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Lei do desmanche, PCC e mercados

Dismantling law, PCC and markets

Resumo

No estado de São Paulo, as notificações de roubos e furtos de veículos cresceram entre 2003 e 2014. Desde então, esse tipo de crime tem diminuído. O que explicaria essa oscilação? Combinando experiências etnográficas e dados quantitativos, o artigo propõe um quadro analítico composto por três hipóteses explicativas: (i) a implementação da “Lei do Desmanche”; (ii) as transformações nas dinâmicas do Primeiro Comando da Capital e (iii) as mudanças econômicas associadas à indústria automobilística. Nossos resultados sugerem que a implementação da “Lei do Desmanche”, regulando o mercado ilegal de autopeças, teve efeitos decisivos na diminuição da subtração veicular. As demais hipóteses sugerem efeitos acessórios que também merecem atenção.

Palavras-chave:
Roubo e furto de veículos; Segurança pública; Mercados ilegais; Métodos mistos

Abstract

In the state of São Paulo, notifications of vehicle thefts and robberies increased between 2003 and 2014. Since then, this type of crime has decreased. What would explain this oscillation? Combining ethnographic experiments and quantitative data, the article proposes an analytical framework composed of three explanatory hypotheses: (i) the implementation of the “Dismantling Law”; (ii) transformations in the dynamics of the Primeiro Comando da Capital and (iii) economic changes associated with the automobile industry. Our results suggest that the implementation of the “Auto Dismantling Law”, regulating the illegal car parts market, had decisive effects on the decrease of vehicle theft. The other hypotheses suggest ancillary effects that also deserve attention.

Keywords:
Theft and theft of vehicles; Public security; Illegal markets; Mixed methods

Introdução

Ao longo das últimas duas décadas, os registros de roubos e furtos de veículos têm sofrido oscilações importantes no estado de São Paulo. As causas dessas oscilações, na linha do tempo, ainda estão longe de serem bem compreendidas pela literatura. Essa dificuldade se deve a uma injustificável escassez de estudos especializados nessa modalidade criminal1 1 Exceções sejam feitas aos trabalhos de Paes-Machado e Viodres-Inoue (2015) e de Matías Dewey (2012). , a qual impacta diretamente a sensação de insegurança nas cidades e a formulação de políticas de segurança pública no estado. Além disso, o roubo e furto de veículos fomentam mercados ilegais de autopeças e revenda veicular, hoje transnacionalmente conectados a outras cadeias ilegais de valor como o tráfico de drogas, o contrabando e a lavagem de dinheiro (Feltran, 2022Feltran, Gabriel. (2022), “State Reaction”. In: Feltran, Gabriel (ed.). A Journey Through São Paulo’s Urban Conflict. Hoboken: John Wiley; Sons.). Em São Paulo, esse tipo de crime está na base do planejamento de outras ações criminais violentas, bem como diretamente inscrito nas práticas de letalidade policial. De 2012 a 2016, por exemplo, em 60% a 70% dos homicídios cometidos por policiais no município de São Paulo, havia um veículo roubado na cena do crime (Sou da Paz, 2019Instituto Sou da Paz (SOU DA PAZ). (2019), A paz na prática: por um Brasil mais justo e seguro. São Paulo, Instituto Sou da Paz. Disponível em: https://soudapaz.org/wp-content/uploads/2020/05/Relat%C3%B3rio-Anual-2019-Instituto-Sou-da-Paz-1.pdf
https://soudapaz.org/wp-content/uploads/...
; Godoi et al, 2020Godoi, Rafael et al. (2020), “Letalidade policial e respaldo institucional: perfil e processamento dos casos de ‘resistência seguida de morte’ na cidade de São Paulo”. Revista de Estudios Sociales. Bogotá, (73): 58-72.; Feltran et al, 2022bFeltran, Gabriel et al. (2022b), “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Rio de Janeiro, 15: 311-348.).

Este artigo procura contribuir para o amadurecimento dos estudos acadêmicos sobre o roubo e o furto de veículos no Brasil. Para isso, propomos um quadro analítico que articula três possíveis dimensões explicativas da oscilação das notificações dessa ação criminal, no estado de São Paulo, entre 2003 e 2021. O quadro proposto aqui ainda está em desenvolvimento, mas sua composição tripartite já é passível de debate acadêmico qualificado. Nossa pressuposição mais geral é a de que há uma governança híbrida da variação dessas taxas criminais, ao menos ligada a três processos de transformação recentes:

  • A regulamentação do mercado de desmanches em São Paulo. Os esforços de implementação da “Lei do Desmanche” no estado, a partir de 2014, teriam tido efeitos práticos nas taxas de roubo e furto? Haveria outras medidas de segurança que contribuíram para a regulamentação de um mercado ilegal?;

  • Transformações no universo faccional nas últimas duas décadas, em São Paulo hegemonizado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). A facção teria passado a priorizar o tráfico internacional, a lavagem de dinheiro e o estelionato, em detrimento dos crimes violentos?

