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Leituras do império: o poder global dos Estados Unidos reavaliado

Readings from the empire: the global power of the United States reassessed

Resumos

O império dos Estados Unidos segue sendo objeto de atenção das ciências sociais. Obras recentes como as de Mann, bem como de Panitch e Gindin, retomam o tema. Eles apresentam análises amplas de sua origem e desenvolvimento. Mas descuram em parte ao menos das condições culturais des-se poder. Este texto se propõe a refletir sobre isso, indagando também em que medida a própria categoria império serviria para enquadrar esse poder global dos EUA, relacionando-o ademais à ideia de hegemonia. A conclusão nesse sentido é que o poder dos EUA não pode ser enquadrado na categoria tradicional de império, ainda que mantenha elementos que remetam ao que seria o exercício imperial do poder, mas já transformado pelos desdobramentos da modernidade. Uma segunda conclusão aponta para o fato de que o poder externo se calca na própria estruturação interna do poder como hegemonia, na definição de uma forma civilizacional que se projeta para fora, em grande medida com fundamentos culturais, porém também vinculada a padrões econômicos de acumulação e de classe, bem como conjugada às dimensões militares, políticas e jurídicas do poder.

Império; Mann; Panitch; Gindin; Hegemonia; Estados Unidos


The US Empire remains an object of attention of the social sciences. Recent works, such as Mann's as well as Panitch and Gindin's, resume the theme. They present broad analyses of their origin and development. But overlook in some part the cultural conditions of such power. This text proposes a discussion of these issues, asking also to which extent the category of empire is adequate to frame US global power, and relating it to the idea of hegemony. The fundamental conclusion in this regard is that the power of the US cannot be framed by the traditional category of empire, although it keeps some elements that hark back to the imperial exercise of power, which has been however transformed by the unfolding of modernity. A second conclusion points to the fact that such external power rests upon the internal structuration of power as hegemony - which will be examined with some detail -, in the definition of a civilizational form that is projected to the outside. This has in large measure cultural fundaments but is also linked to economic accumulation and class patterns, as well as articulated to the military, political and juridical dimensions.

Empire; Mann; Panitch; Gindin; Hegemony; United States


ARTIGOS

Leituras do império: o poder global dos Estados Unidos reavaliado

Readings from the empire: the global power of the United States reassessed

José Maurício Domingues

Doutor pela London School of Economics and Political Science (LSE) e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). E-mail: jmdomingues@iesp.uerj.br

RESUMO

O império dos Estados Unidos segue sendo objeto de atenção das ciências sociais. Obras recentes como as de Mann, bem como de Panitch e Gindin, retomam o tema. Eles apresentam análises amplas de sua origem e desenvolvimento. Mas descuram em parte ao menos das condições culturais des-se poder. Este texto se propõe a refletir sobre isso, indagando também em que medida a própria categoria império serviria para enquadrar esse poder global dos EUA, relacionando-o ademais à ideia de hegemonia. A conclusão nesse sentido é que o poder dos EUA não pode ser enquadrado na categoria tradicional de império, ainda que mantenha elementos que remetam ao que seria o exercício imperial do poder, mas já transformado pelos desdobramentos da modernidade. Uma segunda conclusão aponta para o fato de que o poder externo se calca na própria estruturação interna do poder como hegemonia, na definição de uma forma civilizacional que se projeta para fora, em grande medida com fundamentos culturais, porém também vinculada a padrões econômicos de acumulação e de classe, bem como conjugada às dimensões militares, políticas e jurídicas do poder.

Palavras-chave: Império – Mann – Panitch – Gindin – Hegemonia – Estados Unidos

ABSTRACT

The US Empire remains an object of attention of the social sciences. Recent works, such as Mann's as well as Panitch and Gindin's, resume the theme. They present broad analyses of their origin and development. But overlook in some part the cultural conditions of such power. This text proposes a discussion of these issues, asking also to which extent the category of empire is adequate to frame US global power, and relating it to the idea of hegemony. The fundamental conclusion in this regard is that the power of the US cannot be framed by the traditional category of empire, although it keeps some elements that hark back to the imperial exercise of power, which has been however transformed by the unfolding of modernity. A second conclusion points to the fact that such external power rests upon the internal structuration of power as hegemony – which will be examined with some detail –, in the definition of a civilizational form that is projected to the outside. This has in large measure cultural fundaments but is also linked to economic accumulation and class patterns, as well as articulated to the military, political and juridical dimensions.

Keywords: Empire – Mann – Panitch – Gindin – Hegemony – United States

Introdução

Na década de 1980, um filme canadense fez bastante sucesso nas telas do mundo: O declínio do império americano. Na verdade, naquele momento, os Estados Unidos realizavam um processo de recuperação militar – com relação à derrota na guerra do Vietn㠖 e também econômica, com uma forte reestruturação interna e mudanças nas re-gras do sistema internacional que os levariam a uma retomada de seu poder global. Hoje se fala novamente de uma suposta decadência e perda de poder estadunidenses. Ao mesmo tempo, desde os anos 1990 o termo "império" reassumiu destaque nas discussões sobre esse país. Livros recentes voltaram a debruçar-se sobre o tema. Michael Mann finalmente completou sua série sobre as "fontes do poder social", com seus dois últimos volumes dando destaque ao poder dos EUA; Leo Panitch e Sam Gindin realizaram uma detalhada exploração de sua economia política. Essas são investigações com forte base sociológica, maiores que grande parte das discussões até agora. Ao examiná-las, teremos a possibilidade de revisar a discussão em seu conjunto, retomando as posições de outros autores que desde então vêm dela tomando parte.

A conclusão fundamental a ser argumentada nesse sentido é que o poder dos EUA não pode ser enquadrado na categoria tradicional de "império", ainda que mantenha elementos que remontam ao exercício imperial do poder, já transformados, no entanto, pelo desenvolvimento da modernidade. Uma segunda conclusão é a de que seu poder externo se calca em sua própria estruturação interna, na definição de uma forma civilizacional que se projeta para fora, em grande medida com fundamentos culturais, porém também vinculada a padrões econômicos de acumulação e de classe, bem como conjugada às dimensões militares, políticas e jurídicas do poder. Ou seja, os Estados Unidos deveriam ser tratados não como um império, e sim a partir de uma forma mais descentrada de organização do poder a nível global, arranjo no qual esse Estado nacional cumpre papel decisivo, incorporando, mas também, portanto, superando a recente literatura sobre o tema.

