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FORMAR PROFESSORES DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA E SEGUNDA LÍNGUA EM UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS: GESTOS E POLÍTICAS

PORTUGUESE AS A FOREIGN/SECOND LANGUAGE TEACHER EDUCATION AT BRAZILIAN PUBLIC UNIVERSITIES: POLICIES AND ACTIONS

FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA/SEGUNDA LÍNGUA NO BRASIL. .SCARAMUCCI, MATILDE VIRGINIA RICARDI; BIZON, ANA CECÍLIA COSSI. ARARAQUARA: LETRARIA, 2020. 246 P.

Esta resenha objetiva contextualizar a publicação de uma obra-marco para a formação de professores e pesquisadores em Português Língua Estrangeira e Segunda Língua1 1 Cabe lembrar que embora o livro seja intitulado por duas vertentes do ensino de português, “língua estrangeira” e “segunda língua”, há muitas discussões na área acerca de outros termos possíveis e não há consenso entre um ou outro. Por exemplo, o termo “língua adicional” já é bastante disseminado e se propõe mais abrangente que os dois anteriores. Por outro lado, pode-se afirmar que a decisão das autoras é respaldada pela nomenclatura que historicamente tem sido tratado o ensino de português “língua estrangeira” no Brasil. . Ainda que muitos outros artigos, dossiês e capítulos de livros em títulos acadêmicos ofereçam análises recentes de percursos formativos de professores de PLE, a exemplo de “Português como língua adicional em contextos de minorias: (co)construindo sentidos a partir das margens”, publicado pela Revista X (2018), o livro de Scaramucci e Bizon (2020) se justifica por corresponder e compilar um abrangente recorte de iniciativas de formação docente em contextos universitários, tal como de gestos político-institucionais na implementação de licenciaturas em PLE/PL2 em universidades públicas no Brasil.

Para qualquer pesquisador ingressante no campo, tomar posse deste debate é essencial ao (re)pensar e apropriar-se de seu lugar profissional, tal como tornar-se ciente das dinâmicas sócio-históricas promotoras de políticas para licenciaturas em PLE/PL2. Das obras que tratam majoritariamente da formação de professores de PLE em universidades, reconhecemos as de Furtoso (2009FURTOSO, V. B. (Org.) Formação de professores de português para falantes de outras línguas: reflexões e contribuições. Londrina: EDUEL, 2009.; 2012FURTOSO, V. B. Onde estamos? Para onde vamos?: a pesquisa em português para falantes de outras línguas nas universidades brasileiras. In: LUCAS, P. O.; RODRIGUES, R. F. L. Temas e rumos nas pesquisas em Linguística (Aplicada): questões empíricas, éticas e práticas. Campinas: Pontes Editores, 2015.), Ribeiro (2012)RIBEIRO, M. D. A. Português como língua estrangeira na UESC: questões identitárias. Ilhéus: EDITUS, 2012. e Meyer e Albuquerque (2015)MEYER, R. M. B.; ALBUQUERQUE, A. (Orgs.). Português: uma língua internacional. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2015., as quais consideram as especificidades institucionais, respectivamente, da Universidade Estadual de Londrina (UEM), da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e de universidades do estado do Rio de Janeiro com projetos na área. Ou seja, embora relevantes, ainda não se ocuparam de compilar ações de formação docente em PLE a nível nacional. Portanto, trata-se de uma bibliografia a ser constituída, uma vez que investigar espaços de formação em universidades públicas corresponde a um movimento de intervenção no delineamento de políticas linguísticas de fomento à institucionalidade da profissionalização em PLE/PL2. Estas ações encontram respaldo na existência de uma dinâmica intensa de grupos de professores autogeridos e que coconstroem atuações profissionais para si mesmos, individual ou coletivamente (SANTOS, 2018SANTOS, D. O Facebook como recurso na formação contínua de professores de Português Língua Estrangeira: uma abordagem ecológica. Papéis, vol. 22, nº 43, 2018, p. 189-209. Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/papeis/article/view/6646. Acesso em 22 nov. 2021.
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; SANTOS, 2019SANTOS, D. Formação docente em um site de rede social para professores de PLE: da organização e dos indícios de identidades. 2019. 323 f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019.).

O livro “Formação inicial e continuada de professores de Português Língua Estrangeira/Segunda Língua no Brasil” é organizado por Ana Cecília Cossi Bizon e Matilde Virginia Ricardi Scaramucci, ambas docentes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com significativa atuação na área. A discussão apresentada e o sumário dos capítulos, por sua vez, justificam-se em meio à realização de um evento, no ano de 20172 2 Eventos semelhantes sobre a formação em PLE na Unicamp voltaram a ocorrer no primeiro semestre de 2018 e no segundo semestre de 2020. O primeiro, nomeado “Diálogos em PLE (DIAPLE)”, contou com conferências acerca da integração de habilidades no exame Celpe-Bras (Profª Drª Matilde Virginia Scaramucci), ensino de português em contextos de migração de crise (Profª Drª Helena Camargo), sobre a implementação de um leitorado brasileiro na África do Sul (Prof. Dr. Alan Carneiro) e acerca da constituição de uma política linguística exterior do Estado brasileiro (Prof. Dr. Leandro Rodrigues Alves Diniz). O segundo, nomeado II DIAPLE, dá continuidade ao evento anterior e trata da formação docente no âmbito da Licenciatura em PLE/PL2 na Unicamp. Este último contou com palestras e oficinas sobre políticas linguísticas de internacionalização da Unicamp, ensino de PLE em variados contextos (como os de surdez e migração), além de relatos de ações de ensino e extensão no Centro de Ensino de Línguas (CEL) da Unicamp. A organização dos eventos era formada, majoritariamente, por alunos da habilitação em PLE e pós-graduandos do IEL-Unicamp. , ocorrido no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, no âmbito do Ciclo de Debates em Linguística Aplicada3 3 O Ciclo de Debates em Linguística Aplicada é constituído de palestras anuais organizadas por docentes do Departamento de Linguística Aplicada (DLA) da Unicamp. . Nesse momento, não somente as autoras, mas também docentes representantes das outras três licenciaturas em PLE no Brasil, a saber, Edleise Mendes (Universidade Federal da Bahia - UFBA), Marcia Niederauer (Universidade de Brasília – UnB) e Tatiana Carvalhal (Universidade da Integração Latino-americana - UNILA), tiveram a oportunidade de vozear suas experiências nas respectivas universidades. Do que corresponde ao cartaz do evento (Figura 1), recortes como os projetos pedagógicos e currículos dos cursos aparecem em destaque e, da mesma forma, foram abordados resultados, dificuldades, perfis dos alunos, mobilidade, estágio, pesquisa e mercado de trabalho, considerando as especificidades de cada instituição. Esse evento deu origem ao que seria a organização do livro em questão.

