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Oscilações do desejo sexual no período gestacional

Changes of sexual desire during pregnancy

Resumos

O trabalho visa estudar a existência ou não de alterações do desejo sexual no período gestacional. Os sujeitos da pesquisa são quatro mulheres gestantes, todas psicólogas, participantes de um curso de atualização em sexualidade, e seus respectivos maridos. Para a coleta dos dados optou-se por um depoimento escrito, com duas perguntas orientadoras que questionaram sobre a ocorrência de oscilações do desejo. A análise dos dados foi feita através de metodologia fenomenológica e evidenciou dois aspectos comuns nos relatos: 1. O desejo sexual não se alterou na maioria dos sujeitos. 2. Os sujeitos dissociam alteração do desejo de outras alterações do comportamento sexual. As variantes nas descrições são apresentadas em seis temas: 1. Motivo da não-alteração do desejo. 2. Motivo da alteração do desejo. 3. Alterações na vida sexual descritas pelas mulheres. 4. Alterações na vida sexual descritas pelos homens. 5. O que não se alterou na vida sexual. 6. Vivências durante a gestação.

sexualidade; gravidez; desejo sexual; método fenomenológico


This paper looks at the changes of the sexual desire during pregnancy. The subjects of the study are four psychologists who were pregnant at that time, and their husbands. A written statement of two questions about the changes of the desire was the choice to collect the data. Data analysis was made by the phenomenological methodology. Results show two common aspects among the majority of the reports: 1. The sexual desire did not change in the majority of the subjects. 2. The subjects do not link the change of the desire with other changes of the sexual behavior. The variants of the reports are presented in 6 topics: 1. Reasons of the maintenance of the desire. 2. Reasons of the change of the desire. 3. Changes of the sexual behavior described by women. 4. Changes of the sexual behavior described by men. 5. Aspects without changes in the sexual behavior. 6. Experiences during pregnancy.

sexuality; pregnancy; sexual desire; phenomenological method


ARTIGOS

Oscilações do desejo sexual no período gestacional

Changes of sexual desire during pregnancy

Marilise Brockstedt LechI; Paulo César Ribeiro MartinsII

IProfessora da Universidade de Passo Fundo/RS Mestranda em Educação pela UPF, Especialista em Educação Infantil pela PUC/RS, Psicóloga do CEPAP (Centro de Estudos, Prevenção e Atendimento Psicológico) - Endereço para correspondência: R: Bento Gonçalves, 578/809 Passo Fundo/RS - Cep: 99010-010 - E-mail: lech@annex.com.br

IIDoutorando em Psicologia como Profissão e Ciência pela PUC-Campinas, Membro do CEPCoS (Centro de Estudos e Pesquisas em Comportamento e Sexualidade) - E-mail: paulo.martins@terra.com.br

RESUMO

O trabalho visa estudar a existência ou não de alterações do desejo sexual no período gestacional. Os sujeitos da pesquisa são quatro mulheres gestantes, todas psicólogas, participantes de um curso de atualização em sexualidade, e seus respectivos maridos. Para a coleta dos dados optou-se por um depoimento escrito, com duas perguntas orientadoras que questionaram sobre a ocorrência de oscilações do desejo. A análise dos dados foi feita através de metodologia fenomenológica e evidenciou dois aspectos comuns nos relatos: 1. O desejo sexual não se alterou na maioria dos sujeitos. 2. Os sujeitos dissociam alteração do desejo de outras alterações do comportamento sexual. As variantes nas descrições são apresentadas em seis temas: 1. Motivo da não-alteração do desejo. 2. Motivo da alteração do desejo. 3. Alterações na vida sexual descritas pelas mulheres. 4. Alterações na vida sexual descritas pelos homens. 5. O que não se alterou na vida sexual. 6. Vivências durante a gestação.

Palavras-chave: sexualidade, gravidez, desejo sexual, método fenomenológico.

ABSTRACT

This paper looks at the changes of the sexual desire during pregnancy. The subjects of the study are four psychologists who were pregnant at that time, and their husbands. A written statement of two questions about the changes of the desire was the choice to collect the data. Data analysis was made by the phenomenological methodology. Results show two common aspects among the majority of the reports: 1. The sexual desire did not change in the majority of the subjects. 2. The subjects do not link the change of the desire with other changes of the sexual behavior. The variants of the reports are presented in 6 topics: 1. Reasons of the maintenance of the desire. 2. Reasons of the change of the desire. 3. Changes of the sexual behavior described by women. 4. Changes of the sexual behavior described by men. 5. Aspects without changes in the sexual behavior. 6. Experiences during pregnancy.