Organizando o Capitalismo Global

A posição de Panitch e Gindin (2012, p. 1) é por eles resumida da seguinte maneira:

Embora tenha também havido certa moda renovada do termo "império" para designar os Estados Unidos, as práticas imperiais do Esta-do norte-americano são em geral apresentadas como acompanhadas pelo declínio econômico e explicadas em termos de uma defesa ante os desafios dos Estados rivais. A realidade, contudo, é que foi a imensa força do capitalismo dos EUA que fez a globalização possível, e o que continua a fazer o Estado norte-americano distinto é seu papel vital em administrar e supervisionar o capitalismo no plano do mundo como um todo.

De forma geral, eles querem garantir que a discussão sobre a globalização, em que a expansão do capitalismo é crucial, mas pouco comentada, ganhe proeminência, e que o papel do Estado, também geralmente pouco considerado, assuma destaque, transcendendo a falsa dicotomia entre ele e os mercados. Nenhum outro tem sido mais importante nesse sentido que o dos EUA. É essa trajetória, portanto, que eles vão reconstruir. Em certa medida, dentro do campo do marxismo, eles sugerem reservas quanto ao argumento de Harvey (2005, p. 29), que reconhece que haveria uma lógica territorial ao lado da capitalista, no fenômeno do imperialismo e do império dos EUA, em particular.

A questão do que significa de fato "império" hoje, contudo, é também tratada, marcando continuidades com o passado e buscando o que haveria de novo nisso. O capitalismo teria então mudado a antiquíssima história dos impérios, que envolvia basicamente o domínio político sobre extensos territórios – com controle militar e econômico. A economia agora reina, ela sim, soberana: os britânicos, pela primeira vez, criaram um império "informal", novo, o "imperialismo livre-cambista", ainda que a conquista e o colonialismo continuassem tão importantes como antes (PANITCH; GINDIN, 2012, p. 1-5). O "império informal" estadunidense teria integrado o avançado mundo capitalista por meio das corporações transnacionais, de maneira distinta dos antigos laços norte-sul. O livre mercado foi o centro dessa estratégia, ainda que, em certo momento, os EUA tenham aceitado keynesianismo, social-democracia e industrialização por substituição de importações, como na América Latina e até mesmo no Oriente Médio, ou via exportação com o fechamento do mercado interno, como no Japão, dada a forte repressão à classe trabalhadora do país, ao contrário do que se passou na Europa, onde se expandiram os mercados de consumo. A tecnologia e os métodos de organização das empresas estadunidenses foram globalizados, sem que seus recipientes conseguissem, de fato, competir com os EUA. Esse império, ao contrário talvez do que se passou com a Grã-Bretanha, não surgiu sem planejamento e desejo. Os EUA se aplicaram sistematicamente a desenvolvê-lo em todos os campos, com ademais uma ênfase liberal relevante na questão do "império da lei". Foi para isso que se pôs como tarefa crucial reestruturar os outros Estados capitalistas e reviver o capitalismo de seus próprios rivais, fortalecendo-o, assim, globalmente (PANITCH; GINDIN, 2012, especialmente p. 6-8, 10, 14-15, 89-90, 104-105, 202 e 224).

Entretanto, isso só foi possível em função da própria estruturação do capitalismo estadunidense, cujo ADN expansionista já se cristalizara no século XIX, com produtividade acentuada e um New Deal já inclinado à direita, e, por outro lado, uma forte incorporação da classe trabalhadora (PANITCH; GINDIN, 2012, p. 10, 172, 183 e passim). Os negócios são hoje realizados em todo o mundo de maneira americanizada e isso é tomado como óbvio (PANITCH; GINDIN, 2012, p. 275). Ao passo que na Europa e no Japão houve uma situação de muita proximidade entre as classes dominantes estadunidenses e aquelas outras que eram agora ajudadas pelos EUA, com clara colaboração mútua, no restante do mundo tratou-se de dominação mais dura e mais ou menos calcada na força.

Para muitos, os anos 1970 teriam testemunhado o declínio do poder dos EUA. Panitch e Gindin recusam totalmente essa tese. O sucesso teve, por outro lado, efeitos que demandam novas maneiras de articu-lar o capitalismo global, embora eles afirmem que há continuidades fortes entre o pós-guerra e o período neoliberal.

Se nos anos 1950, na saída de uma guerra que destruiu grande parte do mundo, os EUA tinham 35% do Produto Interno Bruto (PIB) global e isso caiu para 27% em 1970, mantendo-se mais ou menos constante desde então acima de 20%, não há razão para pensar que essa situação indica declínio: seu projeto imperial calcava-se na retomada do capitalismo no resto do mundo e no estabelecimento de formas de regulação do intercâmbio global de mercadorias, ainda mais livre a partir dos anos 1980, o que foi alcançado amplamente.1 1 . A Grã-Bretanha jamais chegou perto de ter tamanha fatia do PIB global, sequer no auge de seu império, sem falar da magnitude do PIB per capita dos EUA, também no topo da classificação e longe do da maioria dos países, inclusive Brasil, Rússia, China e Índia. Os EUA mantêm a liderança na tecnologia e nas finanças, que foram fundamentais na reorganização recente do capitalismo – e não implicam um momento de decadência, ao contrário do que sugerem autores vinculados à "teoria do sistema mundial". Sua base material é muito forte, concentrando ainda a Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) das corporações transnacionais, que se beneficiam da grande massa barata de salários que apareceu nas últimas décadas em vários outros países, e também os serviços para os negócios, incluindo poderosas firmas legais de atuação global, além de contar com o enfraquecimento da classe trabalhadora e de sua identidade, em especial por meio da expansão do crédito e sua incorporação ao mercado. Os déficits no balanço de pagamentos são, inclusive, instrumentais para o poder norte-americano, ajudando a difusão do dólar e sua consolidação como reserva de valor global. Entre 1983 e 2007, a economia dos EUA cresceu em média 3,5% ao ano, configurando uma segunda época de ouro, taxas apenas ligeiramente inferiores às dos anos 1940-1960, ambos os períodos tendo sido excepcionais na história do capitalismo. A produtividade industrial cresceu 2,5% na indústria e os EUA continuaram a ser o melhor lugar para investir, bem como o principal recipiente de investimentos estrangeiros diretos (IED).

