Acessibilidade / Reportar erro

EDUCAÇÃO CIENTÍFICA NA LINGUÍSTICA APLICADA: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO BÁSICO

SCIENTIFIC EDUCATION IN APPLIED LINGUISTICS: CONTRIBUTIONS TO BASIC EDUCATION

RESUMO

Este artigo apresenta uma abordagem da educação científica elaborada para auxiliar na inovação do ensino de português como língua materna a partir de práticas investigativas em escolas básicas. A proposta foi construída colaborativamente por professores do ensino básico e por docentes do ensino superior, integrantes de um projeto de pesquisa vinculado a um programa governamental brasileiro idealizado para fortalecer a educação cientifica de estudantes. Configura-se (a) uma pesquisa bibliográfica dedicada à caracterização da abordagem mencionada (LAUGKSCH, 1999LAUGKSCH, R. C. (1999). Scientific Literacy: A Conceptual Overview. Science Education, v. 84, p. 71-94. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(200001)84:1<71::AID-SCE6>3.0.CO;2-C.
https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(...
; SILVA, 2020aSILVA, W. R. (2020a). Letramento e fracasso escolar: o ensino da língua materna. Manaus: Editora UEA.; SOARES, 2003aSOARES, M. (2003a) Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera M. (org). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, p. 89-113.), e (b) uma análise documental do enfoque da educação científica em uma diretriz curricular nacional (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
) e das impressões escritas sobre o referido projeto, compartilhadas por professores em formação continuada. Trata-se de um estudo situado no campo indisciplinar dos estudos linguísticos aplicados. A proposta pedagógica se materializou na produção de alguns instrumentos mediadores do aprendizado discente, dentre os quais se destacam uma unidade didática, um circuito de planejamento pedagógico informado pela abordagem da educação científica e um laboratório virtual de estudo da gramática.

Palavras-chave:
ensino de língua materna; formação de professores; letramentos

ABSTRACT

This article shows an approach to scientific education designed to help innovate the teaching of Portuguese as a mother tongue based on investigative practices in basic schools. The proposal was built collaboratively by elementary school teachers and higher education professors, members of a research project linked to a Brazilian government program designed to strengthen students’ scientific education. It configures (a) bibliographical research dedicated to the characterization of the mentioned approach (LAUGKSCH, 1999LAUGKSCH, R. C. (1999). Scientific Literacy: A Conceptual Overview. Science Education, v. 84, p. 71-94. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(200001)84:1<71::AID-SCE6>3.0.CO;2-C.
https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(...
; SILVA, 2020aSILVA, W. R. (2020a). Letramento e fracasso escolar: o ensino da língua materna. Manaus: Editora UEA.; SOARES, 2003aSOARES, M. (2003a) Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera M. (org). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, p. 89-113.), and (b) documentary analysis of the focus of scientific education in a national curriculum guideline (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
) and written impressions about the referred project, shared by teachers in continuing education. This is a study situated in the antidisciplinary field of applied linguistic studies. The pedagogical proposal materialized in the production of some instruments that mediate student learning, among which stand out a didactic unit, a pedagogical planning circuit informed by the scientific education approach and a virtual grammar study laboratory.

Keywords:
mother language teaching; teacher education; literacies

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, foram significativos os esforços de pesquisadores dos estudos da linguagem a fim de produzirem contribuições científicas para o ensino de Português como língua materna (LM) no contexto escolar brasileiro. Neste artigo, compartilhamos alguns desdobramentos teóricos e metodológicos para o referido componente curricular, produzidos no grupo de pesquisa Práticas de Linguagens (PLES), vinculado à Universidade Federal do Tocantins (UFT) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). São contribuições reunidas na abordagem da educação científica, caracterizada como uma alternativa de proposta investigativa e pedagógica de resistência, pois auxilia no entendimento e no enfretamento de práticas ou discursos diversos em torno das ciências (SILVA, 2021aSILVA, W. R. (2021a). Letramento ou literacia? Ameaças da cientificidade. In: SILVA, W. R. (Org.). Contribuições sociais da Linguística Aplicada: uma homenagem a Inês Signorini. Campinas: Pontes Editores, p. 111-162.; 2020aSILVA, W. R. (2020a). Letramento e fracasso escolar: o ensino da língua materna. Manaus: Editora UEA.). Essa abordagem foi idealizada principalmente para (a) aprimorar a formação de professores1 1 Registramos que as professoras são a maioria das pessoas envolvidas com esta pesquisa, apesar de optarmos pela forma masculina professor. Procedendo assim, evitamos o registro de diferentes marcações de gênero ao longo deste artigo. e (b) contribuir com a inovação do ensino. Pode ainda alcançar espaços sociais distintos dos escolares, com desdobramentos para uma educação crítica informal da população em geral (LIU, 2009LIU, X. (2009). Beyond Science Literacy: Science and the Public. International Journal of Environmental & Science Education, v. 4, n. 3, p. 301-311.; SILVA, 2024SILVA, W. R. (2014). Educação científica na pós-graduação: uma abordagem da Linguística Aplicada. Revista Internacional de Educação Superior, v. 10, n. s/n, p. 1-24. https://doi.org/10.20396/riesup.v10i00.8667236
https://doi.org/10.20396/riesup.v10i00.8...
).

As contribuições compartilhadas foram produzidas na Linguística Aplicada (LA), neste texto definida como um campo de investigação científica inserido na grande área dos estudos da linguagem. As pesquisas realizadas nesse campo são propostas para minimizar ou, até mesmo, resolver problemas sociais envolvendo manifestações linguageiras. A maneira de lidar com tais problemáticas é diferenciada, pois os objetos de pesquisa são construídos a partir do diálogo com teorias distintas, cujas origens não se limitam aos estudos linguísticos. Esse diálogo é resultado do esforço despendido por linguistas aplicados para apreender a complexidade das problemáticas investigadas (SILVA, 2021bSILVA, W. R. (2021b). Por uma Linguística Aplicada arrojada. In: SILVA, Wagner R. (Org.). Contribuições sociais da Linguística Aplicada: uma homenagem a Inês Signorini. Campinas: Pontes Editores, p. 17-30.).

Ao linguista aplicado é possibilitada alguma especialização em torno de temáticas sociais precisas, resultando na atuação do referido profissional em diferentes subcampos responsáveis pelo trabalho arrojado sobre problemáticas identificadas. Não são delimitados por fronteiras rígidas, mas o delineamento de subcampos resulta do esforço didático para descrever o escopo de atuação desses pesquisadores. Em outros termos, dada a complexidade constitutiva dos objetos de pesquisa, nem sempre eles se deixam apreender em um subcampo investigativo exclusivo. A título de exemplo, ressaltamos que, por um lado, as investigações cujos objetos de pesquisa envolvem a interação entre surdos e ouvintes, em situações diversas e não necessariamente em contexto escolar, podem ser situadas no campo do bilinguismo. Por outro lado, tais pesquisas podem envolver ainda questões de gênero ou raça e, consequentemente, serem situadas no subcampo das práticas identitárias2 2 O delineamento de subcampos não é consenso entre os linguistas aplicados, porém, esse esforço pode auxiliar o fortalecimento da LA enquanto um campo autônomo, diferentemente da condição de subárea da denominada Teoria Linguística. .

Os objetos de investigação na LA não estão restritos ao domínio escolar, mas as contribuições para o ensino de línguas e para a formação de professores de línguas são facilmente reconhecidas, a tal ponto que, equivocadamente, há quem compreenda a LA como sendo exclusivamente caracterizada pela aplicação de teorias linguísticas ao referido domínio. O reconhecimento desses subcampos, provavelmente, justifica-se pela relevância da educação para a transformação ou superação da situação de exclusão de famílias brasileiras desfavorecidas, o que está condicionado ao enfrentamento de ameaças sofridas por instituições públicas idealizadas para proteger e garantir o bem-estar da população num estado democrático. O ensino de língua marcado por práticas transmissivas, estimuladas pela influência determinante de livros didáticos, sobrepondo-se à autonomia dos professores e ignorando-se interesses particularizados dos estudantes, contribui para a manutenção da desigualdade social (SILVA, 2020bSILVA, W. R. (2020b). Educação científica como estratégia pedagógica e investigativa de resistência. Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas: Unicamp, v. 59, n. 3, p.2278-2308. https://doi.org/10.1590/01031813829221620201106
https://doi.org/10.1590/0103181382922162...
; SILVEIRA; SILVA; REIS, 2019SILVEIRA, R. A.; SILVA, W. R.; REIS, A. P. (2019). Construção paradigmática do ensino de português como língua materna. Eutomia, v. 1, n. 23, p. 108-128. https://doi.org/10.51359/1982-6850.2019.240212
https://doi.org/10.51359/1982-6850.2019....
). Os desafios enfrentados por professores no próprio local de trabalho demandam respostas urgentes.

A abordagem da educação científica assumida neste artigo teve origem no ensino de Ciências Naturais, envolvendo o trabalho pedagógico com os seguintes componentes curriculares: Biologia, Física e Química (CUNHA, 2019CUNHA, R. B. (2019). Por que falar em letramento científico? Raízes do conceito nos estudos da linguagem. Campinas: Estante Labjor/Nudecri/ Unicamp.; LAUGKSCH, 1999LAUGKSCH, R. C. (1999). Scientific Literacy: A Conceptual Overview. Science Education, v. 84, p. 71-94. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(200001)84:1<71::AID-SCE6>3.0.CO;2-C.
https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(...
; SANTANA; SILVA; FREITAS, 2021SANTANA, B. R.; SILVA, W. R.; FREITAS, M. (2022). O Show da Luna como gênero mediador de educação científica. Ciência & Educação, v. 27, p. 1-18, 2021. https://doi.org/10.1590/1516-731320210003
https://doi.org/10.1590/1516-73132021000...
; SHAMOS, 1995SHAMOS, M. H. (1995). The Myth of Scientific Literacy. New Brunswick, New Jersey: Rutgers University Press.; SILVA, 2020aSILVA, W. R. (2020a). Letramento e fracasso escolar: o ensino da língua materna. Manaus: Editora UEA., 2016SILVA, W. R. (2016). Letramento científico na formação inicial do professor. Revista Práticas de Linguagem, v. 6, n. especial, p. 8-23. Disponível em: https://www.ufjf.br/praticasdelinguagem/files/2017/01/2-Artigo-Wagner.pdf. Acesso em: 02 nov. 2022.
https://www.ufjf.br/praticasdelinguagem/...
). Um reflexo desse fato é o uso dos termos educação científica e letramento científico apenas no componente Ciências da Natureza, na atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Básico (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
)3 3 A BNCC (BRASIL, 2018) foi aprovada para orientar a elaboração dos currículos do ensino básico brasileiro, garantindo um referencial de objetos de conhecimento, competências e habilidades a serem trabalhados pelas escolas e, ainda, o enfoque de demandas diversificadas locais. Essa diretriz tem desdobramentos diretos na reelaboração dos projetos pedagógicos das licenciaturas, cursos superiores responsáveis pela formação inicial de professores no Brasil. . Foram registradas uma ocorrência do termo letramento científico nas orientações para o Ensino Fundamental e duas para o Ensino Médio. O educação científica foi utilizado apenas uma vez na parte reservada à primeira etapa de escolarização mencionada. A despeito das ausências sinalizadas, há encaminhamentos de práticas investigativas, alinhadas à abordagem da educação científica defendida neste artigo, em todos os componentes curriculares. A ênfase dada a tal abordagem varia em cada componente, o que demanda análises ou investigações científicas específicas.

Os primeiros estudos sobre educação científica foram publicados em território americano e europeu, a partir da segunda metade do século XX, em resposta a demandas semelhantes às enfrentadas até a contemporaneidade em aulas de LM no Brasil (HURD, 1998HURD, P. D. H. (1998). Scientific Literacy: New Minds for a Changing World. Science Education, v. 82, n. 3, p. 407-416. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199806)82:3<407::AID-SCE6>3.0.CO;2-G
https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(...
, 1958HURD, P. D. H. (1958). Science Literacy for American Schools. Educational Leadership. n. 16, p. 13-16. Disponível em: https://files.ascd.org/staticfiles/ascd/pdf/journals/ed_lead/el_195810_hurd.pdf. Acesso em: 02 nov. 2022.
https://files.ascd.org/staticfiles/ascd/...
; SHAMOS, 1995SHAMOS, M. H. (1995). The Myth of Scientific Literacy. New Brunswick, New Jersey: Rutgers University Press.). Nesse sentido, há estudantes que não conseguem compreender a utilidade dos conteúdos trabalhados em aulas de Português, por vezes, marcadas pela memorização e reprodução de terminologias e suas respectivas definições4 4 A memorização é necessária no processo de aprendizagem, mas não deveria ser a principal estratégia pedagógica nem o objetivo final do ensino. Concordamos com Rabelo (2022, p. 112), ao afirmar que "apre(e)nde-se porque se pensa. Memoriza-se porque se pensa e compreende". . Há ainda professores insatisfeitos com os resultados do próprio trabalho e sem perspectivas metodológicas para renovar a prática profissional.