  • Transformações macroeconômicas e nas cadeias mercantis de valor, hoje globais, da indústria automotiva. O aumento da importação de autopeças chinesas teria diminuído a demanda por autopeças roubadas ou furtadas? Teria havido variações significativas nessas economias, locais ou globais, que impactam a dinâmica dos mercados associados ao roubo e furto de veículos em São Paulo?

Investigando essas três dimensões do problema, deparamo-nos com a enorme complexidade do fenômeno do roubo e furto de veículos. Em primeiro lugar, veremos que os roubos de veículos - ações criminais com uso da violência - têm dinâmicas sociológicas muito diferentes dos furtos de veículos (Zambon et al., 2022Zambon, Gregorio et al. (2022), “Crime, violence, and inequality in São Paulo”. In: Feltran, Gabriel (ed.). Stolen cars: A Journey Through São Paulo’s Urban Conflict . Hoboken: John Wiley; Sons.)2 2 Nossa experiência de pesquisa sugere que praticamente todos os veículos recuperados (a grande maioria deles por seguradoras) são os que foram roubados. Os carros furtados, em sua enorme maioria, não são recuperados. Isso porque o roubo é cometido por jovens subcontratados, pensando em utilização em outros crimes ou fins temporários, para depois serem abandonados. Já os carros furtados vão ser destinados mais comumente aos mercados de desmanche. . Em segundo lugar, compreender o fenômeno não é uma tarefa simples, visto que os dados de subtração de veículos (soma de roubos e de furtos) incluem tanto carros de passeio e trabalho, como motocicletas, caminhões e outros veículos automotores, ainda que as dinâmicas empíricas e taxas de variação da subtração desses bens sejam distintas. Em terceiro lugar, trata-se de fenômenos relevantes também porque os circuitos econômicos que envolvem os veículos subtraídos são diversos: carros e motocicletas roubadas têm destinações e finalidades muito distintas (o uso do veículo em outra ação criminal, a troca por drogas, armas e outros produtos contrabandeados nas fronteiras nacionais), o que implica conjuntos também distintos de intencionalidades e características das ações criminais . Em quarto lugar, o fenômeno é difícil de explicar de forma unívoca porque não possuímos uma série histórica de pesquisas de vitimização, o que evitaria os vieses de subnotificação de roubos e furtos (por falta de confiança no trabalho estatal de recuperação), ou de sobrenotificação desses eventos (o que é comum devido às fraudes aplicadas contra as seguradoras). Todos esses fatores são significativos e foram considerados para o desenvolvimento de nosso quadro analítico, como veremos a seguir.

É importante notar que o evento do roubo ou do furto é visto por nós como a entrada do veículo numa cadeia global de valores. Para além de proprietários e ladrões, uma longa lista de homens e mulheres, ricos e pobres, negros e brancos, nacionais e estrangeiros, ligados ou não ao mercado de veículos, obtêm algum ganho econômico com a circulação de carros, motos e caminhões roubados ou furtados. Nas últimas décadas, o dinheiro dos mercados ilegais estruturou as rotinas urbanas (Feltran, 2011 Feltran, Gabriel. (2011), Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo: Editora Unesp.; 2018Feltran, Gabriel. (2018). Irmãos: uma história do PCC. São Paulo: Companhia das Letras.), produziu territórios urbanos (Batista, 2015Batista, Liniker. (2015), “A grande cidade e a vida no crime: uma etnografia dos mercados do crime em uma periferia de São Paulo”. Dissertação de Mestrado, Unicamp. 2015.) e modificou as paisagens das cidades do Sul Global (Caldeira, 2000Caldeira, Teresa. (2000), Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp.). Produziu também imagens da violência global (Cohen, 2017Cohen, C. (2017). “Politiques des images dans les conflits armés contemporains: cas de l’insurrection de Boko Haram et de la violence urbaine liée au Primeiro Comando Da Capital à Sao Paulo”. PhD Thesis. École doctorale de Sciences Po (Paris). 2017.) associadas a uma economia urbana transnacional altamente desigual (Atkinson, 2021Atkinson, Rowland. (2021), Alpha city: How London was captured by the super-rich. Verso Books.; Knowles, 2022Knowles, Caroline. (2022). Serious Money: Walking Plutocratic London. Allen Lane.). Essa economia se organiza em cadeias de valor globais, que acionam variadas formas de controle e regulamentação (Knowles, 2014Knowles, Caroline. (2014), Flip-Flop: A Journey Through Globalisation’s Backroads. London: Pluto Press.; Tsing, 2005Tsing, Anna. (2005), Friction: an ethnography of global connection. Princeton and Oxford: Princeton University Press.; Simone, 2004Simone, Abdoumaliq. (2004), “People as infrastructure: Intersecting fragments in Johannesburg”. Public culture. Durham, 16(3): 407-429.). A violência armada é uma dessas formas e surge apenas em alguns contextos específicos relacionados a economias ilegais. Os roubos são muito mais comuns no Rio de Janeiro e em Joanesburgo do que em Copenhague ou Montreal, que também têm traficantes e contrabandistas de drogas. A marginalidade faz o dinheiro circular pelo mundo, mas as formas que ele assume variam de um lugar para outro.