A questão vai, contudo, muito além do PIB produzido dentro dos próprios EUA. Se entre 1980 e 2007 o PIB global se duplicou e se as corporações estadunidenses têm 30% de seu lucro fora do país, é preciso levar em conta que atualmente há uma hierarquia no sistema manufatureiro global. Mesmo para a China, os EUA são a principal fonte de tecnologia e especializações, bem como em parte de capital, com suas exportações dependentes em larga medida daquele mercado e tendo no dólar sua base de reservas estrangeiras. Se as importações criaram grande déficit, vinculadas ao consumo conspícuo dos setores mais abastados e ao crescente endividamento dos consumidores em geral, esse desequilíbrio se sustentava na atração de capital, o que não é uma medida de fraqueza, e sim de robustez (PANITCH; GINDIN, 2012, p. 134, 147, 172-192, 275-84 e 291-300).

Mesmo assim, uma enorme crise desabou sobre o mundo, tendo seu epicentro nos EUA. Para explicá-la, Panitch e Gindin recusam especialmente a hipótese que se poderia extrair dos textos de Brenner (2006a) de uma "superacumulação" e bloqueios na "realização" do capital.2 2 . Eles haviam se engajado polemicamente com a publicação original daquelas teses (PANITCH; GINDIN, 2005; réplica em BRENNER, 2005). Para Harvey (2005, p. 121 e 173ss), não só é real a crise de superacumulação apontada por Brenner, como é dela que deriva a necessidade de "arranjos" temporários para manter a acumulação capitalista em curso ou preparar sua retomada, entre eles a "acumulação por despossessão" (cujo alcance Brenner (2006b) prefere circunscrever). Para uma interpretação mais geral da crise desde 2007, menos suave que a de Panitch e Gindin, ver Harvey (2010). Os lucros haviam sido retomados e a saúde das corporações era boa, embora – e aí reside o ponto mais vulnerável de seu argumento–ocrescimento estivesse baseadonoendividamentodos trabalhadores, que tinham em imóveis capturados por uma bolha especulativa as garantias para esses empréstimos. Um problema pontual em finanças que havia adquirido enorme importância, dentro e fora dos EUA, levou, assim, ao desencadeamento da crise. Todavia, o sistema financeiro saiu dela ainda mais concentrado e globalmente dominante, o dólar se fortaleceu e o G20 impediu o retorno ao protecionismo, seguindo os passos do G7 como uma extensão da política dos próprios EUA, sua existência revelando a crescente importância dos países em desenvolvimento dentro da geografia do capitalismo global. Isso posto, eles não conseguem explicar por que um problema tão pequeno gerou uma crise tão brutal, nem as renitentes dificuldades de recuperação (PANITCH; GINDIN, 2012, p. 310-337).

Além disso, não problematizam o endividamento da população, única maneira com a qual foi possível manter um padrão alto de consu-mo em uma situação de baixa dos salários e enorme aumento das desigualdades, liderando um processo que se espalhou pelo mundo (ver BARTELS, 2008, cap. 1; DADUSH et al., 2012; BOURGUIGNON, 2012, p. 29-33; bem como MANN, 2013, p. 331-344). A saída da crise dos anos 1970 se fez justamente à custa dos trabalhadores, em favor do grande capital, em particular financeiro. O "padrão de consumo intensivo" do fordismo foi alterado, mantido em parte somente pelo endividamento da população, no momento em que a produção deslanchava. A conclusão de que havia problemas efetivos de realização do capital crescentes e que eles se relacionam com a explosão da crise parece inevitável.

Adiante buscarei uma avaliação mais sistemática das teses de Panitch e Gindin. Basta, por ora, observar que há um déficit de teorização em sua abordagem. Ela tem descrições em abundância, porém sem avançar conceitualmente nos temas fundamentais que lhes ocupam. O que significa império, imperialismo, hegemonia, divisão do trabalho e de funções no sistema global? Há pouco esforço para responder a esse tipo de indagação, a despeito da riqueza informativa e das teses mais específicas do livro. De certa maneira, ainda que com uma paleta sociológica mais ampla, esse problema surge também na obra recente de Mann.

O Império e as Fontes do Poder Social

Mann escreve seus dois volumes em uma perspectiva que a princípio seria multidimensional, na esteira de um weberianismo revisto, o qual, contudo, tem de todas as "fontes do poder" uma visão profundamente instrumental, o que reduz em particular o alcance do "poder ideológico", porquanto essa dimensão hermenêutica da vida social tenha seus elementos simbólicos e produtores de sentido, se não esvaziados, ao menos secundarizados. De todo modo, seu estatuto não é totalmente claro, uma vez que aparecem como fontes realmente autônomas em suas descrições, ao tempo em que ele reivindica o caráter de tipos-ideais para elas.3 3 . Ver Mann (1986a; 1986b; 2003) e Domingues (1999, cap. 4), para uma análisedesua visãodahistóriaedateoriasociológica. Elequeragoraretificar a omissão, no volume 2, dos impérios modernos (MANN, 2012, p. vii; 2013, p. 37). É nos poderes econômico e militar, também com certa atenção à fonte política, que ele concretiza a análise do império norte-americano, embora sua dimensão interna receba um tratamento em que as quatro fontes comparecem.

O primeiro tema a ser considerado é a tipologia de Mann (2012, p. 17-20; 2013, p. 86-87) dos impérios, que forneceram o "tipo mais dominante" de vastas sociedades através da história, servindo aos desejos humanos de alcançar suas metas e, para tal, utilizando-se de armas – razão pela qual, tendo se tornado poderosos e acostumados a fazer guerra, os europeus tentaram conquistar o mundo. O imperialismo, afirma ele, é um aspecto "nuclear" da modernidade. "Império" é definido aqui como um "sistema centralizado, hierarquizado, de domínio", adquirido e mantido pela coerção – no que o poder político e militar é decisivo – de um território central (core) sobre as periferias, mediando inclusive entre elas. Eles são de vários tipos: 1) império direto: quando um território conquistado é incorporado ao reino do centro, primeiro mais despoticamente, depois de modo mais político, podendo até mesmo desaparecer tal tipo de relação se os povos submetidos são plenamente incorporados (o que era difícil para os impérios modernos, devido ao racismo); 2) império indireto: com afirmação de soberania política por parte do centro, mas com os setores dominantes da periferia mantendo certa autonomia e negociando regras. Ambos envolvem colônias; e 3) império informal: os senhores da periferia mantêm plena soberania, mas sua autonomia é severamente restringida por formas de intimidação pelo centro, que detêm poder militar e econômico (o que se magnificou com o surgimento do capitalismo). Ele se subdivide em três tipos: império informal dos "barcos armados" (gunboat), quando o poder militar é aplicado em intervenções pontuais; império informal por substitutos (proxies), com intimidação militar indireta; e imperialismo econômico – que realiza a coerção –, embora isso não seja, estritamente, império.