Figura 1
Cartaz do evento “Diálogo sobre as Licenciaturas em PLE/PL2”, realizado em 2017 na Unicamp

Quanto aos dados técnicos, o livro está dividido em duas partes e nove capítulos. A primeira delas, nomeada “A formação do professor nas licenciaturas em PLE/PL2”, é composta por quatro textos de docentes das licenciaturas da Unicamp, UNILA, UnB e UFBA. A segunda parte, “Ações de ensino e de formação do professor em outros programas de PLE/PL2”, é formada por uma seleção de outros contextos universitários em que, mesmo que não haja licenciatura específica, existem projetos e ações formativas para o profissional de PLE historicamente constituídas. Esta segunda parte apresenta textos de representantes de cinco outras universidades: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Publicada em 2020 pela Editora Letraria, a obra de 246 páginas é relevante e multifacetada por oferecer uma elaboração dos percursos históricos de constituição da área de PLE em instituições de ensino superior no Brasil. Entretanto, é importante lembrar que embora o livro trate dos espaços formativos em nível de graduação, seu objetivo não foi o de esgotar a multiplicidade de espaços ou eventos formativos nos quais participam profissionais da área ou interessados em ingressar nela.

O “Prefácio”, de autoria da Profª Drª Marilda do Couto Cavalcanti, também docente da Unicamp, descreve a coletânea de capítulos como um “registro histórico-didático-curricular” significativo para cursos de formação de professores de PLE. Outrossim, Cavalcanti reitera a importância do livro para pesquisadores de pós-graduação e relembra que a área de PLE pode ter sido a última a ingressar no campo da pesquisa em ensino-aprendizagem de línguas. Logo, é dessa maneira que o livro se constitui como inovador e inédito, dado o esforço das autoras em organizarem esse conjunto de relatos e experiências os quais, embora existissem de outras formas, não faziam parte de uma mesma publicação. Este gesto é essencial para o desenho e materialização de políticas linguísticas de formação docente no Brasil, bem como para reafirmar os variados contextos assinalados como espaços significativos para desenvolvimento de pesquisas.

Sequência do texto anterior, a seção “Apresentação” é de autoria das próprias organizadoras. Elas afirmam que o livro constitui um recorte, ao mesmo tempo que indicia múltiplas ações de formação citadas ao longo da obra4 4 Como exemplo, é possível citar o Idiomas sem Fronteiras (IsF-MEC). Mesmo após descontinuado, os reflexos da formação em PLE, atrelados ao credenciamento de universidades federais ao programa, permitiram que diálogos e ações de formação fossem planejados em contextos universitários onde o PLE ainda não estivesse constituído, ou mesmo em departamentos nos quais poucos (ou nenhum) professores tivessem trabalhado nesse contexto. . Ademais, as autoras também afirmam que a complexidade de cenários das ações de ensino de PLE justifica a existência de projetos de formação que façam jus a essa dimensão. Como exemplo, podemos citar os contextos de migração de crise (BIZON; CAMARGO, 2018BIZON, A. C. C.; CAMARGO, H. R. E. Acolhimento e ensino da língua portuguesa à população oriunda de migração de crise no município de São Paulo: por uma política do atravessamento entre verticalidades e horizontalidades. In: BAENINGER, R.; BÓGUS, L. M.; MOREIRA, J. B.; VEDOVATO, L. R.; FERNANDES, D. M.; SOUZA, M. R.; BALTAR, C. S.; PERES, R. G.; WALDMAN, T. C.; MAGALHÃES, L. F. A. (Orgs.). Migrações Sul-Sul. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2018, p. 712-726.), o ensino de L2 para surdos (VIEIRA-MACHADO; VIEIRA-MACHADO, 2020VIEIRA-MACHADO, L. M. C.; VIEIRA-MACHADO, L. L. Práticas e políticas de ensino de língua portuguesa como L2 para surdos usuários de Libras. Revista (Con)Textos Linguísticos, Vitória, v. 14, n. 27, 2020, p. 320-339. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/contextoslinguisticos/article/view/27431. Acesso em 16 nov. 2021.
https://periodicos.ufes.br/contextosling...
)5 5 Há uma discussão premente na comunidade surda e nos estudos de contextos de surdez discutindo se caracterização do ensino de PL2 é, de fato, a mais acertada para atrelar o ensino do português nestes espaços. , para indígenas (GOMES, 2019GOMES, A. A. S (Org.). Ensino de Línguas e Educação Escolar Indígena. Macapá: Editora da UNIFAP, 2019.), tal como a presença de estudantes migrantes no ensino básico6 6 Recentemente, uma nova portaria sobre imigrantes no ensino básico foi publicada: Resolução 13 nov. 2020. Fonte: http://bit.ly/3qwB975. Acesso em 24 jul. 2021. (SANTOS; GUSHI DA SILVA; ALENCAR, 2021SANTOS, D; GUSHI DA SILVA, C.; ALENCAR, T. R. S. A presença da comunidade haitiana em uma escola pública de ensino básico do interior de São Paulo: discursos e práticas [potencialmente inclusivas]. In: BIZON, A. C. C.; DINIZ, L. R. A. (Orgs.). Português como Língua Adicional em uma perspectiva indisciplinar: pesquisas sobre questões emergentes. Campinas: Pontes Editores, 2021.). Para além das ações formativas, aqui recupera-se o argumento de que para atuar como professor de PLE são necessários conhecimentos e experiências específicas – afirmação que apoia outras ações para institucionalização da área. Nessa linha, as autoras citam editais de leitorado nos quais já se exige a formação em PLE – fato que retoma a ideia de que a condição de falante nativo não se prescreve como pré-requisito/ único requisito para a atuação docente.

