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Análise do sistema de produção agrícola de feijão no estado de São Paulo a partir do Levantamento das Unidades de Produção Agropecuária (LUPA)

Analysis of the bean agricultural production system in the state of São Paulo from a survey of agricultural production areas

Resumos

Resumo

Este trabalho teve por objetivo caracterizar e analisar aspectos sociais, econômicos, produtivos e tecnológicos sobre a cultura do feijão em dois períodos (2007/2008 e 2016/2017), a partir Levantamento das Unidades de Produção Agropecuária (LUPA). Destaca-se que a originalidade deste trabalho se deve ao fato de ser a primeira análise de dados quantitativos do LUPA para a caracterização do cultivo de feijão no Estado de São Paulo. Como resultados, observou-se em 2016/2017 que o cultivo de feijão esteve presente em 9.187 Unidades de Produção Agropecuárias (UPAs), totalizando uma área de 105.018 ha. Entre os dois anos agrícolas, esses indicadores apresentaram redução de 19,5% no número de UPAs e 2,0% na área cultivada. As reduções podem estar associadas à crise hídrica e oscilações de preços pagos aos produtores de feijão, que fizeram a opção por culturas mais rentáveis, como o milho e a soja. Fenômenos como escassez hídrica e falta de mão de obra provocaram aumento em áreas com cultivo irrigado e uso de colheita mecanizada. Em ambos os períodos, se observou que a maioria dos produtores apresentavam a área de seus imóveis de até quatro módulos fiscais e a renda obtida pela exploração agropecuária superior a 50% na composição da renda familiar, informações que podem caracterizar essa atividade como de agricultura familiar. Os resultados obtidos demonstraram a importância de bases de informações organizadas e sistematizadas para compreender tanto essa atividade agrícola quanto outras, além de permitir observar o processo de desenvolvimento da agropecuária no Estado de São Paulo.

Palavras-chave:
cultivo de feijão; leguminosa; cadeia de produtiva de feijão; censo agropecuário; Brasil


Abstract

This study is aimed to characterize and analyze social, economic, productive, and technological aspects of the bean crop in two periods of time (2007/2008 and 2016/2017) from the Survey of Agricultural Production Units (LUPA). This work is original since it is the first analysis of quantitative data from LUPA for the characterization of bean cultivation in the State of São Paulo. As a result, we can see in 2016/2017 that bean cultivation was present in 9,187 Agricultural Production Units (APUs), totaling an area of 105,018 ha. Between the two agricultural years, these indicators revealed a reduction of 19.5% in the number of APUs and 2.0% in the cultivated area. These reductions may be associated with the water crisis and fluctuations in prices paid to bean producers, who opted for more profitable crops, such as corn and soybeans. Circumstances such as water scarcity and lack of labor caused an increase in areas with irrigated cultivation and the use of mechanized harvesting. In both periods, most producers had up to four fiscal modules in their properties and the income obtained by farming was more than 50% of the composition of family income, information that can characterize this activity as family farming. The results obtained showed the importance of organized and systematized information bases to understand both the bean agricultural activity and others, in addition to allowing the observation of the process of agricultural development in the State of São Paulo.

Keywords:
bean cultivation; legume; bean production chain; agricultural census; Brazil


1. INTRODUÇÃO

Este trabalho teve como objetivo caracterizar e analisar aspectos sociais, econômicos, produtivos e tecnológicos sobre a cultura do feijão. Para tanto, foram explorados indicadores quantitativos de Unidades de Produção Agropecuária (UPA) que cultivavam feijão no Estado de São Paulo nos anos agrícolas 2007/2008 e 2016/2017, a partir de dados censitários do Levantamento das Unidades de Produção Agropecuária (LUPA), organizado e sistematizado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado. Trata-se da primeira consolidação de dados do LUPA para observar as transformações tecnológicas e de desenvolvimento dessa atividade econômica nas propriedades rurais paulistas.

A leguminosa feijão pertence ao gênero Phaseolus. As principais espécies cultivadas em todo o mundo são Phaseolus vulgaris L., P. lunatus L., P. coccineus L., P. acutifolius A. Gray var. Latifolius Freeman e P. polyanthus greenman (Singh, 2001Singh, S. (2001). Broadening the genetic base of common bean cultivars. Crop Science, 41(6), 1659-1675.). Essa leguminosa é cultivada para consumo humano na forma de grão seco ou vegetal fresco, sendo responsável por suprir a ingestão de uma alta proporção diária de proteínas em muitas regiões, como América Latina, África e partes da Ásia. Além de se destacar como proteína vegetal, esse grão é rico em carboidratos complexos, fibra alimentar, vitaminas do complexo B e minerais como Ca, Mg, K, Cu, Fe, Mg e Zn (Hartmann & Siegrist, 2017Hartmann, C., & Siegrist, M. (2017). Consumer perception and behaviour regarding sustainable protein cosnumption. Trends in Food Science & Technology, 61, 11-25.; Domene et al., 2021Domene, S., Ghedini, N., & Steluti, J. (2021). Importância nutricional do arroz e do feijão. In C. Ferreira & J. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 147-163). Brasília: Embrapa.). De igual importância, ao ser cultivado, o feijão aumenta a fertilidade dos solos por possuir alta capacidade de fixação de nitrogênio, tornando-se um plantio que favorece à sustentabilidade de sistemas agroalimentares (Magrini et al., 2019 Magrini, M., Cabanac, G., Lascialfari, M., Plumecocq, G., Amiot, M., Anton, M., Arvisenet, G., Baranger, A., Bedoussac, L., Chardigny, J., Duc, G., Jeuffroy, M., Journet, E., Juin, H., Larré, C., Leiser, H., Micard, V., Millot, D., Pilet-Nayel, M., Nguyen-Thé, C., Salord, T., Voisin, A., Walrand, S., & Wery, J. (2019). Peer-reviewed literature on grains legume species in the WoS (1980-2018): a comparative analysis of soybean and pulses. Sustainability, 11(23), 6833.).