Já a "hegemonia" seria a "liderança rotinizada de um poder dominante sobre outros", vista como natural e legítima, bem como envolvida no cotidiano das práticas da periferia, no que ele gostaria de ver como uma definição gramsciana (o que não é bem o caso, como veremos mais à frente). Ela seria mais, contudo, que o "poder brando" – no sentido de Joseph Nye –, mas de todo modo não implicaria coerção; logo, não se trata aqui de império, nem de "poder autoritativo", e sim de "poder difuso".

Uma série de elementos teria preparado os EUA para a experiência imperial. Se no século XVIII o imperialismo estadunidense era reduzido e as experiências coloniais diretas em Porto Rico, Cuba e Filipinas problemáticas, o império dos "barcos armados" começou cedo no século XX em relação à América Latina, com "cristalizações" imperialistas no Congresso. A reorganização do capitalismo no país pelo New Deal foi importante também, com sua inflexão ademais à direita no pós-guerra (MANN, 2012, p. 74-92ss e cap. 8). Quais as características fundamentais do império norte-americano?

Sem possuir colônias ou colonos, a América não tem tido um império direto ou indireto, em vez disso administrando a gama imperial completa, de uma sequência de conquista-retirada que engendra colônias estritamente temporárias à mera hegemonia, passando pelo império informal. [...] Assim, embora a América tenha tido mais poder extensivo que qualquer outro império e mais efetivo poder econômico, sua dominação foi de certo modo menos intensiva (MANN, 2013, p. 23-24).

A dominação dos EUA tem assumido formas distintas. Abraçou características de hegemonia na Europa, onde as coletividades dominantes necessitavam dos EUA quase tanto quanto eles delas careciam, com a contenção do comunismo e a revitalização da economia capitalista global. Império indireto foi a forma que assumiu na Ásia Oriental, posteriormente configurando-se como hegemonia também aí, com o Japão integrado com os EUA e com a Europa em uma ordem multilateral, em face do enorme potencial econômico de toda a áreaeanecessidade de conter o comunismo, em uma fase além de descolonização. Distintos métodos de império informal foram aplicados na América Latina e no Oriente Médio. Os EUA, argumenta Mann, não buscaram o império: a Segunda Guerra Mundial o engendrou, dado seu poderio econômico crescente, o surgimento do "complexo industrial-militar" e sua expansão militar pelo mundo. Mesmo após guerras e a instalação de clientes amigos, os EUA se retiram dos territórios conquistados. Seu poder militar é espantosamente superior ao de qualquer outro país, podendo arrasar quaisquer territórios, os quais não conseguem entretanto ocupar de fato, nem induzir comportamentos diretamente, contando, por outro lado, com sua liderança na economia capitalista global para nela integrá-los e oferecer-lhes benefícios.4 4 . Em seu livro anterior sobre os EUA como "império incoerente" – posição um tanto diferente da que esposa agora –, Mann (2003, p. 27-29) observou que a própria violência exercida pelos EUA tem de ser moderada, pois, para sua população, grande parte das práticas sistemáticas e abertas como as dos impérios coloniais europeus no século XIX seriam hoje inaceitáveis, ademais de seus cidadãos terem poucas inclinações a se envolverem nas guerras de seu país. Menos intervenção política e ideológica seria, assim, necessária – e, diga-se de passagem, como a hegemonia em sentido gramsciano se encaixa nisso é algo obscuro (MANN, 2013, p. 23-30, 38ss e 87-128).

Mann realiza uma análise apurada da história dos EUA, em particular das lutas em torno ao New Deal, do destino da coalizão liberal-trabalhista – negando qualquer excepcionalidade ao país, exceto no tocante à questão racial como fenômeno interno –, do movimento pelos direitos civis e da "grande recessão neoliberal" (MANN, 2013, caps. 2-6 e 10-11). Entretanto, em muitos momentos, ao contrário do que ocorre com Panitch e Gindin, não é realmente claro como isso se relaciona com o império, conquanto o fortalecimento dos grupos dominantes internos seja fundamental para que o país se projete global-mente. Da mesma forma, ele realiza uma análise das alternativas ao império estadunidense, do Japão imperial à União SoviéticaeàChina, com um razoável nível de racionalidade – nem sempre disponível nas atividades humanas, por exemplo frente à mudança climática atual – sendo encontrado para evitar uma guerra nuclear entre as superpotências, bem como da derrota daqueles competidores e da mudança de rumo da última, o que implica em rivalidade e disputa global (MANN, 2012, caps. 10-12 e 14; 2013, caps. 7-8).

Mann recusa a tese dos teóricos do sistema mundial sobre a decadência do poder norte-americano, que continua economicamente muito poderoso, inclusive na área financeira, bem como, especialmente, na de serviços. A despeito do crescimento de outras economias, provavelmente sobreviverão como o poder principal na primeira metade do século XXI. Seu poder militar é agora "hiperativo", com dominância no "espectro completo", na linguagem do Pentágono, dos recursos militares, como nenhum outro poder antes na história, estando o país envolvido continuamente em guerras desde 2001. Os neoconservadores, contudo, foram demasiado confiantes: seus erros derivam disso – como exemplo a invasão do Iraque –, pois nunca desde a Segunda Guerra Mundial os EUA tentaram invadir um país no qual não tivessem aliados internos. É possível que repetidos equívocos levem a uma decadência mais rápida do império (MANN, 2013, p. 270-275, 311-318 e passim).