O primeiro capítulo da Parte I, “A licenciatura em PBSL e o programa de PLE na Universidade de Brasília: histórico, desafios e perspectivas”, tem como autoras Márcia Niederauer, Ana Adelina Lopo Ramos, Flávia Maia-Pires e Verônica Vinecký. Este texto parte do entendimento de que a formação de professores de PLE está atrelada a uma ação inerentemente social, histórica e política. Ou seja, implementar licenciaturas neste âmbito é, concomitantemente, reconhecer uma dimensão de saberes relacionados à atuação deste docente e constituir-se como política de formação de professores ao (re)aproximar o tripé da universidade (ensino, pesquisa e extensão) do papel cumprido pela instituição ao realizar ações de ensino-formação na área. As autoras também evidenciam que conceber a formação em PLE não é somente oferecer (mais) uma habilitação nos cursos de Letras, mas potencializar estratégias de políticas linguísticas e identitárias.

Nomeado como Licenciatura em Português do Brasil como Segunda Língua (PBSL), o curso foi criado em 1997 e teve sua turma inaugural em 1998. A primeira licenciatura nesse âmbito no Brasil se justificaria pelo fato de Brasília representar um centro diplomático de contato direto com organismos internacionais e embaixadas, o que faria circular uma quantidade relevante de interessados no aprendizado da língua. Além disso, as autoras indicam uma aproximação preexistente da universidade em relação ao interesse de povos indígenas pelo aprendizado do português, em situações nas quais este não se sobrepusesse às línguas e culturas indígenas. Isto evidencia as bases de constituição do curso em meio a visões de mundo comprometidas com vieses antropológicos, éticos e políticos. Uniformemente, destaca-se o ensino de português para surdos, o que pode vir a ser um dos carros-chefes da atuação do PBSL, reflexo de discussões no Instituto de Letras da UnB. Nas palavras das autoras, o profissional formado pela instituição pode atuar tanto no ensino em diversos contextos como em espaços de gestão pública, no que diz respeito à atuação em políticas linguísticas de internacionalização e na inclusão de minorias linguísticas.

O capítulo 2 delineia aspectos históricos e narrativas que constituem a licenciatura em PLE/PL2 na UFBA, bem como a formação de professores culturalmente sensíveis. Sob a autoria da Profª Drª Edleise Mendes, o texto é intitulado “A licenciatura em PLE/PL2 na Universidade Federal da Bahia: formando professores para a diversidade” e inicia uma argumentação consistente acerca da formação docente para a diversidade, do reconhecimento do português como língua pluricêntrica e da vivência em espaços multilíngues e plurais. Nesse sentido, a autora defende a proposta pedagógica e política do espaço formativo da UFBA, atrelada ao oferecimento da Licenciatura em PLE/ PL2. Assim como os outros textos do livro, reforça-se a ideia de os contextos de ensino-aprendizagem de português serem diversos e complexos, reiterando a necessidade de formação de agentes/docentes em torno de uma educação linguística que promova transformação na realidade social e no entorno.

Criado em 2005, o curso nasceu como uma proposta de dupla habilitação (formação em língua materna e estrangeira); porém, em 2012, a partir de uma reformulação encaminhada pelo MEC, passou a ser oferecido como habilitação única, dada a expressiva carga horária dos cursos de Letras no país. Para a autora, tal mudança foi extremamente significativa por viabilizar a reconfiguração da estrutura curricular do curso, fazendo sua concepção se aproximar de uma dimensão mais interdisciplinar, humana, culturalmente engajada e que, no sentido pedagógico, oferecesse maior autonomia aos alunos. Nesta ótica, Mendes afirma integrar o processo de constituição desta licenciatura, curso que ocupa um papel essencial para a integração extensionista da UFBA com a comunidade acadêmica e seu entorno. Logo, é dessa forma que este capítulo ressalta a relevância e o compromisso na formação de profissionais de PLE atuantes como agentes de interculturalidade.

O capítulo 3, nomeado “A licenciatura em PLE na Universidade Federal da Integração Latino-Americana”, oferece uma discussão assinalada pela Profª Drª Tatiana Pereira Carvalhal, docente da UNILA. Neste caso, podemos dizer que a oferta deste curso já nasce no bojo de uma tríplice fronteira (Paraguai, Argentina e Brasil), em um modo organizacional necessariamente internacional. Nas palavras da autora, a UNILA evidencia em seu estatuto um posicionamento político que justifica a criação da universidade e destaca a promoção da interculturalidade e a educação bilíngue (português e espanhol) como pilares constitutivos dessa instituição. Então, retoma-se a compreensão de que a cooperação para a justiça social pode (e deve) ser um meio de materializar a integração político-econômica na América Latina7 7 A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), desde 1948, conjectura a integração entre países da América Latina, seja no âmbito econômico, seja no social, uma vez que estes compartilham de históricos constitutivos compartilhados. . Estas premissas fundamentam o Ciclo Comum de Estudos, parte integrante do currículo de graduação na universidade. “Bilinguismo, interculturalidade e interdisciplinaridade” correspondem, portanto, ao tripé que constitui a UNILA.