O feijão é um alimento básico no prato da população brasileira (Souza & Ferreira, 2021Souza, I., & Ferreira, C. (2021). Aspectos históricos-culturais do arroz e do feijão na sociedade brasileira. In C. Ferreira & J. A. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 47-70). Brasília: Embrapa.), sendo amplamente consumido por diversas classes sociais, especialmente nas classes de menor poder aquisitivo (Coelho & Valcacer-Coelho, 2021Coelho, C., & Valcacer-Coelho, A. E. (2021). O padrão do consumidor de arroz e feijão do estado de Goiás. In C. Ferreira & J. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 71-80). Brasília: Embrapa.). Esse consumo vai além da preferência por um alimento com alto valor nutricional (Melendrez-Ruiz et al., 2021Melendrez-Ruiz, J., Claret, A., Chambaron, S., Arvisenet, G., & Guerrero, L. (2021). Enhancing assessment of social representations by comparing groups with diffrent cultural and demographic characyeristics: a case study on pulses. Food Quality and Preference, 92, 104188.), para o caso brasileiro, é um hábito, com fortes raízes históricas, que remonta ao século XVI com o consumo pelos povos indígenas (Souza & Ferreira, 2021Souza, I., & Ferreira, C. (2021). Aspectos históricos-culturais do arroz e do feijão na sociedade brasileira. In C. Ferreira & J. A. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 47-70). Brasília: Embrapa.). Fato que pode estar relacionado à constatação de ser uma espécie que tem um dos seus centros de origem a América do Sul (Bezerra et al., 2022Bezerra, L. M. C., Fredo, C. E., Chiorato, A. F., & Carbonell, S. A. M. (2022). Century of common beans: bibliometrics and scientific production. Cadernos de Ciência & Tecnologia, 39(1), e26949. ; Chiorato et al., 2018Chiorato, A. F., Reis, L. B., Bezerra, L. M. C., & Carbonell, S. A. M. (2018). Global vision on common bean breeding cultivars. In R. Campos-Vega, P. Bassinello & B. Oomah (Eds.), Phaseolus vulgaris: cultivars production and uses (pp. 27-68). Nova York: Nova Science Publishers.).

O consumo do grão de feijão cozido no Brasil é anterior à chegada dos europeus e já era costume dos povos nativos, contudo, é com os portugueses que se passou a acrescentar temperos e carnes em seu preparo, a exemplo de linguiças (Souza & Ferreira, 2021Souza, I., & Ferreira, C. (2021). Aspectos históricos-culturais do arroz e do feijão na sociedade brasileira. In C. Ferreira & J. A. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 47-70). Brasília: Embrapa.). Durante todo período da colonização e no início do Império (1.500 a 1.822), o consumo de feijão aumentou gradualmente e de forma desigual pelo território brasileiro, passando a ser consumido a partir do século XIX em larga escala, principalmente em conjunto com a farinha de mandioca (Souza & Ferreira, 2021Souza, I., & Ferreira, C. (2021). Aspectos históricos-culturais do arroz e do feijão na sociedade brasileira. In C. Ferreira & J. A. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 47-70). Brasília: Embrapa.) e carne suína. Uma das hipóteses apontadas para justificar o crescimento do consumo é o fato de que o feijão proporciona uma sensação de saciedade após a refeição, ao passo que era considerado saboroso (Souza & Ferreira, 2021Souza, I., & Ferreira, C. (2021). Aspectos históricos-culturais do arroz e do feijão na sociedade brasileira. In C. Ferreira & J. A. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 47-70). Brasília: Embrapa.), além de ser barato. Essa combinação é perfeita para complementar as necessidades nutricionais e energéticas para uma população de baixa renda.

No Brasil, o tipo de feijão consumido, especialmente no século XX, variava conforme a suscetibilidade da espécie com o clima local (Souza & Ferreira, 2021Souza, I., & Ferreira, C. (2021). Aspectos históricos-culturais do arroz e do feijão na sociedade brasileira. In C. Ferreira & J. A. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 47-70). Brasília: Embrapa.), como o exemplo do feijão fradinho (Vigna unguiculata) que é amplamente cultivado e consumido na região Nordeste, mas possui um consumo restrito em outras regiões brasileiras (Carbonell et al., 2021Carbonell, S., Chiorato, A., & Bezerra, L. (2021). A planta e o grão do feijão e as firmas de apresentação aos consumidores. In C. Ferreira & J. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 101-116). Brasília: Embrapa.).