A partir do momento em que um carro é roubado, como veremos, muitas pessoas começam a ganhar dinheiro, em proporções desiguais. Levou um tempo para entendermos, como equipe de pesquisa, que o roubo de carros em São Paulo estava alimentando os mercados globais, seja diretamente, seja pelo recurso que gera aos seus operadores, que produz consumo ou é reinvestido em cadeias globais. Sabíamos, por exemplo, que o vibrante comércio legal do Brasil com o México insinuava um comércio igualmente vibrante no mercado ilegal entre os dois países (Sandoval, 2005Sandoval, Efrén. (2005), “Pobreza, Marginación y Desigualdad En Monterrey. Puntos de Partida”. Revista Frontera Norte, 17(33):133-141.; Sandoval, 2012Sandoval, Efrén. (2012), “Economía de la fayuca y del narcotráfico en el Noreste de México: extorsiones, contubernios y solidaridades en las economías transfronterizas”. Desacatos, 38: 43-60.). Mas não tínhamos ideia da magnitude do mercado ilegal de automóveis, nem da escala dos mercados de autopeças e acessórios até nossa pesquisa na Europa, durante os últimos anos, em que atuamos no projeto Globalcar, sobre a economia mundial de veículos. Na Europa, talvez o continente menos apaixonado pela cultura automobilística (Miller, 2001Miller, Daniel. (2001), Car Cultures. Oxford, Berg.), são furtados cerca de 600 mil veículos por ano, segundo dados da Interpol. Nossas pesquisas ao longo de vários meses em 2017 e 2019, especificamente em Berlim, Londres e Paris, demonstram que também ali esses veículos alimentam cadeias globais. Mais de um milhão de carros são furtados ou roubados na América do Norte anualmente. Estamos falando de grandes economias, das quais São Paulo é um ponto nodal na América do Sul.

Com isso em vista, este texto divide-se em duas partes, organizadas cronologicamente. Na primeira parte, analisamos o período de 2003 a 2014, no qual as notificações de roubos e furtos de veículos crescem ligeiramente, atingindo o pico da série histórica em 2014. Na segunda parte, analisamos o período de diminuição importante desses eventos criminais a partir de 2014 até 2021. Em cada período, construímos sinopses das transformações mais relevantes na esfera da segurança pública, com destaque para os mecanismos regulatórios introduzidos pela “Lei dos Desmanches”, mas também quanto ao universo faccional e os impactos das transformações econômicas na indústria automobilística. As notas finais sintetizam nossa resposta à questão de pesquisa: como explicar as oscilações no fenômeno da subtração veicular no estado de São Paulo, entre 2003 e 2021?

O Gráfico 1 apresenta o número absoluto de subtração de veículos nas últimas duas décadas, divididos por capital, Região Metropolitana e interior. Os primeiros dez anos da série histórica são marcados por um aumento de 18,8% de subtração de veículos no estado, ainda que pontuado por um período de redução entre os anos de 2006 e 2009, com um subsequente aumento no intervalo entre 2010 e 2014. O ano de 2014, com 221.225 notificações, representa um ponto de inflexão na série histórica. Esse ano é emblemático por ser o pico de subtração nas últimas duas décadas e também o momento de implementação da “Lei dos Desmanches” no estado de São Paulo, estudada detidamente por Zambon et al (2022Zambon, Gregorio et al. (2022), “Crime, violence, and inequality in São Paulo”. In: Feltran, Gabriel (ed.). Stolen cars: A Journey Through São Paulo’s Urban Conflict . Hoboken: John Wiley; Sons.), Motta et al (2022Motta, Luana et al. (2022), “Regulating an illegal market”. In: Feltran, Gabriel (ed.). A Journey Through São Paulo’s Urban Conflict. Hoboken: John Wiley; Sons .) e Fromm e Motta (2022Fromm, Deborah; Motta, Luana. (2022), “Não criminosos, legisladores”. Carros Roubados: Uma Jornada Pelo Conflito Urbano de São Paulo , 165-186.). No período entre 2014 e 2021, o estado de São Paulo registrou uma redução de 49,1% nas notificações de furtos e roubos de veículos. É importante ressaltar que as restrições de circulação experimentadas durante a pandemia de Covid-19 influenciou determinantemente nos números relativos aos anos de 2020 e 2021. O ano de 2022 já demonstra que haverá aumento no número de subtrações, voltando a índices parecidos com os de 2019. Vejamos, a seguir, como se comportam essas notificações no mesmo período, mas agora valendo-nos de sua desagregação entre roubos e furtos, além de três regiões do estado de São Paulo.

