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OPV: até quando?

CARTA AO EDITOR

OPV: até quando?

Em número anterior dessa revista, em excelente artigo de revisão por Bricks(1), foram analisadas com profundidade as estratégias propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no que se refere à utilização das vacinas contra poliomielite. Esse tema tem sido discutido também por outros autores. Recentemente foi abordada com bastante abrangência a questão do uso da vacina inativada contra poliomielite (IPV) como preferível nos calendários de vacinação, no sentido de conseguir, nos países em desenvolvimento, uma proteção e resposta sorológica adequadas, sem interferências de outros fatores, e de prevenir as complicações do vírus mutante em decorrência da utilização da vacina atenuada oral contra a doença (OPV)(2).

Mas o problema continua pendente, nem sequer discutido no Brasil, que se mantém em espera. Em 1988, contabilizava-se um total de 350 mil casos de poliomielite paralítica por ano no mundo, incidindo em 125 países. Chegamos ao final de 2007 com 1.936 casos no ano, 1.869 em quatro países endêmicos e 67 casos em seis países não-endêmicos, com o vírus reintroduzido.

Nesse processo de erradicação, as clássicas vacinas trivalentes atenuadas orais (tOPV) contra poliomielite tiveram um papel fundamental, pela possibilidade de imunidade de rebanho que elas proporcionam, além da agilidade no processo de vacinar uma grande quantidade de pessoas ao mesmo tempo com baixo custo. Entretanto, mesmo utilizando a tOPV, está sendo difícil controlar a ocorrência de casos em pelo menos três dos quatro países considerados endêmicos. Como a proteção contra a poliomielite com a utilização de tOPV é subótima nos países em desenvolvimento, são necessárias inúmeras doses da vacina para que se consiga um bom resultado. Vem daí a necessidade das campanhas contra a doença que parecem não ter fim.

Essa questão da imunidade, que não é adequadamente alcançada na vacinação com a tOPV em países em desenvolvimento, é um grave inconveniente que deve ser encarado e discutido. Enquanto a soroconversão, nos países desenvolvidos, é superior a 90% para o Poliovírus1 (PV1) e Poliovírus2 (PV2) e inferior a 80% em adolescentes e adultos jovens para o Poliovírus3 (PV3)(3), nos países em desenvolvimento, ela parece ser ainda menor, declinando com o tempo(4). Sabe-se que o nível baixo ou zero de anticorpos pela ausência de vacinação é o principal responsável pela ocorrência da doença em adultos, como os casos que têm sido reportados, mas não se sabe se o declínio da imunidade também contribui para isso. O fato é que têm surgido surtos de enorme gravidade com adultos, em vários países.

A vacina IPV é utilizada há vários anos nos países desenvolvidos com resposta sorológica adequada, mas estudos mais recentes feitos em Cuba e Guatemala mostram que a resposta sorológica é altamente satisfatória, sem interferência de outros fatores também nos países em desenvolvimento. A dificuldade operacional de implantação da vacina IPV, por ser parenteral, além do custo associado a essa vacina, são as justificativas usadas para não adotá-la como rotina nos programas de imunização dos países em desenvolvimento. É possível que o uso das vacinas combinadas viabilize a implantação da IPV, principalmente se analisarmos o enorme custo das campanhas de vacinação com tOPV e as perdas de vacina que sabidamente ocorrem. Estima-se que uma gota de tOPV custe 30 vezes mais que do uma gota administrada na imunização de rotina(5). Admite-se ainda, que, com a utilização de um esquema unicamente com IPV, ocorra uma economia de USD 9,41 por criança vacinada(6).

Espera-se, em curto prazo, que a poliomielite seja definitivamente eliminada do mundo e que nosso país tenha capacidade para fornecer vacina IPV para sua população. Já está mais do que na hora de nos programarmos para uma mudança na política de vacinação contra essa doença.