A globalização alterou o padrão de consumo de feijão, assim como de outros alimentos; os consumidores passaram a priorizar alimentos ultraprocessados, que apresentam baixo tempo de preparo, em detrimento aos in natura (Ferreira, 2021Ferreira, C. (2021). Movimento “Arroz e feijão: a comida do Brasil” - proposta para valorização da tradicional alimentação. In C. Ferreira & J. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 15-30). Brasília: Embrapa.). Outro fator importante é o acesso a outros tipos de culinária, como a japonesa e italiana, em refeições fora de casa (Souza & Ferreira, 2021Souza, I., & Ferreira, C. (2021). Aspectos históricos-culturais do arroz e do feijão na sociedade brasileira. In C. Ferreira & J. A. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 47-70). Brasília: Embrapa.), principalmente nas classes com maior poder aquisitivo (Coelho & Valcacer-Coelho, 2021Coelho, C., & Valcacer-Coelho, A. E. (2021). O padrão do consumidor de arroz e feijão do estado de Goiás. In C. Ferreira & J. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 71-80). Brasília: Embrapa.). Tais aspectos promoveram uma diversificação de cardápios e, por isso, uma redução do consumo de feijão.

Adicionalmente a esses fatos, os hábitos alimentares recebem influência midiática (filmes, séries televisivas, mídias sociais, dentre outras), como a americana em relação ao consumo de pizzas e hambúrgueres em substituição ao prato tradicional composto por arroz e feijão (Ferreira, 2021Ferreira, C. (2021). Movimento “Arroz e feijão: a comida do Brasil” - proposta para valorização da tradicional alimentação. In C. Ferreira & J. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 15-30). Brasília: Embrapa.). As mídias sociais, por vezes, incentivam ou não o consumo de feijão. Ferreira (2021)Ferreira, C. (2021). Movimento “Arroz e feijão: a comida do Brasil” - proposta para valorização da tradicional alimentação. In C. Ferreira & J. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 15-30). Brasília: Embrapa. destaca o papel de comunidades virtuais relacionadas às temáticas de saúde e fitness, que relacionam o consumo do feijão com ganho de peso, criando uma imagem negativa deste alimento. De outra forma, pode-se observar ações em mídia virtual que favorecem o consumo de feijão por apresentar benefícios à saúde devido a sua importante composição nutricional (Souza & Ferreira, 2021Souza, I., & Ferreira, C. (2021). Aspectos históricos-culturais do arroz e do feijão na sociedade brasileira. In C. Ferreira & J. A. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 47-70). Brasília: Embrapa.). Nesse sentido, o feijão vem se destacando em diferentes tipos de dietas especiais e funcionais, como vegetarianismo, veganismo e dietas étnicas (Carbonell et al., 2021Carbonell, S., Chiorato, A., & Bezerra, L. (2021). A planta e o grão do feijão e as firmas de apresentação aos consumidores. In C. Ferreira & J. Barrigossi (Eds.), Arroz e feijão: tradição e segurança alimentar (pp. 101-116). Brasília: Embrapa.).

A cultura do feijão está presente em diversos países no mundo, tanto em produção quanto em consumo. Em 2019, segundo dados disponibilizados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAOFood and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2019). Recuperado em 15 de março de 2022, de https://www.fao.org/faostat/en/#home
https://www.fao.org/faostat/en/#home...
, em inglês), 91 países produziram ao menos uma tonelada e 151 países consumiram feijão. Ainda, de acordo com os dados da FAO para o mesmo ano, o Brasil foi o terceiro maior produtor mundial, com 2,9 milhões de toneladas, atrás apenas de Índia e Myanmar, com 5,3 milhões de toneladas e 3,0 milhões de toneladas, respectivamente. Entretanto, em termos de consumo anual, o Brasil estava em oitavo, com 12,7 quilos per capita. Os três maiores consumidores nesta métrica são Ruanda, com 34,8 quilos per capita, Burundi, com 25,0 quilos per capita, e El Salvador, com 16,9 quilos per capita (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2019).

Para o caso brasileiro, o consumo de feijão ocorre por todo território, com significativas diferenças de acordo com a região. Os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2008-2009 mostram que o Nordeste, por exemplo, é a região que mais consome feijão por habitante, mais de 12 quilos per capita ao ano, enquanto a região Sul consome 6,1 quilos per capita ao ano (Wander & Chaves, 2011Wander, A., & Chaves, M. (2011, outubro 16-19). Consumo per capita de feijão no Brasil de 1998 a 2010: uma comparação entre consumo aparente e consumo domiciliar. In Congresso Nacional de Pesquisa de Feijão (pp. 1-4). Goiânia: Embrapa Arroz e Feijão.). Os dados também demonstram que os estados que se destacam no consumo são Ceará (15,4 quilos per capita), Rio Grande do Norte (14,3 quilos per capita) e Piauí (13,6 quilos per capita); e os estados que possuem menor consumo são Santa Catarina (4,3 quilos per capita), Rio Grande do Sul (5,9 quilos per capita) e Roraima (6,1 quilos per capita) (Wander & Chaves, 2011Wander, A., & Chaves, M. (2011, outubro 16-19). Consumo per capita de feijão no Brasil de 1998 a 2010: uma comparação entre consumo aparente e consumo domiciliar. In Congresso Nacional de Pesquisa de Feijão (pp. 1-4). Goiânia: Embrapa Arroz e Feijão.).