Diferente dos outros espaços formativos, o curso de graduação na UNILA é uma dupla-habilitação (Letras -Espanhol e Português como línguas estrangeiras8 8 Ainda seguindo os apontamentos indicados pela autora, cabe lembrar que a criação da UNILA dialoga diretamente com “a criação do Mercosul e a política oficial de reciprocidade de ensino de português e espanhol”, o que se constitui como “um mercado para o português [e para o espanhol]” (Signorini, 2013 apud Carvalhal, 2020). No entanto, com a reforma do Ensino Médio no Brasil (2017) aprovada no governo de Michel Temer, tornou-se o ensino do espanhol não obrigatório nas escolas brasileiras (resultando na revogação da lei 11.611 de 2005), configurando-se um retrocesso na integração política dos países da América do Sul e Latina. ) e têm recebido estudantes da América do Sul e Central. Baseada em teorias críticas de currículo, a autora compreende a formação destes professores como um processo fundamentalmente político, o que torna sua reflexão em torno da UNILA uma forma de materializá-la como contraesfera pública, quando destaca-se o seu potencial de transformação da realidade latino-americana. Ao final do texto instigante, Carvalhal sublinha algumas das filiações às quais a licenciatura da UNILA tem se conectado no sentido da formação de professores de línguas: como educação crítica e intercultural; interdisciplinaridade; visões de lingua(gem) que a considerem como um processo inacabado, mestiço e híbrido; ensino-aprendizagem de PLE para hispanofalantes; letramento acadêmico e gestão cultural-política na América Latina.

O quarto e último capítulo da Parte I, “O PLE na Unicamp: da implantação da área à formação de professores”, contextualiza um iminente espaço formativo em constituição no estado de São Paulo e tem como autoras a Profª Drª Matilde Virginia Ricardi Scaramucci e a Profª Drª Ana Cecília Cossi Bizon. Iniciando o texto a partir de uma contextualização geopolítica ampliada do português, as autoras evidenciam que a consolidação da área tem se realizado dentre uma “agenda de pesquisa plural e comprometida com problemas sociais em que o português como língua estrangeira/adicional se projeta como questão central” (p. 79). Assim, o texto permite considerar o PLE uma área consolidada já que, no caso da Unicamp, sua formação data dos anos 1970, mesmo período em que a universidade foi criada. Por seu turno, o capítulo em questão está dividido em três partes: o histórico da constituição da área na Unicamp; as discussões em torno da licenciatura (iniciadas em 2009) e o perfil profissional dos egressos.

Destacando entrevistas com professoras do IEL e do CEL, o capítulo indica que a primeira oferta de um curso de PLE na Unicamp data de 1974. Com a chegada de professores estrangeiros na época, a área era tida como estratégica, o que garantia um plano de carreira diferenciado e espaço para a atuação em pesquisa. Detalhadamente, as autoras delineiam a relevância do espaço profissional na instituição, tendo em vista que a oferta destas disciplinas, na Unicamp, não se dá a partir da extensão9 9 Do mesmo modo, cabe uma crítica em torno da extensão universitária, já que estes mesmos profissionais concursados (atualmente, dois) têm por demanda toda a comunidade universitária, em detrimento de uma extensão mais articulada em torno do oferecimento de cursos de línguas – cenário bastante distinto de outras universidades federais. Nas palavras das autoras, essa organização impede, por exemplo, que a universidade receba alunos do Programa Estudantes Convênio de Graduação (PEC-G) mesmo que, em outro momento (2011), tenha demonstrado uma vocação para a operacionalização de diálogos Sul-Sul, como no oferecimento de cursos do Programa Emergencial Pró-Haiti. , mas sim como um concurso público específico para a área. Além do pioneirismo no oferecimento do curso, a Unicamp se coloca à frente na oferta de disciplinas de graduação, sendo a “LA503 - Ensino de português segunda língua/língua estrangeira” a inicial e essencial para a posterior promoção de uma habilitação específica.

Da mesma forma que outras instituições, a licenciatura na Unicamp é de cunho interdepartamental (Linguística, Linguística Aplicada, Teoria Literária) e justifica-se no reconhecimento da importância de formação específica para o profissional de PLE. Ao finalizar o texto, as autoras indicam alguns dos gestos considerados relevantes para a continuidade da área, a exemplo das ações promovidas pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello em parceria com a Prefeitura Municipal de Campinas, o Ministério Público e a Polícia Federal – reflexos de contextos complexos de relações geopolíticas e sociais, com destaque para um momento de fragilização10 10 Aqui, referimo-nos especificamente ao governo de Jair Bolsonaro. das universidades públicas.

Uma observação: em geral, é possível constatar que todas as licenciaturas indicadas, a despeito da UNILA (que parte de uma concepção distinta de universidade), possuíam projetos de ensino de PLE em nível de extensão ou mesmo disciplinas de graduação. Em outras palavras, esse ensino já ocorria institucionalmente e as universidades e reitorias, de alguma maneira, entendiam que essa oferta cobria demandas dos processos de internacionalização. Em contrapartida, quando o debate se direciona ao âmbito da formação docente, muitas das universidades apresentam dificuldades em encaminhar licenciaturas como essas, sendo a “falta” de demanda (de graduandos, por exemplo) um dos argumentos mais citados para o engavetamento da iniciativa. Diante disso, afastam-se da concepção de que uma política pública cria a demanda – e não o contrário.