Reavaliando o Império

Essas duas obras nos fornecem uma descrição bastante completa da trajetória dos EUA, de sua modernidade e da formação de seu império. Duas limitações são, entretanto, imediatamente visíveis. Pouca atenção é dada aos fenômenos culturais, à "dimensão hermenêutica" da vida social. Isso seria mais compreensível no caso de Panitch e Gindin, porquanto sua abordagem se concentre diretamente na questão da economia política. No caso de Mann, contudo, se mostra mais problemática, pois sua perspectiva seria mais abrangente, ainda que empreste mais atenção à "ideologia", a despeito de uma visão demasiado instrumental de seu funcionamento. Mais grave é o fato de ambos se manterem no plano basicamente descritivo, não obstante a explícita alternância entre narrativa histórica e conceituação e comparação macrossociológica nos textos de Mann (2012, p. 3). Isso não quer dizer que não se utilizem de conceitos gerais: o marxismo, no caso de Panitch e Gindin, e um weberianismo reformulado, no de Mann, além de, em ambos os casos – mas mais explicitamente no de Mann –, também apresentar-se uma caracterização conceitual do termo "império". É daí em diante que as questões mais importantes e diretas podem ser postas, dialogando com outros autores relevantes para a discussão.

De início pode-se indagar sobre a adequação do termo "império" para a descrição do poder global dos EUA. Autores como Ferguson (2004, especialmente p. 2, 7-13 e 29), com quem Panitch e Gindin, bem como Mann, dialogam diretamente, concordando basicamente com suas categorizações, propõem definições apologéticas e glorificadoras de império, nas quais sua informalidade e suposto caráter benigno não negam seu parentesco com antigos e mais tradicionais domínios territoriais diretos. Os EUA seriam, assim, um "império em negação", recusando Ferguson a categoria da "hegemonia", ao desqualificá-la como irrelevante, e demandando a concretização de um império liberal, para o qual falta, ao que parece, "vontade de poder" por parte dos EUA – ou de sua população, como se pode perceber nas entrelinhas. O mesmo ocorre com Johnson (2004, p. 28-30), para quem o domínio direto não é o que define o império, e sim o poder de um Estado mais forte sobre outro mais fraco, as multinacionais hoje configurando de todo modo um tipo de "neocolonialismo". Isso iria muito além, pensa Johnson, do conceito de hegemonia – não por acaso dando ele peso particular, e excessivo, por quase exclusivo, ao militarismo desse novo "império de bases" disseminado por todo o mundo, além de seu uso de mercenários e da terceirização.5 5 . Ver Joas e Knöbl (2008, cap. 7), para os novos aspectos da guerra – junto ao tema de sua difusão em termos de baixa intensidade, o que se vincula, pode-se aduzir, às novas estratégias estadunidenses, como a utilização de drones para assassinatos seletivos.

Nem sempre, contudo, se obtém tanta claridade e definições inequívocas. Hobsbawm (1987, cap. 3; 199, p. 199-222; 2003) fala do fim da era dos impérios por ocasião do término da Segunda Guerra Mun-dial, com apoio dos EUA e do imperialismo moderno como um novo tipo de fenômeno, sobretudo econômico, concordando parcialmente com as teses de Lênin e Rosa Luxemburgo (sem discuti-las em detalhe). Mas acabaria por falar em "neocolonialismo" e, posteriormente, das novas formas do império estadunidense. Outros autores sugerem tipologias mais detalhadas e historicamente orientadas, sem avançar de maneira decisiva e aceitando os EUA como um deles (STEINMETZ, 2005a; 2005b). Textos como o de Hardt e Negri (2000) reconhecem modificações fundamentais nessa estruturação, pensando o poder capitalista e "biopolítico" global como altamente descentrado, embora dividido agudamente entre seus setores dominantes e a "multidão", cuja energia vampiriza. Sua utilização do termo "império" acaba, todavia, por ser da ordem das "metáforas imperiais", como observa Conneley (2005), sem que haja, podemos aduzir, análise realmente sistemática que sustente suas afirmações. Mais incisiva é a observação de Stoler (2005, p. 54-56), para quem nossos vocabulários sobre o império têm levado a confusões e se mostrado inadequados, termos como "domínio indireto", "império informal" e "colonialismo interno" consistindo em "eufemismos que não ajudam, em vez de [serem] conceitos operativos" – o que, reconhece, se deve em parte ao fato de que os impérios eles mesmos não são coerentes. Enfim, Knöbl (2012) assinala que conceitualmente a questão é bastante obscura e que o uso do termo "império" tem lugar, em parte, ao menos devido ao interesse em uma escrita da história que hoje assume um caráter mais global.

Mais genericamente, Kumar (2010) observou que não se deve ver a diferença entre nações e impérios dicotomicamente, ainda que tampouco se deva confundi-los. Nações foram, muitas vezes, criações de expansões imperiais, ao passo que impérios podem assumir a forma enganosa de nações. Além disso, ele assinala que a ideia de impérios em competição entre si é uma invenção moderna, pois em princípio implicavam uma unidade global – o que daria hoje ao "império" estadunidense, vale acrescentar, o aspecto de uma retomada de antigas tradições imperiais. Contudo, a questão da independência formal de todas as unidades políticas do sistema internacional põe em discussão essa perspectiva, pois a unidade somente é admitida aqui em sua diversidade de soberanias formais.

Seria a categoria da "hegemonia" uma alternativa à de império? Vimos que, tanto em Panitch e Gindin como em Mann, ela complementa a de império, em lugar de a ela se opor, mas com definições pouco claras em suas obras. Em autores propriamente gramscianos, ela combina – ao contrário do que sugere Mann – consenso (liderança em certo sentido, portanto) e coerção (GILL, 1993). Em outros auto-res, aponta para a capacidade de um país definir as regras do sistema internacional, sendo pouco claro o papel da dominação nesse contexto, mas decerto evitando-se o controle da periferia pelo centro, típico dos padrões imperiais (KEOHANE; NYE, 1977, p. 4; ver também SNYDER, 2005, para as possibilidades atuais dos EUA). Clark (2011, especialmente cap. 1) argumenta que o conceito de hegemonia não possui definição estabelecida, envolvendo de modo geral dois significados: "primazia" (dominação baseada em fatores materiais, de caráter mais próximo ao realismo) e liderança, com legitimidade, por vezes tendendo ao consenso (com cunho mais gramsciano). O debate teria se tornado confuso nas últimas décadas, evocando um papel mais decisivo para o conceito de cultura, de sorte a escapar desses impasses.