Gráfico 1
Veículos subtraídos no estado de São Paulo, 2003-2021

Os Gráficos 2 e 3 demonstram como a dinâmica dos furtos veiculares é mais estável do que a de roubos em toda a série histórica, especialmente nos municípios da Região Metropolitana de São Paulo. Nos dois casos, o ano de 2014 é um ponto de inflexão, representando o pico de notificações de furto no estado (embora não na capital paulista). A dinâmica dos números absolutos de roubos, por sua vez, oscila com muito mais intensidade entre 2003 e 2021, mas também tem seu ápice entre 2013 e 2014, com dados relativamente próximos das notificações de furtos. A partir de 2015, os registros de roubos começaram a reduzir de maneira mais intensa do que as notificações de furtos, de forma que em 2021 o estado de São Paulo registrou cerca de 33 mil roubos, aproximadamente um terço dos registros dos anos de 2013 e 2014.

Gráficos 2 e 3
Veículos subtraídos no estado de São Paulo, 2003-2021, por tipo de crime

De forma sintética, etnografias recentes sugerem que após a implementação da “Lei do Desmanche” em 2014, os carros roubados (com violência) passaram a ter sobretudo valor de uso, enquanto os carros furtados se tornaram aqueles que, por excelência, têm valor de troca nos mercados de revenda e desmontagem3 3 A pesquisa de doutorado de Zambon tem se dedicado a essa distinção, desde 2018. Os resultados são consistentes com as observações realizadas nos últimos anos na América do Norte e em países europeus, nos quais os mercados de veículos roubados são também muito dinâmicos, mas muito menos violentos do que na América Latina (Feltran, 2022). . Veículos roubados, quase sempre por jovens que ocupam posições subalternas no mundo do crime, são hoje utilizados mais comumente para outras ações criminais de pouca especialização (assaltos a postos de gasolina, lotéricas, supermercados ou farmácias, ou ainda para fuga de flagrantes policiais). Veículos furtados, por outro lado, não despertam imediatamente a atenção de policiais e seguradoras, e por isso abastecem de modo mais profissionalizado os mercados de revenda de veículos, na forma conhecida como clone, e especialmente os desmanches veiculares, voltados à distribuição de autopeças originais de segunda mão nos balcões e plataformas online onde se busca peças de reposição.

A clivagem analítica entre veículos roubados e veículos furtados nos é, portanto, decisiva para compreender as oscilações das notificações e taxas. Essa clivagem empírica explicaria, em nosso diagrama, porque as oscilações observadas nas notificações de uma ou outra modalidade criminal, na linha do tempo, não são proporcionais (Zambon et al, 2022Zambon, Gregorio et al. (2022), “Crime, violence, and inequality in São Paulo”. In: Feltran, Gabriel (ed.). Stolen cars: A Journey Through São Paulo’s Urban Conflict . Hoboken: John Wiley; Sons.). É também evidente, por outro lado, que as grandes tendências de elevação e queda das notificações agregadas de roubos e furtos são similares no tempo estudado. Essas características nos impelem a analisar os fenômenos do roubo e do furto como relativamente independentes, mas igualmente submetidos à tríade dos fatores aqui estudados.

