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FORTE COMO UM TUFÃO: AFETO, TRADUÇÃO E PEDAGOGIA DE GÊNERO NO MULAN DE WALT DISNEY

STRONG AS A TYPHOON: AFFECT, TRANSLATION AND GENDER PEDAGOGY IN WALT DISNEY’S MULAN

RESUMO

Este artigo revisita a tradução da música I’ll make a man out of you em alemão (Sei ein Mann), francês (Comme um homme) e português (Homem ser), do filme Mulan (Disney, 1998) para pensar equivalências de sentido. Tais equivalências convergem em torno da convenção da masculinidade e da construção social do que significa ser homem e são sustentadas por signos que remetem à natureza. Este artigo compara as formas como as versões da música traduziram um ideal de masculinidade chinês bélico que fazia pedagogia de um ideal americano de masculinidade e de sucesso. O contexto é ideal para a pedagogia de gênero, pois assume-se que na cultura chinesa de Confúcio se conseguia trazer honra à família apenas através do desempenho impecável do papel de gênero. A metodologia para análise mistura gatilhos afetivos do discurso, linguística queer e crítica ativista. Entre as conclusões ressalta-se a presença dos signos bélicos e da natureza na construção de ideais masculinos. Também é notável a manutenção narrativa de um destino de gênero apesar das falhas constitutivas do percurso. Em última instância, esta análise, politicamente engajada (BAKER, 2013BAKER, M. (2013) Translation as an alternative space for political action. Social Movement Studies: Journal of Social, Cultural and Political Protest, v. 12, n. 1, p. 23-47. https://doi.org/10.1080/14742837.2012.685624.
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; BALDO, 2020BALDO, M. (2020) Activist translation, alliances, and performativity: translating Judith Butler’s Notes Toward a Performative Theory of Assembly into Italian. In: Gould, R. R.; Tahmasebian, K. (org.) The Routledge Handbook of Translation and Activism. London e New York: Routledge, p. 30-48.) prevê denunciar o silenciamento de versões queer de sucesso e de incoerências constitutivas dos sistemas de gênero e sua tradutibilidade cultural, como projeto institucional da Disney.

Palavras-chave:
Mulan; linguística queer; tradução e ativismo; pedagogia do macho; Disney

ABSTRACT

This article revisits the movie Mulan (Disney, 1998), by comparing the translation of the song I’ll make a man out of you in German (Sei ein Mann), French (Comme um homme), and Portuguese (Homem ser). Such comparison makes it possible to think about meaning equivalences. The translations converged around the convention of masculinity and the social construction of what it meant to be a man, supported by signs that refer to nature. This paper compares the ways in which versions of the song translated a warlike Chinese ideal of masculinity that made pedagogy of an American ideal of masculinity and success. The context is ideal for gender pedagogy because, in the Confucian Chinese culture, bringing honor to the family was achieved only through impeccable performance of the gender roles. The methodology used in the analysis mixes affective triggers of discourse, queer linguistics, and activist criticism. Among the findings is the presence of bellicose signs and nature in the construction of an idealized masculinity. Also notable is the narrative maintenance of a gendered destiny despite the constitutive flaws of the course. Ultimately, this politically engaged analysis (BAKER, 2013BAKER, M. (2013) Translation as an alternative space for political action. Social Movement Studies: Journal of Social, Cultural and Political Protest, v. 12, n. 1, p. 23-47. https://doi.org/10.1080/14742837.2012.685624.
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; BALDO, 2020BALDO, M. (2020) Activist translation, alliances, and performativity: translating Judith Butler’s Notes Toward a Performative Theory of Assembly into Italian. In: Gould, R. R.; Tahmasebian, K. (org.) The Routledge Handbook of Translation and Activism. London e New York: Routledge, p. 30-48.) envisions denouncing the silencing of queer understandings of success as well as the inconsistencies constitutive of gender systems and their cultural translatability that are Disney’s institutional project.

Keywords:
Mulan; queer linguistics; translation and activism; macho pedagogy; Disney

INTRODUÇÃO

Este texto discute tradução, pedagogia de gênero e afeto. E o faz por uma perspectiva ética e queer, que entende tradução como uma empreitada irremediavelmente política (GODDARD, 1990; BASSNETT, 2020BASSNETT, S. (2020) Escrevendo em terra de homem nenhum: questões de gênero e tradução. Cadernos de Tradução, v. 40, n. 1, p. 456-471, 1992, Tradução de Naylane Matos. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n1p456 .
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[1992]; BAKER, 2013BAKER, M. (2013) Translation as an alternative space for political action. Social Movement Studies: Journal of Social, Cultural and Political Protest, v. 12, n. 1, p. 23-47. https://doi.org/10.1080/14742837.2012.685624.
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; BALDO, 2020BALDO, M. (2020) Activist translation, alliances, and performativity: translating Judith Butler’s Notes Toward a Performative Theory of Assembly into Italian. In: Gould, R. R.; Tahmasebian, K. (org.) The Routledge Handbook of Translation and Activism. London e New York: Routledge, p. 30-48.) e que pressupõe a ética como uma grande preocupação para o gesto tradutório (GOODWIN, 2010GOODWIN, P. (2010) Ethical Problems in Translation: Why We Might Need Steiner After All, The Translator, v. 16, n. 1, p. 19-42. https://doi.org/10.1080/13556509.2010.10799292.
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; BAKER, MAIER, 2011BAKER, M.; MAIER, C. (2011) Ethics in Interpreter & Translator Training Critical Perspectives. The Interpreter and Translator Trainer, v. 5, n.1, p. 1-14. https://doi.org/10.1080/13556509.2011.10798809.
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). Meu posicionamento neste texto é de pensar a tradução como um espaço para o ativismo queer, marcado pelo explícito envolvimento político com a língua, e por um desejo de dirimir o sofrimento social (MOITA LOPES, 2006MOITA LOPES, L. P. (2006) Uma Linguística Aplicada mestiça e ideológica: interrogando o campo como linguista aplicado In: MOITA LOPES, L.P. (Org.) Por uma Linguística Aplicada (In)disciplinar. São Paulo: Parábola Editorial.). Ativismo na tradução pode ser pensado como uma empreitada acadêmica (BALDO, 2020BALDO, M. (2020) Activist translation, alliances, and performativity: translating Judith Butler’s Notes Toward a Performative Theory of Assembly into Italian. In: Gould, R. R.; Tahmasebian, K. (org.) The Routledge Handbook of Translation and Activism. London e New York: Routledge, p. 30-48.), como uma prática arriscada que expande os horizontes do nosso comprometimento político (DÜZKAN, 2020DÜZKAN, A. (2020) Written on the Heart, in Broken English. In: Gould, R. R.; Tahmasebian, K. (org.) The Routledge Handbook of Translation and Activism. London e New York: Routledge, p. 217-221.), ou ainda como um tópico essencial na agenda anticolonial (BANDIA, 2020BANDIA, P. F. (2020) Postcolonialism, activism, and translation. In: Gould, R. R.; Tahmasebian, K. (org.) The Routledge Handbook of Translation and Activism. London e New York: Routledge, p. 515-520.). O ativismo queer na tradução, ademais, dramatiza as falhas, as alteridades e dissidências políticas de gênero e de língua como um compromisso ético, uma forma de cuidado e um ato de resistência contra a idealizada neutralidade das narrativas dominantes. Despido de qualquer desejo por neutralidade, sigo Mona Baker em meu posicionamento: existe um inegável compromisso ético no ativismo, no emprego de “habilidades linguísticas para expandir o espaço narrativo e as oportunidades narrativas de resistência, promovendo escutas [e corpos] invisibilizados pelo poder global do inglês e pelas políticas de linguagem” (BAKER, 2013BAKER, M. (2013) Translation as an alternative space for political action. Social Movement Studies: Journal of Social, Cultural and Political Protest, v. 12, n. 1, p. 23-47. https://doi.org/10.1080/14742837.2012.685624.
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, p. 25). Tendo em vista o exposto, eu gostaria de abrir o texto com uma citação de Susan Bassnett tocante à tradução para o inglês de Il fuoco, romance autobiográfico do italiano Gabriele D’Annunzio durante a qual ela se percebeu

envolvida em um conflito com o escritor, afrontando ou lutando com o texto e sua ideologia, exigindo o direito de trabalhar criativamente como uma tradutora e preocupada que [sua] “infidelidade” não fosse simplesmente política. (BASSNETT, 2020BASSNETT, S. (2020) Escrevendo em terra de homem nenhum: questões de gênero e tradução. Cadernos de Tradução, v. 40, n. 1, p. 456-471, 1992, Tradução de Naylane Matos. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n1p456 .
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[1992], p. 468)