Tais observações correspondem a um círculo vicioso em que se entende a importância do ensino do português, considera-se a pluralidade de contextos, mas que não incide na implementação de cursos de formação para esses professores quando o PLE passa a ocupar uma posição estratégica na universidade. Seja em maior ou menor nível, é certo que todas as instituições que passaram pela aprovação de uma licenciatura em PLE vivencia(ra)m desafios para viabilizar planos de carreira ou mesmo contratação de docentes, inibindo o percurso acadêmico destes com a constatação de que há muito trabalho e pouco pessoal (p. 60). Em sua maioria, este trabalho é caracterizado pela oferta de cursos de PLE ao público acadêmico e externo – geralmente, com um significativo número de alunos –, e restringe a atuação cotidiana deste docente à oferta destas disciplinas – um entrave significativo para uma carreira mais abrangente.

Genericamente, é possível indicar duas aproximações entre as licenciaturas aqui tratadas. Primeiro, que os cursos se materializam em naturezas interdepartamentais, por agregarem professores do curso de Letras ou ainda de outros institutos, como os de Educação. Em adição a isso, é perceptível que a maioria dos docentes responsáveis pela implementação dos cursos tinham experiências prévias em contextos de PLE e atuavam nas disciplinas embasados por perspectivas interdisciplinares. Dessa maneira, além da constituição inter/transdisciplinar do agir destes docentes, podemos acrescentar o fato de que estes são (e devem ser), quase que necessariamente, gestores políticos, dada sua posição ativa nos entremeios das ações da universidade e comunidade (dita) externa.

Esse posicionamento é reiterado por Scaramucci e Bizon (p. 80) quando indicam que a constituição do PLE se dá a partir de gestos de políticas educacionais e de línguas – o que, a nosso ver, reincide no reconhecimento dos profissionais de PLE como gestores da promoção da língua e políticas linguísticas atreladas ao português. Dessarte, citamos algumas ações desenhadas em diálogo com as licenciaturas e área de PLE nas universidades e citadas ao longo do livro:

  • 1992-1998: o desenvolvimento do projeto “Exame de proficiência em português para estrangeiros” (EPPE-Unicamp) tornou-se ponto de partida para a aprovação do Celpe-Bras, pela SESu (MEC), em 1994 (p. 91);

  • 1992: durante a realização do 3º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada, na Unicamp, foi fundada a SIPLE (Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira). Para a primeira gestão, tivemos Itacira Araújo Ferreira (presidente), Ana Cecília Cossi Bizon (primeira secretária) e Elizabeth Fontão do Patrocínio (tesoureira), todas vinculadas à Unicamp (p. 88);

  • 1997-2006: nos respectivos anos, foram ofertados os cursos “Português para as escolas da floresta I e II”, em parceria da Profª Drª Terezinha Maher (Unicamp) e a Comissão Pró-Índio do Acre (p. 94);

  • 1998: também com a participação da Profª Drª Terezinha Maher, foi publicado o Referencial Nacional Curricular para as Escolas Indígenas (p. 94);

  • 2008: docentes da licenciatura da UnB participaram do desenvolvimento dos Parâmetros Curriculares para o ensino de português para comunidades indígenas no Paraná (p. 24);

  • 2013-2018: no âmbito do Programa “Mais Médicos”, foram publicados materiais didáticos de português para falantes de espanhol, tais como “Diga 33... em português!” (2017), “Isso mesmo!” (2018) e “Sou todo ouvidos!” (2019) (p. 95);

  • 2014: através de uma iniciativa dos docentes das áreas de Letras e Linguística da UNILA, foi aprovada a proposta de uma segunda graduação, a licenciatura em Letras-Espanhol e Português como línguas estrangeiras (p. 66);

  • 2015: sob a coordenação de Edleise Mendes, foi lançada a coleção “Brasil Intercultural”, em parceria com a Casa do Brasil (Argentina);

  • 2015: o grupo de pesquisa Português em Rede (PER-Unicamp) passa a oferecer o curso “Pluralidades do Português Brasileiro” (MOOC), em parceria com a Coursera (p. 93);

  • 2020: foi publicada a “Proposta de Harmonização Curricular para o Ensino de Português nas Unidades de Rede de Ensino do Itamaraty em Países de Língua Oficial Espanhola”, elaborada pelos professores Ana Cecília Cossi Bizon e Leandro Rodrigues Alves Diniz (p. 95);

  • 2020: foi lançada parte da coleção “Vamos juntos(as)! – Curso de Português como Língua de Acolhimento”, parceria entre docentes da UFMG, Unicamp e Núcleo de Estudos de População (NEPO-Unicamp).

Caracterizado como políticas públicas, este conjunto de ações é apenas parte de outras parcerias e/ou projetos de extensão nos quais a área de PLE se materializa nas universidades. A intenção de destacá-las, neste texto, afora os parágrafos de cada capítulo, é uma forma de reconhecer a relevância da atuação destes professores em seus contextos locais e além. Por isso, negar a presença destes na universidade, seja através do excesso de trabalho ou da ausência de concursos, é o mesmo que dizer que algumas políticas são mais prioritárias que outras.

Antes de abordar a segunda parte do livro, oferecemos um compilado de dados acerca da oferta das licenciaturas (Tabela 1), ao longo desses mais de vinte anos. Ainda que nem todos os dados tenham sido localizados na obra aqui resenhada, consideramos importante oferecer esse insumo visual para contextualizar a dimensão da publicação.

Tabela 1
Dados gerais das licenciaturas em PLE/PL2 (Brasil)11 11 Alguns dos dados são descritos nos capítulos. Outros estão disponíveis nos projetos pedagógicos dos cursos e sites institucionais.