É desafiante proporcionar aos estudantes o desenvolvimento da autonomia, possibilitando-lhes utilizar a LM em diversas situações interativas do cotidiano, não restritas aos típicos exercícios escolares, quando leem e escrevem para o professor com finalidade estritamente avaliativa. Em contraposição a essas conhecidas práticas, propomos a educação científica como uma abordagem alternativa, crítica e contextualizadora das atividades integrantes dos eixos organizadores das aulas de Língua Portuguesa (LP) – leitura, escrita, oralidade e análise linguística/semiótica – alinhada, portanto, à BNCC (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
).

Este artigo está organizado em três principais partes, além desta Introdução, das Considerações finais e das Referências. Na primeira, caracterizamos a abordagem da educação científica na perspectiva dos estudos dos letramentos, articulando-a a pressupostos teóricos e metodológicos da BNCC para o Ensino Fundamental (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
). Esses pressupostos são contribuições originárias da LA e de ciências afins. Na segunda, descrevemos a proposta pedagógica desenvolvida no projeto Conscientização Gramatical pela Educação Científica (ConGraEduC). Na terceira, problematizamos comentários avaliativos de professores em formação continuada, diante do compartilhamento da proposta pedagógica do referido projeto. Essa última parte mostra evidências da relevância e de desafios da abordagem focalizada em aulas de LP, conforme registros escritos por professores.

1. ABORDAGEM LINGUÍSTICA NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA

Um indício da influência da LA em aulas de LP é a apropriação por professores da palavra letramento ao vocabulário profissional5 5 Diferentemente da escolha lexical realizada no Brasil, utiliza-se o termo literacia em Portugal. Mais detalhes sobre o assunto, consultar Silva (2021a) e Gonçalves e Jorge (2018). , ainda que possam demonstrar dificuldade para planejar atividades contextualizadas no esforço de integração dos eixos das práticas de linguagem6 6 No Brasil, os estudos dos letramentos não foram produzidos apenas na LA. São inúmeras as contribuições na Ciência da Educação, a exemplo dos trabalhos produzidos por Magda Soares (2020; 2003a; 2003b). Os linguistas aplicados sempre mantiveram diálogo com literaturas especializadas da referida área. . Referimo-nos à contextualização por compreendermos que essa estratégia seja uma expressiva contribuição para as aulas de LM, reconhecidas por muitos, na tradição do ensino, como um trabalho fragmentado e disfuncional (BATISTA, 2001BATISTA, A. A. (2001) Aula de Português: discurso e saberes escolares. São Paulo: Martins Fontes.; SILVA, 2009aSILVA, W. R. (2009a). Seleção textual no ensino interdisciplinar por projeto. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 9, n. 1, p. 17-39. https://doi.org/10.1590/S1984-63982009000100002
https://doi.org/10.1590/S1984-6398200900...
; 2009bSILVA, W. R. (2009b). Algumas contribuições da linguística aplicada para o ensino de escrita em aulas de língua materna no Brasil. Investigações, v. 22, n. 2, p. 135-160. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/article/view/1354. Acesso em: 02 fev. 2023.
https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/...
).

O letramento corresponde a um conjunto de práticas sociais mediadas pela escrita, utilizadas em contextos específicos e para objetivos específicos (KLEIMAN, 1995KLEIMAN, A. B. (1995). Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, A. B. (org.). Os significados do letramento: uma perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras. p. 15-61.). Essas práticas diversas também são valoradas conforme as situações interativas em que são instauradas, incluindo aí as representações sociais em torno dos próprios interactantes. Para fins didáticos e investigativos, os letramentos podem ser particularizados e receberem nomes distintos, a exemplo do letramento acadêmico, do científico ou do matemático, possibilitando um trabalho pedagógico mais pontual ou um recorte mais preciso do objeto pesquisado.

O termo letramento aparece quarenta e oito vezes na BNCC (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
), presente nas quatro áreas do conhecimento que compõem o documento – Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas7 7 Também foram contabilizados os termos derivados, como letramentos e multiletramentos. . Os componentes de ensino das línguas materna e estrangeira problematizam o trabalho escolar sobre e com a diversa cultura da escrita, além de sistematizar encaminhamentos pedagógicos, conforme detalhado adiante. A Matemática e Ciências Naturais também focalizam questões mais internas ao próprio componente, sob os rótulos de letramento matemático e de letramento científico, para que os objetos de conhecimentos dos respectivos componentes possam ser efetivamente aprendidos e utilizados no cotidiano. Os demais apresentam encaminhamentos para fortalecer os letramentos dos estudantes, ao recomendarem a instauração de situações de leitura e de escrita, tematizando assuntos próprios aos componentes curriculares8 8 O termo letramento não aparece em História e em Ensino Religioso, ainda que diferentes atividades de leitura e de escrita sejam recomendadas, algumas inclusive envolvendo práticas investigativas alinhadas à abordagem da educação científica, conforme dito na introdução deste artigo. . Ou seja, esses últimos também funcionam como componentes auxiliares para contextualizar práticas de leitura e escrita na escola. Esses encaminhamentos funcionam como convites ao trabalho interdisciplinar.

A pedagogia inspirada no fenômeno do letramento possibilita aos professores diversificar e situar o trabalho com linguagem na escola, pois os inúmeros eventos mediados pela escrita, construídos e estabilizados nas interações sociais, podem ser utilizados como referências para o planejamento das atividades em aulas de LP. Assim, os estudantes teriam mais autonomia para enfrentar as mais diversas situações interativas além dos muros escolares e para articular saberes diversos a fim de construir conhecimentos.

Nos termos utilizados por Soares (2003a)SOARES, M. (2003a) Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera M. (org). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, p. 89-113., o desafio para os professores consiste em proporcionar maior absorção possível do letramento social pelo letramento escolar, de maneira que esse último seja redimensionado. Ainda conforme Soares (2003a, p. 100)SOARES, M. (2003a) Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera M. (org). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, p. 89-113., letramento escolar são "habilidades de leitura e de escrita desenvolvidas na e pela escola", ao passo que o letramento social são "as habilidades demandadas pelas práticas de letramento que circulam na sociedade".

Na BNCC (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
), outras duas categorias básicas originárias dos estudos linguísticos e alinhadas ao termo letramento correspondem às noções de texto e de gênero, conforme ilustrado na Figura 1. Não se trata de uma mera justaposição, mas se demanda uma forte articulação para o planejamento de aulas produtivas de LP. Essas são duas categorias distintas e interdependentes.

Figura 1
Categorias básicas orientadoras das aulas de LP

Desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), no final da década de 90 do século XX, os gêneros e os textos são concebidos em diretrizes oficiais para o ensino de LP, respectivamente, como objetos de ensino e unidades de análise (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf. Acesso em: 24 out. 2022.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
, 1997BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental, Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf. Acesso em: 24 out. 2022.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
). Diante disso, uma relevante questão a ser respondida pelos professores seria: como tais categorias podem ser articuladas em função de um ensino produtivo de língua materna? Ao mencionarmos um ensino produtivo, estamos nos contrapondo a práticas reprodutivas características das aulas tradicionais de LP (SILVEIRA; SILVA; REIS, 2019SILVEIRA, R. A.; SILVA, W. R.; REIS, A. P. (2019). Construção paradigmática do ensino de português como língua materna. Eutomia, v. 1, n. 23, p. 108-128. https://doi.org/10.51359/1982-6850.2019.240212
https://doi.org/10.51359/1982-6850.2019....
)9 9 As práticas da tradição do ensino de LP também estão presentes em escolas portuguesas, conforme ressalta Rabelo (2022, p. 112): "No fundo, o que acontece é que o ensino é feito de cópia e reprodução, desde o 1º ano de escolaridade, esquecendo, quase por completo, a reflexão e a problematização. Com a vontade de chegar a todas as crianças, e devido à massificação do ensino, simplifica-se de tal modo os conteúdos a aprender que se impede a real aprendizagem". .

Os gêneros são formas de interação social materializadas em textos orais e escritos, considerando as facetas multimodais que os constituem. São construídos naturalmente em trocas culturais, justificando estabilidades nas escolhas linguísticas modeladoras da materialidade textual. Também podem ser planejados conforme interações a serem instauradas, a exemplo do percurso familiar de compras de refeição, utilizado por assíduos usuários de aplicativos, envolvendo leitura e escrita atentas na tela de aparelhos digitais. Ao se utilizar de gêneros para propósitos específicos, uma pessoa demonstra ter se apropriado de letramentos característicos dos respectivos gêneros. Em outros termos, as dinâmicas típicas das interações sociais são encapsuladas em gêneros.

O trabalho escolar com gêneros está sujeito a diferentes realizações, sendo três sintetizadas adiante, podendo haver sobreposições com realce em alguma delas (SILVA; LIMA; MOREIRA, 2016SILVA, W. R.; LIMA, P. S.; MOREIRA, T. M. (2016.). Gêneros na prática pedagógica: diálogos entre escolas e universidades. Campinas: Pontes Editores.):

  1. ênfase na metalinguagem – são caracterizados textos a partir da identificação e da definição dos gêneros. As nomenclaturas ou terminologias gramaticais são substituídas ou compartilham espaço com os nomes dos gêneros ou nomenclaturas das tipologias textuais (narração, descrição, argumentação, injunção);

  2. ênfase na estrutura – são descritas as partes integrantes da estrutura composicional ou identificadas as sequências tipológicas responsáveis pela materialidade textual (narração, descrição, argumentação, injunção). Há uma tendência de trabalho escolar com modelos ou esquemas rígidos a serem reproduzidos, podendo se limitar a criatividade dos estudantes;

  3. ênfase na prática social: são modeladas situações de uso. Os estudantes são levados a se familiarizar com práticas de leitura e de produção características de contextos interacionais específicos, considerando-se ainda as valorações a que estão passíveis as distintas práticas sociais10 10 Mais detalhes sobre trabalhos pedagógicos com textos e gêneros em aulas de LP são encontrados em Silva (2012a; 2009a; 2009b) e Silva, Lima e Moreira (2016). .

Essa última realização se configura como a mais promissora diante do ensino de LM comprometido com o desenvolvimento de diversos letramentos sociais pelos estudantes, conforme concepção de Soares (2003a)SOARES, M. (2003a) Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera M. (org). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, p. 89-113.. Nesse sentido, as demais realizações descritas podem ser apropriadas autonomamente e não deveriam se configurar como as metas principais, pois estaríamos privilegiando letramentos escolares. Em outros termos, é atribuição da escola familiarizar os estudantes com práticas sociais próprias dos gêneros, proporcionando-lhes os letramentos catalisados pelos respectivos gêneros.

O esforço para se contextualizar o trabalho com gêneros justifica a assunção da noção de campos de atuação na BNCC (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
), os quais reúnem formas culturalmente estabilizadas e situadas de atuação em sociedade, características de grupos sociais ou pessoas com interesses afins. O campo das práticas de estudo e pesquisa nos interessa mais de perto neste artigo; reforça a relevância da abordagem da educação científica, sobre a qual passamos a nos deter mais diretamente11 11 Os outros campos mencionados na BNCC (BRASIL, 2018, p. 84) são: campo artístico-literário, campo jornalístico-midiático e campo de atuação na vida pública. Para o Ensino Fundamental I, houve uma simplificação desses campos, pois esses dois últimos foram reunidos sob a denominação campo da vida pública. . Os professores de LP podem planejar a articulação dos eixos de práticas escolares de linguagem a partir de um campo específico ou, ainda, combinando práticas características de campos distintos. Funcionam como contextos culturais e podem ser caracterizados por agrupamentos de gêneros, definidores de atividades ou de letramentos que lhes são constitutivos.