Luiza Helena Falleiros-Carvalho1 1 Professora adjunta; Doutora em Moléstias Infecciosas da Faculdade de Medicina de Marília; professora titular de Pediatria da Faculdade de Medicina Metropolitana de Santos; membro do Núcleo Assessor do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP); chefe da Seção de Pesquisas e Trabalhos Científicos do Instituto de Infectologia Emilio Ribas; presidente do Capítulo ConeSul da Sociedade Latinoamericana de Infectologia Pediátrica, São Paulo, SP, Brasil

Resposta

Fico muito feliz ao ver que o artigo publicado em nossa revista tenha tido grande repercussão (inclusive com matéria em jornais e discussões em órgãos públicos) e espero que, em breve, o Brasil siga o exemplo dos países desenvolvidos que já adotam a vacina inativada. Gostaria de ressaltar que, recentemente, o México foi o primeiro país da América Latina a incluir a vacina inativada em seu programa de vacinação. Não existem justificativas para nossos colegas permanecerem alheios às discussões, pois já está claro que o uso da vacina oral não permitirá a erradicação da poliomielite.

Além da questão de planejamento para a mudança, não podemos esquecer que existe um problema ético em oferecer às crianças pobres uma vacina que possa causar danos, diferente da que é oferecida às classes mais altas, com maior acesso a informação. Vale lembrar que as vacinas, diferentemente de outros fármacos, são recomendadas para crianças saudáveis. Se existe uma vacina mais efetiva e isenta do risco de causar poliomielite, do ponto de vista ético, é necessário optar pela mais segura. É dever dos médicos seguir o princípio de, em primeiro lugar, não causar danos (priumun non nocere).

Considero fundamental que os debates sobre as vacinas sejam feitos de forma ética e em revistas especializadas como a da Sociedade de Pediatria de São Paulo; creio que a carta tão bem escrita pela Professora Luiza Helena contribuirá para que os debates sobre o tema não fujam do conteúdo científico.

Lucia Bricks2 2 Doutora em Medicina pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); membro do Departamento de Pediatria Ambulatorial da SPSP e da SBP, São Paulo, SP, Brasil

  • 1. Bricks, LF. Vacina contra poliomielite: um novo paradigma. Rev Paul Pediatr 2007;25:172-9.
  • 2. Falleiros-Carvalho LH, Wecks LY. Universal use of inactivated polio vaccine. J.Pediatr (Rio J) 2006;82(Suppl 3):S75-82.
  • 3. Miranda MP, Gomes MC, Andrade HR. Seroprevalence of antibodies to poliovirus in individuals living in Portugal, 2002. Eurosurveillance 2007;12:A4.
  • 4. Pirez M, Oliveira I, Dibarboure H, Montano A, Barañano R, Badía F et al.. Estúdio de seroprevalencia de anticuerpos contra poliovirus en población entre 7 meses y 39 anos de edad en la ciudad de Montevideo 2003-2004. Abstracts. XII Congreso Latinoamericano de Infectologia Pediátrica. May 8-11; Costa Rica. p. 43.
  • 5. Medindia: network for health [homepage on the Internet]. Polio overdrive [cited 2007 Oct 27] Available from: www.medindia.net/news/Polio-Overdrive-Admits-Indian-Document-25814-1.htm
  • 6. Mascareñas A, Salinas J, Tasset-Tisseau A, Mascareñas C, Khan MM. Polio immunization policy in México: economic assessment of current practice and future alternatives. Public Health 2005;199:542-9.
  • 1
    Professora adjunta; Doutora em Moléstias Infecciosas da Faculdade de Medicina de Marília; professora titular de Pediatria da Faculdade de Medicina Metropolitana de Santos; membro do Núcleo Assessor do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP); chefe da Seção de Pesquisas e Trabalhos Científicos do Instituto de Infectologia Emilio Ribas; presidente do Capítulo ConeSul da Sociedade Latinoamericana de Infectologia Pediátrica, São Paulo, SP, Brasil
  • 2
    Doutora em Medicina pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); membro do Departamento de Pediatria Ambulatorial da SPSP e da SBP, São Paulo, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009
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