka, 2004), que pode, portanto, ser utilizada como um estímulo adequado para que estudos sobre a influência das emoções sobre a percepção temporal sejam realizados.

Bueno e Ramos (2007) examinaram se o modo musical influencia na estimação subjetiva do tempo, utilizando trechos musicais em diferentes modos: Jônio (de caráter maior, consonante), Eólio (de caráter menor, consonante) e Lócrio (de caráter menor, dissonante ao ouvido ocidental). Estudantes universitários, de ambos os sexos e não músicos foram divididos em três grupos, correspondentes aos três modos musicais empregados. Cada participante foi submetido, individualmente, às seguintes tarefas: escuta do trecho musical, estimação temporal por reprodução do mesmo trecho e preenchimento de escalas com valores de 1 a 7, referente ao conteúdo emocional do trecho musical ouvido (Alegria, Tristeza, Tensão e Ativação). Os resultados mostraram uma superestimação temporal por reprodução para o estímulo Lócrio em relação aos estímulos Eólio e Jônio. Concluiu-se que o caráter dissonante e não familiar ao ouvido musical ocidental do modo Lócrio pode ter sido o fator responsável pela superestimação temporal deste modo em relação aos demais. Os resultados levantam a hipótese de que a emoção musical, aliada ao caráter consonante ou dissonante de um trecho musical, pode ser o fator responsável pela alteração da percepção temporal em participantes não músicos.

Diferenças entre grupos de ouvintes músicos e não músicos no processamento de emoções de base desencadeadas por músicas do repertório erudito ocidental (Galvão, 2006; Koelsch, Gunter, Friederici, & Schröeger, 2000; Scherer & Zentner, 2001; Waterman, 1996) indicam a importância da expertise musical na apreciação musical, definida como a aquisição progressiva do estudo sistematizado de algum instrumento musical (Galvão, 2006). Estudos que procuram verificar a influência da expertise musical sobre as respostas emocionais têm mostrado que músicos processam a informação emocional de forma mais elaborada do que não músicos e, portanto, há mais consistência nas respostas emocionais dos músicos em relação às respostas emocionais dos não músicos. Isso significa que maiores são as chances de um mesmo trecho musical estar associado a uma única emoção em uma amostra de músicos do que em uma amostra de não músicos. Em um estudo realizado por Bigand, Vieillard, Madurell, Marozeau e Dacquet (2005), músicos e não músicos ouviram 27 trechos de composições eruditas do repertório ocidental selecionadas para desencadear emoções de base e também emoções mais sutis. A tarefa experimental consistia em reagrupar os trechos musicais característicos de uma mesma emoção, definindo assim categorias emocionais sem recorrer à linguagem verbal, para evitar o uso de um léxico emocional que se sabe variável em função do nível de conhecimento musical e das aptidões verbais de cada um. Duas semanas depois da realização do experimento, os mesmos participantes refizeram a tarefa com os mesmos trechos musicais. Os resultados indicaram que as respostas emocionais às músicas apresentadas foram semelhantes entre os músicos e os não músicos. As principais emoções categorizadas foram: Alegria, Tristeza, Serenidade, Medo e Raiva. No entanto, apesar das respostas emocionais terem sido semelhantes, houve maior homogeneidade de respostas dos músicos para cada música apresentada em relação aos não músicos.

Considerando o fato de que músicos processem as informações musicais de forma mais elaborada que os não músicos (Bigand et al., 2005; Galvão, 2006; Koelsch et al., 2000; Scherer & Zentner, 2001; Waterman, 1996) e de que existem evidências de que as atmosferas emocionais distintas possam influenciar a percepção temporal humana (Bueno & Ramos, 2007), é possível supor a existência de mecanismos distintos, entre músicos e não músicos, relativos à influência das emoções percebidas durante uma escuta musical sobre a percepção temporal humana. Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi verificar se emoções percebidas durante uma escuta musical afetam a percepção temporal de músicos e não músicos.

Método

Participantes

Quarenta estudantes universitários brasileiros, de ambos os sexos, participaram deste estudo. A amostra foi dividida em dois grupos: 20 estudantes de um curso de graduação em Música, que tinham pelo menos seis anos de experiência de estudo sistematizado de algum instrumento musical oferecido pelo curso: piano, violão, violino, viola, violoncelo, contrabaixo, flauta transversal, clarineta, trombone ou saxofone (classificados neste estudo como músicos) e 20 participantes que não tinham nenhuma destas experiências em estudo de música (classificados neste estudo como não músicos). Os participantes tinham entre 18 e 31 anos de idade (média = 26,2 anos) e relataram não terem conhecimento de possuir alguma deficiência auditiva. O projeto foi aprovado peloComitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.