A parte II da obra se inicia com o capítulo “A identidade de professor-autor em construção no diálogo entre profissionais mais e menos experientes na UFRGS”, assinado por Margarete Schlatter, Gabriela da Silva Bulla e Everton Vargas da Costa. Apostando no aprendizado crítico, que considera a participação de um ambiente coconstruído por educadores e educandos, em meio à ótica freireana, os autores abrem o texto apresentando o Programa de Português para Estrangeiros (PPE) o qual desenvolve ações de formação em Português Língua Adicional (PLA) há mais de 25 anos. Desde 1993, a intenção do PPE é visibilizar contextos e projetos nos quais o professor passa a ser autor, inserido em um percurso de formação. Ademais, os autores explicitam os quatro eixos composicionais da formação identitária profissional dos educadores, considerando prática de ensino, reflexão continuada sobre a prática, pesquisa e registros de aprendizagens dos envolvidos. Com isso, oferecem ao leitor relatos instigantes sobre como o planejamento colaborativo resulta em uma oportunidade vívida para a construção da autoria e das identidades desses professores em formação, consequentemente.

O capítulo 6, nomeado “Ações de política de formação de professores em PLE na Universidade Federal do Rio de Janeiro”, traz reflexões de quatro docentes do Setor de PLE da UFRJ, a saber: Patricia Maria Campos de Almeida, Danúsia Torres dos Santos, Andrea Lima Belfort-Duarte e Ana Catarina Moraes Ramos Nobre de Mello. A princípio, é destacado que a história do PLE no Brasil se confunde com a consolidação da área na instituição (anos 80). Nesse sentido, o texto engendra ações contemporâneas que vêm sendo empreendidas pela universidade. As autoras indicam que uma disciplina obrigatória no currículo da habilitação em Literaturas se materializou como brecha para a ampliação desta oferta para outras quatorze disciplinas não obrigatórias e sete disciplinas de orientação (extensão e iniciação científica). Além da significativa oferta curricular para o curso de Letras, são destacados outros projetos e contextos em que as docentes atuam: o vínculo com o PEC-G; o PEPPE-CLAC (resultado da aproximação do Programa de Ensino e Pesquisa em Português para Estrangeiros e o projeto de extensão “Cursos de Línguas Abertos à Comunidade); a história da Faculdade de Letras como posto aplicador do Celpe-Bras; e ações de ensino e formação vinculadas ao Idiomas sem Fronteiras.

Em seguida, o capítulo 7 traça um segundo percurso ao sul do Brasil, no Paraná: Bruna Pupatto Ruano, Francisco Javier Calvo Del Olmo e Mariza Riva de Almeida apresentam ações que enfatizam o cenário da UFPR em “A implementação da formação de professores de PLE na UFPR: percursos e práticas nos eixos da extensão, da pesquisa e do ensino”. O texto ilustra um histórico do PLE na instituição, iniciado na década de 80, já quando estudantes estrangeiros intercambistas participavam em cursos modulares organizados por docentes. De forma similar a outros contextos, a área é fortalecida e consolidada graças à extensão (Centro de Línguas e Interculturalidade - Celin), onde professores em formação vivenciam experiências de estágio docente e reflexão em disciplinas no âmbito do ensino de línguas estrangeiras.

É importante salientar que a divisão do texto indica, ao mesmo tempo, uma linha coerente ao leitor e o delineamento de vias pelas quais a área de PLE se materializa na instituição: (i) espaço aberto para o desenvolvimento de pesquisas e projetos; (ii) espaço formativo para professores em nível de graduação, por meio de disciplinas e/ ou monografias; (iii) oferta de disciplinas e no desenvolvimento de pesquisas na pós-graduação; (iv) assim como pela extensão que, além do Centro de Línguas, materializa-se pelo projeto “Português Brasileiro para Migração Humanitária” (desde 2013). Como destacam os autores, trata-se de ações indicativas de forte consolidação do PLE na UFPR, mesmo na contramão da atual fragilidade e burocratização da universidade pública como a “diminuição drástica de turmas, acompanhada pela precarização das condições de trabalho dos estagiários e professores que passaram a ser considerados como instrutores no Celin, em 2017” (p. 168).

O penúltimo capítulo é denominado “Percursos da institucionalização da área de português como língua adicional na Universidade Federal de Minas Gerais”, de autoria dos professores Dr. Leandro Rodrigues Alves Diniz e Drª Regina Lúcia Péret Dell’Isola. Analogamente a outros textos da obra, este também mapeia o processo de institucionalização da área na instituição que, também semelhante a outras instituições e à própria história do PLA (designação adotada pelos autores), dá-se com a chegada de intercambistas na universidade, mobilizando ações extensionistas. Tais cursos já contavam com uma sistematização desde o ano de 1993 e hoje, sob a coordenação de um dos autores do capítulo, cursos a distância vêm sendo também oferecidos e propostos, bem como outros que focalizam os contextos de surdez. Outrossim, cabe destacar que a UFMG está credenciada como posto aplicador do Celpe-Bras desde os anos 1990, além de desempenhar ações de ensino para o público PEC-G.

No que concerne às ações de ensino e formação de professores, disciplinas optativas são ofertadas desde 2003 na graduação cujo currículo conta, atualmente, com duas disciplinas fixas em catálogo para o curso de Letras. Já na pós-graduação, há oferta para o Mestrado Profissional e para a Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (PosLin) desde 2001, fomentando o desenvolvimento de pesquisas em nível de mestrado e doutorado. O texto finaliza com um direcionamento sobre a área como sendo um dos pilares em torno de uma ecologia dos saberes, guiado por ações que incorporem o trabalho de docentes de PLE, haja vista que a relevância das ações políticas na área não dialoga com o fato de, na UFMG, esta ainda ser uma área relativamente pequena.

Por fim, o último e nono capítulo é intitulado “Ensino de PLE e formação de professores na Universidade Federal do Amazonas”, momento em que Maria Regina Marques Marinho, Valéria Moisin Araújo e Wagner Barros Teixeira abordam ações e políticas de PLE na UFAM. A universidade está situada em geograficidade singular, considerando não somente o espaço material, mas também a heterogeneidade linguística, dado que ao menos 50 línguas autóctones convivem com o português no estado do Amazonas, segundo os autores.