Parece-nos fundamental para a compreensão do fenômeno, portanto, de um lado compreender teoricamente a proposição de governança híbrida dos mercados ilegais, entre atores estatais, criminais e dos mercados de proteção. Por outro lado, também consideramos essencial desagregar os dados de roubo e de furto, bem como suas tendências na Região Metropolitana de São Paulo e no interior do estado, para perceber como os fenômenos específicos puxam as tendências agregadas das notificações de subtração em cada momento. Com relação à nossa abordagem teórica, inspiramo-nos na noção de “coexistência de ordenamentos legítimos”, discutida em uma longa tradição de autores brasileiros e brasilianistas dedicados a compreender os conflitos urbanos e a violência na América Latina (Machado da Silva, 2011Machado da Silva, Luiz Antonio. (2011), “A política na favela.” Dilemas-Revistas de Estudos de Conflito e Controle Social. Rio de Janeiro, 4(4): 699-716., 1993Machado da Silva, Luiz Antonio. (1993), “Violência urbana: representação de uma ordem social”. In: Nascimento, Elimar Pinheiro (org.). Brasil Urbano: cenários da ordem e da desordem. Rio de Janeiro: Notrya, pp. 145-155., 2016Machado da Silva, Luiz Antonio. (2016), Fazendo a cidade: trabalho, moradia e vida local entre as camadas populares urbanas. São Paulo: Mórula Editorial; Misse, 2006Misse, Michel. (2006), Crime e violência no Brasil contemporâneo: estudos de sociologia do crime e da violência urbana. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2018; Feltran, 2012Feltran, Gabriel. (2012), “Governo que produz crime, crime que produz governo: o dispositivo de gestão do homicídio em São Paulo (1992-2011)”. Revista Brasileira de Segurança Pública. Belo Horizonte, 6 (2): 232-55.; Grillo, 2013Grillo, Carolina Christoph. (2013), Coisas da vida no Crime: tráfico e roubo em favelas cariocas. Tese de doutorado, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2013.; Stepputat, 2013Stepputat, Finn. (2013), “Contemporary governscapes: Sovereign practice and hybrid orders beyond the center”. In: Bouziane, Malike (org.). Local politics and contemporary transformations in the Arab World. London: Palgrave Macmillan, pp. 25-42.; Cabanes, 2014Cabanes, Robert. (2014), Économie morale des quartiers populaires de São PauloParis: L’Harmattan.). Para esses autores, é crucial a hipótese de que o conflito urbano ocorre entre sujeitos que não compartilham os mesmos parâmetros plausíveis de ação, e que, portanto, não sentem pertencimento a uma única ordem legítima e comum. Ao contrário, aquilo que é impensável para uns - roubar carros como modo de vida, por exemplo - é a rotina de outros4 4 Nossa abordagem etnográfica assume, assim, que a vida cotidiana desses distintos operadores é o que estrutura a vida urbana e suas formas sociais. Como nas etnografias de Veena Das (2007), Blokland (2017), Simone (2004), Duneier e Carter (1999), Certeau (2012), consideramos que a imprevisibilidade e a improvisação sempre presentes quando tratamos de mercados ilegais (Amit e Knowles, 2017) não impedem a rotinização da ação criminal, bem como dos sentidos que ela terá para os sujeitos que a praticam (Feltran, 2017; Machado da Silva, 2008). .

Essa abordagem pensa a governança híbrida dos mercados ilegais, e aqui especificamente do mercado de veículos roubados e furtados, como quadro para compreender a gestão diferencial dos ilegalismos feita pelo Estado (Whyte, 2005Whyte, William Foote. (2005), Sociedade de esquina. Rio de Janeiro: Zahar.; Foucault, 1999Foucault, Michel. (1999), Vigiar e Punir: Nascimento Da Prisão. Petrópolis: Editora Vozes.), por operadores criminais (empresários da indústria ilegal mais ou menos ligados ao PCC) e pelos policiais e agentes de fiscalização que vendem proteção ilegal a esses operadores criminais, em troca de subornos (Misse, 2006Misse, Michel. (2006), Crime e violência no Brasil contemporâneo: estudos de sociologia do crime e da violência urbana. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, Hirata, 2018Hirata, Daniel Veloso. (2018), Sobreviver na adversidade: mercado e formas de vida. São Carlos: Edufscar .). Como cada um desses atores - Estado, Crime e polícias corrompidas atuando na venda de proteção - tem armas e produz coerção sobre os mercados, partimos do pressuposto de que a coexistência entre esses ordenamentos, ou regimes normativos (Beraldo, 2022Beraldo, Ana. (2022), Negociando a vida e a morte: Estado, igreja e crime em uma favela de Belo Horizonte. São Carlos: Edufscar. Coleção Marginália.; Maldonado, 2020Maldonado, Janaina. (2020), Jogando meu corpo no mundo: relações entre “conflito urbano” e “acumulação social da diferença". 177 p. Dissertação de mestrado. Departamento de Sociologia. Universidade Federal de São Carlos. 2020.; Feltran, 2020Feltran, Gabriel. (2020), “Centripetal force: a totalitarian movement in contemporary Brazil”. Soundings, 75(75): 95-110., 2022Feltran, Gabriel. (2022), “State Reaction”. In: Feltran, Gabriel (ed.). A Journey Through São Paulo’s Urban Conflict. Hoboken: John Wiley; Sons.), será tão mais pacífica quanto mais eles intercambiarem mercadorias políticas (Misse, 2008Misse, Michel. (2018), “Violence, criminal subjection and political merchandise in Brazil: an overview from Rio”. International Journal of Criminology and Sociology. Canada, 7: 135-148.). Por consequência lógica, ela será tão mais violenta quanto menos possibilidades de trocas mercantis houver entre os atores (Feltran, 2015Feltran, Gabriel. (2015), “Conflito urbano e gramáticas de mediação”. Revista Margem Esquerda, 24: 51-56.; Feltran et al, 2022aFeltran, Gabriel et al. (2022a), Stolen Cars: A Journey Through São Paulo’s Urban Conflict . Hoboken: John Wiley Sons.). Com base nesse quadro mais geral, desagregaremos sempre que possível as taxas de roubos e furtos de veículos, de forma a compreender o fenômeno em cada uma das sinopses temporais que compõem este artigo.