Vistas as coisas desse ângulo, a categoria império não parece ser muito adequada para falar de novos fenômenos, que são distintos até mesmo do império britânico. Tampouco é fácil livrar-se dela, pois não surgiu alternativa teórica à altura desse velho conceito, a categoria da hegemonia na verdade não se contrapondo totalmente a ele. Ainda assim, melhor seria buscar avançar nesse tipo de conceituação. Fato é que os EUA, a partir de uma situação de clara preeminência, estabeleceram relações de hegemonia com a Europa, com alto grau de consenso e, por outro lado, de coerção bastante reduzido, mas não de todo ausente, sobretudo do ponto de vista econômico, ao pas-so que, com o Japão e, posteriormente, com a Coreia, a relação terminou por ser de hegemonia, mas com graus de coerção maiores, particularmente no início. A dominação cintila claramente nas relações que encetaram com a América Latina e o Oriente Médio, pouco sendo capaz de inicialmente influenciar o sul da Ásia, mas tornando-se cada vez mais preeminente aí, bem como no leste da Europa, seja através de seu poderio econômico e militar, seja através da mediação da União Europeia. É exatamente nas áreas do mundo em que a cultura ocidentaltem mais direta importância –aEuropaeaAmérica Latina –, que sua hegemonia é mais diretamente sentida, embora ela tenha atualmente assumido caráter mais forte na Índia e na Ásia em geral, inclusive na China, e mesmo no Oriente Médio (Egito). Mais que isso, as regras do sistema internacional (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio) corresponderam e respondem aos interesses e projetos estadunidenses, em-bora no caso da Organização das Nações Unidas (ONU) a situação tenha sido sempre menos simples.

Portanto, podemos falar de um poder que remonta aos esquemas imperiais, ao menos em parte, que se exerce globalmente sob a forma de consenso mesclado com coerção, em relação a regiões distintas e em momentos distintos, ou seja, com diferentes configurações espaço-temporais, mas não simplesmente de império. Isso é uma conceituação anacrônica em larga medida, pois se tratam de relações de soberania formal entre Estados independentes, tese e norma crucial da modernidade, que acabou sendo tomada como absoluta ao fim da Segunda Guerra Mundial, com apoio dos próprios EUA, ainda que um dentre eles tenha muito mais poder que os outros e exerça o imperialismo econômico. Tampouco a tese do "império informal" parece adequada, pois parte da ideia de império, apenas suavizando-a, enquanto o percurso empírico e conceitual deveria partir do ponto contrário, isto é, da autonomia formal para definirem-se então as relações de poder que se verificam nesse enquadramento. Nem sequer a tese da hegemonia tal qual apresentada pelas teorias das relações internacionais parece ser adequada quando aplicada para falar de um Estado que parece poder tudo. Trata-se, sim, de um poderoso Estado nacional capaz de dominar os outros e, em larga medida, o conjunto do sistema, mas com a ascensão paulatina de outros Estados isso se fez mais complicado e condicional, embora a situação anterior de poder em larga medida se mantenha, mitigada em relação à sua emergência como poder quase absoluto e unilateral após a derrota da URSS na "Guerra Fria". Ademais, há elementos claros de poder muito mais difuso – e penetrante, como argumentarei.

Além disso, como observou Anderson (2005), com clara influência, conquanto difusa, da Escola de Frankfurt, a estrutura corporativa e o caráter abstrato da produção, do direito e da cultura dos EUA são o que tem permitido que esse país engendre certo grau de consenso no sistema internacional e na estruturação do capitalismo global. Ele próprio não empresta maiores desenvolvimentos à sua tese, ocorrendo o mesmo com Panitch e Gindin (2012, p. 25-26), que o citam sem tirar daí todas as conclusões necessárias, ao considerar muito parcialmente o plano da cultura e, na verdade, a questão da hegemonia em uma perspectiva gramsciana. Para entender isso melhor, é preciso retornar à analise da sociedade estadunidense. Assim poderemos indagar em que medida faz efetivamente sentido a tese de Mann de que o poder dos EUA foi menos intensivo que o de outros impérios. Trata-se de buscar entender como a construção da hegemonia interna (incluindo, mas indo além da questão das relações de poder entre os atores) se projeta para o exterior, conformando uma hegemonia global, agora em sentido mais próximo ao gramsciano. É a construção de um horizonte civilizatório que deve ser levada em conta, pois é ele que permite, ao conjugar-se com outros fatores, uma dominação den-sa, intensa, indiretamente incorporando outros países e classes, mas, ao mesmo tempo, mais difusa que aquela encontrada em verdadeiros sistemas imperiais.

A Trajetória dos EUA e sua Projeção Mundial

Os EUA começaram a se projetar como potência regional em uma situação de liberalismo tradicional – não obstante medidas protecionistas no século XVIII para defender sua indústria têxtil nascente da concorrência inglesa. Mas, na verdade, sua fase de projeção pelo mundo se dá após a Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido, há uma forte transformação. Não que o liberalismo tenha sido abandonado. Panitch e Gindin estão corretos ao falar de um liberalismo que desde então se articula globalmente. Mas o keynesianismo e o fordismo – com um novo padrão de consumo já se cristalizando durante a guerra e seguindo vigente depois dela – foram elementos tão fundamentais da economia estadunidense e de sua projeção global ao longo do tempo quanto a sua estrutura de corporações e seu sistema legal. Originalmente, uma hegemonia calcada na fábrica definiu o horizonte da civilização norte-americana, como notou Gramsci (2001), e no con-sumo de massa, que se concretizou apenas ulteriormente, permitindo um crescimento interno sustentado e um padrão de certo modo semelhante na Europa, ainda que mais modesto no consumo e mais baseado no Estado do bem-estar, apesar de outras áreas não terem obviamente sido transformadas com isso em mente, nem sequer o Japão ou a Coreia do sul, cujas economias se voltaram então para a exportação. Os EUA nesse momento tinham – para empregar os conceitos da teoria da regulação francesa – um modelo fordista com "consumo intensivo", implicando que os trabalhadores passaram a consumir bastante, sustentando assim o processo de acumulação (AGLIETTA, 1976).