A questão que se levanta neste texto, no entanto, não é a infidelidade das traduções, mas sua fidelidade cega. Não exatamente para com o texto fonte, mas quanto às prescrições de gênero que, traduzidas culturalmente, encontram em cada nova língua equivalências de sentido de parentesco etimológico para descrever o ideal masculino: o tufão, o fogo vulcânico, as águas fluviais, entre outros. O conflito que Bassnett narra me tomou nesta empreitada analítica na forma de afetos relembrados1 1 Que a leitora mantenha em mente que para Spinoza (2009 [1677]) um afeto é o mesmo, quer seja imaginado, quer seja sentido. , pois a canção discutida aqui também exerceu seu sutil toque pedagógico sobre meu próprio corpo, meu jeito, sobre minha própria pretensão de masculinidade e sobre meu entendimento como homem. À época do lançamento de Mulan (1998)MULAN. (1998) Direção: Barry Cook; Tony Bancroft. Produção de Pam Coates. Estados Unidos: Walt Disney. nos cinemas, eu tinha dez anos, e aprendia a desempenhar meu gênero de acordo com a ideologia dominante - no entanto, não sem muitas falhas, com as quais era violentamente confrontado. É a minha própria experiência afetiva como criança queer, que me motiva a embrenhar-me na ética da intertextualidade na empreitada da tradução, apesar da crescente normalização e banalização das injustiças sociais e da emergência de “ideologias políticas agressivas (BAKER, MAIER, 2011BAKER, M.; MAIER, C. (2011) Ethics in Interpreter & Translator Training Critical Perspectives. The Interpreter and Translator Trainer, v. 5, n.1, p. 1-14. https://doi.org/10.1080/13556509.2011.10798809.
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, p. 3), que tornam o posicionamento ético do tradutor uma questão política delicada, sobretudo frente ao persistente fantasma da neutralidade.

Ao intertextualizar um poema chinês dos séculos V ou VI2 2 Como o poema foi copiado muitas vezes ao longo dos séculos, é difícil apurar a exata data de origem, o exato texto e seu autor. Toda argumentação desse texto, se baseia na tradução ao inglês de Frankel (1976) da Balada de Hua Mulan e também nas críticas apresentadas por Wang et al (2020). , Balada de Hua Mulan (FRANKEL, 1976FRANKEL, H. H. (1976) The Ballad of Mulan (Ode of Mulan) In: Frankel, H. H. The Flowering Plum and the Palace Lady: Interpretations of Chinese Poetry. New Haven: Yale University Press, p. 68-72.), o filme da Disney investe no mote “trazer honra à família” através do desempenho impecável do papel de gênero, apagando o potencial queer3 3 É importante sinalizar que a sexualidade de Mulan não interessa nem aqui nem ao queer. Embora queer seja popularmente sinonimizado com dissidentes sexuais, Halberstam se recusa a pensá-lo como uma existência marcada pela singularidade - sexual ou não. Ao contrário, o queer é “parte de um conjunto de tecnologias de resistência que incluem coletividade, imaginação, e um tipo de comprometimento situacionista com o surpreender e o chocar.” (HALBERSTAM, 2011, 29). É esse sentido de queer que ilumina o texto, livre de qualquer interesse pelo desejo ou práticas sexuais da heroína chinesa. e subversivo que a heroína escreveu na história ao se lançar a um espaço e tempo que nega seu destino generificado. Essa pedagogia normativa e afetiva do corpo, alegorizada pela honra familiar, previa à masculinidade um papel belicoso e às mulheres um papel doméstico e foi traduzida para muitos idiomas e cantada por muitas crianças, como eu, inculcadas com papéis de gênero contemporâneos e ocidentais através de alegorias orientais e da natureza. As alegorias da masculinidade foram traduzidas do inglês (I’ll make a man out of you) para o alemão (Sei ein Mann), o francês (Comme un homme) e o português brasileiro (Homem ser), investindo em equivalências de sentido afeitas da memória etimológica e na manutenção de estruturas sintáticas. Tais equivalências nos chamam atenção analítica pois sua transparência parece esconder os embates dos tradutores com o texto e com o autor, em detrimento da comunicação de uma gramática de gênero universal. Nesse sentido, as traduções funcionalistas, ao contrário de deixarem ver marcas políticas e subjetivas do tradutor, se fazem um campo ideológico pacífico, no qual o tradutor se sacrifica pela literalidade natural do gênero - seja por filiação subjetiva a essa ideologia, ou por demandas institucionais. Considerando que na tradução, a diferença se faz política (GODDARD, 1990; BASSNETT, 2020BASSNETT, S. (2020) Escrevendo em terra de homem nenhum: questões de gênero e tradução. Cadernos de Tradução, v. 40, n. 1, p. 456-471, 1992, Tradução de Naylane Matos. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n1p456 .
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[1992]), a não diferença (aqui expressa pela escolha de termos aparentados etimologicamente e de estruturas sintáticas comuns) se faz interessante como questão linguística que sugere a centralidade do gênero social para a tradução de uma narrativa. Durante a análise, perseguirei as equivalências de sentido que permanecem nas traduções, pensando que elas não sejam apenas paralelismos que se mantêm por razões de métrica, ritmo, melodia (LOW, 2016LOW, P. (2016) Translating Song: Lyrics and Texts. London/New York: Routledge.), ou subprodutos do funcionalismo, mas discursos com vigor, posicionamentos políticos e pedagogias de gênero. No gesto analítico que esboço, as equivalências de sentido com parecença etimológica e estruturas sintáticas comuns serão abordadas como “gatilhos afetivos do discurso” (BONFANTE, 2022BONFANTE G. M. (2022) Gatilhos afetivos do discurso e a compra e venda de estímulos semióticos no Twitter. Revista da Anpoll, v. 53, n. 1, p. 199-214. https://doi.org/10.18309/ranpoll.v53i1.1627.
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). Os gatilhos afetivos do discurso, pensados originalmente como ferramenta analítica para linguistas interessados em corpo e afetividade semiótica, cuidam do papel que o corpo tem nas experiências de linguagem, atribuindo aos movimentos indexicais na língua a capacidade afetiva de tocar o corpo. Pensar na forma como efeitos de sentido nos tocam e nos produzem sensações, a partir de estopins afetivos que irrompem o texto, implica necessariamente pensar afeto como dependente de uma ética, porque assume que os afetos fazem coisas com a gente, produzem em nossos corpos alterações. E a relação entre ética, signo e afeto fica mais clara com a inspiração do filósofo Baruch Spinoza (1632-1677). Na escrita da Ética (2009SPINOZA, B. (1677) Ética. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2009. Tradução de Tomaz Tadeu. [1677]), Spinoza tece uma teoria da afetividade humana como base filosófica para defender que boas relações éticas condicionam a liberdade e a felicidade humanas. O campo disciplinar dos Estudos da Tradução pode ser um lugar interessante para se comprometer com a libertação humana das paixões que propõe Spinoza, pois a tradução dramatiza não apenas a polissemia, mas a relação afetiva entre signo e sujeito, acentuando a presença da alteridade como preocupação ética.