Aqui, tomar uma sigla única para tratar do PLE poderia recair em reducionismo induzido por uma visão homogênea de língua-cultura. Por isso, os autores trazem indicativos de que o português possui distintas funções sociais no estado: língua materna, adicional, estrangeira e de acolhimento, quando considerados os movimentos e fluxos no cenário do multilinguismo amazônico. A área de PLE tem início na UFAM com um acordo internacional interuniversidades, responsável por gerar a oferta de um curso de português para americanos dos Estados Unidos no ano de 2003. Essa iniciativa se intensificou em 2009, quando a universidade passa a receber, igualmente, alunos do PEC-G e do Programa de Estudantes Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG). É significativo elucidar que a instituição passa a ser posto aplicador do Celpe-Bras em 2002, um ano antes do início desta primeira oferta. No que tange à formação docente, a universidade conta com um espaço de atuação no ensino de PLE em um projeto institucional, a oferta de uma disciplina em nível de graduação para o curso de Letras, bem como a oportunidade de estágio neste projeto e no IsF (agora, descontinuado). À guisa de conclusão, os autores encerram suas reflexões apontando que o destaque da área, na UFAM, passa pelo contínuo desenvolvimento de pesquisas, seja nos espaços de sala de aula ou ainda em projetos financiados por instituições de fomento.

Com tudo isso, consideramos esta publicação um esforço em tornar mais clara a atuação profissional do professor de PLE/PL2 em contextos universitários, seja para visibilizar o cotidiano de docentes, seja para materializar o sentido político ao qual os projetos em PLE estão atrelados. Logo, pensar o delineamento de investimento em torno desse campo não só pode como deve centralizar-se em torno de um encaminhamento de transformação da sociedade, diferente de uma orientação que considera o “mercado de trabalho” como um fim mais direto. Isso porque este “mercado” não absorve os profissionais já formados na área (SANTOS, 2020SANTOS, D. Contornos geopolíticos da profissionalização em Português Língua Estrangeira na Região Metropolitana de Campinas: formação inicial e gestão democrática. 30 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gestão Escolar) – Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2020.), limitando o espaço de atuação e falseando uma ideia de inexistência de demanda.

Nessa direção, trata-se de conceber o PLE como um exercício de reorientação teórica e formativa – em seu sentido político –, visto que muitos espaços carecem de profissionais cientes dos contextos de ensino bilíngue que perpassam pela língua portuguesa, tanto nos espaços escolares privados (ensino bilíngue de elite) quanto em escolas que tenham alunos surdos ou migrantes. Isto se justifica pela contradição em imaginar que a demanda deverá guiar-se pelo fluxo do mercado. Aqui, nós a entendemos como uma percepção defasada, visto que a atuação do Estado e das políticas públicas se materializa em outra ordem (CHANG, 2013CHANG, H. 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo. Tradução: Claudia Gerpe Duarte. 1º edição. São Paulo: Editora Cultrix, 2013.).

É por essas e por outras que uma obra como esta é pertinente, relevante e necessária, pois parte com intencionalidades políticas claras. No sentido material, uma obra que aborde e compile todas essas ações torna-se um argumento inevitável de que a demanda existe. É significativo frisar que, em vários dos artigos, retoma-se o aumento da formação de profissionais de PLE como um movimento de diálogo com o recente e intenso processo de internacionalização das universidades (p. 44). Apesar deste fortalecer e evidenciar a necessidade de espaços de ensino-aprendizagem, não consideramos que esse deva ser o mais forte/ou único argumento, enquanto, por exemplo, no que diz respeito à migração de crise, projetos encontram inúmeras dificuldades para sair do papel ou mesmo se constituírem como políticas públicas, de fato. Além disso, cabe destacar a pertinência de trabalhos que lançam um olhar crítico para a internacionalização no contexto universitário, alertando para as verticalidades a ela atreladas (JORDÃO; MARTINEZ, 2015JORDÃO, C. M.; MARTINEZ, J. Z. Entre as aspas das fronteiras: internacionalização como prática agonística. In: ROCHA, C. H.; BRAGA, D. B.; CALDAS, R. R. (Orgs.) Políticas Linguísticas, Ensino de Línguas e Formação Docente: desafios em tempos de globalização e internacionalização. Pontes Editores: Campinas, 2015.; ALENCAR, 2019ALENCAR, T. R. S. Para além das fronteiras: narrativas de professores universitários sobre o lugar do Português como Língua Adicional no Amapá. 2019. 166 f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019.; FRAZATTO, 2020FRAZATTO, B. Português como Língua Adicional no Programa Idiomas sem Fronteiras na Unicamp: internacionalização e políticas linguísticas em foco. Revista X, v. 5, n. 5, 2020, p. 288-310. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/revistax/article/view/73034/41886. Acesso em: 18 nov. 2021.
https://revistas.ufpr.br/revistax/articl...
).

Finalmente, cabe lembrar que propor uma leitura da área, na qual tanto esta resenha quanto a obra se ocupam, é o mesmo que penetrar movimentos de visibilidade e apagamentos; como apontam Diniz e Dell’Isola (p. 181), são estes “gestos de interpretação”. Porém, recuperando a homonímia da expressão, também a consideramos como “gestos de política linguística” (p. 80) atrelados à constituição de uma agenda de formação de professores (p. 168), observando que esse exercício – interpretativo e, portanto, político – tem função primordial para o desenho da profissionalização e (trans)formação de professores de PLE no Brasil.