Método

O artigo promove a conexão entre diferentes protocolos metodológicos, permitindo que a experiência etnográfica funcione como ponto nodal da elaboração de hipóteses acerca das dimensões relevantes para pensar o fenômeno estudado, bem como para conhecer seus mecanismos mais prováveis de transformação. Essas observações e interpretações iniciais, em seguida, dão espaço a uma primeira formalização indutiva, aqui expressa nas sinopses temporais que apresentamos a seguir nas partes 1 e 2 da demonstração de nosso argumento.

Após a construção dessas sinopses, que nos trazem as primeiras hipóteses, nosso movimento foi olhar de modo sistemático para o conjunto dos dados quantitativos descritos adiante. Nosso método central de construção interpretativa de inferências é, portanto, o de comparar as tendências que vemos qualitativamente com o que os dados quantitativos nos fazem notar. Assim, compreendemos pela pesquisa qualitativa que as dinâmicas de roubo eram distintas das dinâmicas de furto, que o fenômeno no interior se comporta diferentemente do que na Região Metropolitana e na capital, além de termos coletado diversas evidências de que a “Lei do Desmanche”, implementada em 2014, modificou estruturalmente os mercados de veículos e autopeças furtados. Essas linhas analíticas sugerem consistência com o que as séries históricas quantitativas nos mostram. Por outro lado, a partir da etnografia em regiões de desmanche veicular e em mercados de peças de reposição importadas, a hipótese de que o importante aumento da importação de peças chinesas, ampliada na última década, poderia ter diminuído a demanda por peças roubadas não se mostrou convincente até o momento.

A principal fonte dos dados quantitativos de roubos e furtos de veículos são os dados disponibilizados mensalmente pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (ssp-sp)5 5 Disponível em: http://www.ssp.sp.gov.br/Estatistica/Pesquisa.aspx e http://www.ssp.sp.gov.br/transparenciassp/. Último acesso em 27/10/2022. . Esses são dados oficiais, que nos dão uma ideia geral do quadro de subtração de veículos em São Paulo, mas não são tratados como absolutos. Como dados quantitativos feitos com base na notificação via boletim de ocorrência, eles estão sujeitos a sobrenotificação e subnotificação, viés de preenchimento e até mesmo enquadramento no código penal. Trata-se, portanto, de produzir indutivamente hipóteses qualitativas, que se tornam sinopses analíticas a serem testadas a partir de dados quantitativos. É nesse ajuntamento que traçamos as hipóteses que desenvolvemos mais à frente.

As bases de dados da ssp utilizadas foram: os microdados de furtos e roubos de veículos disponibilizados mensalmente e os dados agregados de furto e roubo disponibilizados por região do estado. Inicialmente, tentamos utilizar apenas os microdados para análise das oscilações no período entre 2003 e 2021, porém constatamos a baixa qualidade de preenchimento nos primeiros anos da série histórica. Dessa forma, optamos por utilizar os dados agregados por região da ssp-sp para a construção das análises da flutuação desses fenômenos, e utilizamos os microdados de forma complementar em análises para o período entre 2014 e 2021, intervalo no qual a qualidade de preenchimento das planilhas se mostrou superior.

É importante ressaltar que os dados agregados disponibilizados pela ssp-sp são consolidados na categoria “veículo”. Desse modo, os números totais apresentados não diferenciam seus tipos, especialmente motocicletas e carros. As pesquisas qualitativas, no entanto, já apontavam as diferenças nos modos de subtração e no próprio mercado de carros e motocicletas. Desse modo, neste artigo, quando possível, desagregamos carros e motocicletas - bem como outras categorias, menos centrais ao texto - da categoria veículos, permitindo observar historicamente a tendência de aumento e queda de cada um destes. Ainda em relação à utilização dos microdados de subtração de veículos da ssp-sp, foram mantidas apenas as linhas referentes aos crimes de furto e roubo de veículo consumados, assim como os atos infracionais análogos a estes.

De forma complementar, sobretudo nos cálculos de taxas de subtração de veículos, também foram utilizados dados de estimativas populacionais para o estado de São Paulo do ibge e a base de dados “Estatísticas de Frota de Veículos no Brasil”6 6 Disponível em: https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/assuntos/transito/conteudo-Senatran/estatisticas-frota-de-veiculos-senatran. Último acesso em 28/10/2022. , disponibilizada pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) do Ministério da Infraestrutura, com informações sobre o tamanho das frotas de veículos entre 2003 e 2021 com base no número de veículos licenciados em cada unidade da federação.