Ao dramatizar e estranhar as escolhas semânticas e sintáticas nas traduções em questão somos lançados a abordar como preocupação ética a relação afetiva entre signo e sujeito - no caso entre texto alvo e as crianças, seu público de destino. Como Halberstam sugere, baseando-se no trabalho de outros autores queer, a infância não é apenas uma lição de humildade, estranheza, embaraço4 4 Jack Halberstam (2011) usa a palavra awkwardness, de difícil tradução, mas que exprime uma existência sem lugar, inapta. , mas uma experiência queer: pela sua relação conflituosa com as normas, crianças seriam pequenos rebeldes e anarquistas. Porque “a heterossexualidade não é inata, mas fabricada” (HALBERSTAM, 2011HALBERSTAM, J. (2011) The queer art of failure. Durham: Duke University Press., p. 27), é importante advogar por uma postura ética nas traduções para públicos infanto-juvenis, atentos ao papel violento de textos como políticas pedagógicas do corpo. Essa preocupação com a dimensão violenta das pedagogias do corpo nos compele a um posicionamento ético pela defesa de toda criança e não só de algumas, pois como interroga Preciado (2018 [2013]PRECIADO, P. B. (2013) Quem defende a criança queer? Jangada: Crítica | Literatura | Artes, n. 1, p. 96-99, 2018. Tradução: Fernanda Ferreira Marcondes Nogueira. https://doi.org/10.35921/jangada.v0i1.17.
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): quem defende a criança queer5 5 No texto em questão, Preciado pergunta à sociedade francesa que usa crianças como escudos anti-queer, se as crianças não-hétero também merecem ser protegidas. Sua atitude visa escancarar o pouco interesse da sociedade civil pelo bem-estar das crianças, em detrimento do seu desejo de doutrinar o mundo através de sua perspectiva heteronormativa. ? Assim, inspirado pela proposta de Halberstam (2011)HALBERSTAM, J. (2011) The queer art of failure. Durham: Duke University Press. de que desenhos animados oferecem performances de falha com potencial para desestabilizar sistemas opressivos como o de gênero e a própria língua, este texto investiga a tradutibilidade de ideais de masculinidade, interconectando o interesse pela tradução, pelo afeto linguístico, pelas pedagogias do gênero e do corpo.

Proponho o seguinte percurso para alcançar os objetivos do artigo. A primeira seção trata da contextualização e dá mais detalhes sobre a lenda de Mulan e sua retomada fílmica. Em seguida, para fins analíticos, a música será tomada em quatro partes concisas, que organizarão a apresentação dos dados. A primeira estrofe (seção 2.1) se refere ao encontro do sargento com os cadetes e discute uma pedagogia negativa do corpo masculino. A seção 2.2 se volta para o refrão, um relicário de masculinidade positiva, analisando a prescrição dos atributos masculinos pelo sargento. A terceira seção (2.3) vê na lua uma oportunidade de queerizar a masculinidade. A quarta seção (2.4) se interessa pela forma como Mulan - ou soldado Ping, sua persona - é dirigida pelo sargento na música. Na seção final, revemos os ganhos éticos da discussão.

1. MULAN: A BALADA E A ANIMAÇÃO

Baseado no trabalho de Kristevá (1974KRISTEVA, J. (1974) Introdução à semanálise. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. Tradução de Lucia Helena França Ferraz.) sobre intertextualidade, Luiz sugere que “nenhum texto está completo por si mesmo, já que sua escritura é constantemente revisitada e atualizada.” (LUIZ, 2023LUIZ, T. M. (2023) Romeo and Juliet’s rewriting in the Walt Disney’s animated movie Pocahontas: adaptation studies, comparative literature and theory of intertextuality. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 43, p. 01-23. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e87714.
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, p. 5). Textos, de fato, ensejam abertas e infinitas possibilidades de sentido fundadas por gestos intertextuais e apropriações culturalmente arraigadas. Assim, o filme Mulan de 1998 se lança à reimaginação intertextual do contexto histórico da China, do seu tempo e seu espaço também, expandindo os sentidos do texto e transformando a narrativa. Argumento, porém, que essa expansão normalizou o texto; alçou os sentidos do texto para fora de seu potencial queer6 6 Em In a queer time and space, Halberstam explica que queer “se refere a não-normativas lógicas e modos de organização da comunidade, identidade sexual, corporalidade e atividade no tempo e no espaço.” (2005, p. 6) , apagando um tempo e espaço de reimaginação coletiva para vidas possíveis e invisibilizando as falhas de gênero como um caminho legítimo para a felicidade.

Embora a animação fílmica represente uma China já unificada sob a influência filosófica de Confúcio, a qual sofria com as tentativas de invasões dos hunos bárbaros, o poema remonta a uma China anterior, dividida entre norte e sul. Remonta, mais especificamente, à China do Norte sob regência da dinastia Xianbei (WANG, HAN, XU, 2020WANG, L.; HAN, B.; XU, G. (2020) Cultural Differences in Mulan between Chinese Version and Disney Version. Theory and Practice in Language Studies, v. 10, n. 10, p. 1332-1336, October. http://dx.doi.org/10.17507/tpls.1010.22.
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). Armada de licença poética, Disney reescreveu a obra investindo em algumas alegorias bem explícitas que intertextualizam a cultura americana, inserindo-a na China de Mulan. Tian e Xiong (2013)TIAN, C.; XIONG, C. (2013) A cultural analysis of Disney’s Mulan with respect to translation. Continuum, v. 27, n. 6, p. 862-874. https://doi.org/10.1080/10304312.2013.843636.
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observam um processo de deformação cultural na tomada americana da lenda chinesa. Autor e autora sugerem que através de estratégias como adição, omissão, especificação, explicitação e alteração, a Disney foi capaz de “distorcer um tesouro cultural” (TIAN, XIONG, 2013TIAN, C.; XIONG, C. (2013) A cultural analysis of Disney’s Mulan with respect to translation. Continuum, v. 27, n. 6, p. 862-874. https://doi.org/10.1080/10304312.2013.843636.
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, p. 863). Um dos propósitos dessa distorção foi a romantização do militarismo, para a qual o cinema é o principal dispositivo. A ode ao belicismo é um tipo de pedagogia americana necessária para manter o interesse dos cidadãos em apoiar suas políticas externas intervencionistas. Além da distorção bélica patriotista, o militarismo também é representado no filme como uma fábrica de homens e masculinidades. Essa deformação cultural visa confiar ao exército a cura de masculinidades defectivas e de feminilidade.

Outro ponto em que a história é reconstruída - ou deformada nas palavras dos autores supracitados - pela narrativa da Disney se refere ao tempo que Mulan ficou no exército e como esse tempo provavelmente coincidira com o fim de sua idade reprodutiva e de casamento. De acordo com o poema, Mulan passa dez anos no exército sem ser descoberta. Na animação, o tempo não é claro, mas os personagens não envelhecem e Mulan volta para casa assim como saiu. A história de Mulan que a Disney apagou desafia o entendimento de que o tempo reprodutivo é um destino natural. Ao se alistar em lugar de seu pai, Mulan abandona seu destino familiar e reprodutivo, escrevendo uma possibilidade outra de história feminina. “O tempo reprodutivo e o tempo familiar são, acima de tudo, construtos heteronormativos de tempo e espaço” (HALBERSTAM, 2005HALBERSTAM, J. (2005) In a Queer Time and Place: Transgender Bodies, Subcultural Lives. New York, London: New York University Press., p. 10), construtos que são desafiados por Mulan em sua partida. O desafio de Mulan da temporalidade reprodutiva normativa não se dá sem riscos. Quando ela se despede da família e vai à guerra, ela sabe que pode perder a vida, se descoberta, antes mesmo das batalhas. Temporalidades e espaços queer são saturados de riscos que valem a pena correr, pois podem ser transformativos.

Na balada que a animação intertextualiza, Mulan tem uma irmã mais velha e um irmão mais novo, que ela também deseja proteger quando vai à guerra em lugar de seu pai. Embora no filme, ela seja filha única, ela tem um cachorro querido deixado na partida. Porque o nome do cachorro é “Little brother” (inglês e alemão), “Irmãozinho” (português), e “Petit frère” (francês), somos levados a acreditar que há um gesto de lembrança de um personagem esquecido. Acredito, contudo que a invisibilização dos irmãos de Mulan faz silenciar um afeto positivo muito terno e muito queer, o amor de irmãos. Os irmãos com quem crescemos juntos nos acolhem durante nossas falhas e fracassos em todas as pedagogias a que somos submetidos. Esse tipo de carinho, afeto e cuidado é muito valorizado por uma perspectiva queer e feminista, perspectivas nas quais o cuidado não é banal. Contudo, na animação, amor fraternal e familiar é substituído pelo amor romântico entre Mulan e o General que a treinara no exército, quando ele a procura no fim da animação para pedir-lhe em casamento. Esse fim também desvia do poema original, que retrata a visita dos colegas de exército, os quais se sentem tolos por não a terem reconhecido como mulher. No entanto, no poema, Mulan não se casa, conquanto o amor de seus irmãos por ela e a alegria da reunião familiar sejam ressaltados na sua chegada.