O cenário mostra-se hoje renovado, interna e externamente, sem rupturas radicais, por outro lado. A democracia foi restringida em vários aspectos (BARTELS, 2008; SKOCPOL, 2003; SASSEN, 2006), seguindo-se à derrota da coalizão liberal-trabalhista em meados do século XX, não revertida pelo movimento dos direitos civis, muito me-nos pela eleição de Barack Obama para a Presidência – ainda que sem diminuição do intervencionismo do Estado na economia do país (PIERSON; SKOCPOL, 2007), o que inclui há muito o keynesianismo militar. A desigualdade cresceu brutalmente. Por outro lado, des-de os anos 1960 começou a se espalhar – em parte, pode-se supor, como efeito dos problemas de "superacumulação" assinalados por Brenner, pela América Latina inicialmente e, enfim, em outros países "subdesenvolvidos" – a presença das corporações estadunidenses produtoras de bens duráveis (carros, especialmente) e seu consumo particularmente pelas classes médias e algumas camadas de trabalhadores com melhor remuneração. Isso de fato viabilizou global-mente e se projetou com a mudança no padrão do capitalismo rumo ao que Harvey (1990) chamou de "acumulação flexível", expressão que pode ser completada como "acumulação flexível e polarizada", com grande ênfase ademais nos serviços e na cultura. Ele se funda hoje na compressão dos salários e na concentração do consumo, em sua pluralização pós-fordista, nas classes médias, por todo o mundo de forma integrada, na China e na Índia, parcialmente no Mundo Árabe e até recentemente na América Latina, que tenuemente, mas reduzindo também um pouco a desigualdade, desafia esse padrão, com a polarização na África sendo em geral mais dicotômica (DOMINGUES, 2012).

Trata-se agora, retomando a teoria da regulação, de um padrão de "consumo extensivo" global, calcado em consumismo e ética hedonista, fechamento do horizonte histórico e satisfação ao nível quase que exclusivamente individual, bem como na polarização social des-de a década de 1980, com a chegada do neoliberalismo ao poder (BELL, 1978; JAMESON, 1991). Assim, se há ou não superacumulação – e, mais ainda, "subconsumo" – é questão que se põe em aber-to; mas que o crédito para financiar o consumo, nos EUA e alhures, se tornou fundamental em função da crescente desigualdade parece indiscutível. Isso explica, ao menos em parte, por que a recuperação, inclusive nos EUA, é tão difícil. Logo, não há solução de continuidade no poder das classes dominantes estadunidenses: retoma-se a polarização social das classes trabalhadoras, com aquelas controlando também o poder corporativo das empresas que se projetam sobre o espaço global e têm nos EUA sua base de operações, proprietários e horizonte civilizatório (DOMHOFF, 2010).

Que tem isso a ver com hegemonia? Em um sentido, nada, se nos referimos diretamente às regras do sistema internacional. De modo mais indireto, a ampliação e a liberalização do comércio internacional estão em larga medida calcadas nesse tipo de perspectiva, no qual o consumismo e o acesso a bens por parte dos indivíduos como consumidores finais estão, por seu turno, baseados. Há, porém, um elemento ainda mais profundo na hegemonia norte-americana: se há uma ascensão parcial de alguns países de fora do núcleo capitalista dominante original, após, deve-se notar, a derrota do projeto soviético de desafio ao capitalismo, ela tem lugar fundada exatamente no modelo estadunidense de acumulação global flexível e polarizada, que atua como um magneto sobre as classes dominantes e médias de todos os países. O poder dos EUA, ao contrário do que supõe Mann, é muito mais intensivo, ainda que "brando", do que aquele de impérios antigos. Nesse sentido, se segue havendo coerção no sistema global, um alto grau de consenso no mundo inteiro se verifica, articulando esses setores nos EUA e em outros países e continentes, emprestando face específica e fortemente "americanizada" à civilização moderna global em sua contemporânea, mais heterogênea e flexível (terceira, após a primeira, liberal-colonial, e a segunda, mais centrada no Estado), com mesmo as classes populares seduzidas pelo consumismo como horizonte civilizatório. Isso ocorre frequentemente em meio a hibridizações e pelos caminhos particulares trilhados por cada país e região, bem como ladeado por uma complexa mescla de liberalismo e políticas sociais globais, aplicadas em particular no "sul", em que se destacam o Banco Mundial e o combate/controle da pobreza (DOMINGUES, 2012; HALL, 2007). Em que medida os EUA são capazes de manter-se à frente do mundo em outras dimensões é questão obviamente fundamental, mas que não nos deve levar a esquecer ou mesmo tratar esses elementos como secundários.

A própria Europa caminha nessa direção, sob a hegemonia da Alemanha, reiterando o que se disfarçou durante algumas décadas, a saber, a desigualdade entre os diversos países do continente, ao mesmo tempo em que se acentuam as desigualdades dentro deles, com a crise da democracia se aprofundando (ANDERSON, 2010; STREECK, 2011; 2012; 2013; BECK, 2012). Tensões e questões eminentemente regionais e locais se manifestam nesses desenvolvimentos, mas eles não deixam de demonstrar o peso da influência dos EUA sobre o padrão global de acumulação, mesmo quando há diferenças pontuais quanto às políticas mais adequadas conjunturalmente. Reformas na direção do neoliberalismo, que em parte desmontam o poderio dirigista do Estado no Japão do pós-guerra, que serviu de fato como modelo para outros Estados do leste asiático, vêm mudando seu regime desenvolvimentista (ROSENBLUTH; THIES, 2010; VOGEL, 2006).

Nada disso implica que o poder militar, econômico e político dos EUA deveria ser visto como menos relevante, ao contrário. A capacidade de coerção entre Estados e outras coletividades é, como costumam salientar os autores "realistas", fundamental. Convém, porém, inseri-la em um contexto mais amplo, inclusive aquele em que se poderia falar simplesmente de poder "brando", pois a capacidade de atração hegemônica de estilo de desenvolvimento social pode garantir a adesão a um projeto de dominação, mesmo quando aspectos dele são menos palatáveis e agradáveis para grupos que não se encontram em seu centro e dele se beneficiam como sócios menores.