Equipamento e Material

O experimento foi realizado em uma sala de estudos silenciosa, iluminada por lâmpadas fluorescentes e com paredes brancas lisas, sem outros estímulos visuais que pudessem interferir nas tarefas dos participantes. No espaço interno da sala havia uma mesa, três cadeiras (uma para o experimentador e as outras duas para os participantes). Sobre a mesa havia dois notebooks (Pentium INTEL), que eram utilizados para apresentação das músicas e para o registro dos julgamentos emocionais, por meio do programa ETimusic. Um fone de ouvido Koss R80 (Signus- Philadélfia, EUA) estava conectado a cada notebook, utilizado pelos participantes para a apreciação das músicas. A disposição dos notebooks na mesa era feita de tal forma que a tarefa de um participante não pudesse interferir na tarefa de outro. Fora da sala experimental, havia duas mesas e duas cadeiras para o preenchimento de um questionário complementar, que continha perguntas relacionadas a dados pessoais, ao grau de conhecimento musical dos participantes e ao próprio experimento.

Estímulos Musicais Empregados

As músicas escolhidas para este experimento foram 12 trechos musicais do repertório erudito internacional, referentes aos períodos Clássico, Romântico e Contemporâneo. Cada trecho musical era representativo de uma dentre quatro categorias emocionais: Alegria, Tristeza, Serenidade e Medo/Raiva. Estes trechos musicais já haviam sido utilizados em estudo prévio, no qual músicos e não músicos brasileiros, pertencentes a uma população homogênea à população participante deste estudo, ouviram cada trecho musical e associaram-no a uma emoção relacionada. Para ambos os grupos, os resultados indicaram três trechos musicais representativos de cada categoria emocional empregada, bem como a distribuição de cada trecho musical dentro do espaço dimensional de Russel (1980; maiores detalhes em Ramos, 2008; Ramos & Bueno, 2010). A intensidade na faixa de freqüência média de cada trecho musical foi de 50 dB (confortável para os participantes). Os trechos musicais foram transformados em arquivos wave, sintetizados em um estúdio de gravação (para melhor equalização do som) e depois armazenados nos discos rígidos dos notebooks utilizados na coleta. Cada trecho musical tinha 20 segundos de duração. A Tabela 1 indica o título de cada obra, a respectiva emoção que ela representou e a nomenclatura utilizada para cada trecho musical no presente estudo.

Procedimento

O experimento foi realizado com a presença de dois participantes por vez na sala experimental. Primeiramente, o experimentador apresentava ao participante o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, para assinatura. Em seguida, o experimentador lia o texto contendo as seguintes instruções:

Vocês vão realizar tarefas relacionadas a comparações temporais de diversos sons. Primeiramente, vocês deverão colocar este fone de ouvido e acomodá-lo adequadamente. As tarefas serão realizadas nestes notebooks, através de três arquivos do programa Power Point. O experimento é auto-explicativo. Peço que vocês leiam com bastante atenção cada tarefa a ser realizada.

O experimento foi dividido em três fases: um pré-teste com duas fases e um teste. O pré-teste foi feito com o objetivo de proporcionar a cada participante a compreensão do manuseio do equipamento, bem como o treinamento auditivo sobre cada duração utilizada na fase de teste. Na primeira fase do pré-teste, os participantes deveriam escutar cinco bips, com durações de 16, 18, 20, 22 e 24 segundos, respectivamente. Para isso, com a ajuda do mouse, os participantes deveriam clicar sobre cada duração (representada por ícones de alto-falantes de mesma cor), na tela do notebook e escutá-las, da menor para a maior, atentamente. Os participantes não eram informados sobre cada duração sonora. O timbre escolhido para as durações foi o de tom puro, com 50 dB de freqüência (confortável para os participantes). Na segunda fase do pré-teste, os participantes deveriam escutar as mesmas durações, apresentadas, agora, em ordem aleatória e por alto-falantes coloridos, devendo, então, organizá-las, da menor para a maior. Para isso, com a ajuda do mouse, eles deveriam arrastar cada imagem de alto-falante para uma linha horizontal, localizada na parte inferior da tela, para organizarem uma ordem crescente de duração. Os participantes tinham acesso à resposta após elaborarem as ordens das durações. A amostra final considerou os participantes cujos pré-testes tinham índices superiores a 80% de acerto nas respostas. Na fase de teste, a tela do notebook se configurava em duas partes: uma parte mostrava as mesmas imagens dos alto-falantes coloridos (com as respectivas durações sonoras) e a outra mostrava 12 ícones, cada um representando um trecho musical empregado, dispostos em ordem embaralhada. A tarefa dos participantes consistia em ouvir cada um dos 12 trechos musicais e arrastar com o mouse cada um deles para frente de cada uma das durações previamente associadas, localizadas no outro lado da tela. Com a realização deste conjunto de tarefas envolvidas nas fases de pré-teste e teste, os participantes associavam a duração de cada trecho musical (de 20 segundos de duração) com uma das durações-padrão empregadas no experimento (16, 18, 20, 22 ou 24 segundos). Ao final da realização da fase de teste, aparecia uma mensagem de agradecimento, indicando o final do experimento. Antes do início de qualquer etapa do experimento (pré-teste e teste), era solicitado aos participantes que não contassem o tempo das durações através de contagem, pulsação, batida de pés ou mãos, ou qualquer outra forma de marcação temporal. Nenhum destes comportamentos foi observado. Terminado o experimento, cada participante era encaminhado em silêncio para fora da sala experimental, para o preenchimento do questionário complementar. Cada sessão experimental durou aproximadamente 35 minutos.