Embora ninguém espere fidelidade na reescritura da obra, ressaltei nesta seção os distanciamentos políticos da balada que constroem uma nova realidade cultural baseada no silenciamento de aspectos queer com que Mulan viveu tempo e espaço: sua não qualificação para o papel de esposa, sua rejeição do tempo procriativo, sua ênfase em amor familiar e fraternal ao contrário de romântico e, principalmente, sua falta de interesse no sucesso como um soldado, pois o imperador a condecora e oferece o que ela desejar. Ela responde que “não deseja mais que uma montaria ligeira, que a leve de volta para casa” (FRANKEL, 1976FRANKEL, H. H. (1976) The Ballad of Mulan (Ode of Mulan) In: Frankel, H. H. The Flowering Plum and the Palace Lady: Interpretations of Chinese Poetry. New Haven: Yale University Press, p. 68-72., p. 70).

Não apenas a versão do poema em roteiro construiu um encontro significativo entre duas realidades culturais, mas a própria tradução realizou uma intervenção anti-queer nos sentidos. De fato, como ressalta Baker,

A tradução, como tal, não medeia encontros culturais que existem fora do ato da tradução, mas participa da produção desses encontros. Ela não reproduz textos, mas constrói realidades culturais, e faz isso intervindo nos processos de narração e renarração que constituem todos os encontros e que essencialmente constroem o mundo para nós. (BAKER, 2013BAKER, M. (2013) Translation as an alternative space for political action. Social Movement Studies: Journal of Social, Cultural and Political Protest, v. 12, n. 1, p. 23-47. https://doi.org/10.1080/14742837.2012.685624.
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, p. 23-24)

A partir do exposto, analisamos como a tradução em questão intervém na narrativa - ou não. Para tanto, é essencial focar em como a pedagogia de gênero é mobilizada na tradução, almejando “desvenda[r] os processos manipulativos que envolvem a suposta inocente transferência de textos de uma cultura para outra.” (BASSNETT, 2020BASSNETT, S. (2020) Escrevendo em terra de homem nenhum: questões de gênero e tradução. Cadernos de Tradução, v. 40, n. 1, p. 456-471, 1992, Tradução de Naylane Matos. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n1p456 .
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[1992], p. 466), sem ignorar como o texto alvo me toca.

2. PEDAGOGIA DO MACHO

“Pedagogia do macho” é uma política do corpo7 7 Políticas de corpos são afetivas como toda prática significativa e são pedagógicas pois educam corpos para agir em determinado enquadre cultural. A sexualidade ensinada e - por vezes coagida - talvez seja uma das pedagogias do corpo que mais gera ansiedade social. , como qualquer pedagogia. No entanto, exacerba a masculinidade como categoria êmica. O conceito emergiu em análise durante uma etnografia linguística que estudou a construção de perfis de paquera no aplicativo Grindr (BONFANTE, 2016BONFANTE, G. M. (2016) Erótica dos Signos nos aplicativos de pegação: performances íntimo-espetaculares de si. Rio de Janeiro: Multifoco.). Na ocasião, foi reportado que algumas estilizações de perfil faziam mais do que construir uma persona online, elas tentavam prescrever como um homem deveria se conduzir, oferecendo uma pedagogia da masculinidade, descrita como do macho por puro deboche queer. Assim, pedagogia do macho se refere a uma série de discursos e de símbolos que qualificam e tipificam normativamente a performance da masculinidade de acordo com desempenho sexual, atratividade física, capacidade de prover, jeito, voz, caráter, indexicalizando uma performance ideal de papel de gênero masculino em termos de corpo e língua. Em uma alegoria halberstamiana, a pedagogia do macho o enclausura no tempo e espaço heteronormativos. Na música I’ll make a man out of you, analisada neste artigo, a masculinidade dos soldados chineses é enclausurada no espaço e tempo heteronormativo do sucesso capitalista americano. Se, como sugere Baker (2013)BAKER, M. (2013) Translation as an alternative space for political action. Social Movement Studies: Journal of Social, Cultural and Political Protest, v. 12, n. 1, p. 23-47. https://doi.org/10.1080/14742837.2012.685624.
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, a tradução é uma importante forma de construir identidades e configurar a forma dos encontros culturais, o encontro das crianças com a China é mediado nessa obra por um distorcido imaginário ocidental da masculinidade física e política da China dos séc. V e VI.

A canção, cujas traduções analisamos também, mostra e ilustra em narrativa paralela à animação. Embora hoje em dia aspectos fílmicos já sejam traduzidos nas produções da Disney (AQUINO, 2017AQUINO, J. (2017) Pixar, Disney e as adaptações culturais. Blog Ecos da Tradução. Disponível em: http://ecos-da-traducao.blogspot.com/2017/02/pixar-disney-e-as-adaptacoes-culturais.html. Acesso: 13 de agosto, 2023.
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), à época da Mulan, não eram. A narrativa fílmica é desenvolvida multimodalmente: se ouve uma narrativa e se assiste outra. Embora imbricadas, elas têm certa autonomia e contam duas histórias, ou duas versões da história. Meu desejo é mergulhar no vão entre essas duas formas de narrar e delinear uma leitura queer e feminista que dramatize a queerness8 8 Queerness é a qualidade do queer. De acodo com Jack Halberstam, “queerness tem o potencial de inaugurar novas narrativas de vida e relações alternativas com o tempo e o espaço” (2005, p.2). silenciada de Mulan, que, por sua vez, fornece um exemplo potente de formação política alternativa.

A história de formações políticas alternativas é importante porque contesta as relações sociais como dadas e nos permite acessar tradições de ação política, que, embora não necessariamente bem-sucedida no sentido de se tornar dominante, oferece modelos de contestação, ruptura e descontinuidade para o presente político. Essas histórias também identificam potentes avenidas para a falha, falhas sobre as quais podemos erigir ideias que se opõem às lógicas de sucesso que emergiram dos triunfos do capitalismo global (HALBERSTAM, 2011HALBERSTAM, J. (2011) The queer art of failure. Durham: Duke University Press., p. 19).

2.1 Pedagogia negativa do macho

Nesta primeira parte da análise, me voltarei para a primeira estrofe da música, que na animação se refere ao momento em que os cadetes são recebidos pelo general. Ao longo da música, eles também serão introduzidos ao treinamento, que começa mal, mas se desdobra bem ao longo da canção. Essa parte estressa os traços que os caracterizam como não-homens, uma pedagogia de gênero negativa. De fato, podemos estabelecer na música duas formas de pedagogias do macho uma positiva e uma negativa. O que se deve fazer para se performar um homem e o que não se deve, como discutimos na próxima seção.

Nesta parte em que a masculinidade é marcada pela falta, os caminhos de ataque à hombridade já vacilante dos cadetes variam de acordo com as possibilidades das línguas, sendo a feminização literal a mais comum - alcançada pela transformação de filhos em filhas em quase todas as versões, inclusive em italiano, espanhol e francês canadense, não discutidas aqui. Veja que a remissão aos pais através de termos de parentesco é pungente, pois a família neste contexto é um lugar de ataque à honra de alguém. Na animação, a letra é marcada pela chegada do general em um momento de algazarra e confusão entre os soldados e Mulan, que se meteu em problemas falhando em desempenhar o gênero masculino de forma apropriada. No seu papel de gênero, os homens ali não traziam honra às suas famílias. Isso significa dizer que não eram homens, asserção da qual Mulan era a hipérbole. Convido a leitora para os exemplos em inglês, alemão, francês europeu e português do Brasil (Quadro 1). Forneci traduções dos exemplos. O capitão que recebe o batalhão canta:

Quadro 1
O encontro entre cadetes e general9 9 Essa tradução me veio como memória perturbar o resto do meu dia. “Vou te fazer virar homem” foi uma ameaça que ouvi com diferentes efeitos perlocucionários ao longo da minha infância. Nessa minha “pragmática íntima” (POVINELLI, 2016), essa ameaça poderia ser presságio de dor física, ou abuso psicológico. Alguns versos da música foram difíceis de confrontar com proximidade.