Em relação ao cultivo de feijão, dados da safra de 2019/2020 disponibilizados pela Companhia Nacional de Abastecimento (2021)Companhia Nacional de Abastecimento. (2021). Acompanhamento da safra brasileira de grãos - safra 2020/21. Brasília: Companhia Nacional de Abastecimento. apontam a região Nordeste com a maior área de plantio, com mais de 1,5 milhão de hectares, enquanto as regiões Sul e Sudeste apresentam menos de 500 mil hectares neste período. Em termos de produção, o estado do Paraná se destacou com 580 mil toneladas neste período, seguido por Minas Gerais e Bahia, com 563 mil toneladas e 387 mil toneladas, respectivamente. A região Nordeste apresenta uma produtividade inferior às regiões Sul e Sudeste, com menos de 0,6 toneladas por hectare, enquanto o Sudeste se destaca com uma produtividade de 1,7 tonelada e o Sul com 1,5 tonelada por hectare.

2. MATERIAL E MÉTODO

Para cumprir o objetivo deste trabalho, foram utilizadas duas edições do Levantamento das Unidades de Produção Agropecuárias (LUPA) que consideram os anos agrícolas 2007/2008 e 2016/2017 (São Paulo, 2009, 2019). As informações foram organizadas, selecionadas e consolidadas por meio do software MS Office-Access. Essa base de dados possibilitou a geração de mapas temáticos sobre a cultura do feijão por meio do software QGis.

O LUPA, que ocorre com intervalos aproximados de dez anos entre cada edição, tem por objetivo levantar, organizar, consolidar e disponibilizar informações censitárias a respeito do setor agropecuário paulista e é coordenado pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) e Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), pertencentes à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Os dados disponibilizados pelo LUPA permitem análises para subsidiar o setor público e privado no acompanhamento e monitoramento dos agronegócios, seja pela dinâmica de ocupação do solo por diferentes atividades agropecuárias, como também pelos aspectos de adoção tecnológica dos produtores rurais do Estado (Martins et al., 2019Martins, V. A., Caser, D. V., Angelo, J. A., Coelho, P. J., & Torres, A. J. (2019). Levantamento censitário por unidades de produção agropecuária 2016/17. Informações Econômicas, 50, 1-41.). As informações disponibilizadas pelo LUPA são obtidas a partir do recenseamento de todas as unidades de produção agropecuária (UPAs) do estado de São Paulo, definidas como “a) conjunto de propriedades agrícolas contíguas e pertencente ao(s) mesmo(s) proprietário(s); b) localizadas inteiramente dentro de um mesmo município, inclusive dentro do perímetro urbano; c) com área total igual ou superior a 0,1ha; d) não destinada exclusivamente para lazer.” (São Paulo, 2009São Paulo. (2009). Projeto LUPA 2007/08: censo agropecuário do estado de São Paulo. São Paulo: IEA.).

Para este trabalho, o objeto de análise é o conjunto de UPAs que cultivavam feijão em São Paulo nos anos agrícolas de 2007/2008 e 2016/2017. Foram considerados microdados de unidades que realizaram o plantio de feijão dos seguintes tipos: ”Feijão”, “Feijão-adzuki (ou azuki)”, “Feijão-de-corda”, “Feijão-de-lima”, “Feijão-guandu (ou guandu, ou andu)”, “Feijão-vagem (ou vagem, ou feijão-verde)”.

A partir desse recorte, foram selecionados dois conjuntos de indicadores. O primeiro com a finalidade de caracterizar a UPA e o produtor rural, que abordou indicadores como: número total de UPAs; área total das UPAs representando sua estrutura fundiária; uso do solo agrícola; renda agropecuária; nível de instrução do produtor agropecuário e seu local de residência. O segundo conjunto, com intuito de caracterizar o cultivo do feijão, analisou os seguintes indicadores: área total cultivada com feijão; distribuição de área por estratos; uso de mão de obra familiar, permanente e temporária; uso de irrigação, colheita manual, colheita mecanizada e plantio direto e; a distribuição de área de cultivada e o número de UPAs com feijão por Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDR).

3. RESULTADO E DISCUSSÕES

Conforme destacado na seção que tratou do material e método, os resultados e as discussões estão organizados em duas subseções. A primeira, com base em indicadores selecionados, apresenta a caracterização geral das UPAs que cultivavam feijão nos anos agrícolas de 2007/2008 e 2016/2017. A segunda, que considerou o mesmo período de análise, discute indicadores específicos de áreas de cultivo de feijão em UPAs selecionadas.

3.1 CARACTERIZAÇÃO DAS UPAS COM CULTIVO DE FEIJÃO, 2007/2008 E 2016/2017

Nos anos agrícola de 2007/2008 e 2016/2017, foram recenseadas um número de 324.601 e 339.442 UPAs em São Paulo, respectivamente, segundo informações do LUPA. Essas UPAs totalizaram 20,5 milhões de hectares em 2007/2008 e 20,3 milhões de hectares em 2016/2017, o que evidencia uma estabilidade na área total entre os dois períodos. No entanto, houve aumento no número de UPAs entre os dois levantamentos. Segundo Martins et al. (2019)Martins, V. A., Caser, D. V., Angelo, J. A., Coelho, P. J., & Torres, A. J. (2019). Levantamento censitário por unidades de produção agropecuária 2016/17. Informações Econômicas, 50, 1-41., ocorreu diminuição de propriedades em estratos de área superior a mil hectares, aumentando o número de UPAs em estratos de áreas menores.