No Quadro 1, reproduzimos dois excertos da BNCC (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
) a fim de caracterizar o campo das práticas de estudo e pesquisa, bem como proporcionar a compreensão do letramento científico pressuposto na referida diretriz oficial e, consequentemente, a ser trabalhado com os estudantes em aulas de LP.

Quadro 1
Caracterização do campo das práticas de estudo e pesquisa

No primeiro excerto, são elencados os gêneros a serem ensinados aos estudantes, o que pode resultar em um trabalho escolar quando se enfatiza a metalinguagem ou a estrutura, pois o enfoque recai sobre a problematização e a compreensão da estrutura composicional dos gêneros. Nesse sentido, os estudantes não seriam inseridos em efetivas atividades de pesquisa sobre manifestações linguísticas, o que possibilitaria, consequentemente, que se familiarizassem com práticas interativas mediadas por gêneros elencados no Quadro 1. Nem no segundo excerto há sinalização alguma explícita para o trabalho investigativo sobre a língua(gem); pretende-se, em vez disso, que os estudantes compreendam genericamente os interesses, atividades ou procedimentos característicos da produção e da divulgação científicas.

Por um lado, essa abordagem contempla indiretamente a concepção de educação científica assumida no PLES, uma vez que o enfoque recai sobre as práticas de estudo e não necessariamente sobre a produção de pesquisa, mesmo que esses dois tipos sejam sinalizados no nome do campo de atuação aqui focalizado. Como desdobramento para o ensino, os textos de diferentes gêneros tendem a ser analisados em aulas de LP. Ter acesso aos conteúdos compartilhados em artigos científicos ou relatórios, que funcionam como suportes para infográficos e esquemas, pode auxiliar na compreensão de fenômenos naturais ou fatos sociais, incluindo aí problemáticas linguísticas, mas não envolve os estudantes diretamente em atividades investigativas.

A análise de gêneros pode ser ilustrada a partir do trabalho de Leal (2018)LEAL, A. (2018). Multimodalidade e multiliteracia: elementos verbais e não verbais nos textos de divulgação científica. In: GONÇALVES, M.; JORGE, N. (org.). Literacia científica na escola. Lisboa: Nova FCSH-CLUNL, p. 43-54., ao apresentar a relevância de os professores preparem os estudantes para realizarem leituras críticas de textos multimodais de divulgação científica. A autora chama a atenção para os usos (a) de imagens na composição de textos de divulgação destinados ao grande público; e (b) da multimodalidade em questões de leitura em avaliações de desempenho escolar em grande escala. Tais usos demandam o desenvolvimento de letramentos múltiplos para se produzir sentidos criticamente.

Por outro lado, há também a abordagem pedagógica de trabalhos interdisciplinares, restando ao componente LP assumir uma perspectiva instrumental. Ela se aproxima da concepção assumida no referido grupo de pesquisa, pois envolve os estudantes em práticas de pesquisa. Ou seja, eles experienciam efetivas atividades investigativas características das Ciências Naturais, e o professor de LM auxilia na elaboração de registros orais ou escritos daí originários (SILVA; MENDES; RIBEIRO, 2021SILVA, W. R.; MENDES, J.; RIBEIRO, M. H. (2021). Compreensões sobre ciência compartilhadas por alunos da escola básica antes e depois de intervenções pedagógicas. Signo, v. 46, n. 86, p. 42-59. https://doi.org/10.17058/signo.v46i86.15995
https://doi.org/10.17058/signo.v46i86.15...
). Ainda assim, insiste-se na reprodução de representações legitimadas de ciência (SANTANA; SILVA; FREITAS, 2021SANTANA, B. R.; SILVA, W. R.; FREITAS, M. (2022). O Show da Luna como gênero mediador de educação científica. Ciência & Educação, v. 27, p. 1-18, 2021. https://doi.org/10.1590/1516-731320210003
https://doi.org/10.1590/1516-73132021000...
; SOUSA; SILVA; BRITO, 2023SOUSA, R. S; SILVA, W. R.; BRITO, C. C. P. (2023). Preconcebidos sobre ciência compartilhados por estudantes de escola pública rural. Educação e pesquisa, v. 49, e249915, 2023. (no prelo)). Isso se configura como uma abordagem pedagógica interdisciplinar dominante, ainda que tenha sua relevância. Ela precisa ser desestabilizada em função da visibilização das humanidades, especialmente das ciências da linguagem, que nos interessam mais diretamente neste texto.

As práticas de pesquisa não são explicitadas pela BNCC (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
) nas competências a serem desenvolvidas em LP. Compreendemos esse fato como uma fragilidade das diretrizes para o referido componente curricular, diferentemente do estabelecido amplamente em Ciências Naturais. Tais práticas também são sistematizadas na segunda competência geral, acrescida a outras nove no início do documento, a qual reproduzimos no Quadro 2.

Quadro 2
Ênfase na prática investigativa

A atitude curiosa e investigativa sobre as manifestações linguageiras precisa ser desenvolvida nos estudantes. Compreender o funcionamento da língua em seus diferentes níveis de análise é de grande proveito para falantes e escritores, o que garante mais autonomia para analisar e entender fenômenos linguísticos constantemente renovados, a exemplo do funcionamento dos infindáveis e inflamados embates discursivos sobre assuntos diversos, travados em redes sociais e envolvendo formadores de opinião. Tal atitude precisa ser igualmente desenvolvida na formação inicial e continuada de professores de LP, mas nem sempre os formadores se utilizam de práticas de pesquisa no processo educativo desses profissionais (SILVA, 2024SILVA, W. R. (2014). Educação científica na pós-graduação: uma abordagem da Linguística Aplicada. Revista Internacional de Educação Superior, v. 10, n. s/n, p. 1-24. https://doi.org/10.20396/riesup.v10i00.8667236
https://doi.org/10.20396/riesup.v10i00.8...
; 2019aSILVA, W. R. (2019a). Educação científica como estratégia pedagógica para formação de professoras. Veredas – Revista de Estudos Linguísticos, v. 23, n. 2, p. 144-161. https://doi.org/10.34019/1982-2243.2019.v23.29504
https://doi.org/10.34019/1982-2243.2019....
; 2017SILVA, W. R. Formação sustentável do professor no mestrado profissional. Revista Brasileira de Educação, v. 22, n. 70, p. 708-731, 2017. https://doi.org/10.1590/S1413-24782017227036
https://doi.org/10.1590/S1413-2478201722...
).

No contexto português, Rabelo (2022)RABELO, H. (2022). Alfabetização e sintaxe: noção de "frase". In: FARIA, E.; SILVA, W. R. (org.). AlfabetiAÇÕES. Campinas: Pontes Editores, p. 101-130. destaca a relevância do desenvolvimento dessa atitude desde a escolarização inicial das crianças, no processo de alfabetização. Ao relatar uma experiência na formação inicial de alfabetizadoras, envolvendo a problematização de diferentes conceitos de frase, considerando minimamente as unidades sintática e discursiva de análise, comumente esquecidas nessa etapa de escolarização em detrimento de aspectos fonológicos, a autora afirma:

A definição de "frase" destinada às crianças, por mais simples que seja, tem de contemplar as duas dimensões da língua: a oral (a primeira e a principal) e a escrita. Defende-se que seria fundamental explicar às crianças que é uma noção dinâmica e que há investigação científica sobre ela, ou seja, que é uma matéria (como as estrelas, os animais, as plantas, etc.) que é estudada por cientistas. Esta visão científica da língua portuguesa nunca é explorada no processo de ensino-aprendizagem e muito menos nos primeiros anos de escolarização, julgando as crianças (depois adultos, mesmo os docentes de Português) que tudo está definido e que nada pode ser questionado, nem na língua, nem na gramática. (RABELO, 2022RABELO, H. (2022). Alfabetização e sintaxe: noção de "frase". In: FARIA, E.; SILVA, W. R. (org.). AlfabetiAÇÕES. Campinas: Pontes Editores, p. 101-130., p. 111)

Retomando o enfoque da prática de estudo, conforme o campo de atuação aqui tematizado, a análise de gêneros se alinha ao que compreendemos por letramento acadêmico, que envolve o trabalho sistematizado para se garantir a apropriação especialmente de gêneros das práticas de estudo e, por vezes, de pesquisa. Os letramentos acadêmico e científico se complementam, se confundem e podem se desenvolver paralelamente e articuladamente. A nomenclatura utilizada para identificar esse último oscila em diferentes disciplinas ou áreas do conhecimento. Nem sempre os significados de origem nos estudos linguísticos são recuperados, o que não podemos ignorar em pesquisas situadas na LA. Aí nos referimos a fenômenos distintos ao utilizarmos as palavras letramento e alfabetização (CUNHA, 2019CUNHA, R. B. (2019). Por que falar em letramento científico? Raízes do conceito nos estudos da linguagem. Campinas: Estante Labjor/Nudecri/ Unicamp.; SILVA, 2021aSILVA, W. R. (2021a). Letramento ou literacia? Ameaças da cientificidade. In: SILVA, W. R. (Org.). Contribuições sociais da Linguística Aplicada: uma homenagem a Inês Signorini. Campinas: Pontes Editores, p. 111-162.; 2020aSILVA, W. R. (2020a). Letramento e fracasso escolar: o ensino da língua materna. Manaus: Editora UEA.).

Compreendemos letramento científico como o discernimento sempre passível de aprimoramento para participar de situações cotidianas envolvendo discursos e demandas sociais em torno das ciências. Esse tipo inclui a mobilização e a negociação de saberes diversos, dentre os quais os reconhecidos como científicos e comunitários. A alfabetização científica corresponde ao metaconhecimento sobre ciência, incluindo aí o discernimento sobre práticas situadas e garantidoras do trabalho dos cientistas, considerando, portanto, os diversos campos ou áreas do conhecimento e de atuação profissional. Estão atrelados a essas práticas, por exemplo, os elementos constitutivos do trabalho investigativo – objetivo ou pergunta de pesquisa, justificativa para realização, fundamentação teórica, escolhas metodológicas, dentre outros (SILVA, 2021aSILVA, W. R. (2021a). Letramento ou literacia? Ameaças da cientificidade. In: SILVA, W. R. (Org.). Contribuições sociais da Linguística Aplicada: uma homenagem a Inês Signorini. Campinas: Pontes Editores, p. 111-162.; 2020aSILVA, W. R. (2020a). Letramento e fracasso escolar: o ensino da língua materna. Manaus: Editora UEA.).

Os saberes científicos são produzidos com estratégias ou protocolos investigativos reconhecidos e avaliados pelos pares. São produzidos por especialistas diplomados e vinculados a instituições de pesquisa, a exemplo de fundações, museus e universidades. Esses profissionais sobrevivem do trabalho como pesquisadores, o qual, no contexto brasileiro, tende a envolver o exercício da docência no ensino superior – em cursos de graduação e pós-graduação. Os saberes comunitários, por sua vez, são reproduzidos na comunidade por diferentes gerações. São gerados espontaneamente por grupos organizados ou coletivos, a partir da observação atenta do próprio entorno. Esses saberes orientam as práticas locais de sobrevivência e não estão condicionados ao nível de escolarização dos membros da comunidade, diferentemente dos científicos (CHASSOT, 2016CHASSOT, A. (2016). Das disciplinas à indisciplina. Curitiba: Appris Editora.; SILVA, 2020aSILVA, W. R. (2020a). Letramento e fracasso escolar: o ensino da língua materna. Manaus: Editora UEA.).

Na abordagem da educação científica assumida, reconhece-se a relevância do diálogo respeitoso ou da escuta mútua entre os cientistas e os não especialistas, podendo resultar na construção de saberes diferenciados e igualmente legítimos (FREIRE, 1977FREIRE, P. (1977). Extensão ou comunicação. 11 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.; SILVA, 2020aSILVA, W. R. (2020a). Letramento e fracasso escolar: o ensino da língua materna. Manaus: Editora UEA.). Nesse sentido, o reconhecimento dos saberes comunitários não pode ser confundido com o negacionismo das ciências. Esses saberes estão atrelados a culturas de povos originários e somam-se aos científicos, diferentemente da prática negacionista experienciada mais recentemente no Brasil, a qual é produzida com propósito efetivo de sabotagem das ciências, especialmente das identificadas como humanas e sociais, independentemente dos prejuízos causados à qualidade de vida da população. Tal prática está atrelada a interesses religiosos, econômicos e político-partidários, cultivados por grupos de líderes espirituais, empresários e políticos fascistas no exercício do poder concedido, muitas vezes, pelo voto popular.