Notificações versus taxas

O Gráfico 4 apresenta as taxas de subtrações, de roubo e de furto de veículos por 100 mil habitantes no estado7 7 O leitor notará que, ao longo do artigo, nossos gráficos de taxas apresentam o denominador de “100 mil habitantes”, mas em alguns casos específicos também de “100 mil veículos”. Nesse segundo caso, essa foi uma forma de ressaltar os efeitos intensos do crescimento da frota veicular do estado de São Paulo nas últimas duas décadas, período analisado. , no mesmo período analisado.

Gráfico 4
Taxa de subtração de veículos no estado de São Paulo, 2003-2021

Ainda que a população do estado tenha crescido cerca de 21% no período, a taxa de subtração de veículos traça um movimento muito semelhante ao da série histórica de número absoluto de notificações de subtração. A taxa de subtração cresce entre 2003 e 2014, com considerável redução entre 2006 e 2008, e após 2014, uma forte redução da taxa até o ano de 2020. Durante todo o período, a taxa de furtos foi mais elevada, alcançando menos de 200 notificações por 100 mil habitantes apenas a partir de 2019. A taxa de roubo de veículos, por sua vez, se manteve abaixo do patamar de 200 notificações por 100 mil habitantes na maior parte da série histórica e a partir de 2020, alcançou o marco de menos de 100 roubos por 100 mil habitantes.

Outra forma de calcular as taxas de subtração de veículos é utilizar o tamanho da frota. No estado de São Paulo, a frota veicular apresentou um crescimento contínuo de 148% entre os anos de 2003 e 2021, passando de aproximadamente 12,6 milhões de unidades em 2003, para mais de 31,4 milhões em 2021. Quando observamos a frota por tipo de veículo, atentamos para um crescimento expressivo de carros leves (116%) e de motocicletas (291%).

O Gráfico 5 é influenciado pelo aumento da frota e, por esse motivo, três movimentos distintos das taxas são identificáveis: entre 2003 e 2008, a frota aumentou para cerca de 18 milhões de unidades, pressionando a taxa de subtração a uma forte queda. O segundo movimento, entre 2009 e 2014, mantém a taxa de subtração relativamente estável, ainda que o número absoluto de notificações tenha aumentado nesse momento da série histórica, devido ao crescimento de 34,4% da frota (de 19 milhões de veículos em 2009 para 25,7 milhões em 2014). Finalmente, no terceiro período, a taxa de subtração se reduz praticamente pela metade entre 2014 e 2021. Nesse período, a frota veicular do estado cresceu mais lentamente, passando de 26,6 para 31,4 milhões (aumento de 18,2%).

Gráfico 5
Taxa de subtração de veículos no estado de São Paulo, 2003-2021

Sinopse 1 (2003-2014)

[Elevação das notificações simultânea à ligeira diminuição das taxas de roubo e furto]

Nossa primeira sinopse descreve e analisa as transformações nas políticas de segurança pública, no universo faccional e nos mercados de proteção, mas também nos mercados automotivos, entre 2003 e 2014, momento anterior à implementação da “Lei do Desmanche” em São Paulo. Essa recuperação qualitativa procura cercar, nas dimensões de governança que nos interessam analisar nesse texto, os processos e fatores que poderiam influenciar as oscilações nas notificações e taxas observadas de roubos e furtos de veículos no Estado de São Paulo.

Para abordar as transformações na segurança pública nesse período, é preciso retomarmos os anos 1990, época das guerras entre grupos armados que marcaram as favelas e prisões de São Paulo (Manso, 2005Manso, Bruno Paes. (2005), O homem X: uma reportagem sobre a alma do assassino em São Paulo. Rio de Janeiro: Record., PCC Poder Secreto, 2022PCC Poder Secreto. Joel Zito Araújo. (2022). Produção de Gustavo Mello. São Paulo, HBOMax Streaming.). Essas guerras provocavam altíssima letalidade e eram derivadas de disputas violentas pelo controle de mercados ilegais emergentes e transnacionais - sobretudo o de cocaína - em franca expansão no período. A acumulação desse mercado, associada àquela obtida por outras fontes legais e ilegais, propiciou reinvestimento no mercado de veículos roubados e armas contrabandeadas, naquilo que se conheceu como “a expansão do mundo do crime” em São Paulo (Feltran, 2011 Feltran, Gabriel. (2011), Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo: Editora Unesp.). Ao mesmo tempo, armas e veículos também ofereciam infraestrutura para essa guerra, fortalecendo a principal organização criminal que emerge ao final dela, o Primeiro Comando da Capital.