Em 2007/2008, eram 11.406 UPAs com cultivo de feijão, representando uma área total de 788.821 ha1 1 Esse resultado equivale à soma total de áreas dos imóveis que considera benfeitorias, explorações agrícolas, pastagens e outros usos de solo (São Paulo, 2009, 2019). e 3,5% do total de UPAs em São Paulo. No segundo período, 2016/2017, houve diminuição no número de UPAs em relação ao anterior, totalizando 9.187 unidades e 609.449 ha de área total, equivalente a 2,7% do total de UPAs recenseadas com plantio de feijão no último período. A diminuição tanto do número de UPAs com cultivo de feijão quanto da área em hectares pode indicar que produtores desistiram de cultivar feijão por instabilidade de preços, substituição por outras culturas mais rentáveis ou melhor adaptadas aos ambientes de produção, dentre outros motivos.

A Tabela 1 apresenta a Estrutura Fundiária das UPAs com cultivo de feijão em São Paulo para os dois períodos e permite observar que a maioria das unidades agrícolas permaneceram entre 10ha e 50ha (46% do total de UPAs com feijão) em ambos os levantamentos. Essa informação pode ser relacionada com a identificação de propriedades que podem ser caracterizadas como de agricultura familiar, considerando que um dos requisitos2 2 Para atender à classificação da agricultura familiar, outros requisitos devem ser observados como a renda obtida pelo imóvel rural, a gestão do imóvel ser do produtor rural e seus familiares e a utilização da mão-de-obra seja predominantemente familiar (Brasil, 2006). de enquadramento no Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) é que área cultivada pela família seja inferior a quatro módulos fiscais (Brasil, 2006Brasil. (2006, julho 25). Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006. Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 22 de março de 2022, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/?Ato2004-2006/2006/Lei/L11326.htm
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). Ou seja, UPAs com área inferior a quatro módulos fiscais atenderam a esse critério e poderiam ser enquadradas como unidades de produção familiar. Assim, no levantamento 2007/2008, observou-se um total de 9.315 UPAs (81,7%) que atenderam a esse requisito. Já no ano agrícola de 2016/2017, observou-se o registro de 7.824 unidades (85,2%) que também ficaram dentro do limite de quatro módulos fiscais. Ao se considerar apenas o aspecto de tamanho do imóvel, já é possível ter uma dimensão que as UPAs com feijão sejam classificadas como de agricultura familiar.

Tabela 1
Estrutura Fundiária das UPAs com Cultivo de Feijão, Estado de São Paulo, 2007/2008 e 2016/2017.

Com a diminuição do número de UPAs e do total de área dos imóveis rurais, a ocupação do solo também apresentou variações nas categorias de uso do solo agrícola. Significativamente, as maiores reduções ocorreram em pastagem e vegetação natural (Tabela 2). Novamente, tais reduções podem ter sua explicação na diminuição do número de UPAs com cultivo de feijão entre os dois levantamentos avaliados. Fato a ser mencionado é que no levantamento de 2007/2008, a pastagem era a principal categoria em ocupação de área, com 36,1% do total de área dos imóveis rurais, seguida da categoria de culturas temporárias com 31,6%. Ao observar os resultados em 2016/2017, houve inversão de posições, com a categoria de culturas temporárias representando 44,7%, seguida pelas pastagens com 23,0%. Tal alteração demonstra a importância das atividades agrícolas com culturas temporárias para o agronegócio paulista frente às atividades de pecuária.

Tabela 2
Ocupação do Solo nas UPAs com Cultivo de Feijão, Estado de São Paulo, 2007/2008 e 2016/2017.

A respeito da renda agropecuária obtida pelas UPAs com explorações agrícolas e pecuárias na composição geral da renda familiar, observou-se que, devido à diminuição do número de unidades entre os dois levantamentos, todos os estratos de renda apresentaram queda. No entanto, a renda obtida com explorações agropecuárias na composição da renda familiar ainda é a principal, como pode-se observar no ano agrícola de 2007/2008 quando 40,8% das UPAs concentravam-se no estrato de renda acima de 74%; em 2016/2017, essa participação relativa sobe para 44,7% (Tabela 3). Mais ainda, em ambos os levantamentos, a importância do imóvel rural na renda familiar era de 55,6% em 2007/2008 e 62,8% em 2016/2017.

Tabela 3
Participação da Renda agropecuária das UPAs sobre Renda Familiar, Cultivo de Feijão, Estado de São Paulo, 2007/2008 e 2016/2017.

Tais aspectos demonstram que a agropecuária se constitui como principal fonte de renda para os produtores rurais que cultivavam feijão nesses períodos, que a complementam com outros tipos de trabalho seja na própria área rural ou urbana. Ao se refletir sobre o enquadramento desses produtores na agricultura familiar, o PRONAF apenas exige que se “[...] tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento [...]”; sem revelar qual é esse mínimo percentual, os dados mostram que os produtores com cultivo de feijão atendem esse requisito (Brasil, 2006Brasil. (2006, julho 25). Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006. Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 22 de março de 2022, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/?Ato2004-2006/2006/Lei/L11326.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/?At...
).