Resultados

O teste de Kolmogorov-Smirnov (teste Z) apontou normalidade dos dados para todas as músicas apresentadas para o grupo Não Músicos. Para o grupo Músicos, a única música cujos dados rejeitaram normalidade foi o trecho musical SER03 (Z = 1,436; p = 0,032).

O teste t-Student mostrou as diferenças estatísticas significativas apresentadas na Tabela 2, que indica a média numérica e os desvios-padrão das durações temporais fornecidas pelos participantes músicos e não músicos através das tarefas de associação temporal. Foram consideradas diferenças estatísticas significativas os níveis de p< 0,05. As diferenças significativas estão assinaladas na Tabela com um asterisco.

Os dados da Tabela 2 mostram que, para ambos os grupos de participantes, alguns trechos musicais foram subestimados em relação a suas durações reais (20 segundos). Para o grupo Músicos, foram subestimados os trechos musicais SER 02 (t (19) = - 3,707; p = 0,001), TRI 01 (t (19) = - 4,498; p = 0,0001), TRI 02 (t (19) = - 2,364; p = 0,029) e o trecho musical TRI 03 (t (19) = - 2,459; p = 0,024). Para o grupo Não Músicos, foram subestimados os trechos musicais ALE 01 (t (19) = - 3,979; p = 0,001), SER 02 (t (19) = - 4,66; p = 0,0001), TRI 03 (t (19) = - 3,199; p = 0,005), MRV 03 (t (19) = - 2,349; p = 0,03).

Para o grupo Músicos, houve subestimação temporal para todos os trechos musicais representativos da emoção Tristeza. Entretanto, para o grupo Não Músicos, houve subestimação temporal em pelo menos um trecho musical representativo de cada emoção analisada (Alegria, Serenidade, Tristeza e Medo/ Raiva).

Discussão

Os dados obtidos no presente estudo apontam que, apesar do processamento emocional de músicos e não músicos poder ser semelhante (Bigand et al., 2005), o processamento temporal dos trechos musicais apresentados foi diferente entre os grupos. Com relação ao grupo Músicos, as subestimações temporais em relação à duração real de cada estímulo (20 segundos) foram encontradas para os três trechos musicais associados à emoção Tristeza e apenas para um trecho musical associado à emoção Serenidade. Com relação ao grupo Não Músicos, as associações não ocorreram igualmente para todos os trechos musicais de uma mesma categoria emocional. Entretanto, a concentração do efeito de subestimação em uma mesma categoria, registrada para os músicos, não se manifestou para os não músicos: a subestimação subjetiva de tempo se manifestou em pelo menos um trecho associado a cada categoria emocional analisada (Alegria, Tristeza, Serenidade e Medo/ Raiva). Portanto, os dados apresentados sugerem que uma influência substantiva das emoções desencadeadas durante uma escuta musical na percepção temporal se manifestou de modo consistente para os músicos participantes deste estudo.

Considerando a emoção Tristeza, cujos trechos musicais apresentaram uma subestimação consistente de tempo subjetivo, como sendo desencadeadora de índices de baixo grau de arousal e valência afetiva negativa (Russel, 1980), pode-se considerar, que houve um efeito aditivo destas duas dimensões na percepção temporal dos músicos. Assim, em condições de baixo grau de arousal e de valência afetiva negativa, o tempo subjetivo dos músicos foi subestimado.

Os resultados do presente estudo são compatíveis com alguns dos resultados obtidos por Angrilli et al. (1997). Apesar de estes autores não terem encontrado nenhum efeito aditivo do arousal e da valência afetiva sobre a percepção do tempo, eles encontraram uma interação significativa entre estas duas dimensões: em contextos envolvendo altos índices de arousal, a duração de figuras que sugeriam valências afetivas negativas foi superestimada em relação à duração de figuras que sugeriam valência afetiva neutra ou positiva em participantes não treinados em música; em contextos envolvendo baixos índices de arousal, figuras que sugeriam valência afetiva negativa foram subestimadas e figuras que sugeriam valência afetiva positiva foram superestimadas. No entanto, diferentemente do presente estudo, os dados de Angrilli et al. (1997) foram obtidos por meio de experimentos envolvendo durações curtas (da ordem de dois segundos). Apesar disso, os dados obtidos no presente experimento são compatíveis com os de Angrilli et al. (1997) por encontrarem, também, subestimação temporal para valências negativas em contextos que envolvem baixos índices de arousal. Portanto, o processamento temporal de eventos que sugerem condições de baixo arousal e valência afetiva negativa tende a ser semelhante, independetemente da duração (curta ou longa) ou da modalidade sensorial envolvida (sonora ou visual).