A educação científica pode auxiliar no combate ao negacionismo. Para tanto, ela precisa alcançar a população em geral, pois os cidadãos esclarecidos cientificamente podem se tornar aliados dos cientistas e defensores do investimento necessário em atividades de pesquisa (SILVA, 2020aSILVA, W. R. (2020a). Letramento e fracasso escolar: o ensino da língua materna. Manaus: Editora UEA.). Isso não se limita à demanda por um entendimento conceitual, mas envolve ainda uma compreensão e, por vezes, uma participação efetiva nos embates políticos catalisadores de questões sociais pertinentes às ciências. Conforme Laugksch (1999, p. 85)LAUGKSCH, R. C. (1999). Scientific Literacy: A Conceptual Overview. Science Education, v. 84, p. 71-94. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(200001)84:1<71::AID-SCE6>3.0.CO;2-C.
https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(...
,

Quanto mais o público entende sobre os objetivos, processos e capacidades da ciência, menor a probabilidade de o público adquirir expectativas irrealistas e inalcançáveis pela ciência. Enquanto expectativas irrealistas podem levar à perda da confiança na ciência e, eventualmente, corte de financiamento, níveis elevados de letramento científico podem neutralizar esse potencial desencantamento pela ciência.

Retomando as noções de alfabetização e de letramento científicos, esses processos podem ocorrer com alguma autonomia em interações situadas, mas são fenômenos complementares para se assegurar a educação científica. No projeto de pesquisa que passamos a focalizar mais diretamente na seção seguinte, os participantes se encontram em um processo ininterrupto de educação científica a partir do compartilhamento e da produção colaborativa de saberes, o que se ilustra com a própria redação deste artigo, assinada por um docente universitário e uma professora do ensino básico.

2. POSSIBILIDADES DE REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA

O ConGraEduC foi aprovado numa Chamada Pública para financiamento de projetos que contribuíssem "significativamente para o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação do País, na temática do ensino de ciências na educação básica" (p. 1) 12 12 As citações do referido edital corresponde à Chamada MCTIC/CNPq Nº 05/2019 – Programa Ciência na Escola. Disponível em: http://memoria2.cnpq.br/web/guest/chamadas-publicas?p_p_id=resultadosportlet_WAR_resultadoscnpqportlet_INSTANCE_0ZaM&filtro= encerradas&startPage=3&buscaChamada=&ano=2019. Acesso em: 21 fev. 2023. . Essa chamada integra um conjunto de ações do Programa Ciência na Escola (PCE), financiado pelo governo federal brasileiro13 13 Trata-se de um programa conjunto entre o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), lançado surpreendentemente em 2019, no início de uma lamentável gestão do governo federal também reconhecida pelo negacionismo das ciências (SILVA, 2021a; 2020c). .Foi o único projeto na área dos estudos da linguagem aprovado na Linha 2 – "Ações de intervenção em escolas de educação básica com foco em ensino de ciências". Trata-se de um edital em consonância com o quarto Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU): Educação de Qualidade.

O investimento na educação científica não se limita à formação de futuros cientistas, mas as crianças até podem ser despertadas para as atividades científicas a partir do trabalho direcionado nas escolas. Esse fato justificou investimentos realizados por diferentes nações, especialmente no período pós-guerra e durante a corrida espacial; aí não podemos ignorar interesses econômicos e disputas geopolíticas subjacentes (SILVA, 2020aSILVA, W. R. (2020a). Letramento e fracasso escolar: o ensino da língua materna. Manaus: Editora UEA.; HURD, 1958HURD, P. D. H. (1958). Science Literacy for American Schools. Educational Leadership. n. 16, p. 13-16. Disponível em: https://files.ascd.org/staticfiles/ascd/pdf/journals/ed_lead/el_195810_hurd.pdf. Acesso em: 02 nov. 2022.
https://files.ascd.org/staticfiles/ascd/...
; SHAMOS, 1995SHAMOS, M. H. (1995). The Myth of Scientific Literacy. New Brunswick, New Jersey: Rutgers University Press.). As práticas científicas também contribuem para a oferta de uma educação geral qualificada, proporcionada por instituições de ensino básico, incluindo escolas públicas, conforme ressaltado no objetivo da Linha 2, reproduzido no Quadro 3, mais adiante.

Quadro 3
Ciências nos objetivos propostos

Conforme mencionado por Silva (2020a)SILVA, W. R. (2020a). Letramento e fracasso escolar: o ensino da língua materna. Manaus: Editora UEA., as seguintes competências podem ser desenvolvidas pelos estudantes a partir da abordagem aqui focalizada: curiosidade, comunicação, colaboração, criatividade, criticismo, compaixão, controle e cidadania. Pessoas educadas cientificamente desenvolvem autonomia para pensar criticamente e questionar; tendem a estar mais preparadas para enfrentar as constantes e aceleradas mudanças sociais, provocadas por fatores diversos, a exemplo dos ambientais, econômicos, educacionais ou linguísticos, seja em espaços privados, junto a familiares ou amigos, seja em espaços públicos, como os diversos locais de diferentes práticas religiosas ou de trabalho (DEMO, 2010DEMO, P. (2010) Saber pensar é questionar. Brasília: Liber Livro.; LAUGKSCH, 1999LAUGKSCH, R. C. (1999). Scientific Literacy: A Conceptual Overview. Science Education, v. 84, p. 71-94. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(200001)84:1<71::AID-SCE6>3.0.CO;2-C.
https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(...
). As habilidades e competências desenvolvidas a partir da abordagem da educação científica podem ser mobilizadas para interações sociais em diferentes contextos, não restritas às atividades do campo das práticas de estudo e pesquisa.

Conforme sintetizado na Figura 2, o ConGraEduC reúne três desafios para o ensino de LP: (a) assunção da língua materna como objeto de investigação em aulas; (b) desencadeamento do estudo produtivo da gramática atrelado às diferentes práticas escolares de linguagem; e (c) apropriação de tecnologias digitais como instrumentos mediadores do estudo da língua. Esta primeira etapa do projeto foi organizada em duas fases14 14 Referimos à primeira etapa porque pretendemos desenvolver outra, realizando os ajustes necessários, conforme aprendizado acumulado no primeiro momento. : (1) estudo de pressupostos teóricos e criação de produtos didáticos; e (2) intervenção pedagógica para testagem e ajuste dos procedimentos didáticos e produtos mencionados.

Figura 2
Desafios na proposta do ConGraEduC

Os produtos didáticos criados resultaram da negociação de experiências e saberes, a partir do trabalho colaborativo entre professores do ensino básico e docentes do ensino superior. Esses professores cursam mestrado ou doutorado sob a orientação do coordenador do projeto, e suas pesquisas de pós-graduação são desenvolvidas no ConGraEduC15 15 O projeto envolveu ainda a participação de bolsistas de iniciação científica vinculados ao ensino fundamental, ensino médio e ensino superior. Nessa primeira parte, havia um mestrando pertencente ao quadro de técnicos administrativos da universidade (RIBEIRO, 2021). . Em outro momento, houve ainda a participação de uma equipe técnica responsável pela programação de um sistema e de jogos16 16 Essa equipe foi formada por um docente e alguns bolsistas do ensino médio e do ensino superior, vinculados ao Instituto Federal do Tocantins (IFTO). . Além do aprendizado colaborativo, essas interações foram atravessadas por momentos de tensão e conflito, conforme mostrado inicialmente por Silva, Santos e Antonella (2023)SILVA, W. R.; SANTOS, S. S; ANTONELLA, K. (2023). Desafios do trabalho colaborativo num projeto interdisciplinar de pesquisa científica. Revista Leia Escola. (no prelo).

No Quadro 3, reproduzimos o objetivo da linha de financiamento em que foi inserido o ConGraEduC, bem como os objetivos gerais descritos para o projeto.

No primeiro excerto, menciona-se o propósito de aprimorar a qualidade do ensino de ciências, mas o leitor não tem clareza a que ciências se faz referência, mesmo que, em outro momento do edital, esclareça-se a possibilidade de candidatura de propostas atreladas a quaisquer componentes curriculares do Ensino Fundamental II ou Ensino Médio.

Os objetivos gerais do projeto respondem ao propósito da chamada pública de financiamento, cuja intenção consiste em incentivar a criação de produtos para mediação de práticas inovadoras sustentáveis, capazes de responder demandas contemporâneas enfrentadas pelas escolas. Em resposta ao primeiro objetivo específico, foi criado o Laboratório Virtual de Pesquisa Escolar com Gramática (LabGram), um sistema de compartilhamento de produtos didáticos passíveis de uso por professores em aulas de LP. Os estudantes também podem acessar livremente o ambiente virtual a partir de cadastros simplificados disponíveis17 17 Neste artigo, não objetivamos detalhar o funcionamento do LabGram, nem dos produtos didáticos lá disponibilizados. Isso está sendo realizado nas dissertações e teses em produção, há publicações do grupo com maior detalhamento (RIBEIRO; SILVA, 2021; SILVA ET AL, 2021). Segue o endereço do laboratório: www.wagnerodriguesilva.com.br/labgram. .

O laboratório é um ambiente de aprendizagem em constante atualização, conforme ingresso de novos professores interessados na pesquisa e na produção de novos produtos. Trata-se de uma ferramenta digital mediadora do planejamento de situações educativas que auxiliem na configuração das aulas de LP como espaços legítimos de desenvolvimento da educação científica dos estudantes, conforme descrito no segundo objetivo geral.

Atualmente, o sistema disponibiliza cinco tipos de produto criados por docentes e professores e dois criados por estudantes do ensino básico, conforme elencado e sintetizado na Figura 3. Esses produtos, que respondem ao terceiro objetivo geral de pesquisa, resultam do trabalho de divulgação científica a fim de aproximar saberes científicos da comunidade escolar. Os do primeiro tipo são: textos didáticos; vídeos didáticos; jogos analógicos; jogos digitais; e documentários com cientistas notáveis. Os do segundo tipo são: acervo do português e feira científica. Eles estão sob olhares investigativos das professoras em fase de conclusão das pesquisas de mestrado ou de doutorado.

Figura 3
Produtos do ConGraEduC

O que justificaria a elaboração dos produtos pedagógicos da Figura 3? Buscam garantir uma mediação produtiva entre a abordagem gramatical assumida e os estudantes, o que só se torna possível com o diálogo entre teorias de origens distintas para o enfrentamento da complexidade das situações educativas. Enganam-se os especialistas em linguagem que procuram elaborar encaminhamentos para o ensino com contribuições teóricas exclusivas dos estudos linguísticos. A complexidade das aulas de LP nos fez articular as perspectivas da gramática tradicional (GT) e da gramática sistêmico-funcional (GSF) (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. (2014). Halliday’s Introduction to Functional Grammar. London: Routledge.), além de considerar a abordagem da educação científica e pressupostos sociointeracionistas produzidos por Lev Vygotsky e Paulo Freire, como os distintos conceitos de conscientização.

Vygotsky (1986)VYGOTSKY, L. (1986). Thought and language. Massachusetts: The Massachusetts Institute of Technology Press. propõe uma concepção de conscientização atrelada à apropriação de conceitos científicos por crianças inseridas em situações interativas. Assim, trata-se de uma atitude metacognitiva provocada por práticas interacionais, resultando no desenvolvimento psicológico e humano. Para o referido autor, aí está uma das justificativas para o trabalho sistematizado com conteúdo gramatical em aulas de língua materna. Freire (2016)FREIRE, P. (2016). Conscientização. Tradução de Tiago José Reis Leme. Paulo: Cortez. defende uma noção de conscientização condicionada à compreensão crítica do contexto social adverso enfrentado pelos indivíduos, sendo desejadas, em consequência, intervenções e transformações no espaço social e físico pelos cidadãos, o que seria o resultado do empoderamento alcançado pela/na coletividade.