Sobre o nível de instrução dos responsáveis pelas UPAs que cultivavam feijão nos anos agrícolas de 2007/2008 e 2016/2017, observou-se melhora significativa do nível educacional formal. Houve redução de 42,8% dos produtores sem instrução e alfabetizados (não formalizado) entre os dois levantamentos, promovendo, consequentemente, uma elevação em outras categorias educacionais, a saber, o ensino fundamental (aumento de 56,2%) e ensino médio (aumento de 9,4%) (Tabela 4). Tais aspectos são importantes, pois a elevação do nível educacional formal dos produtores se relaciona positivamente com treinamentos, atividades de capacitação e extensão rural oferecidos tanto pelo setor público quanto privado.

Tabela 4
Nível de Instrução dos Produtores Rurais nas UPAs com Cultivo de Feijão, Estado de São Paulo, 2007/2008 e 2016/2017.

Apesar da redução do número de UPAs entre os dois levantamentos, a participação relativa do número de produtores rurais que residiam nas propriedades rurais não foi alterada. Em sua maioria e em ambos os levantamentos, 56,4% dos produtores residiam nas UPAs em 2007/2008 e, em 2016/2017, 55,2%.

3.2 CARACTERIZAÇÃO DAS ÁREAS DE PLANTIO DE FEIJÃO EM SÃO PAULO, 2007/2008 E 2016/2017

Ao comparar os dois períodos censitários, observou-se que a área total cultivada com feijão em São Paulo passou de 106.665 ha (2007/2008) para 105.018 ha (2016/2017), indicando variação negativa de 2%, e o número de UPAs apresentou uma redução de 19%. A tendência de queda de área plantada para São Paulo foi observada por Vicente et al. (2000)Vicente, J. R., Gonçalves, J. S., Souza, S. A., & Almeida, L. D. (2000). Impactos da geração de tecnologia pela pesquisa paulista: o caso do feijão carioca. Agricultura em São Paulo, 47(2), 41-51. desde o ano de 1983. A diminuição do número de UPAs e a manutenção da área cultivada, ao considerar que o valor de 2% é muito pequeno, podem ser explicadas pela observação dos dados distribuídos por estratos de área, os quais demonstraram uma redução do número de UPAs e área nos intervalo de 0 ha - 50 ha e crescimento entre 50 ha - 200 ha (Tabela 5). Esse resultado pode ser considerado um processo de concentração da produção de feijão no período estudado em São Paulo, que também foi observado por Pelegrini et al. (2017)Pelegrini, D., Bezerra, L., & Hasparyk, R. (2017). Dinâmica da produção de feijão no Brasil: progresso técnico e fragilidades. Informe Agropecuário, 38(298), 84-91. ao avaliar a evolução da área plantada de feijão no Brasil entre os períodos de 1976/1977 e 2014/2015. No caso de São Paulo, esse processo de concentração pode estar relacionado com a diminuição do uso de mão de obra e crescimento de áreas com colheita mecanizada e irrigação, conforme a análise desses indicadores mais à frente.

Tabela 5
Tamanho de área de cultivo de feijão (ha) e número de UPAs, Estado de São Paulo, 2007/2008 e 2016/2017.

As Figuras 1 e 2 apresentam a distribuição das áreas cultivadas com feijão por EDRs em São Paulo. A comparação entre os dois mapas permitiu observar que houve uma mudança na distribuição espacial do cultivo da cultura.

Figura 1
Distribuição de área de plantio de feijão por Escritórios de Desenvolvimento Rurais, Estado de São Paulo, 2007/2008.
Figura 2
Distribuição de área de plantio de feijão por Escritórios de Desenvolvimento Rurais, Estado de São Paulo, 2016/2017.

No ano agrícola de 2007/2008 (Figura 1), ao observar-se os estratos de área de plantio de feijão, identificou-se o protagonismo das EDRs de Itapeva, Itapetininga e Avaré, que apresentaram, individualmente, uma área total acima de 1.000 ha. Notou-se também que EDRs limítrofes aos estados de Minas Gerais e Paraná, com exceção de Franca, Jales e Fernandópolis, apresentaram áreas de cultivo entre 501 ha e 1.000 ha. A proximidade destas EDRs com os principais estados produtores de feijão no Brasil pode caracterizar estas áreas como uma região de maior tradição de produção deste grão no estado de São Paulo. Observação válida também para a espacialização do cultivo de feijão em 2016/2017 (Figura 2).