Key words: sexuality, pregnancy, sexual desire, phenomenological method.

INTRODUÇÃO

A proposta deste trabalho é tentar descrever as possíveis oscilações do desejo sexual na gravidez, a fim de obter uma melhor compreensão das vivências que ocorrem neste período, na vida sexual dos casais. A gestação é um período especial no qual a sexualidade geralmente se manifesta de forma diferenciada. Nesse período, as influências psicológicas e socioculturais, somadas a questões orgânicas, podem levar os casais a enriquecer sua vida sexual, ou a reduzir os momentos de prazer a dois. Muitos fatores levam a alterações, que, se forem compreendidas, poderão auxiliar na obtenção da felicidade sexual pelo casal.

Tradicionalmente, existe a idéia que ocorre alteração do desejo sexual na gravidez. O desejo sexual é definido como impulso sexual, produzido pela mobilização do mundo interno (psicológico) da pessoa (Soifer, 1992) e pela ativação do sistema límbico e hipotalâmico (González, 2001) em função de estímulos eróticos. O desejo é experimentado na forma de sensações específicas que levam a pessoa a buscar ou a tornar-se receptiva às experiências sexuais (Kaplan, 1983; Haack e Martins, s:d.).

Assim como existe o desejo, existe a inibição do desejo, que é comum no homem e na mulher, ocorrendo perda de interesse pelo assunto; a pessoa, então, não se entrega à gratificação erótica. As causas da inibição podem ser físicas, psicológicas ou culturais. Segundo alguns autores (Soifer, 1992; Montenegro, 1999; Rodrigues, 1999), as modificações físicas e psicológicas do casal em decorrência da gravidez tornam comum a diminuição do desejo sexual, não impedindo, contudo, que o casal continue as relações sexuais. Nesse sentido, Kaplan (1983) afirma que as pessoas com inibição do desejo são capazes de ereção peniana ou lubrificação vaginal e orgasmo, porém de modo mecânico, sem grande prazer. Portanto, pode-se pensar que o fato de manter relações sexuais não revela a existência de desejo sexual também no período gestacional.

A gravidez é um teste de maturidade emocional, visto que desafia conflitos latentes (Perestrello, 1987). É também um tempo em que o casal começa a redefinir seus papéis na nova família que passa a existir (Carter e McGoldrick, 1995). Os sentimentos de maternidade e paternidade começam a surgir e podem roubar espaço do relacionamento homem-mulher, interferindo no desejo sexual. Assim, muitos casais podem alterar seu comportamento sexual durante o período gestacional em virtude desses e de outros tipos de sentimentos, conscientes ou inconscientes.

Dependendo das condições psicológicas em que a mulher se encontra e do grau de aceitação da gravidez, ela poderá se satisfazer com a mesma quantidade de carinho recebida antes da gravidez, ou passar a sentir-se carente mesmo diante da constância das atenções de seu companheiro. Segundo Suplicy (1987), a sexualidade nesse período dependerá muito de como a mulher se percebe, o que envolve a sua auto-estima e fatores externos, como o tipo de relação que tem com seu parceiro. Ser amada e valorizada pode levar a gestante a sentir-se atraente, independentemente de ter alteradas as formas de seu corpo.

A possibilidade de gerar outra vida pode trazer sentimentos de grande satisfação e também de incertezas e angústias (Osório, 1981). Nesse período, são revividas experiências relacionadas à infância, educação, crenças e cultura, o que se soma à imensa responsabilidade de trazer um filho ao mundo. Reavivam-se aspectos inconscientes e primitivos, fruto da relação da gestante com sua própria mãe (Perestrello 1987, Suplicy, 1987). Isso pode levar a mulher a uma maior necessidade de atenção, assegurando um aumento da cumplicidade do casal. Nesse sentido, o período gestacional pode ter momentos extremamente agradáveis, proporcionando uma maior plenitude no ato sexual, em função de um maior desejo de estarem juntos.