Os três primeiros idiomas apostam no recurso da feminização explícita, trocando o gênero dos soldados de “filhos” para “filhas”. No português, a equivalência de sentido é outra. O foco semântico está na melhora e na mudança, de forma positiva. Ao contrário de efeminar os filhos pela sua versão morfológica, ela estressa sua frouxidão e sua falta de jeito, se afastando da agressiva feminização dos soldados. No meu dicionário afetivo, chamar de frouxo remete a um policiamento quanto à não performance adequada do gênero masculino. No “frouxo” falta algo de masculino: por vezes a coragem, às vezes dureza, frequentemente um ethos, um jeito. Contudo, como gatilho afetivo que prevê golpear os sujeitos que não desempenham seu gênero de forma adequada, não é uma expressão de feminização violenta, o que sugere um distanciamento crítico do texto fonte. A efeminização é uma das formas de pedagogia negativa de gênero, que institui que o feminino nega o masculino e portanto não cabe nas performances ditas masculinas. Ao longo de toda canção, as versões investem em expressões de feminização que performam inaptidão e menosprezo, através de estratégias distintas de ofensa, que são analisadas como gatilhos afetivos no discurso. No inglês, apenas o “seja homem” remete a feminilidade, enquanto os outros xingamentos que performam os cadetes como a negativa de homens se dão no campo do patético (“pathetic lot” e “saddest bunch”) e da falta de conhecimento técnico-militar (“have no clue”). O alemão também investe na retórica do fracasso (“chancenlos”; sem chances), no imperativo “Seja homem”, e na semântica da inaptidão (Chaoten: bagunceiros, indisciplinados). Já o francês aposta na feminização explícita a partir da mudança morfológica e do diminutivo (fillettes; femmelettes). O diminutivo na construção semiótica do corpo e da masculinidade é uma estratégia para indexicalizar inferioridade, falta de potência física e frequentemente remeter ao feminino (BONFANTE, 2016BONFANTE, G. M. (2016) Erótica dos Signos nos aplicativos de pegação: performances íntimo-espetaculares de si. Rio de Janeiro: Multifoco.).

A caracterização negativa da feminilidade também esconde uma característica histórico-cultural. Na China dos séc. V e VI, a maioria das pessoas vivia da agricultura, e embora o homem comum não possuísse conhecimento sobre a guerra, dispunha de conhecimento técnico em outras áreas do saber reconhecidamente masculinas como marcenaria, criação, agricultura, construção, ofício de artesão. Portanto, a alegada ineficiência dos soldados seria, de fato, técnica e não de masculinidade. No entanto, em todas as versões, com exceção do português, a feminilidade dos recrutas como deficiência a ser sanada é ressaltada, criando um vínculo indexical entre destreza militar e masculinidade, uma distorção americana da narrativa - como apontado na seção 1 - traduzida amplamente.

2.2 Pedagogia positiva do macho

Na segunda parte da análise me interesso pelo refrão das versões, parte que se dedica a uma pedagogia do macho ocidental vestida de uma forma de vida oriental. A letra apresenta um conciso manual de masculinidade para soldados chineses, porém o público de destino são crianças. Como descrito por Scherer e Faria (2023)FARIA, M. M.; SCHERER, A. (2023) Transmissão: no cerne da disciplinarização e da manualização. Ciclo de Palestras do Grupo Arquivos de Língua. Niterói: Universidade Federal Fluminense., a manualização tem uma contraparte disciplinar, que seleciona politicamente o conteúdo que promete ser elementar. Em todas suas versões, a canção promete como natural - literalmente pela sua aproximação alegórica da natureza - o ideal de masculinidade imposto aos soldados. Tal ideal será traduzido por alegorias que remetem a signos do campo semântico da natureza como águasiii correntes (rio) tufãoiv, fogov (chama, inferno), e luavi (ver Quadro 2). A masculinidade é equacionada com a natureza em todas as traduções, paralelo que por vezes soa natural, assim como a divisão binária do gênero e sexo. A insistente indiciação da natureza a torna um gatilho afetivo, algo que nos incita corporalmente, porém mais afetivo ainda é a repetição quase literal dos símbolos naturais da masculinidade, que nos lançam ao espaço e tempo enclausurado pela heteronormatividade, em um emprego nada queer desses elementos. Um emprego que abraça a natureza como escora lógica de instituições como família, heterossexualidade e reprodução, e como respaldo para o natural ideal que é excludente, e que oblitera lógicas outras de afeto, identificação e linguagem.

Quadro 2
Seja homem: o refrão e a pedagogia de gênero

Gatilho de afecção dos textos alvos é justamente a repetição quase literal dos símbolos da natureza/ masculinidade, algo que só pode ser observado em análise comparativa. As equivalências de sentido são gatilhos afetivos nesse contexto porque a diferença se torna positiva quando a tradução é politicamente engajada. No entanto, em nossos exemplos, a diferença não existe, mas notam-se as marcantes parecenças etimológicas e índices da natureza que ajudam a performar o gênero como um destino inescapável. Se podemos afirmar com Bassnett (2020BASSNETT, S. (2020) Escrevendo em terra de homem nenhum: questões de gênero e tradução. Cadernos de Tradução, v. 40, n. 1, p. 456-471, 1992, Tradução de Naylane Matos. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n1p456 .
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[1992]) e Godard (1990)GODARD, B. (1990) Theorizing Feminist Discourse/Translation. In: Bassnett, S.; Lefevére, A. (org.) Translation, History and Culture. London: Pinter, p. 89-96. que a tradução feminista ressignifica o valor da diferença e com Baker (2013)BAKER, M. (2013) Translation as an alternative space for political action. Social Movement Studies: Journal of Social, Cultural and Political Protest, v. 12, n. 1, p. 23-47. https://doi.org/10.1080/14742837.2012.685624.
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que a diferença é um fator essencial na práxis crítica, podemos nos perguntar por que a diferença não existe aqui. Porque no texto, ela é ludibriada pela forma, e pela mensagem moral da predição de gênero. Esta é a hipótese que persigo. A semelhança também é afetiva, pois em contextos contemporâneos em que os questionamentos do status quo quanto a hierarquias de gênero se fazem um imperativo ético, devoção ao texto fonte em detrimento de uma traição da mensagem é desencorajada como uma atitude ingênua (BAKER, MAIER, 2011BAKER, M.; MAIER, C. (2011) Ethics in Interpreter & Translator Training Critical Perspectives. The Interpreter and Translator Trainer, v. 5, n.1, p. 1-14. https://doi.org/10.1080/13556509.2011.10798809.
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). O intuito dessa análise não é cobrar do passado uma sensibilidade que se tem agora, mas usar essa narrativa como exemplo. Ademais a tradução literal é estatisticamente pouco abundante em filmes da Disney contemporaneamente. Al-Yasin (2022)AL-YASIN, N. (2022) Translation procedures of cultural-bound expressions in the Egyptian vernacular dubbed versions of three Disney animated movies. Open Cultural Studies. v. 6, n. 1, p. 294-306. https://doi.org/10.1515/culture-2022-0162
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, ao comparar a tradução para o egípcio de três filmes da Disney, nomeadamente Rei Leão, Procurando Nemo e Toy story 2, notou que a adaptação sensível à cultura é a estratégia de tradução mais abundante. O procedimento de tradução literal foi raramente empregado, enquanto omissão, generalização e substituição não foram registrados.

Finalmente, ao considerar o ritornello, gostaria de focalizar a semântica da sintaxe, pensando em como nos afeta o imperativo em inglês e alemão (Seja homem) e outros fatos sintáticos. A estrutura sintática do imperativo (Seja homem) também intitula a versão alemã, tendo aspecto central para as performances de gênero que o texto elogia. O imperativo é um tempo verbal enérgico que pode comunicar agressivamente. No português, a estrutura foi substituída por um infinitivo impessoal que parece mais ilustrar um estilo ontológico de ser (ou uma generalização mais prototípica desse ser, o homem), do que um compromisso com uma forma normativa de ser homem. A tradução da versão em português, mais uma vez, rompe com o paralelismo de propaganda de gênero, mostrando suas marcas críticas a essas expectativas e fazendo florescer uma liberdade ético-artística, onde se acreditou ser impossível. A comparação em francês através do comme também abranda o imperativo da masculinidade. “Como um homem” estabelece uma normatividade pelo exemplo e não pelo imperativo. Ademais, acho relevante, no que se refere à sintaxe, notar a inclusão ou não do general como sujeito sobre quem recai as demandas da masculinidade. No inglês, assim como no português, se usa a primeira pessoa do plural, com a qual o general pedagogo se inclui como uma masculinidade em manutenção. No alemão, os soldados são pedagogizados por um superior cuja masculinidade é exemplar, implicada pelo tratamento dos soldados na segunda pessoa do plural, assim como em francês que trata os recrutas na segunda pessoa do singular, ou seja, falando a cada um deles, de forma imperativa. Em decorrência, entendo que o imperativo, a inclusão ou não do mestre na pedagogia, e a comparação são tipos de práticas discursivas que, nesta tradução, emergiram como gatilhos afetivos, que excitavam o discurso, deixando partes dele mais salientes.