As informações sobre o ano agrícola de 2016/2017 mostraram que as EDRs que se destacaram em termos de área de plantio (acima de 1.000 ha) passaram a ser Mogi das Cruzes e Presidente Prudente. Outras EDRs que também estavam presentes nessas regiões limítrofes aos estados de Minas Gerais e Paraná continuam com áreas no estrato de 501 ha a 1.000 ha, como observado em 2007/2008. Contudo, ao comparar as Figuras 1 e 2, algumas EDRs reduziram suas áreas de plantio, como foi o caso de Avaré, que passou de acima de 1.000 ha para até 100 há, Pindamonhangaba e Mogi Mirim, que também passaram para este mesmo estrato de área. Possivelmente, essa alteração é devida à substituição do cultivo de feijão por culturas como soja e milho, consideradas mais rentáveis pelos produtores rurais. Outros pontos também corroboram com essa mudança de espacialidade do cultivo de feijão. Um deles foi crise hídrica que afetou o estado de São durante o período de 2013 a 2015 (Instituto Agronômico de Campinas, 2014Instituto Agronômico de Campinas. (2014). O Agronômico: boletim técnico-informativo do Instituto Agronômico. Campinas: Instituto Agronômico de Campinas., 2015Instituto Agronômico de Campinas. (2015). O Agronômico: boletim técnico-informativo do Instituto Agronômico. Campinas: Instituto Agronômico de Campinas.), que refletiu na queda da produção, dado que o estado de São Paulo tem maior especialidade no cultivo de feijão na safra das águas3 3 Estatísticas da produção paulista (Instituto de Economia Agrícola, 2022a) apontam que o feijão das águas ainda possui a maior área de plantio em São Paulo, representando 57,3 mil hectares em 2019. , o que retirou do cenário produtores de feijão, dando lugar ao cultivo de espécies menos suscetíveis ao estresse hídrico, a exemplo de soja e milho.

A saber, os dados do LUPA permitiram observar que as culturas do milho e soja também foram cultivadas pelos produtores de feijão. A soja estava presente em 35.999,5 ha em 2007/2008, expandindo para 139.532,1 ha em 2016/2017, aumento significativo de 287,6% registrado nas UPAs com cultivo de feijão. Já o milho apresentou estabilidade na área cultivada em relação aos dois levantamentos, 135.511 ha em 2007/2008 e 140.213,2 ha na em 2016/2017, aumento de 3,5% no período.

A instabilidade no preço pago ao produtor pela saca de feijão também favoreceu a opção por outros cultivos4 4 A saber, dados do Instituto de Economia Agrícola (Instituto de Economia Agrícola, 2022b) mostram que o preço do feijão desde 2007 apresentou oscilações, chegando ao valor mínimo de R$50,63/saca de 60kg em janeiro de 2010. O melhor preço conseguido pelos agricultores ocorreu em junho de 2016 (R$491,00/saca de 60kg), porém nos meses seguintes, esse preço apresentou quedas contínuas, chegando a uma redução de 75% em menos de dois anos pela série histórica, reforçando o aspecto de oscilação. Somente a partir de 2018, observa-se tendência de crescimento no preço recebido. . Ademais, as áreas de plantio localizadas em EDRs próximas à região metropolitana da cidade de São Paulo, nos dois períodos apresentados nas Figuras 1 e 2, concentraram o cultivo de feijão, provavelmente devido à localização de importantes indústrias empacotadoras nestas regiões.

Ocorreu uma diminuição do número de mão de obra familiar (-21%), permanente (-37%) e temporária (-12%). A redução do uso de trabalho familiar está associada à redução do número de UPAs entre os estratos de área de 0h - 50h, que pode ser representativo da agricultura familiar (conforme observado na Tabela 5). A redução do uso de permanente e temporária pode ser relacionada com a elevação do custo de mão de obra contratada e valor pago pela diária, bem como com o maior uso de mecanização (Tabela 6). A tendência de queda no número da população ocupada na área rural brasileira também foi identificada por Garcia (2014)Garcia, J. R. (2014). Trabalho rural: tendências em face das transformações em curso. In A. M. Buainain, E. Alves, J. M. Silveira & Z. Navarro (Eds.), O mundo rural no Brasil do século 21: a formação de um novo padrão agrário e agrícola (pp. 559-589). Brasília: Embrapa. a partir de dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad).

Tabela 6
Tecnologias Utilizadas no Cultivo de Feijão, Estado de São Paulo, 2007/2008 e 2016/2017.

Dados das estatísticas da produção paulista disponibilizadas pelo IEA, Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo (Instituto de Economia Agrícola, 2022aInstituto de Economia Agrícola. (2022a). Recuperado em 21 de março de 2022, de http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/Bancodedados.php
http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out...
) apresentam informações de área e produção para o cultivo de feijão das águas, da seca, de inverno sem irrigação e de inverno com irrigação. Essas informações permitiram observar um ganho de eficiência produtiva nas três safras (feijão das águas, feijão de seca, feijão de inverno sem irrigação e feijão de inverno com irrigação), que apresentava um rendimento médio de 0,8 t/ha em 1993 e 2,31 t/ha em 2019. Esse resultado é devido ao aumento expressivo da produtividade do feijão irrigado de 0,67 t/ha em 1993 para 2,71 t/ha em 2019. Resultados que podem ser relacionados ao crescimento da área de cultivo irrigada de feijão (30%), ao aumento da colheita mecanizada (37%) e, consequentemente, à redução de 48% na área colhida de forma manual. Cenário também representativo do progresso técnico observado no cultivo de feijão por Pelegrini et al. (2017)Pelegrini, D., Bezerra, L., & Hasparyk, R. (2017). Dinâmica da produção de feijão no Brasil: progresso técnico e fragilidades. Informe Agropecuário, 38(298), 84-91. para estados da região Centro-Sul brasileira. Colaborando com a melhoria no indicador de rendimento produtivo, o uso de plantio direto também mostrou evolução positiva, passando de uma área de 48.026 ha para 66.263 ha. Esse ganho de eficiência produtiva, associada ao uso de irrigação, mecanização e plantio direto, certamente influenciou a redução do número da população ocupada no cultivo de feijão em São Paulo, conforme apresentado.