Para alguns casais existe o temor de que a relação sexual machuque a mãe ou o bebê. No entanto, autores referem que esse ato não prejudica o bom andamento da gravidez normal (Suplicy, 1987; Soifer, 1992; Rodrigues, 1999). A existência do líquido amniótico que envolve o bebê protege-o de forma que não haja riscos, no caso de uma gravidez normal. O excesso de zelo, contudo, pode levar alguns casais a inibir o desejo sexual, adiando o sexo para depois do nascimento do bebê, prudência que pode representar uma regressão afetiva e uma insegurança emocional (Vitiello, 2002).

Outro dado importante para este estudo é que o relacionamento conjugal é precedente à gravidez. A forma como a gestação é recebida também é fator que interfere fortemente no desejo sexual do casal, pois, se o filho não foi planejado e a união já não estava bem, pode ocorrer um aumento das crises do casal, que poderão ser justificadas como advindas dos fatores comuns às fases da gestação.

A gravidez pode ser dividida em três diferentes fases, correspondendo ao primeiro, segundo e terceiro trimestre (Soifer, 1992; Rodrigues, 1999; Canella, 2000) e cada uma delas apresentando reações e sentimentos diferentes, que são influenciados por vários fatores, os quais, por sua vez, podem realmente provocar alterações do desejo, como se descreverá em seqüência.

Primeiro trimestre

Assim como a adolescência e a menopausa, a gravidez é considerada como um momento de crise de identidade (Vitiello, 2002). Quando a gravidez é descoberta, a mulher precisa de um período de recolhimento até incorporar o papel de mãe e terá de abdicar de algumas atividades para poder dar parte de si para o filho que irá nascer. Nesse período, a mulher pode vir a ter sonolência, cansaço e/ou náuseas (Perestrello, 1987). As alterações hormonais também provocam esses sintomas, os quais podem levar a uma baixa do desejo. Se o companheiro entende e respeita essas alterações sem se sentir excluído, as chances de ocorrerem desencontros sexuais diminuem; já, se não houver uma boa comunicação entre o casal, a diminuição da freqüência do ato sexual pode ser entendida como falta de interesse de um parceiro pelo outro. Nessa fase a mulher passa por uma sensação de perda da atratividade. Vitiello (2002) refere que a perda dos contornos considerados atraentes pode prejudicar a sua auto-estima em relação à vida sexual.

Embora os fatores psicossociais sejam relevantes, os chamados "pequenos sintomas" da gestação, de origem orgânica, podem ter influência no desejo sexual, dentre os quais a mastalgia por engurgitamento venoso e o edema do epitélio vaginal, que deixam o seio e a vagina menos sensíveis ao toque, além do aumento da prolactina, que pode ser um fator de bloqueio de desejo (Vitiello, 2002).

Nos níveis mais profundos do psiquismo, Soifer (1992) cita que ocorrem sentimentos e defesas que são característicos nesse período inicial da gestação. O mecanismo de defesa de negação surge pelo conflito entre desejo e contradesejo de ter esse filho. As defesas maníacas são representadas pela certeza da chegada de um filho bonito, que cumulará os pais de felicidade; em oposição, a excitação masoquista mostra-se através do medo do filho disforme, que pode assumir proporções ansiogênicas. As fantasias terroríficas são demonstradas pelo medo de morrer no parto e de não saber cuidar bem do bebê. Nesse período, a ansiedade dominante pode estar sendo ativada pela culpa de ter tido relação sexual (visão do sexo como impuro) e pela reativação de fantasias incestuosas.

Segundo trimestre

Suplicy (1987) afirma que a segunda fase da gestação caracteriza-se pelo aumento do desejo sexual na maioria das mulheres. Neste período, geralmente, a mulher já aceita o fato de ser mãe; seu corpo grávido começa a se definir e já pode ver-se livre dos sintomas comuns do primeiro trimestre (Roccot, 2000).

A exploração do corpo despertada pela curiosidade que acompanha a gravidez pode levar a mulher e seu parceiro a novas descobertas; por meio dos toques e das carícias, acontecem um maior contato e valorização do corpo; a sensibilidade e a feminilidade tomam proporções, tornando a mulher mais madura para o prazer. Há, inclusive, casos de mulheres que alcançaram o seu primeiro orgasmo durante o período da gestação.

Canella (2000) relata que Masters e Johnson observaram, num estudo com 111 mulheres, um elevado grau de atividade sexual, marcada pelo interesse, pela imaginação e por sonhos de atos sexuais, o que levou a um aumento da freqüência das relações sexuais em comparação com o primeiro trimestre.