Acho relevante apontar ainda como a linguagem, que reifica o gênero, é partidária da produção semiótica do tempo e espaço hegemônico: o tempo e espaço masculinista-capitalista, provendo exemplo empírico para a asserção de que “construções hegemônicas de tempo e espaço são essencialmente generificadas e sexualizadas” (HALBERSTAM, 2005HALBERSTAM, J. (2005) In a Queer Time and Place: Transgender Bodies, Subcultural Lives. New York, London: New York University Press., p. 8). Seria a tradução também essencialmente generificada e sexualizada? Low propõe que tradutores se concentrem no texto de destino e nas necessidades e expectativas do público-alvo em vez de se concentrar no texto de origem (2003, p. 101). E por que não, concentrando em nossas próprias necessidades? Por essa perspectiva, se torna uma provocação queer questionar: quais as necessidades e expectativas de um público infantil no que se refere à pedagogia de gênero? E quanto à abertura de um espaço e tempo discursivos queer, que como tais, são abertos a possibilidades de vida e exercícios de imaginação de futuridades mais éticas? O queer é uma política e poética de visibilidade da alteridade. Seria possível pensar esse traço em comum com a tradução?

Susan Bassnett endossa a provocação. Interessada nas marcas feministas na tradução, sugere que “a/o tradutor/a não é, e nunca poderia ser, um filtro transparente pelo qual um texto passa, mas sim uma fonte muito potente de energia criativa transicional” (BASSNETT, 2020BASSNETT, S. (2020) Escrevendo em terra de homem nenhum: questões de gênero e tradução. Cadernos de Tradução, v. 40, n. 1, p. 456-471, 1992, Tradução de Naylane Matos. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n1p456 .
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, p. 467). Embora meu desejo não seja prescrever políticas da tradução, penso que a presença da/o tradutor(a) (exceto da brasileira) nessas versões é invisibilizada pelos ideais de gênero, classe e sexualidade de uma empresa poderosa, que faz a presença dos tradutores se dissolver na forma como os ensinamentos de gênero são transmitidos pelas versões paralelas. Parece-me que o filtro transparente que constrange os tradutores da Disney, além de um respeito venerante ao texto fonte, vocaliza uma expectativa de universalidade para a experiência de gênero, a enclausurando no tempo e espaço normativo e excludente do binarismo, e sugerindo que a mensagem mais pulsante, aquela que Disney amplifica, é uma expectativa normativa de gênero convencionada por construções sintáticas, usos de pronomes e alegorias dos fenômenos viris da natureza - com exceção talvez da andrógina lua.

2.3 A lua e o lua

A tradução do predicado tocante à lua também pareceu obedecer a um persistente viés de gênero, refletido na morfologia da língua alvo. A tradução de gênero é questão relevante para a tradução (DÍAZ-DIOCARETZ, 1995). Nas línguas germânicas como alemão (em que lua tem um sentido masculino), e inglês (que apesar de morfologia de gênero pobre também tem um entendimento generificado do mundo), as características da lua foram atribuídas aos soldados: geheimnisvoll (cheio de segredos, misterioso) como “o” lua, ou misterioso como o dark side “do” lua. O verso alemão “geheimnisvoll zugleich (da mesma forma) so wie (assim como) der Mond” usa dupla comparação, o que me sugere uma tentativa fonética de aumentar o verso para caber no ritmo12 12 A tradução de canções apresenta desafios adicionais. Para Low (2016), há cinco critérios que devem ser considerados no processo de tradução de músicas, a saber, cantabilidade, sentido, naturalidade, ritmo e rima. . Será que não havia muito a dizer sobre o lua? Ou será que não havia fundamento cultural para equalizar a/o lua com a masculinidade? A tradução francesa escondeu no Oriente o incômodo da lua e sua feminilidade exótica na qualificação dos cadetes. E estabeleceu, como um atributo comparativo à masculinidade, não a lua em si, mas a secretude e mistério da noite enluarada do Oriente. Já no português, a incômoda feminilidade da lua é separada do soldado, como uma fonte de inspiração, uma musa que ilumine os passos e o destino daquele que doa seu corpo à pátria, alimentando a guerra. Ainda assim, a lua foi substituída pelo luar, um sinônimo precedido pelo artigo masculino, o que aponta para a relevância semântica da adequação entre gênero e gênero gramatical na experiência das línguas latinas. A lua é interessante para sugerir esse ponto de tensão para o gênero social: o gênero gramatical. Embora coisas diferentes, os gêneros sociais dependem em parte de uma coerente performance generificada na língua, como o uso de pronome e artigos na referenciação, o que denota claramente a importância da língua para sermos vistos e enunciadas com dignidade e respeito em nossos tempos e espaços sociopolíticos.

Para além da questão da linguagem, Leslie sugere que a própria Disney - que em 2023 celebra 100 anos - se comprometeu desde o começo do século XX com a apresentação de fábulas morais com caracterizações normativas de gênero e de comportamentos apropriados de classe. Halberstam, se baseando no trabalho de Leslie (2004)LESLIE, E. (2004) Hollywood Flatlands: Animation, Critical Theory and the Avant-Garde. New York: Verso., enfatiza que embora as produções tardias da Disney se emparelhem a uma narrativa de esperança e uma crítica estéril ao humanismo burguês, as animações da Disney foram pioneiras em se tornar uma mídia burguesa e seus ideais normativos classistas e policiadores de gênero “se tornaram, nos anos 30, a ferramenta favorita para a maquinaria de propaganda nazista.” (HALBERSTAM, 2011HALBERSTAM, J. (2011) The queer art of failure. Durham: Duke University Press., p. 22). A lua - ou “o” lua -, além de convidar a reflexão sobre a adequação gênero/corpo/linguagem e sobre o papel político da Disney no apagamento das falhas e na idealização do sucesso de gênero também lança luz sob o teto de vidro da masculinidade, perturbando o sono do macho, com uma luz insistente que penetra pelas frestas do discurso traduzido.

2.4 Falhas de gênero em Mulan

Nesta quarta e última parte da análise, se faz interessante a menção especial a Mulan durante a música, que assinalava a performance de masculinidade da heroína como especialmente problemática (Quadro 4). Criada como menina, Mulan esconde seu gênero, passando-se por Ping, no exército. É, porém, hostilizada por seus companheiros por não ser masculina o suficiente. O medo de ser descoberta guia toda a narrativa, e se faz vivo na única aparição da voz de Mulan (Quadro 3), numa canção entoada por vozes masculinas:

Quadro 3
O medo de “não passar por”.
Quadro 4
Todos se tornarão homens, menos você, Mulan.

Foi esse medo de não passar pelo gênero que me cabia, que me tocou na infância, pelo meu próprio pavor em fracassar performativamente como homem. Por outro lado, o medo de Mulan em ter revelado seu sexo designado no nascimento é equalizado com o medo de muitas travestis e mulheres trans de se traírem em suas performances de gênero e, consequentemente, serem expostas à violência simbólica e física da sociedade, pois a passabilidade é essencial para uma vida segura e aceita pela sociedade. Como Halberstam assinala em seu livro Female masculinity, historicamente as representações de corpos femininos ambiguamente generificados não são investidas de interesse político ou estético, como no camp13 13 O camp como elemento estético surge do feminino nos acampamentos militares. O termo remonta à prática de cross dressing entre soldados, mas tem larga aplicação na contemporaneidade, literatura e arte. Para uma discussão mais profunda sobre o camp como elemento estético, estratégia subjetiva e forma de temporalidade queer, ver os textos compilados por Cleto (1999). . Elas são consideradas o resultado de uma feminilidade fracassada ou de uma patética e mal-sucedida mímese masculina (HALBERSTAM, 1998HALBERSTAM, J. (1998) Female Masculinity. Durham: Duke University Press.). No mesmo livro, Halberstam propõe o corpo transgênero como uma forma de futuridade, a realização heroica de uma promessa de flexibilidade de gênero que está nas bases de qualquer igualdade e justiça de gênero e de língua.