Neste artigo, não detalharemos as articulações teóricas construídas no ConGraEduC, apenas justificamos brevemente algumas escolhas. Mesclamos nomenclaturas da GT e da GSF, resultando em termos dos seguintes tipos: verbo do descrever (verbo + processo relacional); verbo do agir (verbo + processo material); verbo do pensar (verbo + processo mental); verbo do dizer (verbo + processo verbal); verbo do existir (verbo + processo existencial); verbo do comportar (verbo + processo comportamental). Assim, a concepção de verbo foi ampliada a partir do enfoque semântico diferenciado: não basta aos estudantes identificarem essas formas gramaticais, faz-se necessário compreender os sentidos produzidos nos contextos interacionais. Para facilitar a compreensão discente, utilizamos cores distintas e padronizadas para identificar os diferentes agrupamentos sistematizados de categorias gramaticais18 18 Os usos dessas cores serão focalizados em outra publicação. .

O uso da nomenclatura da GT se justificou pela manutenção de saberes compartilhados por professores e estudantes, mas enfocamos os sentidos produzidos pelas escolhas lexicais e gramaticais integrantes da materialidade textual moldada por condicionantes contextuais, os quais são encapsulados em gêneros, conforme descrito na segunda seção deste artigo. Dessa forma, é possível assumir os textos como unidades de análise na perspectiva da GSF, possibilitando que os estudantes investiguem e reflitam sobre o funcionamento da língua(gem). Assim, almejamos o desenvolvimento da conscientização gramatical desses jovens aprendizes, resultando igualmente na conscientização de fatores contextuais: sociais e culturais (VYGOTSKY, 1986VYGOTSKY, L. (1986). Thought and language. Massachusetts: The Massachusetts Institute of Technology Press.; FREIRE, 2016FREIRE, P. (2016). Conscientização. Tradução de Tiago José Reis Leme. Paulo: Cortez.).

Dois importantes instrumentos pedagógicos produzidos no PLES foram utilizados para garantir a contextualização das práticas escolares de linguagem, a saber: unidade didática (UD) e circuito curricular da educação científica (CEC) (SILVA, 2024SILVA, W. R. (2014). Educação científica na pós-graduação: uma abordagem da Linguística Aplicada. Revista Internacional de Educação Superior, v. 10, n. s/n, p. 1-24. https://doi.org/10.20396/riesup.v10i00.8667236
https://doi.org/10.20396/riesup.v10i00.8...
, 2023SILVA, W. R. (2023). Pesquisa científica no centro do magistério: memórias forjadas nos desafios da vida. Palmas: EdUFT. (no prelo), 2019aSILVA, W. R. (2019a). Educação científica como estratégia pedagógica para formação de professoras. Veredas – Revista de Estudos Linguísticos, v. 23, n. 2, p. 144-161. https://doi.org/10.34019/1982-2243.2019.v23.29504
https://doi.org/10.34019/1982-2243.2019....
, 2015SILVA, W. R. (2015). Gêneros em práticas escolares de linguagens: currículo e formação do professor. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 15, n. 4, p. 1023-1055. https://doi.org/10.1590/1984-639820156170
https://doi.org/10.1590/1984-63982015617...
). Esses instrumentos se complementam. O primeiro possibilita uma organização interna de atividades didáticas: funciona como um menu à disposição dos professores, ao passo que o segundo garante um planejamento individualizado e, igualmente, dinâmico; é um percurso pedagógico composto por atividades e tarefas a ser construído por professores e estudantes, o que corresponde à organização externa do trabalho pedagógico.

A UD reúne atividades projetadas das diferentes práticas escolares de linguagem a partir de gêneros característicos do domínio científico, predominando textos de divulgação científica. As atividades problematizam concepções de ciências, realçando assimetrias e legitimações entre diferentes áreas do conhecimento, além de focalizarem procedimentos constitutivos da prática investigativa. Conforme Silva (2015, p. 1044)SILVA, W. R. (2015). Gêneros em práticas escolares de linguagens: currículo e formação do professor. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 15, n. 4, p. 1023-1055. https://doi.org/10.1590/1984-639820156170
https://doi.org/10.1590/1984-63982015617...
, compreendemos por UD

uma sequência de atividades didáticas organizadas a partir da articulação das diferentes práticas escolares de linguagens, em função do trabalho escolar com um número de gêneros selecionados como objetos de ensino, o que também pressupõe o uso do gênero como locus de contextualização para o estudo da língua(gem). A unidade didática funciona como um suporte onde o professor pode organizar as atividades de ensino em função da elaboração de um produto final coletivo, o qual pode ser um gênero textual produzido pelos alunos. Ou seja, as atividades didáticas configuradoras das práticas escolares de linguagens são desenvolvidas como etapas da produção do produto final.

Na Figura 4, representamos o CEC, segundo instrumento para auxiliar os professores no uso dos produtos do ConGraEduC a fim de propiciar aos estudantes diferentes experiências características do domínio científico. No circuito, a disposição representada de atividades e de tarefas não é rígida, é meramente ilustrativa. O retângulo com outras atividades representa os usos dos inúmeros produtos didáticos passíveis de escolha pelos professores ou, até mesmo, pelos estudantes. Referimo-nos aos materiais disponibilizados no LabGram e mencionados na Figura 3: textos didáticos; vídeos didáticos; jogos analógicos; jogos digitais; e documentários com cientistas notáveis. Também é facultado aos professores criarem ou se utilizarem de recursos ou materiais didáticos extras, não disponíveis no LabGram ou na UD.

Figura 4
Percurso interventivo do ConGraEduC

As atividades da UD podem ser selecionadas e ajustadas por professores conforme a demanda e serem distribuídas ao longo do percurso. No início do planejamento, o primeiro elemento a ser considerado é o produto final, que determina as estratégias ou etapas necessárias para alcançá-lo. Por essa razão, esse produto foi denominado de gênero âncora, ao passo que as atividades e tarefas intermediárias são realizadas em torno de gêneros satélites, conforme Silva (2023SILVA, W. R. (2023). Pesquisa científica no centro do magistério: memórias forjadas nos desafios da vida. Palmas: EdUFT. (no prelo); 2015)SILVA, W. R. (2015). Gêneros em práticas escolares de linguagens: currículo e formação do professor. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 15, n. 4, p. 1023-1055. https://doi.org/10.1590/1984-639820156170
https://doi.org/10.1590/1984-63982015617...
.

Na Figura 4, os produtos finais foram diferenciados com retângulos com preenchimento cinza. Os participantes podem escolher e elaborar diferentes produtos escritos, como o resumo expandido ou o pôster científico. Além da produção escrita, uma exposição oral, a exemplo da apresentação do próprio pôster científico, deve ser gravada em vídeo. Esses produtos finais são compartilhados na seção feira científica, mostrada na Figura 3. Por demandarem maior trabalho e serem mais complexos, esses produtos resultam do que concebemos como tarefas, que, por sua vez, envolvem atividades caracterizadas por menor complexidade, e demandam dos estudantes procedimentos mais simples.

Um produto intermediário, aqui caracterizado como gênero satélite, são os dados de pesquisa orais ou escritos gerados pelos estudantes, sobre os quais, posteriormente, ao selecionarem algum elemento linguístico para investigação, debruçam-se com seus professores. São exemplos de dados passíveis de produção lendas urbanas orais, podendo ser transcritas posteriormente, e autorretratos, que são textos escritos com histórias de vida narradas pelos estudantes, envolvendo planejamentos para o futuro. Esses registros gerados pelos estudantes resultam de tarefas realizadas e são compartilhados na seção acervo do português, conforme sinalizado na Figura 3.

Finalmente, o item registro de comentários da Figura 3 se configura como um gênero satélite. Os espaços para comentários são disponibilizados em duas seções no LabGram, possibilitando algum tipo de interação especialmente entre escolas participantes19 19 Na realidade qualquer usuário cadastrado pode acessar o LabGram e registrar comentários, que são compartilhados publicamente após aprovação pelo coordenador do projeto. Na página inicial do laboratório também é possível registrar comentários. Esse último registro não está diretamente atrelado às atividades didáticas das intervenções pedagógicas. . As postagens podem ser realizadas para as feiras científicas virtuais, materializadas com registros escritos e vídeos, e para os documentários, na seção com exposição dos cientistas notáveis.

3. ABORDAGEM PEDAGÓGICA SOB OLHAR DE PROFESSORES

Nesta seção, problematizamos compreensões da abordagem pedagógica do ConGraEduC compartilhadas por professores de LM participantes de encontros de formação continuada da rede pública municipal de educação de Imperatriz, Estado do Maranhão. São analisados registros avaliativos de um dos encontros de formação continuada promovidos pela Secretaria Municipal de Educação da referida cidade (SEMED-ITZ). Trata-se de uma atividade paralela à intervenção pedagógica prevista no projeto de pesquisa focalizado.

O departamento pedagógico da SEMED-ITZ realizou uma sequência de quatro encontros de formação continuada com os professores de LP, ao longo do ano letivo de 2022. Objetivou-se alinhar saberes científicos e saberes da prática, produzidos por profissionais do ensino superior e do ensino básico. Rotineiramente, as escolas são informadas do calendário anual de formação continuada e organizam-se para garantir a participação dos professores, evitando prejuízo para o cumprimento da carga horária estabelecida de aulas para o ano letivo. Das formações participaram aproximadamente 150 professores de LP, dentro de um total de aproximadamente 180 servidores efetivos e contratados temporariamente para o referido componente curricular

O departamento é organizado em oito setores: Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Anos Finais do Ensino Fundamental, Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo, Educação Física, Assessoria Pedagógica e Correção de Fluxo. Dentre as responsabilidades do terceiro setor mencionado, destacamos o atendimento a professores e estudantes da rede de ensino, primando pela boa comunicação e realização de intervenções a fim de melhorar a qualidade do trabalho construído. O setor focalizado é composto por oito profissionais responsáveis por elaborar, organizar e executar formações continuadas para os professores de diferentes componentes curriculares.

A proposta de utilizar os materiais didáticos e a abordagem pedagógica do ConGraEduC nas formações referentes à LP surgiu após a segunda autora deste artigo, formadora da rede e doutoranda da equipe do projeto, propor a utilização de vídeos didáticos do LabGram como mote para um programa televisivo na TVEducaITZ, cujo slogan é "O Canal da Educação de Imperatriz". Esse canal aberto foi criado como uma estratégia do município para amenizar fragilidades no processo de aprendizagem, ocasionadas pela pandemia da Covid-1920 20 A iniciativa está amparada pelo decreto federal nº 10.312, de 4 de abril de 2020, que "amplia, temporariamente, o escopo de multiprogramação com conteúdo específico destinado às atividades de educação, ciência, tecnologia, inovações, cidadania e saúde de entidades executoras de serviço de radiodifusão de sons e imagens em tecnologia digital, com fins exclusivamente educacionais ou de exploração comercial, em razão da pandemia da Covid-19." Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.312-de-4-de-abril-de-2020-251139882. Acesso em: 21 fev. 2023. .

Nesse cenário, a equipe pedagógica visualizou alguns impasses para a transmissão dos vídeos didáticos. Como seria a receptividade dos estudantes e professores diante de vídeos sobre gramática sem a necessária familiarização dos professores com as práticas metodológicas abarcadas pela educação científica? Como intensificar uma aprendizagem significativa da gramática pautada em um ensino investigativo e questionador sem que professores e estudantes conhecessem e tivessem acesso aos demais materiais do LabGram?

Assim, o ConGraEduC foi visualizado por meio da implementação de encontros formativos seriados a fim de alicerçar a possibilidade de compartilhar reflexões aprofundadas sobre o estudo de gramática, e de potencializar alternativas pedagógicas que privilegiassem um significativo espaço para o ensino da LM, conforme pressupostos teóricos e metodológicos descritos nas primeiras seções deste artigo.

No planejamento estratégico do departamento, foram idealizados quatro encontros e oficinas para estudos, com duração de 4 horas cada, mediados por materiais didáticos do LabGram, conforme descrito no Quadro 4.

Quadro 4
Sequência de formação de professores

Foram promovidas reflexões, trocas e apropriações de saberes por professores a fim de se fortalecer o desenvolvimento da autonomia e, consequentemente, da prática profissional crítica e reflexiva. Na abordagem assumida, houve um contínuo convite para que os professores repensassem as próprias metodologias e reconhecessem, a partir de saberes práticos, aqueles que são produtivos e os que não se alinham a boas práticas pedagógicas. Em outros termos, foram realizadas reflexões teóricas e metodológicas sobre a abordagem da educação científica em aulas LM, além de compartilhadas as versões impressa e digital da UD, a fim de familiarizar os professores com articulações de práticas escolares de linguagem e com conhecimentos constitutivos do domínio científico.