Terceiro trimestre

Esse período é caracterizado por um aumento da interferência dos fatores orgânicos e das ansiedades em relação ao parto. As oscilações da pressão arterial, a retenção de líquido e a liberação das endorfinas, que ocorre para diminuir a dor do parto, podem levar à diminuição do desejo sexual. Além disso, há um excesso de peso e um maior desconforto na busca de posições adequadas para a penetração. No entanto, a necessidade de buscar posições alternativas para um maior conforto no ato sexual (Suplicy, 1987) contribui para o desenvolvimento da criatividade e da sintonia entre os parceiros.

Soifer (1992) destaca que a incerteza da data do nascimento sintetiza todas as outras incertezas. Por meio da pergunta "quando será?", expressa-se a incógnita sobre como será o parto, o bebê e sua criação. As ansiedades derivadas dessas incertezas podem propiciar defesas como o pensamento mágico e a onipotência das idéias; o grau dessas ansiedades dependerá do ambiente e da receptividade da família.

Como no primeiro trimestre, os cuidados médicos são imprescindíveis nessa última fase da gestação. A interrupção do ato sexual pode ser recomendada nos seguintes casos: ameaça de aborto, sangramento, vazamento de líquido, histórico de parto prematuro, infecções, dores e dilatação do útero (Canella, 2000).

No entanto, a vida sexual ativa na gravidez normal, além de não prejudicar, contribui para a manutenção do tônus da região pélvica, facilitando o parto. Mantém a capacidade orgásmica da mulher (Soifer,1992), o sentimento de ser amada e desejada (Suplicy, 1987). Assim, os papéis prioritários de marido e mulher não são substituídos, mas apenas acrescidos pelos papéis de pai e mãe, sem interferir na expressão da afetividade erótica.

Como se vê, a gravidez é um período complexo, em que o embrião se torna um feto e, finalmente, um bebê, com o nascimento (Montenegro, 1999). Nesse período, vários fatores interferem na vida sexual. Por intermédio do método fenomenológico objetiva-se: 1. Descrever a existência ou não de alterações do desejo sexual no período gestacional; 2. Descrever os elementos comuns das sínteses das entrevistas; 3. Apresentar as variações entre as descrições referentes à vida sexual e ao desejo sexual.

MÉTODO

O método do estudo baseou-se nas contribuições da fenomenologia (Giorgi, Fisher e Eckartsberg, 1980). Uma das principais finalidades do método não é fornecer novas informações, mas, sim, tornar explícitas aquelas idéias implícitas que baseiam o comportamento e as experiências de vida, para que estejamos menos confusos sobre nós mesmos (Keen, 1975). A fenomenologia não quer ver o acontecimento como um exemplo desta ou daquela teoria (Giorgi, Fisher e Eckartsberg, 1980), mas como um fenômeno por si mesmo, com sua própria estrutura e significado.

Sujeitos

Os sujeitos da pesquisa são quatro mulheres gestantes e seus maridos, com idades entre 30 e 33 anos e com um tempo de gestação que variou entre quatro e sete meses. Todas as entrevistadas são psicólogas e participantes de um curso de atualização em sexualidade.

Procedimento

Optou-se por um depoimento escrito em resposta a duas perguntas orientadoras: " 1. Descreva se ocorrem alterações do desejo sexual neste período gestacional. 2. Se ocorrem, quais são?" A devolução do instrumento foi feita através de um envelope fechado e sem identificação. Explicou-se aos sujeitos que se pretendia realizar um estudo sobre sexualidade e gravidez e que o marido também deveria responder às perguntas. Todos os sujeitos responderam ao instrumento nas suas residências.

Análise dos dados

Para a análise dos dados seguiram-se esses passos: 1. realizou-se uma leitura atenta de cada entrevista, do começo ao fim, tentando captar o seu sentido global; 2. obtida a compreensão do todo, voltou-se ao texto, lendo-o atentamente e discriminando as unidades de significado; 3. delimitadas as unidades de significado, retornou-se a elas, expressando mais diretamente os insights psicológicos nelas contidos, transformando-as em linguagem psicológica; 4. as unidades transformadas em linguagem psicológica foram convertidas numa síntese, contendo o essencial da entrevista; 5. descreveram-se os elementos invariantes e, por fim, descreveram-se as variantes entre as sínteses, como sugere Forghieri (1993).

RESULTADOS

Apresenta-se no anexo a entrevista 4 e sua respectiva análise para demonstrar como se procedeu à análise dos dados, com base em Giorgi, Fisher e Eckartsberg (1980). A seguir, apresentam-se as oito sínteses, a descrição dos elementos comuns e dos elementos variantes.