Estudos anteriores que verificaram a influência da expertise musical sobre as respostas emocionais à música (Bigand et al., 2005; Ramos & Bueno, 2010) mostraram que as respostas emocionais são mais homogêneas dentro de uma mesma população de músicos do que em não músicos para os mesmos trechos musicais. Assim, enquanto os músicos agruparam em clusters trechos musicais localizados dentro de uma mesma categoria emocional no espaço bidimensional de Russel (1980), as respostas emocionais dos não músicos foram mais esparsas dentro de cada quadrante. Se participantes treinados em música processam as informações musicais com maior discriminação dos componentes emocionais do que os não músicos (Bigand et al., 2005; Galvão, 2006; Koelsch et al., 2000; Scherer & Zentner, 2001; Waterman, 1996), é possível que este envolvimento tenha afetado diferencialmente o processamento atencional durante a escuta destes trechos musicais.

O modelo atencional do tempo subjetivo, proposto por Hicks, Miller e Kinsbourne (1976), sugere um processamento cognitivo de acordo com a distribuição de reservas de memória da tarefa temporal. Assim, quanto maior é a demanda atencional do participante, maior é o esforço mental exigido para que as informações temporais sejam arquivadas na memória e, por esta razão, maior será a estimação temporal. Assim, é possível que as subestimações temporais referentes aos trechos musicais desencadeadores de Tristeza nos músicos tenham ocorrido devido ao forte envolvimento emocional destes participantes com estes trechos musicais, a ponto de tê-los distraído no que concerne à demanda atencional em relação à tarefa temporal solicitada. Dessa forma, como a Tristeza é uma emoção que sugere um baixo grau de arousal (Russel, 1980) e, sendo esta dimensão associada a um estado de pré-ativação interna (Berlyne, 1974), é provável que, durante o processamento dos trechos musicais relacionados à Tristeza, os ouvintes músicos tenham substituído o grau de atenção dado à passagem do tempo musical, para uma atenção relacionada ao conteúdo emocional do evento apreciado. Esta explicação parece ser compatível, também, com o modelo do relógio interno.

Gibbon et al. (1984) propõem um modelo de relógio interno, que baseia-se na existência de um contador de pulsos (interno) que avalia o tempo objetivo (externo) de maneira subjetiva. Este mecanismo de relógio interno é composto por um marcapasso, que emite pulsos e um interruptor que controla a atenção temporal. Este emissor de pulsos é acionado e paralisado, respectivamente, do início ao fim do evento, permitindo, assim, um acúmulo de pulsos durante a sua apresentação. A estimação temporal, então, está baseada em um número de pulsos acumulados: quanto maior o número de pulsos, maior o tempo a ser julgado. Portanto, segundo este modelo, o componente atencional relacionado à tarefa de estimação temporal deve ser considerado (Gibbon et al., 1984). Neste sentido, os dados obtidos neste estudo sugerem, também, como na hipótese atencional de Hicks et al. (1976), a possibilidade de que a emoção Tristeza tenha distraído os participantes durante a escuta musical, resultando num menor acúmulo de pulsos, que leva a uma subestimação do tempo experienciado. Alem disso, como Tristeza está associada a um baixo nível de arousal, houve uma menor acumulação de pulsos durante sua escuta, resultando, também, numa subestimação do tempo subjetivo. Os dados obtidos neste estudo sugerem que a compreensão sobre como os componentes emocionais e atencionais relacionados a tarefas de escuta musical afetam o tempo subjetivo deve levar em conta, tanto a atenção dirigida à passagem do tempo, quanto a interferência de componentes emocionais atencionais sobre os marcadores temporais internos.

Os dados deste estudo, portanto, mostram que a percepção de uma atmosfera emocional específica durante a escuta musical pode influenciar a percepção temporal do evento apreciado, em eventos de estimulação sonora, de durações longas. Além disso, a expertise musical parece ser um componente relevante no processamento temporal de estimulação musical.

Recebido: 02/06/2010

1ª revisão: 01/10/2010

Aceite final: 28/12/2010

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      02 Jun 2010
    • Aceito
      28 Dez 2010
    • Revisado
      01 Out 2010
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