Neste artigo, focalizamos as avaliações dos professores participantes do terceiro encontro, por estarem mais bem organizadas e acessíveis no momento da realização deste estudo. Os demais registros poderão ser utilizados em outras investigações. Conforme prática rotineira, são realizadas pesquisas de satisfação com os professores a partir do uso do Google Forms, após encontros formativos e com garantia de anonimato. Os servidores não são obrigados a preencherem o formulário, o que pode justificar a contabilização de aproximadamente 50% dos participantes do encontro. Analisamos as respostas compartilhadas para a única pergunta aberta numa sequência de sete questionamentos. Reproduzimos a referida pergunta no Quadro 5.

Quadro 5
Pergunta aberta

Os seis primeiros questionamentos interpelam sobre os "Formadores", o "Tema Abordado", o "Material de Apoio", a "Metodologia", a "Organização da Formação" e "Minha Participação". Para tais questionamentos, eram disponibilizadas as alternativas "Regular", "Bom" e "Muito Bom". As respostas se distribuíram entre "Bom" e "Muito Bom", estando o maior quantitativo concentrado nessa última para os cinco primeiros itens. Apenas para a participação dos próprios professores, houve registros da opção "Regular", com predomínio equilibrado das opções "Bom" e "Muito Bom".

O Exemplo 1 Exemplo 1 – Depoimento positivo de professora Achei muito pertinente a temática e inovadora a proposta de visualizar a gramática um conteúdo não normativo e fixo, mas como um fato da língua que possibilita as interações e que pode ser investigado como qualquer outra ciência mais divulgada. Esse tipo de abordagem permite que nós, professoras, olhemos para nossa prática e vejamos algumas práticas ineficientes no ensino dos termos gramaticais. destaca a importância da postura reflexiva dos professores como investigadores da própria aula, ao formular estratégias e reconstruir ações pedagógicas21 21 Nos excertos exemplificados, utilizamos o sublinhado contínuo para destacar aspectos sobre a formação continuada selecionados e tematizados pelos professores, e o sublinhado pontilhado para destacar marcas de reflexão pela escrita. São exemplos de escolhas léxicogramaticais sinalizadoras de reflexões: processos mentais, verbos modalizadores, conectivos e formas lexicais de apreciação (adjetivos e advérbios). .

Exemplo 1 – Depoimento positivo de professora

Achei muito pertinente a temática e inovadora a proposta de visualizar a gramática um conteúdo não normativo e fixo, mas como um fato da língua que possibilita as interações e que pode ser investigado como qualquer outra ciência mais divulgada. Esse tipo de abordagem permite que nós, professoras, olhemos para nossa prática e vejamos algumas práticas ineficientes no ensino dos termos gramaticais.

A professora contrapõe a abordagem da educação científica à da tradição do ensino da gramática normativa, além de destacar a possibilidade de investigação da língua como uma prática científica ("visualizar a gramática um conteúdo não normativo e fixo, mas como um fato da língua"; "pode ser investigado como qualquer outra ciência mais divulgada"). Ainda é importante observar o reconhecimento da relevância da reflexão sobre a própria prática de ensino de LP, conforme um dos objetivos programados para as formações continuadas ("olhemos para nossa prática e vejamos algumas práticas ineficientes").

De fato, no decorrer dos estudos, discussões e análises dos materiais, foi possível conscientizar professores sobre a possibilidade de também se fazer ciência ao estudar fenômenos linguísticos, envolvendo os usos orais e escritos da língua em diversas situações de interação. Os professores puderam verificar de que maneira o material pedagógico do ConGraEduC, aliado ao adotado por cada escola do município, poderia contribuir para o estudo da gramática de maneira mais sustentável. No Exemplo 2 Exemplo 2 – Depoimento positivo de professora Achei muito diferente a abordagem da gramática na formação no sentido de sempre levar em consideração o contexto de realidade e de situação. O material que nosso grupo discutiu, sobre os verbos modais foi superaprovado, pois realmente leva a uma reflexão da função desses verbos ao acompanharem outros. É um material muito atrativo, com textos construídos com uma linguagem que realmente chama a atenção dos nossos alunos. Com certeza, pode contribuir e muito com um ensino mais produtivo. Se nós tivéssemos esse material em mãos para ser trabalhado na nossa sala de aula, as aulas de gramatica seriam muito mais interessantes e os alunos melhorariam em leitura, fala e escrita. , destacamos outras impressões do que foi compartilhado por alguns professores.

Exemplo 2 – Depoimento positivo de professora

Achei muito diferente a abordagem da gramática na formação no sentido de sempre levar em consideração o contexto de realidade e de situação. O material que nosso grupo discutiu, sobre os verbos modais foi superaprovado, pois realmente leva a uma reflexão da função desses verbos ao acompanharem outros. É um material muito atrativo, com textos construídos com uma linguagem que realmente chama a atenção dos nossos alunos. Com certeza, pode contribuir e muito com um ensino mais produtivo. Se nós tivéssemos esse material em mãos para ser trabalhado na nossa sala de aula, as aulas de gramatica seriam muito mais interessantes e os alunos melhorariam em leitura, fala e escrita.

O Exemplo 2 Exemplo 2 – Depoimento positivo de professora Achei muito diferente a abordagem da gramática na formação no sentido de sempre levar em consideração o contexto de realidade e de situação. O material que nosso grupo discutiu, sobre os verbos modais foi superaprovado, pois realmente leva a uma reflexão da função desses verbos ao acompanharem outros. É um material muito atrativo, com textos construídos com uma linguagem que realmente chama a atenção dos nossos alunos. Com certeza, pode contribuir e muito com um ensino mais produtivo. Se nós tivéssemos esse material em mãos para ser trabalhado na nossa sala de aula, as aulas de gramatica seriam muito mais interessantes e os alunos melhorariam em leitura, fala e escrita. revela um entendimento da pertinência de uma prática do estudo de gramática orientada pela reflexão sobre usos da língua em contextos diversos ("levar em consideração o contexto de realidade e de situação"). Isso se reflete na análise do texto didático sobre verbos modais, estudado em grupo com outros professores. A professora destaca diferentes ações ou descrições expressas pelos verbos que modalizam o significado de outros verbos justapostos ("uma reflexão da função desses verbos ao acompanharem outros").

Na avaliação da professora, o material disponibilizado no LabGram pode desencadear situações de aprendizagem bem-sucedidas em LM ("pode contribuir para um ensino mais produtivo"). Constitui-se como premissa basilar da educação científica inserir os estudantes em contextos de aprendizagens problematizadoras, onde o questionamento é essencial para a elaboração de respostas inesperadas para os jovens aprendizes e, algumas vezes, para os professores (DEMO, 2010DEMO, P. (2010) Saber pensar é questionar. Brasília: Liber Livro.). Ou seja, essas situações desencadeiam a curiosidade e a busca por compreender significados e funcionamentos de escolhas lexicais e gramaticais, utilizadas em enunciações diversas num contínuo processo de conscientização.

O Exemplo 3 Exemplo 3 – Depoimento positivo de professora Seria muito interessante adquirir todo o material apresentado na formação sobre conscientização gramatical. Acredito que muito pode contribuir para uma visão mais clara e flexível sobre o ensino de gramática. O livro "Tecendo Linguagem" que utilizo na minha aula aborda as questões gramaticais sempre de maneira muito técnica e antiga: "o que é verbo? É a palavra que exprime ação, estado e fenômeno da natureza". Aqui não, o aluno é levado, como a professora disse, a pensar sobre a língua, pensar o que aquele verbo significa em algumas situações. também enfatiza a relevância do material elaborado para desenvolver a conscientização gramatical dos estudantes ("o aluno é levado, como a professora disse, a pensar sobre a língua, pensar o que aquele verbo significa em algumas situações"). A professora se posiciona criticamente diante do trabalho com verbos, proposto no livro didático por ela utilizado ("aborda as questões gramaticais sempre de maneira muito técnica e antiga"). Contrapõe-se à ao enfoque de nomenclaturas e de definições gramaticais ("o que é verbo? É a palavra que exprime ação, estado e fenômeno da natureza").

Exemplo 3 – Depoimento positivo de professora

Seria muito interessante adquirir todo o material apresentado na formação sobre conscientização gramatical. Acredito que muito pode contribuir para uma visão mais clara e flexível sobre o ensino de gramática. O livro "Tecendo Linguagem" que utilizo na minha aula aborda as questões gramaticais sempre de maneira muito técnica e antiga: "o que é verbo? É a palavra que exprime ação, estado e fenômeno da natureza". Aqui não, o aluno é levado, como a professora disse, a pensar sobre a língua, pensar o que aquele verbo significa em algumas situações.

O Exemplo 4 Exemplo 4 – Depoimento parcialmente negativo de professora Sempre são importantes formações voltadas para a nossa prática ao ensinar nossos alunos. O tema da formação é muito bom, notório e de relevância sim. Porém, é importante perceber que nossos alunos carecem de um ensino mais sério que garantam aprovação nos vestibulares. Na minha opinião, é importante sim que os alunos saibam o que são verbos, substantivos, adjuntos adnominais para conseguir ler e compreender textos. ilustra um momento de resistência por parte de uma professora, diferentemente do que fora revelado nos demais excertos reproduzidos. Ao mesmo tempo em que realiza avaliações positivas sobre a formação ("muito bom, notório e de relevância sim"), demonstrando algum reconhecimento pelo trabalho das formadoras, defende um ensino informado pelas terminologias da tradição gramatical, caracterizado como "mais sério". A avalição reproduzida nos deixa a seguinte pergunta: a pouca seriedade da proposta se justificaria efetivamente pela terminologia diferenciada utilizada no ConGraEduC ou pelos tipos de materiais disponibilizados, a exemplo de vídeos animados e de jogos? Ambos são estranhos ao ambiente escolar vivenciado pela profissional.

Exemplo 4 – Depoimento parcialmente negativo de professora

Sempre são importantes formações voltadas para a nossa prática ao ensinar nossos alunos. O tema da formação é muito bom, notório e de relevância sim. Porém, é importante perceber que nossos alunos carecem de um ensino mais sério que garantam aprovação nos vestibulares. Na minha opinião, é importante sim que os alunos saibam o que são verbos, substantivos, adjuntos adnominais para conseguir ler e compreender textos.

Segundo a professora, o conhecimento da terminologia da tradição gramatical seria responsável pela compreensão leitora dos estudantes e garantiria a aprovação em vestibulares ("carecem de um ensino mais sério que garantam aprovação nos vestibulares"; "é importante sim que os alunos saibam o que são verbos, substantivos, adjuntos adnominais para conseguir ler e compreender textos"). Esse enunciado é contraditório com resultados de pesquisas científicas realizadas sobre ensino de gramática, a exemplo de Batista (2001)BATISTA, A. A. (2001) Aula de Português: discurso e saberes escolares. São Paulo: Martins Fontes., Berry (2010)BERRY, R. (2010). Terminology in English Language Teaching: Nature and Use. Bern: Peter Lang. e Silva (2020b)SILVA, W. R. (2020b). Educação científica como estratégia pedagógica e investigativa de resistência. Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas: Unicamp, v. 59, n. 3, p.2278-2308. https://doi.org/10.1590/01031813829221620201106
https://doi.org/10.1590/0103181382922162...
.

Esse último excerto exemplifica o tipo de professora que demonstra maior segurança assumindo o ensino metalinguístico, diferentemente de outros profissionais que reconhecem a pouca eficácia de tal prática, mas não possuem uma proposta pedagógica alternativa para se utilizar, podendo estar mais receptivos à construção de novas práticas pedagógicas.