Descrição das sínteses das oito entrevistas (sendo a 1 de uma mulher e a 2 de seu cônjuge, e assim sucessivamente):

1. O diálogo a respeito das reações da companheira criou um clima de compreensão, razão pela qual não houve alteração do desejo, dos sentimentos nem da vida sexual.

2. Houve alteração do desejo nas primeiras semanas, em razão de perceberem uma terceira pessoa na relação.

3. As preocupações relacionadas à gestação referem-se ao medo de machucar o bebê, aumentando a cautela e afetando a tranqüilidade durante as relações sexuais. Não houve alteração do desejo sexual e ela continuou sentindo-se bonita e sensual.

4. O aumento dos cuidados foi considerado normal e interferiu na vida sexual, porém não alterou o desejo e o prazer.

5. Nesta gestação, sente que a maternagem superou o erotismo. O ritmo de trabalho era mais intenso; sentiu-se mais sensível, com mais ciúmes e mais insegurança. Relata que as questões do desejo, da satisfação e o orgasmo continuaram iguais, mas reduziu-se a freqüência do ato sexual por causa de um sangramento. Sentiram alguns incômodos, como o tamanho da barriga, o que os levou a alterarem as posições sexuais. Tinha contrações musculares que davam a sensação de embolar o bebê durante a relação sexual.

6. Não houve alteração do desejo, mas, ao mesmo tempo, diz sentir-se mais atraído pela parceira por causa do aumento dos seios. Teme machucar o bebê e a esposa. As posições sexuais foram limitadas e o tempo do ato sexual foi diminuído.

7. O sexo é citado para fins reprodutivos, preocupação que não tinham mais; reduziu-se a necessidade de terem relação sexual. A gravidez não atrapalha na relação sexual e na convivência, embora sinta-se desajeitada quando vestida; às vezes, a barriga dói e tomam cuidado. A gravidez tornou o sexo mais completo, ocorrendo a satisfação mais rapidamente; o desejo não diminuiu e aumentou a cumplicidade do casal. Reduziram-se a freqüência e a necessidade de relação sexual.

8. A partir do segundo trimestre, começou a ter mais cuidados em razão do aumento dos seios e do feto, passando a pensar no bebê durante quase todo o tempo do ato. Não houve diminuição do desejo e continua achando sua mulher bonita.

Descrição dos elementos comuns

Compararam-se as oito sínteses e encontraram-se dois aspectos comuns entre elas:

1. O desejo sexual não se alterou para a maioria dos sujeitos, apenas uma mulher refere que diminuiu no primeiro trimestre.

2. Parece que os sujeitos dissociam alteração do desejo sexual de outras alterações do comportamento, como se fossem vivências distintas.

Descrição das variantes

As variações entre as descrições são apresentadas em seis temas:

1. Motivo da não-alteração do desejo:

O diálogo a respeito das reações da companheira criou um clima de compreensão, razão pela qual não houve alteração (1).

2. Motivo da alteração do desejo:

Houve alteração ... nas primeiras semanas, por perceber uma terceira pessoa na relação (2).

3. Alterações na vida sexual descritas pelas mulheres:

... a maternagem superou o erotismo (5). Aumentou a cautela e afetou a tranqüilidade durante as relações sexuais (3). ... reduziu-se a freqüência do ato sexual por causa de um sangramento (5). ... incômodos com o tamanho da barriga ... os levou a alterarem as posições sexuais (5). ... a barriga dói e tomam cuidado (7). Reduziram-se a freqüência e a necessidade de terem relação sexual (7). A gravidez tornou o sexo mais completo, ocorrendo a satisfação mais rapidamente (7).

4. Alterações na vida sexual descritas pelos homens:

... diz sentir-se mais atraído pela parceira por causa do aumento dos seios (6). O aumento dos cuidados ... interferiu na vida sexual (4). As posições sexuais foram limitadas e o tempo do ato sexual diminuiu (6). A partir do segundo trimestre, começou a ter mais cuidados em razão do aumento dos seios e do feto, passando a pensar no bebê quase durante todo o tempo do ato (8).

5. O que não se alterou na vida sexual:

... o desejo e o prazer (4). Sentimentos ... e vida sexual (1). Continuou sentindo-se bonita e sensual (3). As questões ... da satisfação e o orgasmo continuaram iguais (5). A gravidez não atrapalha na relação sexual e na convivência (7). Continua achando sua mulher bonita (8).