Isso ocorre em um momento de mudança da divisão internacional do trabalho, com a indústria se deslocando em parte para o que hoje consiste em uma semiperiferia (como observado por Amin (1973) no início do processo), por outro lado estabelecendo-se uma hierarquia entre os ramos industriais e sua localização global, como destacado por Panitch e Gindin no que se refere ao mundo contemporâneo, sem que teorizem a questão. A divisão entre centro, semiperiferia e periferia se sofistica e complexifica, muito além de um suposto "desenvolvimento do subdesenvolvimento", sem de modo algum desaparecer (DOMINGUES, 2012, parte II). Se a Europa e o Japão, subordinados e complementares em certa medida aos EUA, mantêm-se no centro, a China tenta subir, ascendendo à semiperiferia – sem que esteja claro como poderia passar adiante – com países como Brasil, Rússia, Índia, África do Sul e outros que desfrutam de situação em parte ainda menos auspiciosa. O poder dos EUA de modo algum estaria, portanto, declinando, embora sua capacidade de fazer e de romper as re-gras do jogo internacional lhe favoreça e demonstre sua força (FIORI et al., 2008), desgastando-o, por outro lado,6 6 . Embora ele não use o conceito de império (ou exatamente por preferir outros, como hegemonia, dominância, primazia, hierarquia entre Estados e "gran-des poderes", em especial), cabe retomar a observação de Bull (2002, p. 89, 102-111, 207-208 e caps. 5 e 9) de que a "balança de poder" é fundamental para evitar um "império universal". Este não seria o caso hoje, pois, como vimos, os outros países, por mais relevantes que sejam, estão muito abaixo do poder global dos EUA em qualquer campo. em particular na medida em que hegemonia significa oferecer soluções para problemas coletivos. Em particular a capacidade de intervenção militar, realmente limitada em seus efeitos positivos, pode terminar de nada servindo se não se produzem convergências em outros campos. Não está claro, porém, que isso esteja ao alcance dos EUA, dada a estreiteza dos interesses que hoje o controlam, o que, por outro lado, se reproduz em outros países do mundo. Seja como for, na economia e na política globais, bem como nos padrões civilizatórios, seu poder é enorme e deve durar muito, conquanto, como Roma, não possa, é evidente, perpetuar-se eternamente.

Para Além do "Império"

Conceitos são conceitos, não apenas palavras, como sói muitas vezes ser esquecido. Eles implicam conteúdos específicos e relações com outros conceitos, em muitos casos com mais de uma palavra denotando o mesmo fenômeno, e a mesma palavra, diferentes coisas. Os entendimentos do "império" construído pelos EUA ao longo do século XX e expostos aqui têm diferenças entre si, conceitualmente e em termos de ênfase, mas não se tratam de leituras incomensuráveis. Contudo, talvez devêssemos mesmo cunhar vocábulos novos para lidarcom talfenômeno, ainda que eleimpliqueacontinuidadeeamudança da dominação de "redes de poder" que há milênios caracterizam a história da humanidade. "Império", pura e simplesmente, é termo que falsifica o poder global dos EUA, o qual, como argumentei anteriormente, deve ser definido em seus próprios termos, inclusive para além da ideia de império informal ou de certas compreensões do conceito de hegemonia, sigamos utilizando ou não este vocábulo já tradicionalmente consagrado, sem por outro lado simplesmente convertê-lo em metáfora. É uma nova forma de estruturação do poder no plano global, retomando, mas redefinindo, elementos do exercício do poder imperial, o que deve ser redefinido e mais uma vez analisado.

O universo de sentido que os EUA projetam mundo afora como o horizonte hermenêutico da civilização, em termos de valores, cognitivo, normativo, expressivo e motivacional, tem sido, ademais, menos compreendido nessa conexão que suas relações de poder militar, político e econômico. Não se trata apenas de considerá-lo basicamente como uma fonte de poder, embora ele inclua essa dimensão, mas antes como composto de elementos simbólicos que dão sentido à vida e à história, assim se encaixando no exercício de poder dos EUA como parte de sua articulação hegemônica global. Só existe, é verdade, quando conjugado com o poder econômico e com os padrões de acumulação, hoje flexível e polarizada, do capitalismo e suas estruturas de classe, bem como com outros elementos, militares, jurídicos e políticos que a projeção do país no mundo permite, garante e reitera. Se o mundo não passa a existir à imagem e semelhança dos EUA, adqui-re por todas as partes muitas de suas características, seu horizonte civilizacional. Sem dúvida há mudanças na modernidade contemporânea, e elas afetam o sistema de poder global dos EUA. Contudo, em-bora possa vir a enfrentar desafios complicados e realmente algum dia termine por inevitável e efetivamente declinar, ele parece ainda ter vigor para vingar por várias décadas.

Notas

Artigo recebido em 12 de março de 2013 e aprovado para publicação em 1º de abril de 2014.

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  • 1
    . A Grã-Bretanha jamais chegou perto de ter tamanha fatia do PIB global, sequer no auge de seu império, sem falar da magnitude do PIB per capita dos EUA, também no topo da classificação e longe do da maioria dos países, inclusive Brasil, Rússia, China e Índia.
  • 2
    . Eles haviam se engajado polemicamente com a publicação original daquelas teses (PANITCH; GINDIN, 2005; réplica em BRENNER, 2005). Para Harvey (2005, p. 121 e 173ss), não só é real a crise de superacumulação apontada por Brenner, como é dela que deriva a necessidade de "arranjos" temporários para manter a acumulação capitalista em curso ou preparar sua retomada, entre eles a "acumulação por despossessão" (cujo alcance Brenner (2006b) prefere circunscrever). Para uma interpretação mais geral da crise desde 2007, menos suave que a de Panitch e Gindin, ver Harvey (2010).
  • 3
    . Ver Mann (1986a; 1986b; 2003) e Domingues (1999, cap. 4), para uma análisedesua visãodahistóriaedateoriasociológica. Elequeragoraretificar a omissão, no volume 2, dos impérios modernos (MANN, 2012, p. vii; 2013, p. 37).
  • 4
    . Em seu livro anterior sobre os EUA como "império incoerente" – posição um tanto diferente da que esposa agora –, Mann (2003, p. 27-29) observou que a própria violência exercida pelos EUA tem de ser moderada, pois, para sua população, grande parte das práticas sistemáticas e abertas como as dos impérios coloniais europeus no século XIX seriam hoje inaceitáveis, ademais de seus cidadãos terem poucas inclinações a se envolverem nas guerras de seu país.
  • 5
    . Ver Joas e Knöbl (2008, cap. 7), para os novos aspectos da guerra – junto ao tema de sua difusão em termos de baixa intensidade, o que se vincula, pode-se aduzir, às novas estratégias estadunidenses, como a utilização de drones para assassinatos seletivos.
  • 6
    . Embora ele não use o conceito de império (ou exatamente por preferir outros, como hegemonia, dominância, primazia, hierarquia entre Estados e "gran-des poderes", em especial), cabe retomar a observação de Bull (2002, p. 89, 102-111, 207-208 e caps. 5 e 9) de que a "balança de poder" é fundamental para evitar um "império universal". Este não seria o caso hoje, pois, como vimos, os outros países, por mais relevantes que sejam, estão muito abaixo do poder global dos EUA em qualquer campo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      12 Mar 2013
    • Aceito
      01 Abr 2014
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