  • 1
    Cabe lembrar que embora o livro seja intitulado por duas vertentes do ensino de português, “língua estrangeira” e “segunda língua”, há muitas discussões na área acerca de outros termos possíveis e não há consenso entre um ou outro. Por exemplo, o termo “língua adicional” já é bastante disseminado e se propõe mais abrangente que os dois anteriores. Por outro lado, pode-se afirmar que a decisão das autoras é respaldada pela nomenclatura que historicamente tem sido tratado o ensino de português “língua estrangeira” no Brasil.
  • 2
    Eventos semelhantes sobre a formação em PLE na Unicamp voltaram a ocorrer no primeiro semestre de 2018 e no segundo semestre de 2020. O primeiro, nomeado “Diálogos em PLE (DIAPLE)”, contou com conferências acerca da integração de habilidades no exame Celpe-Bras (Profª Drª Matilde Virginia Scaramucci), ensino de português em contextos de migração de crise (Profª Drª Helena Camargo), sobre a implementação de um leitorado brasileiro na África do Sul (Prof. Dr. Alan Carneiro) e acerca da constituição de uma política linguística exterior do Estado brasileiro (Prof. Dr. Leandro Rodrigues Alves Diniz). O segundo, nomeado II DIAPLE, dá continuidade ao evento anterior e trata da formação docente no âmbito da Licenciatura em PLE/PL2 na Unicamp. Este último contou com palestras e oficinas sobre políticas linguísticas de internacionalização da Unicamp, ensino de PLE em variados contextos (como os de surdez e migração), além de relatos de ações de ensino e extensão no Centro de Ensino de Línguas (CEL) da Unicamp. A organização dos eventos era formada, majoritariamente, por alunos da habilitação em PLE e pós-graduandos do IEL-Unicamp.
  • 3
    O Ciclo de Debates em Linguística Aplicada é constituído de palestras anuais organizadas por docentes do Departamento de Linguística Aplicada (DLA) da Unicamp.
  • 4
    Como exemplo, é possível citar o Idiomas sem Fronteiras (IsF-MEC). Mesmo após descontinuado, os reflexos da formação em PLE, atrelados ao credenciamento de universidades federais ao programa, permitiram que diálogos e ações de formação fossem planejados em contextos universitários onde o PLE ainda não estivesse constituído, ou mesmo em departamentos nos quais poucos (ou nenhum) professores tivessem trabalhado nesse contexto.
  • 5
    Há uma discussão premente na comunidade surda e nos estudos de contextos de surdez discutindo se caracterização do ensino de PL2 é, de fato, a mais acertada para atrelar o ensino do português nestes espaços.
  • 6
    Recentemente, uma nova portaria sobre imigrantes no ensino básico foi publicada: Resolução 13 nov. 2020. Fonte: http://bit.ly/3qwB975. Acesso em 24 jul. 2021.
  • 7
    A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), desde 1948, conjectura a integração entre países da América Latina, seja no âmbito econômico, seja no social, uma vez que estes compartilham de históricos constitutivos compartilhados.
  • 8
    Ainda seguindo os apontamentos indicados pela autora, cabe lembrar que a criação da UNILA dialoga diretamente com “a criação do Mercosul e a política oficial de reciprocidade de ensino de português e espanhol”, o que se constitui como “um mercado para o português [e para o espanhol]” (Signorini, 2013 apud Carvalhal, 2020). No entanto, com a reforma do Ensino Médio no Brasil (2017) aprovada no governo de Michel Temer, tornou-se o ensino do espanhol não obrigatório nas escolas brasileiras (resultando na revogação da lei 11.611 de 2005), configurando-se um retrocesso na integração política dos países da América do Sul e Latina.
  • 9
    Do mesmo modo, cabe uma crítica em torno da extensão universitária, já que estes mesmos profissionais concursados (atualmente, dois) têm por demanda toda a comunidade universitária, em detrimento de uma extensão mais articulada em torno do oferecimento de cursos de línguas – cenário bastante distinto de outras universidades federais. Nas palavras das autoras, essa organização impede, por exemplo, que a universidade receba alunos do Programa Estudantes Convênio de Graduação (PEC-G) mesmo que, em outro momento (2011), tenha demonstrado uma vocação para a operacionalização de diálogos Sul-Sul, como no oferecimento de cursos do Programa Emergencial Pró-Haiti.
  • 10
    Aqui, referimo-nos especificamente ao governo de Jair Bolsonaro.
  • 11
    Alguns dos dados são descritos nos capítulos. Outros estão disponíveis nos projetos pedagógicos dos cursos e sites institucionais.

REFERÊNCIAS

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  • BIZON, A. C. C.; CAMARGO, H. R. E. Acolhimento e ensino da língua portuguesa à população oriunda de migração de crise no município de São Paulo: por uma política do atravessamento entre verticalidades e horizontalidades. In: BAENINGER, R.; BÓGUS, L. M.; MOREIRA, J. B.; VEDOVATO, L. R.; FERNANDES, D. M.; SOUZA, M. R.; BALTAR, C. S.; PERES, R. G.; WALDMAN, T. C.; MAGALHÃES, L. F. A. (Orgs.). Migrações Sul-Sul Campinas: NEPO/UNICAMP, 2018, p. 712-726.
  • BIZON, A. C. C.; DINIZ, L. R. A. Dossiê Especial: Português como Língua Adicional em contextos de minorias: (co) construindo sentidos a partir das margens. Revista X, v. 13, n. 1, 2018. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/revistax/issue/view/2624 Acesso 20 nov. 2021.
    » https://revistas.ufpr.br/revistax/issue/view/2624
  • CHANG, H. 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo Tradução: Claudia Gerpe Duarte. 1º edição. São Paulo: Editora Cultrix, 2013.
  • FRAZATTO, B. Português como Língua Adicional no Programa Idiomas sem Fronteiras na Unicamp: internacionalização e políticas linguísticas em foco. Revista X, v. 5, n. 5, 2020, p. 288-310. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/revistax/article/view/73034/41886 Acesso em: 18 nov. 2021.
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    » https://periodicos.ufes.br/contextoslinguisticos/article/view/27431

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2021
  • Aceito
    09 Nov 2021
  • Publicado
    15 Jul 2022
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