6. Vivências durante a gestação:

Sente-se desajeitada quando vestida (7). Medo de machucar o bebê (3, 6) e a esposa (6). O ritmo de trabalho era intenso. Sentiu-se mais sensível, com mais ciúmes e mais insegura. Tinha contrações musculares que davam a sensação de embolar o bebê durante a relação sexual (5). O sexo é citado para fins reprodutivos e esta preocupação não tinham mais... Aumentou a cumplicidade do casal (7).

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O desejo sexual, que são impulsos que mobilizam o mundo interno (Soifer, 1992) para a experiência erótica, não sofreu alteração segundo o relato da maioria das pessoas entrevistadas, tanto mulheres quanto homens. Esses dados concordam com os achados de Muniz da Silva em sua dissertação de mestrado em sexologia, "Sexualidade do casal grávido", defendida em 1998, na Universidade Gama Filho, na qual refere a permanência do desejo, da excitação e do orgasmo em homens e mulheres, não encontrando alteração significativa na questão do desejo (Canella, 2000). No entanto, esses resultados vêm de encontro aos estudos de Montenegro (1999) e Rodrigues (1999), os quais relatam que as modificações físicas e psicológicas da gravidez tornam comum a diminuição do desejo.

Canella (2000) afirma que o interesse sexual na gravidez tem grande variação, desde a rejeição voluntária até o aumento do interesse sexual. Nosso estudo revela que houve diminuição do desejo no primeiro trimestre. Ao mesmo tempo, todos os sujeitos declaram ter modificado seu comportamento sexual, principalmente durante o coito, em virtude da gestação.

A comunicação entre o casal evita que ocorram desajustes no relacionamento (Grünspun e Grünspum, 1990; Maldonado, Dickstein e Nahoum, 1996). Nosso estudo mostrou que o diálogo foi determinante para que não houvesse diminuição do desejo.

No primeiro trimestre pode ocorrer diminuição do desejo em razão de fatores orgânicos e psicológicos. Entre os orgânicos, Perestrello (1987) cita o cansaço, sonolência e náuseas, que podem ser decorrências de alterações hormonais. Os mesmos sintomas também podem ter influência de manifestações psíquicas, tais como mecanismos de defesa, como a negação, o desejo e contradesejo de ter o bebê; fantasias terroríficas pelo medo de perder o filho e reativação de fantasias incestuosas, pela culpa de ter tido relação sexual. A percepção da presença do bebê como um terceiro no ato sexual também aparece tanto na pesquisa de Bruns e Pereira (2001) como nos nossos achados, como sendo outro fator psicológico que leva à diminuição do desejo.

A perspectiva da chegada do bebê provoca redefinições nos papéis do casal (Carter e McGoldrick, 1995), e pode ser observada na resposta de uma das entrevistadas, a qual refere que o sentimento de maternagem superou o erotismo. Bruns e Pereira (2001) descrevem a dicotomia entre a mulher que busca o prazer durante a gestação e aquela que assume o papel de mãe ordeira e dessexualizada.

As alterações na vida sexual das mulheres deram-se em relação ao aumento dos cuidados e à diminuição da freqüência do ato sexual, principalmente por causa do tamanho da barriga e da sensação de embolar o bebê no momento das contrações. Segundo Suplicy (1987), essa situação provoca a necessidade de buscar novas posições sexuais. Também ocorreu a diminuição do ato sexual por causa de um sangramento, caso em que é recomendada a interrupção do ato sexual (Montenegro, 1999).

A gravidez tornou o sexo mais completo, segundo uma das entrevistas, ocorrendo a satisfação mais rapidamente. Canella (2000) refere-se a uma pesquisa de Masters e Johnson, que estudaram 111 mulheres, percebendo um aumento da atividade sexual, marcada pelo aumento da motivação e do desejo.

No relato dos homens referente a alterações da vida sexual, o aumento dos seios levou a que um entrevistado se sentisse mais atraído por sua esposa. Também aparecem descrições de um maior cuidado, limitando as posições sexuais em razão das modificações físicas das esposas e do sentimento dessas de estarem se sentindo desajeitadas. Nesse sentido, Vitiello (2002) descreve que a auto-estima pode ficar abalada pela perda dos contornos considerados atraentes. Aparecem a diminuição do tempo do coito e a preocupação com o bebê que irá nascer. Esses dados coincidem com os resultados da pesquisa de Bruns e Pereira (2001). Alguns homens relataram o medo de machucar o bebê e a companheira. Suplicy (1987), Soifer (1992), Rodrigues (1999) e Vitiello (2002) afirmam que este medo é freqüente; no entanto, o ato sexual não prejudica o bom andamento da gravidez normal.