Em síntese, as categorias gramaticais nomeadas no Exemplo 4 Exemplo 4 – Depoimento parcialmente negativo de professora Sempre são importantes formações voltadas para a nossa prática ao ensinar nossos alunos. O tema da formação é muito bom, notório e de relevância sim. Porém, é importante perceber que nossos alunos carecem de um ensino mais sério que garantam aprovação nos vestibulares. Na minha opinião, é importante sim que os alunos saibam o que são verbos, substantivos, adjuntos adnominais para conseguir ler e compreender textos. também são focalizadas na abordagem sistêmico-funcional da gramática, mas as terminologias aí utilizadas realçam os sentidos ou discursos produzidos pelos usos das formas linguísticas (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. (2014). Halliday’s Introduction to Functional Grammar. London: Routledge.). Talvez, a professora desconheça que as avaliações de LP em processos seletivos continuam passando por significativas transformações, refletindo avanços de estudos científicos da linguagem, que, por sua vez, desdobram-se em abordagens pedagógicas inovadoras em diretrizes curriculares oficiais (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
; 1998BRASIL. (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf. Acesso em: 24 out. 2022.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
; 1997BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental, Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf. Acesso em: 24 out. 2022.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
; SIGNORINI; FIAD, 2012SIGNORINI I.; FIAD, R. S. (2012). Ensino de língua: das reformas, das inquietações e dos desafios. Belo Horizonte: Editora UFMG.; SILVA, 2012bSILVA, W. R. (2012b). Construções da superação do fracasso do ensino de Língua Portuguesa em diretrizes curriculares. In: SIGNORINI, Inês; FIAD, Raquel S. (Org). Ensino de língua: das reformas, das inquietações e dos desafios. Belo Horizonte: Editora UFMG. p. 83-105.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem da educação científica pode se configurar como uma proposta pedagógica contextualizadora do trabalho escolar com e sobre a língua estudada. Nessa perspectiva, a LP não está destinada ao relevante papel de auxiliar no trabalho com escrita, correção e reescrita de textos para outros componentes curriculares, mas os estudantes podem construir objetos linguísticos de investigação a partir de textos selecionados, considerando suas diversas possibilidades de configuração. Essa abordagem possibilita a criação de demandas para o envolvimento dos jovens aprendizes em práticas mais funcionais de leitura, escrita e oralidade, instauradas em percursos de investigação científica construídos a partir da curiosidade discente despertada. Essas ainda podem ser atravessadas pela desafiadora prática contextualizada de análise linguística.

A educação científica foi construída no diálogo entre pressupostos teóricos e metodológicos elaborados em diferentes disciplinas, áreas ou campos do conhecimento. É uma abordagem com características indisciplinares típicas do seu local de origem nas ciências da linguagem, que são os estudos linguísticos aplicados. Destacamos que a LA é um campo não disciplinar de estudo bastante reconhecido nos contextos universitário e escolar brasileiros por suas valorosas contribuições teóricas e práticas para o ensino e a formação de professores de línguas.

As diretrizes curriculares focalizadas catalisam contribuições teóricas diversas, resultando em mais um grande desafio para a formação de professores de LP e de estudantes do ensino básico (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
). Nesse sentido, a educação científica corresponde a uma abordagem alternativa e sustentável para o trabalho escolar, conforme proposta pedagógica construída no ConGraEduC. O ensino mediado por pesquisa é recomendado explicitamente ou sinalizado sutilmente na BNCC (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
), em orientações para os diferentes componentes curriculares.

Por fim, este artigo reuniu algumas contribuições das investigações do ConGraEduC para aulas de LP. O projeto permanece em desenvolvimento no esforço de valorização do trabalho colaborativo entre participantes do ensino superior e do ensino básico. Além da necessidade da investigação minuciosa de todos os produtos elaborados na primeira etapa, pretendemos analisar situações de recepção desses materiais por professores e estudantes. Em outros termos, faz-se necessário descrever e compartilhar situações educativas informadas pela abordagem da educação científica em aulas de LM.

DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA

Os dados examinados estão armazenados em drive compartilhado apenas com os pesquisadores vinculados ao projeto. Os leitores podem ter acesso aos dados contactando o primeiro autor deste artigo, que é o coordenador do projeto.

AGRADECIMENTOS

O ConGraEduC recebeu financiamento do então Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob os seguintes registros processuais 441194/2019-2 e 304186/2019-8.

  • 1
    Registramos que as professoras são a maioria das pessoas envolvidas com esta pesquisa, apesar de optarmos pela forma masculina professor. Procedendo assim, evitamos o registro de diferentes marcações de gênero ao longo deste artigo.
  • 2
    O delineamento de subcampos não é consenso entre os linguistas aplicados, porém, esse esforço pode auxiliar o fortalecimento da LA enquanto um campo autônomo, diferentemente da condição de subárea da denominada Teoria Linguística.
  • 3
    A BNCC (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
    http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
    ) foi aprovada para orientar a elaboração dos currículos do ensino básico brasileiro, garantindo um referencial de objetos de conhecimento, competências e habilidades a serem trabalhados pelas escolas e, ainda, o enfoque de demandas diversificadas locais. Essa diretriz tem desdobramentos diretos na reelaboração dos projetos pedagógicos das licenciaturas, cursos superiores responsáveis pela formação inicial de professores no Brasil.
  • 4
    A memorização é necessária no processo de aprendizagem, mas não deveria ser a principal estratégia pedagógica nem o objetivo final do ensino. Concordamos com Rabelo (2022, p. 112)RABELO, H. (2022). Alfabetização e sintaxe: noção de "frase". In: FARIA, E.; SILVA, W. R. (org.). AlfabetiAÇÕES. Campinas: Pontes Editores, p. 101-130., ao afirmar que "apre(e)nde-se porque se pensa. Memoriza-se porque se pensa e compreende".
  • 5
    Diferentemente da escolha lexical realizada no Brasil, utiliza-se o termo literacia em Portugal. Mais detalhes sobre o assunto, consultar Silva (2021a)SILVA, W. R. (2021a). Letramento ou literacia? Ameaças da cientificidade. In: SILVA, W. R. (Org.). Contribuições sociais da Linguística Aplicada: uma homenagem a Inês Signorini. Campinas: Pontes Editores, p. 111-162. e Gonçalves e Jorge (2018)GONÇALVES, M.; JORGE, N. (2018). Literacia científica na escola. Lisboa: Nova FCSH-CLUNL. Disponível em: https://app.box.com/s/895euxr6d1wwkop5h6stf4nsk6igkuxa. Acesso em: 27 out. 2022.
    https://app.box.com/s/895euxr6d1wwkop5h6...
    .
  • 6
    No Brasil, os estudos dos letramentos não foram produzidos apenas na LA. São inúmeras as contribuições na Ciência da Educação, a exemplo dos trabalhos produzidos por Magda Soares (2020SOARES, M. (2020). Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo: Contexto.; 2003aSOARES, M. (2003a) Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera M. (org). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, p. 89-113.; 2003b)SOARES, M. (2003b). Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto.. Os linguistas aplicados sempre mantiveram diálogo com literaturas especializadas da referida área.
  • 7
    Também foram contabilizados os termos derivados, como letramentos e multiletramentos.
  • 8
    O termo letramento não aparece em História e em Ensino Religioso, ainda que diferentes atividades de leitura e de escrita sejam recomendadas, algumas inclusive envolvendo práticas investigativas alinhadas à abordagem da educação científica, conforme dito na introdução deste artigo.
  • 9
    As práticas da tradição do ensino de LP também estão presentes em escolas portuguesas, conforme ressalta Rabelo (2022, p. 112)RABELO, H. (2022). Alfabetização e sintaxe: noção de "frase". In: FARIA, E.; SILVA, W. R. (org.). AlfabetiAÇÕES. Campinas: Pontes Editores, p. 101-130.: "No fundo, o que acontece é que o ensino é feito de cópia e reprodução, desde o 1º ano de escolaridade, esquecendo, quase por completo, a reflexão e a problematização. Com a vontade de chegar a todas as crianças, e devido à massificação do ensino, simplifica-se de tal modo os conteúdos a aprender que se impede a real aprendizagem".
  • 10
    Mais detalhes sobre trabalhos pedagógicos com textos e gêneros em aulas de LP são encontrados em Silva (2012aSILVA, W. R. (2012a). Gêneros textuais em aulas de Língua Portuguesa no Ensino Médio brasileiro. Linguagem & Ensino, v. 15, n. 2, p. 387-418. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/rle/article/view/15422. Acesso em: 02 nov. 2022.
    https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/ind...
    ; 2009aSILVA, W. R. (2009a). Seleção textual no ensino interdisciplinar por projeto. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 9, n. 1, p. 17-39. https://doi.org/10.1590/S1984-63982009000100002
    https://doi.org/10.1590/S1984-6398200900...
    ; 2009b)SILVA, W. R. (2009b). Algumas contribuições da linguística aplicada para o ensino de escrita em aulas de língua materna no Brasil. Investigações, v. 22, n. 2, p. 135-160. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/article/view/1354. Acesso em: 02 fev. 2023.
    https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/...
    e Silva, Lima e Moreira (2016)SILVA, W. R.; LIMA, P. S.; MOREIRA, T. M. (2016.). Gêneros na prática pedagógica: diálogos entre escolas e universidades. Campinas: Pontes Editores..
  • 11
    Os outros campos mencionados na BNCC (BRASIL, 2018BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 19 out. 2022.
    http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
    , p. 84) são: campo artístico-literário, campo jornalístico-midiático e campo de atuação na vida pública. Para o Ensino Fundamental I, houve uma simplificação desses campos, pois esses dois últimos foram reunidos sob a denominação campo da vida pública.
  • 12
    As citações do referido edital corresponde à Chamada MCTIC/CNPq Nº 05/2019 – Programa Ciência na Escola. Disponível em: http://memoria2.cnpq.br/web/guest/chamadas-publicas?p_p_id=resultadosportlet_WAR_resultadoscnpqportlet_INSTANCE_0ZaM&filtro= encerradas&startPage=3&buscaChamada=&ano=2019. Acesso em: 21 fev. 2023.
  • 13
    Trata-se de um programa conjunto entre o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), lançado surpreendentemente em 2019, no início de uma lamentável gestão do governo federal também reconhecida pelo negacionismo das ciências (SILVA, 2021aSILVA, W. R. (2021a). Letramento ou literacia? Ameaças da cientificidade. In: SILVA, W. R. (Org.). Contribuições sociais da Linguística Aplicada: uma homenagem a Inês Signorini. Campinas: Pontes Editores, p. 111-162.; 2020cSILVA, W. R. (2020c). Conveniência da ciência na política brasileira de alfabetização. Revista x, v. 15, n. 4, p. 60-66. http://dx.doi.org/10.5380/rvx.v15i4.76142.
    http://dx.doi.org/10.5380/rvx.v15i4.7614...
    ).
  • 14
    Referimos à primeira etapa porque pretendemos desenvolver outra, realizando os ajustes necessários, conforme aprendizado acumulado no primeiro momento.
  • 15
    O projeto envolveu ainda a participação de bolsistas de iniciação científica vinculados ao ensino fundamental, ensino médio e ensino superior. Nessa primeira parte, havia um mestrando pertencente ao quadro de técnicos administrativos da universidade (RIBEIRO, 2021RIBEIRO, M. A. (2021). Produção de jogos didáticos digitais para conscientização gramatical: aspectos dinâmicos e protocolos de atuação. Dissertação de Mestrado em Letras. Universidade Federal do Tocantins, Porto Nacional.).
  • 16
    Essa equipe foi formada por um docente e alguns bolsistas do ensino médio e do ensino superior, vinculados ao Instituto Federal do Tocantins (IFTO).
  • 17
    Neste artigo, não objetivamos detalhar o funcionamento do LabGram, nem dos produtos didáticos lá disponibilizados. Isso está sendo realizado nas dissertações e teses em produção, há publicações do grupo com maior detalhamento (RIBEIRO; SILVA, 2021RIBEIRO, M. A.; SILVA, W. R. (2021). Professores como protagonistas na produção de jogo. Revista da ANPOLL, v. 52, p. 62-89. https://doi.org/10.18309/ranpoll.v52i2.1537
    https://doi.org/10.18309/ranpoll.v52i2.1...
    ; SILVA ET AL, 2021SILVA, W. R. ET AL. (2021). Construção de imagens pela gramática: uma proposta de jogo. Revista Linguística, v. 17, n. 2, p. 84-107. https://doi.org/10.31513/linguistica.2021.v17n2a42659
    https://doi.org/10.31513/linguistica.202...
    ). Segue o endereço do laboratório: www.wagnerodriguesilva.com.br/labgram.
  • 18
    Os usos dessas cores serão focalizados em outra publicação.
  • 19
    Na realidade qualquer usuário cadastrado pode acessar o LabGram e registrar comentários, que são compartilhados publicamente após aprovação pelo coordenador do projeto. Na página inicial do laboratório também é possível registrar comentários. Esse último registro não está diretamente atrelado às atividades didáticas das intervenções pedagógicas.
  • 20
    A iniciativa está amparada pelo decreto federal nº 10.312, de 4 de abril de 2020, que "amplia, temporariamente, o escopo de multiprogramação com conteúdo específico destinado às atividades de educação, ciência, tecnologia, inovações, cidadania e saúde de entidades executoras de serviço de radiodifusão de sons e imagens em tecnologia digital, com fins exclusivamente educacionais ou de exploração comercial, em razão da pandemia da Covid-19." Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.312-de-4-de-abril-de-2020-251139882. Acesso em: 21 fev. 2023.
  • 21
    Nos excertos exemplificados, utilizamos o sublinhado contínuo para destacar aspectos sobre a formação continuada selecionados e tematizados pelos professores, e o sublinhado pontilhado para destacar marcas de reflexão pela escrita. São exemplos de escolhas léxicogramaticais sinalizadoras de reflexões: processos mentais, verbos modalizadores, conectivos e formas lexicais de apreciação (adjetivos e advérbios).