Nesse sentido, o medo de Mulan não é injustificado. Na canção, o general se dirige especificamente a Mulan, ressaltando seu fracasso no treinamento, enquanto canta os versos do quadro 4 a seguir. Em todas as versões (com exceção do português brasileiro, que interpela coletivamente), há um trecho em que o general se refere especificamente a ela, ressaltando sua inferioridade como homem:

Como Mulan é uma mulher, é imperativo que ela falhe em sua performance de masculinidade para a Disney, pois esse seria seu destino “natural”. A falha é ressaltada em todas as versões (com exceção do português brasileiro, mais uma vez se imprimindo politicamente no texto pela diferença). E a falha de Mulan é agressivamente policiada para limitar o potencial de ação política do queer, aquele que desafia normas de gênero e que se lança à aventura de um tempo e espaço de possibilidades políticas ainda impensadas, e que por isso mesmo é mais “valente e forte” (versão francesa) do que todos aqueles que seguem o destino biológico do gênero. Os desenhos animados e todo o universo semiótico que ensejam com as traduções podem funcionar como metáforas que nos lembram da “violência que é inerente às tentativas de alterar o comportamento de outro ser.” (HALBERSTAM, 2011HALBERSTAM, J. (2011) The queer art of failure. Durham: Duke University Press., p. 35). E da violência que jaz na imposição de uma versão do sucesso, num mundo que falhou eticamente. Se baseando nas análises de Walter Benjamin sobre a Disney, Leslie sugere que seus “desenhos expõem o fato de que o que se mostra como civilização é, na verdade, barbarismo.” (2004, p. 83). Um barbarismo que insinua que humanismo não é para todos e que não há lugar para a reimaginação ética do mundo. Pelos olhos de Leslie (2004)LESLIE, E. (2004) Hollywood Flatlands: Animation, Critical Theory and the Avant-Garde. New York: Verso., o mundo da Disney é o contrário simétrico do tempo e espaço queer que propõe Halberstam, para quem o insignificante, o estranho, o inapto, a falha, o fracasso, a perda, o insucesso

produzem temporalidades alternativas permitindo aos sujeitos queer acreditar que seus futuros podem ser imaginados de acordo com lógicas que não se conformam aos marcadores paradigmáticos da experiência de vida - nomeadamente, nascimento, casamento, reprodução e morte. (HALBERSTAM, 2005HALBERSTAM, J. (2005) In a Queer Time and Place: Transgender Bodies, Subcultural Lives. New York, London: New York University Press., p. 2)

Embora a lenda de Mulan deixe ver que falhas de gênero podem ser recompensadas com amor (acolhimento pela família e irmãos na volta da guerra), reconhecimento (nas honras do imperador concedidas a Mulan), e com amizade (pois os colegas do exército se afeiçoam a Mulan e a visitam depois da guerra), as rachaduras queer são cimentadas na animação pelo laço matrimonial entre Mulan e o general, numa intertextualidade que remete ao Diadorim brasileiro, que por sua vez remete a um universo camp. A balada de Mulan narra justamente a beleza ética potencial das falhas de gênero e do fracasso, pois elas são possibilitadoras de existências, de narrativas, de formas de vida queer e de poesia. No, entanto, a Disney corrige as falhas de gênero de Mulan, entregando-a ao general em matrimônio. Qual o papel da tradução na correção dessas falhas para as crianças? Como espero ter evidenciado, tradução não tangencia apenas a linguagem, ela produz e reproduz expectativas sociais de gênero, de sucesso e de falha. As equivalências de sentidos tomadas como gatilhos afetivos sugerem um entendimento do texto fonte como transparente e universal, deixando não questionadas suas ideologias e a forma como afeta seus interlocutores, sendo passível de responsabilização pela propagação da realidade que descreve, pois o tradutor - ou equipe de tradutores invisibilizados, no caso da Disney - responde pelos textos que cria e pelos que decide deixar viver ou morrer. Bassnett pensa “a tradução e a escrita como interconectadas” no sentido de que “uma assegura a sobrevivência da outra.” (BASSNETT, 2020BASSNETT, S. (2020) Escrevendo em terra de homem nenhum: questões de gênero e tradução. Cadernos de Tradução, v. 40, n. 1, p. 456-471, 1992, Tradução de Naylane Matos. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n1p456 .
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[1992], p. 460). Se a re-escritura de um texto assegura sua sobrevivência, podemos pensar em textos que agonizam a morrer pela sua dificuldade de reinscrição num mundo ético. Seria possível considerar como uma faceta ética da prática de tradução, o engajamento crítico com os textos que prevemos, não apenas expandir, alterar, deixar marcas, mas, sobretudo, salvar? Será que salvando eticamente textos, também estamos praticando ética ou nas palavras de Foucault um “desejo livre de cuidar de nós mesmos e de outros” (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, M. (1984) A Ética do Cuidado de si como Prática da Liberdade. In: Ditos e Escritos. Rio de Janeiro: Forense Universitária.)? Eu penso que sim.

CONCLUSÃO

Uma atitude queer ativista frente à prática de tradução pode permitir ver que tradução frequentemente não é uma questão de língua. A tradução de I’ll make a man out of you, como espero ter convencido, se mostrou uma questão de pedagogia de gênero e de corpo, que projeta um destino de gênero ideal e apaga as incoerências e falhas que, ao nos diferenciar, nos constitui como humanos. Ademais, a análise nos confronta com o fato de que a tradução é - ou deveria ser - uma atividade intrinsecamente ética (GOODWIN, 2010GOODWIN, P. (2010) Ethical Problems in Translation: Why We Might Need Steiner After All, The Translator, v. 16, n. 1, p. 19-42. https://doi.org/10.1080/13556509.2010.10799292.
https://doi.org/10.1080/13556509.2010.10...
; BAKER, MAIER, 2011BAKER, M.; MAIER, C. (2011) Ethics in Interpreter & Translator Training Critical Perspectives. The Interpreter and Translator Trainer, v. 5, n.1, p. 1-14. https://doi.org/10.1080/13556509.2011.10798809.
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): ela é um ato de cuidado, mesmo - ou sobretudo - quando um ato de rebeldia. O projeto ético na tradução pode se nutrir das reflexões sobre afeto, pois é a capacidade linguística de afetar e ser afetado que está no centro da preocupação ética com o outro (SPINOZA, 2009SPINOZA, B. (1677) Ética. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2009. Tradução de Tomaz Tadeu. [1677]). Este artigo se dispõe a contribuir para a abertura de um espaço de reflexão que intersecciona ética, tradução, afeto e gênero como preocupação legítima de quem traduz.

Na canção em destaque, parte da trilha sonora indicada ao Oscar, existem algumas equivalências de sentidos de parecença etimológica que valem a pena ser ressaltadas como formas de traduzir ideais universais de gênero. A partir da observação dessas literalidades semânticas e gramaticais, descrevemos a semântica dos gatilhos afetivos, como uma pragmática, que de fato realiza alterações no mundo e em nossos corpos através de atos linguísticos. Consideramos os elementos da natureza repetidos paralelamente como uma tentativa de naturalizar sexo e gênero e como uma forma de excluir o não natural. A equalização de performances de gênero com símbolos de natureza e naturalidade podem possuir uma potência afetiva imponderável para a pedagogia e tem sido uma analogia fácil, cruel - e sempre simplificadora - da vida bios, como a vida psíquica, performativa, afetiva e subjetiva. É por isso que pedagogias de gênero são empregadas com tanta violência socialmente: para que o sentido universal do binarismo de gênero se mantenha intocado. A naturalização dos aspectos de gênero são frequentemente uma estratégia para riscar do mapa simbólico e das narrativas em tradução um lugar-tempo queer, no qual, se pode imaginar outras lógicas de estar no mundo coletivamente, de forma livre, e por isso apta a cuidar de si mesmo e dos outros como um compromisso político. Os lugar-tempo queer de fato não são de fácil tradução cultural, mas seus riscos valem a pena.