Com referência ao que não mudou na vida sexual dos homens e das mulheres, o prazer durante a gestação apareceu como um ingrediente que não se alterou nas relações sexuais. Além de não desaparecer, segundo Suplicy (1987), o prazer pode ser incrementado por meio da criatividade, quando da busca de novas posições visando a um maior conforto no ato. Tanto os entrevistados homens como as mulheres referiram que a gravidez não atrapalhou a satisfação e o orgasmo e concordam que a mulher se torna mais madura e bonita. Suplicy (1987) afirma que essas percepções mantêm no casal o sentimento de serem amados e desejados, fortalecendo seus laços e sua cumplicidade.

Soifer (1992) refere que, na gestação, a mulher torna-se mais frágil e insegura, passando a viver períodos emocionais regressivos. Osório (1981) diz que a gestação traz grande satisfação e também angústias e incertezas. Esses dados vêm ao encontro do que declara uma entrevistada, quando diz que passou a sentir maior sensibilidade, ciúmes e insegurança.

Outra vivência referida por uma entrevistada é que o sexo é percebido como sendo para fins reprodutivos; com este fim alcançado, diminuiu a necessidade da relação sexual. Em contrapartida, a gravidez aumentou a cumplicidade do casal. Isso lembra a visão da relação sexual para fins reprodutivos, em detrimento do ato sexual como pura fonte da prazer, defendida por Richard von Krafft-Ebing no clássico da literatura sexológica - Psychopathia sexualis (Silva, 2001).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na análise fenomenológica dos depoimentos feitos por quatro casais, cujo período da gestação variava entre quatro e sete meses, buscou-se mostrar o fenômeno do desejo sexual durante o período gestacional, compreendendo-o como um fenômeno em si, considerando tanto a perspectiva da mulher como a de seu marido.

Dentre todos os relatos, somente uma descrição refere a vivência de diminuição do desejo sexual no primeiro trimestre da gestação. No entanto, todos relataram mudanças no comportamento sexual, as quais variaram em relação à freqüência, ao tempo e às posições para o ato sexual. Levanta-se, assim, a questão da possibilidade de o desejo sexual estar desvinculado de alguns comportamentos sexuais durante a gestação, para preservar o bem estar da gestante.

As gestantes entrevistadas eram todas psicólogas, com idades entre trinta e trinta e três anos, e faziam parte de um grupo de estudos sobre sexualidade. Essa especificidade pode ter contribuído para uma melhor compreensão sobre si mesmas, levando-nos a concluir que o autoconhecimento e o diálogo entre os parceiros são os ingredientes básicos para que o período gestacional transcorra permeado por uma vida sexual ativa e prazerosa.

Recebido para publicação em 26 de setembro de 2002 e aceito em 23 de setembro de 2003

ANEXO

Entrevista 4

P. Descreva se ocorrem alterações do desejo sexual neste período gestacional. Se ocorrem, quais são?

E. Com a evolução da gestação, aumentam os cuidados e uma proteção automática que interfere na vida sexual do casal. Não ocorre uma redução do prazer ou desejo, mas uma prevenção maior durante o ato, que é vista como natural, se tratando da 1ª gravidez.

Unidades de significado

E. (1) Com a evolução da gestação, aumentam os cuidados e (2) uma proteção automática que interfere na vida sexual do casal. (3) Não ocorre uma redução do prazer ou desejo, (4) mas uma prevenção maior durante o ato, que é vista como natural, se tratando da 1ª gravidez.

Transformação das unidades de significado em linguagem psicológica

(1) Aumentaram os cuidados no decorrer da gestação. (2) A proteção interfere na vida sexual. (3) O desejo e o prazer não se alteraram. (4) Aumentam os cuidados, considerados normais, durante o ato sexual.

Síntese da entrevista

O aumento dos cuidados foi considerado normal e interferiu na vida sexual, porém não alterou o desejo e o prazer.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Mar 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2003

Histórico

  • Aceito
    23 Set 2003
  • Recebido
    26 Set 2002
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