4. CONCLUSÕES

Um primeiro ponto a ser destacado é a importância de levantamentos estatísticos organizados e sistematizados, como foi o caso do LUPA utilizado neste trabalho. Por meio de bases de informação, é possível extrair um conjunto de variáveis que permitem delinear e analisar o objeto pesquisado, como foi o caso do cultivo de feijão. O LUPA não apenas dimensiona o número de UPAs e total de área cultivada no Estado de São Paulo, mas também traz variáveis que permitem compreender questões sociais, econômicas e tecnológicas, temas abordados nesse trabalho sobre as UPAs que cultivavam feijão e sua inserção em complexos agroindustriais.

Em aspectos gerais, a área com cultivo de feijão sofreu pequena redução, indicando uma tendência de estabilização em São Paulo. Por outro lado, ocorreu uma redução considerável (de 19%) no número de UPAs. Tal constatação pode estar relacionada ao aumento de UPAs em estratos de área entre 50 ha a 500 ha, que reflete um processo de concentração de áreas em produtores mais capitalizados, com maior capacidade de uso de colheita mecanizada e irrigação, e em unidades produtivas tradicionais no cultivo de feijão, notadamente localizadas em EDR limítrofes aos principais estados produtores de feijão no Brasil, Paraná e Minas Gerais.

A essa constatação, deve-se adicionar o ganho de eficiência produtiva nos cultivos de feijão de inverno irrigado. Outros elementos também contribuíram para a redução do número de UPAs com cultivo de feijão, como a falência de produtores de feijão e a substituição do cultivo desta leguminosa por outros grãos mais rentáveis, como a soja. Adicionalmente, destaca-se as oscilações de preços pagos ao produtor, que afetaram sua renda agropecuária e a decisão pela escolha de outros cultivos, associado à forte seca, que em 2015 promoveu uma quebra de safra considerável do feijão das águas, redução de 22% em relação à produção de 2012.

Por fim, salientamos que os levantamentos estatísticos devem ter sua periodicidade definida e respeitada pelos órgãos responsáveis, dado que estas informações permitem investigações sobre transformações e evolução nos diferentes setores econômicos, a exemplo do agropecuário. No caso do LUPA, cujo intervalo de tempo entre os levantamentos é dez anos, prevê-se observar as mudanças no sistema produtivo do feijão para o próximo levantamento, previsto para 2027/2028.

AGRADECIMENTOS

Pesquisa financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (processo n. 2020/ 01721-7) e CNPq (processo n. 422680/2018-4).

  • 1
    Esse resultado equivale à soma total de áreas dos imóveis que considera benfeitorias, explorações agrícolas, pastagens e outros usos de solo (São Paulo, 2009São Paulo. (2009). Projeto LUPA 2007/08: censo agropecuário do estado de São Paulo. São Paulo: IEA., 2019São Paulo. (2019). Projeto LUPA 2016/17: censo agropecuário do estado de São Paulo. São Paulo: IEA.).
  • 2
    Para atender à classificação da agricultura familiar, outros requisitos devem ser observados como a renda obtida pelo imóvel rural, a gestão do imóvel ser do produtor rural e seus familiares e a utilização da mão-de-obra seja predominantemente familiar (Brasil, 2006Brasil. (2006, julho 25). Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006. Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 22 de março de 2022, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/?Ato2004-2006/2006/Lei/L11326.htm
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/?At...
    ).
  • 3
    Estatísticas da produção paulista (Instituto de Economia Agrícola, 2022aInstituto de Economia Agrícola. (2022a). Recuperado em 21 de março de 2022, de http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/Bancodedados.php
    http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out...
    ) apontam que o feijão das águas ainda possui a maior área de plantio em São Paulo, representando 57,3 mil hectares em 2019.
  • 4
    A saber, dados do Instituto de Economia Agrícola (Instituto de Economia Agrícola, 2022bInstituto de Economia Agrícola. (2022b). Recuperado em 21 de março de 2022, de http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/Bancodedados.php
    http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out...
    ) mostram que o preço do feijão desde 2007 apresentou oscilações, chegando ao valor mínimo de R$50,63/saca de 60kg em janeiro de 2010. O melhor preço conseguido pelos agricultores ocorreu em junho de 2016 (R$491,00/saca de 60kg), porém nos meses seguintes, esse preço apresentou quedas contínuas, chegando a uma redução de 75% em menos de dois anos pela série histórica, reforçando o aspecto de oscilação. Somente a partir de 2018, observa-se tendência de crescimento no preço recebido.
  • Como citar: Bezerra, L. M. C., Fredo, C. E., Correia, G. G., Spatti, A. C., & Chiorato, A. F. (2023). Análise do sistema de produção agrícola de feijão no estado de São Paulo a partir do Levantamento das Unidades de Produção Agropecuária (LUPA). Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(spe), e276881. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2023.276881
  • JEL Classification: Q18, Q19.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jan 2023
  • Aceito
    25 Mar 2023
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