O artigo também convida a observar a forma violenta como o gênero masculino é policiado e pedagogizado desde idade muito tenra e a refletir sobre como essas violentas tentativas de alterar os percursos de um sujeito podem os obrigar à companhia do sofrimento por longos períodos de relembrança afetiva de língua. Linguisticamente, evidenciei como a efeminização pode ser performada pela sintaxe (imperativo, inclusão de si no enunciado), morfologia (diminutivo), e até alegoricamente (através de símbolos culturais e naturais). Ademais, desejo desse artigo é contribuir para uma perspectiva na tradução que valoriza a sensibilidade e o senso crítico quanto à transmissão de ideologias pela experiência semiótica, as quais funcionam como mecanismos de normalização social. Também cabe elogiar um envolvimento ético com o não apagamento das ínfimas e potentes resistências queer na língua, corpo, tempo e espaço. Nesse sentido, espero ter chamado a atenção para o papel da tradução no não apagamento de uma existência queer que desafia expectativas heterocapitalistas de sucesso: a longevidade, a reprodução, o casamento, o individualismo, o sucesso capital e o desempenho sem falhas do papel do gênero. São todas instituições em que está calcado um entendimento universal e desejável de normal. Mas não existe normal. Não por uma perspectiva ética. Bassnett propõe “a tradução como encontro holístico que é mútuo, prazeroso e respeitoso.” (2020, p. 469). Inspirado pela tradutora feminista, proponho este encontro como um encontro ético, queer e criativo, mas nunca um encontro normal, pois qualquer expectativa de normalidade subtrai o afeto do corpo e da letra, apaga as incoerências políticas e a diferença, e, por isso mesmo, não pode jamais ser respeitoso nem mutuamente prazeroso.

DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA

Os dados públicos que apoiam as conclusões deste estudo são propriedade intelectual da Disney, mas de circulação facilitada. O filme na íntegra pode ser assistido em seu canal. As versões da música referenciadas podem ser consultadas no Spotify, através dos links que seguem. Comme un homme: https://open.spotify.com/track/5g9E2 PkKFSVJAApILSrevP?si=glXjdNfhQhWwyGt0K17w0A. I’ll make a man out of you: https://open.spotify.com/track/28UMEtwyUUy5u0UWOVHwiI?si=Af9DOKphTCalhr6IiFyCdw. Sei ein Mann: https://open.spotify.com/track/3Tc82c77lfoy zT6wSNoTuu?si=ga-RvYC0RhOzCXIwhZa7TQ. E no youtube, Homem ser: https://www.youtube.com/watch?v=XKMDhlJdvBA..

  • Esse trabalho foi possibilitado pela FAPERJ, a quem manifesto minha gratidão pelo financiamento Pós-Doutorado Nota 10, processo SEI-260003/019705/2022.
  • 1
    Que a leitora mantenha em mente que para Spinoza (2009SPINOZA, B. (1677) Ética. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2009. Tradução de Tomaz Tadeu. [1677]) um afeto é o mesmo, quer seja imaginado, quer seja sentido.
  • 2
    Como o poema foi copiado muitas vezes ao longo dos séculos, é difícil apurar a exata data de origem, o exato texto e seu autor. Toda argumentação desse texto, se baseia na tradução ao inglês de Frankel (1976)FRANKEL, H. H. (1976) The Ballad of Mulan (Ode of Mulan) In: Frankel, H. H. The Flowering Plum and the Palace Lady: Interpretations of Chinese Poetry. New Haven: Yale University Press, p. 68-72. da Balada de Hua Mulan e também nas críticas apresentadas por Wang et al (2020)WANG, L.; HAN, B.; XU, G. (2020) Cultural Differences in Mulan between Chinese Version and Disney Version. Theory and Practice in Language Studies, v. 10, n. 10, p. 1332-1336, October. http://dx.doi.org/10.17507/tpls.1010.22.
    http://dx.doi.org/10.17507/tpls.1010.22...
    .
  • 3
    É importante sinalizar que a sexualidade de Mulan não interessa nem aqui nem ao queer. Embora queer seja popularmente sinonimizado com dissidentes sexuais, Halberstam se recusa a pensá-lo como uma existência marcada pela singularidade - sexual ou não. Ao contrário, o queer é “parte de um conjunto de tecnologias de resistência que incluem coletividade, imaginação, e um tipo de comprometimento situacionista com o surpreender e o chocar.” (HALBERSTAM, 2011HALBERSTAM, J. (2011) The queer art of failure. Durham: Duke University Press., 29). É esse sentido de queer que ilumina o texto, livre de qualquer interesse pelo desejo ou práticas sexuais da heroína chinesa.
  • 4
    Jack Halberstam (2011)HALBERSTAM, J. (2011) The queer art of failure. Durham: Duke University Press. usa a palavra awkwardness, de difícil tradução, mas que exprime uma existência sem lugar, inapta.
  • 5
    No texto em questão, Preciado pergunta à sociedade francesa que usa crianças como escudos anti-queer, se as crianças não-hétero também merecem ser protegidas. Sua atitude visa escancarar o pouco interesse da sociedade civil pelo bem-estar das crianças, em detrimento do seu desejo de doutrinar o mundo através de sua perspectiva heteronormativa.
  • 6
    Em In a queer time and space, Halberstam explica que queer “se refere a não-normativas lógicas e modos de organização da comunidade, identidade sexual, corporalidade e atividade no tempo e no espaço.” (2005, p. 6)
  • 7
    Políticas de corpos são afetivas como toda prática significativa e são pedagógicas pois educam corpos para agir em determinado enquadre cultural. A sexualidade ensinada e - por vezes coagida - talvez seja uma das pedagogias do corpo que mais gera ansiedade social.
  • 8
    Queerness é a qualidade do queer. De acodo com Jack Halberstam, “queerness tem o potencial de inaugurar novas narrativas de vida e relações alternativas com o tempo e o espaço” (2005, p.2).
  • 9
    Essa tradução me veio como memória perturbar o resto do meu dia. “Vou te fazer virar homem” foi uma ameaça que ouvi com diferentes efeitos perlocucionários ao longo da minha infância. Nessa minha “pragmática íntima” (POVINELLI, 2016POVINELLI, E. (2016) Pragmáticas íntimas: linguagem, subjetividade e gênero. Revista de estudos feministas, v. 24, n. 1, p. 205-237. Tradução De Joana Plaza Pinto. https://doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n1p205.
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    ), essa ameaça poderia ser presságio de dor física, ou abuso psicológico. Alguns versos da música foram difíceis de confrontar com proximidade.
  • 10
    Apesar de ter mantido a tradução literal, gostaria de reivindicar o fogo do inferno alemão como uma paráfrase de vulcão e lava muito corriqueira na mídia. O Frankfurter Rundschau publicou em janeiro de 2017 uma matéria chamada “Die Stadt auf dem Höllenfeuer” sobre o vulcão Nyriagongo no Congo. E o Der Spiegel publicou em 2009 “Nadeltische ins Höllenfeuer” título de uma matéria sobre vulcões, seus riscos e magnitude, só pra citar alguns exemplos.
  • 11
    “Sois” pode perfeitamente ser traduzido por “seja” no imperativo.
  • 12
    A tradução de canções apresenta desafios adicionais. Para Low (2016)LOW, P. (2016) Translating Song: Lyrics and Texts. London/New York: Routledge., há cinco critérios que devem ser considerados no processo de tradução de músicas, a saber, cantabilidade, sentido, naturalidade, ritmo e rima.
  • 13
    O camp como elemento estético surge do feminino nos acampamentos militares. O termo remonta à prática de cross dressing entre soldados, mas tem larga aplicação na contemporaneidade, literatura e arte. Para uma discussão mais profunda sobre o camp como elemento estético, estratégia subjetiva e forma de temporalidade queer, ver os textos compilados por Cleto (1999)CLETO, F. (1999) Camp: queer aesthetics and the performing subject. Ann Arbor: The University of Michigan Press..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2023
  • Aceito
    05 Ago 2023
  • Publicado
    16 Ago 2023
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