REFERÊNCIAS

  • BATISTA, A. A. (2001) Aula de Português: discurso e saberes escolares. São Paulo: Martins Fontes.
  • BERRY, R. (2010). Terminology in English Language Teaching: Nature and Use. Bern: Peter Lang.
  • BRASIL. (2018). Base Nacional Comum Curricular Brasília: MEC. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf Acesso em: 19 out. 2022.
    » http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf
  • BRASIL. (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf Acesso em: 24 out. 2022.
    » http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf
  • BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental, Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf Acesso em: 24 out. 2022.
    » http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf
  • CHASSOT, A. (2016). Das disciplinas à indisciplina Curitiba: Appris Editora.
  • CUNHA, R. B. (2019). Por que falar em letramento científico? Raízes do conceito nos estudos da linguagem. Campinas: Estante Labjor/Nudecri/ Unicamp.
  • DEMO, P. (2010) Saber pensar é questionar Brasília: Liber Livro.
  • FREIRE, P. (2016). Conscientização Tradução de Tiago José Reis Leme. Paulo: Cortez.
  • FREIRE, P. (1977). Extensão ou comunicação 11 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • GONÇALVES, M.; JORGE, N. (2018). Literacia científica na escola Lisboa: Nova FCSH-CLUNL. Disponível em: https://app.box.com/s/895euxr6d1wwkop5h6stf4nsk6igkuxa Acesso em: 27 out. 2022.
    » https://app.box.com/s/895euxr6d1wwkop5h6stf4nsk6igkuxa
  • HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. (2014). Halliday’s Introduction to Functional Grammar London: Routledge.
  • HURD, P. D. H. (1958). Science Literacy for American Schools. Educational Leadership n. 16, p. 13-16. Disponível em: https://files.ascd.org/staticfiles/ascd/pdf/journals/ed_lead/el_195810_hurd.pdf Acesso em: 02 nov. 2022.
    » https://files.ascd.org/staticfiles/ascd/pdf/journals/ed_lead/el_195810_hurd.pdf
  • HURD, P. D. H. (1998). Scientific Literacy: New Minds for a Changing World. Science Education, v. 82, n. 3, p. 407-416. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199806)82:3<407::AID-SCE6>3.0.CO;2-G
    » https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(199806)82:3<407::AID-SCE6>3.0.CO;2-G
  • KLEIMAN, A. B. (1995). Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, A. B. (org.). Os significados do letramento: uma perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras. p. 15-61.
  • LAUGKSCH, R. C. (1999). Scientific Literacy: A Conceptual Overview. Science Education, v. 84, p. 71-94. https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(200001)84:1<71::AID-SCE6>3.0.CO;2-C
    » https://doi.org/10.1002/(SICI)1098-237X(200001)84:1<71::AID-SCE6>3.0.CO;2-C
  • LEAL, A. (2018). Multimodalidade e multiliteracia: elementos verbais e não verbais nos textos de divulgação científica. In: GONÇALVES, M.; JORGE, N. (org.). Literacia científica na escola Lisboa: Nova FCSH-CLUNL, p. 43-54.
  • LIU, X. (2009). Beyond Science Literacy: Science and the Public. International Journal of Environmental & Science Education, v. 4, n. 3, p. 301-311.
  • RABELO, H. (2022). Alfabetização e sintaxe: noção de "frase". In: FARIA, E.; SILVA, W. R. (org.). AlfabetiAÇÕES Campinas: Pontes Editores, p. 101-130.
  • RIBEIRO, M. A. (2021). Produção de jogos didáticos digitais para conscientização gramatical: aspectos dinâmicos e protocolos de atuação Dissertação de Mestrado em Letras. Universidade Federal do Tocantins, Porto Nacional.
  • RIBEIRO, M. A.; SILVA, W. R. (2021). Professores como protagonistas na produção de jogo. Revista da ANPOLL, v. 52, p. 62-89. https://doi.org/10.18309/ranpoll.v52i2.1537
    » https://doi.org/10.18309/ranpoll.v52i2.1537
  • SANTANA, B. R.; SILVA, W. R.; FREITAS, M. (2022). O Show da Luna como gênero mediador de educação científica. Ciência & Educação, v. 27, p. 1-18, 2021. https://doi.org/10.1590/1516-731320210003
    » https://doi.org/10.1590/1516-731320210003
  • SHAMOS, M. H. (1995). The Myth of Scientific Literacy New Brunswick, New Jersey: Rutgers University Press.
  • SIGNORINI I.; FIAD, R. S. (2012). Ensino de língua: das reformas, das inquietações e dos desafios. Belo Horizonte: Editora UFMG.
  • SILVA, W. R. (2014). Educação científica na pós-graduação: uma abordagem da Linguística Aplicada. Revista Internacional de Educação Superior, v. 10, n. s/n, p. 1-24. https://doi.org/10.20396/riesup.v10i00.8667236
    » https://doi.org/10.20396/riesup.v10i00.8667236
  • SILVA, W. R. (2023). Pesquisa científica no centro do magistério: memórias forjadas nos desafios da vida. Palmas: EdUFT. (no prelo)
  • SILVA, W. R. (2021a). Letramento ou literacia? Ameaças da cientificidade. In: SILVA, W. R. (Org.). Contribuições sociais da Linguística Aplicada: uma homenagem a Inês Signorini. Campinas: Pontes Editores, p. 111-162.
  • SILVA, W. R. (2021b). Por uma Linguística Aplicada arrojada. In: SILVA, Wagner R. (Org.). Contribuições sociais da Linguística Aplicada: uma homenagem a Inês Signorini. Campinas: Pontes Editores, p. 17-30.
  • SILVA, W. R. (2020a). Letramento e fracasso escolar: o ensino da língua materna. Manaus: Editora UEA.
  • SILVA, W. R. (2020b). Educação científica como estratégia pedagógica e investigativa de resistência. Trabalhos em Linguística Aplicada Campinas: Unicamp, v. 59, n. 3, p.2278-2308. https://doi.org/10.1590/01031813829221620201106
    » https://doi.org/10.1590/01031813829221620201106
  • SILVA, W. R. (2020c). Conveniência da ciência na política brasileira de alfabetização. Revista x, v. 15, n. 4, p. 60-66. http://dx.doi.org/10.5380/rvx.v15i4.76142
    » http://dx.doi.org/10.5380/rvx.v15i4.76142
  • SILVA, W. R. (2019a). Educação científica como estratégia pedagógica para formação de professoras. Veredas – Revista de Estudos Linguísticos, v. 23, n. 2, p. 144-161. https://doi.org/10.34019/1982-2243.2019.v23.29504
    » https://doi.org/10.34019/1982-2243.2019.v23.29504
  • SILVA, W. R. (2019b). ConGraEduC – Conscientização gramatical pela educação científica Projeto de Pesquisa. Palmas/ Brasília: UFT/CNPq.
  • SILVA, W. R. Formação sustentável do professor no mestrado profissional. Revista Brasileira de Educação, v. 22, n. 70, p. 708-731, 2017. https://doi.org/10.1590/S1413-24782017227036
    » https://doi.org/10.1590/S1413-24782017227036
  • SILVA, W. R. (2016). Letramento científico na formação inicial do professor. Revista Práticas de Linguagem, v. 6, n. especial, p. 8-23. Disponível em: https://www.ufjf.br/praticasdelinguagem/files/2017/01/2-Artigo-Wagner.pdf Acesso em: 02 nov. 2022.
    » https://www.ufjf.br/praticasdelinguagem/files/2017/01/2-Artigo-Wagner.pdf
  • SILVA, W. R. (2015). Gêneros em práticas escolares de linguagens: currículo e formação do professor. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 15, n. 4, p. 1023-1055. https://doi.org/10.1590/1984-639820156170
    » https://doi.org/10.1590/1984-639820156170
  • SILVA, W. R. (2012a). Gêneros textuais em aulas de Língua Portuguesa no Ensino Médio brasileiro. Linguagem & Ensino, v. 15, n. 2, p. 387-418. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/rle/article/view/15422 Acesso em: 02 nov. 2022.
    » https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/rle/article/view/15422
  • SILVA, W. R. (2012b). Construções da superação do fracasso do ensino de Língua Portuguesa em diretrizes curriculares. In: SIGNORINI, Inês; FIAD, Raquel S. (Org). Ensino de língua: das reformas, das inquietações e dos desafios. Belo Horizonte: Editora UFMG. p. 83-105.
  • SILVA, W. R. (2009a). Seleção textual no ensino interdisciplinar por projeto. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 9, n. 1, p. 17-39. https://doi.org/10.1590/S1984-63982009000100002
    » https://doi.org/10.1590/S1984-63982009000100002
  • SILVA, W. R. (2009b). Algumas contribuições da linguística aplicada para o ensino de escrita em aulas de língua materna no Brasil. Investigações, v. 22, n. 2, p. 135-160. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/article/view/1354 Acesso em: 02 fev. 2023.
    » https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/article/view/1354
  • SILVA, W. R. ET AL. (2021). Construção de imagens pela gramática: uma proposta de jogo. Revista Linguística, v. 17, n. 2, p. 84-107. https://doi.org/10.31513/linguistica.2021.v17n2a42659
    » https://doi.org/10.31513/linguistica.2021.v17n2a42659
  • SILVA, W. R.; LIMA, P. S.; MOREIRA, T. M. (2016.). Gêneros na prática pedagógica: diálogos entre escolas e universidades. Campinas: Pontes Editores.
  • SILVA, W. R.; MENDES, J.; RIBEIRO, M. H. (2021). Compreensões sobre ciência compartilhadas por alunos da escola básica antes e depois de intervenções pedagógicas. Signo, v. 46, n. 86, p. 42-59. https://doi.org/10.17058/signo.v46i86.15995
    » https://doi.org/10.17058/signo.v46i86.15995
  • SILVA, W. R.; SANTOS, S. S; ANTONELLA, K. (2023). Desafios do trabalho colaborativo num projeto interdisciplinar de pesquisa científica. Revista Leia Escola (no prelo)
  • SILVEIRA, R. A.; SILVA, W. R.; REIS, A. P. (2019). Construção paradigmática do ensino de português como língua materna. Eutomia, v. 1, n. 23, p. 108-128. https://doi.org/10.51359/1982-6850.2019.240212
    » https://doi.org/10.51359/1982-6850.2019.240212
  • SOARES, M. (2020). Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo: Contexto.
  • SOARES, M. (2003a) Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera M. (org). Letramento no Brasil São Paulo: Global, p. 89-113.
  • SOARES, M. (2003b). Alfabetização e letramento São Paulo: Contexto.
  • SOUSA, R. S; SILVA, W. R.; BRITO, C. C. P. (2023). Preconcebidos sobre ciência compartilhados por estudantes de escola pública rural. Educação e pesquisa, v. 49, e249915, 2023. (no prelo)
  • VYGOTSKY, L. (1986). Thought and language Massachusetts: The Massachusetts Institute of Technology Press.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2022
  • Aceito
    24 Fev 2023
  • Publicado
    10 Mar 2023
UNICAMP. Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Unicamp/IEL/Setor de Publicações, Caixa Postal 6045, 13083-970 Campinas SP Brasil, Tel./Fax: (55 19) 3521-1527 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: spublic@iel.unicamp.br