Na primeira década dos anos 2000, portanto, São Paulo experimentava mudanças significativas nas relações entre crime e segurança e, portanto, em seus mercados de proteção. A consolidação da hegemonia da facção Primeiro Comando da Capital (PCC) nas cadeias e favelas paulistas foi notável e marcou uma profunda transformação das dinâmicas criminais (Biondi, 2010Biondi, Karina. (2010), Junto e misturado: uma etnografia do PCC. Campinas, Terceiro Nome., Manso e Dias, 2018Manso, Bruno Paes; Dias, Camila Nunes. (2018), A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São Paulo: Editora Todavia SA., Feltran, 2018Feltran, Gabriel. (2018). Irmãos: uma história do PCC. São Paulo: Companhia das Letras.). Conectada a essa expansão (Feltran, 2011 Feltran, Gabriel. (2011), Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo: Editora Unesp., 2012Feltran, Gabriel. (2012), “Governo que produz crime, crime que produz governo: o dispositivo de gestão do homicídio em São Paulo (1992-2011)”. Revista Brasileira de Segurança Pública. Belo Horizonte, 6 (2): 232-55.), os índices de homicídio também caem muito. A capital registrava 66,7 homicídios por 100 mil habitantes em 1999, passando a registrar taxas médias de 8 por 100 mil habitantes (Salla, 2007Salla, Fernando. (2007), “De Montoro a Lembo: as políticas penitenciárias em São Paulo”. Revista Brasileira de Segurança Pública. Belo Horizonte, 1(1).).

Muito dinheiro e progressivamente menos violência, passou a mediar as relações cotidianas na base dos contatos entre ladrões, traficantes e policiais. Mecanismos de justiça extralegal implementados pelo PCC (Marques, 2009Marques, Adalton. (2009), Crime, proceder, convívio-seguro: um experimento antropológico a partir de relações entre ladrões. 119 p. Dissertação de mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP). 2009.) nas favelas e prisões, por outro lado, incluíram o esclarecimento informal de homicídios, o tabelamento dos preços praticados no mercado varejista de drogas (e nos acertos financeiros com policiais corrompidos), além do estrito controle do uso de armas de fogo pelo PCC. Os mercados de proteção foram regulados nessa mesma direção, mas não sem muitos conflitos.

Gráficos 6 e 7
Veículos roubados e furtados no estado de São Paulo, 2003-2014

Entre 2003 e 2008, época mais tensa da expansão do PCC por todo o território estadual, ainda enfrentando alguma resistência de grupos criminais rivais e operadores de proteção, a subtração de veículos no estado apresentou uma ligeira tendência de queda. Em seguida, estabelecida a rotina pacificada nas dinâmicas e mercados criminais, com acertos financeiros sistemáticos nos mercados de proteção, observa-se uma maior desenvoltura e expansão dos negócios da facção.

A organização de diferentes mercados ilegais proporcionada por suas políticas expansionistas, observadas a partir de então, fez com que muito dinheiro entrasse em circulação nas redes criminais do estado e fosse reinvestido em negócios criminais e especialização na operação desses negócios. Os mercados de proteção a eles associados seguiram a tendência e verificamos alguma ampliação tanto no número de roubos - talvez impulsionados pela forte ideologização dos jovens inscritos nesses mercados - quanto dos furtos de veículos, impulsionados pela profissionalização das quadrilhas. Naquele período, é relevante notar que revendas veiculares eram formas bastante comuns de lavagem de dinheiro obtido no tráfico de drogas.

A literatura etnográfica dedicada aos temas da segurança pública aponta, nesse período, para efeitos inesperados das políticas de segurança pública que, instrumentalizadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), teriam facilitado e mesmo favorecido sua expansão. Seja como for, as transferências de presos e a interiorização do sistema penitenciário paulista foram simultâneas à expansão e interiorização do PCC no Estado de São Paulo (Godoi, 2010Godoi, Rafael. (2010), Ao redor e através da prisão: cartografias do dispositivo carcerário contemporâneo. 202 p. Dissertação de mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. 2010. Universidade de São Paulo., 2017Godoi, Rafael. (2017), Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo: Boitempo Editorial.).

Outro fator relevante para a análise da oscilação das notificações de roubos e furtos no estado é a ampliação da frota veicular, que acompanhou as mudanças macroeconômicas vivenciadas no país naquele período de expansão econômica focada, sobretudo, no consumo. Na primeira década dos anos 2000, a economia do país passava por um período de crescimento constante, aumento significativo do salário mínimo e do crédito popular, maior controle da inflação e diminuição de desigualdades (Serrano e Summa, 2011Serrano, Franklin; Summa, Ricardo. (2011), “Política macroeconômica, crescimento e distribuição de renda na economia brasileira dos anos 2000”. Observatório da economia global. Campinas, (6).). Essas transformações produziram uma melhora significativa na renda e no poder de compra especialmente das famílias mais pobres (Fontes, 2018Fontes, Leonardo de Oliveira. (2018), “São Paulo nos anos 2000: segregação urbana e mobilidade social em termos de renda e escolaridade”. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 20: 304-324.), que também experimentaram a ampliação do acesso ao crédito (Sciré, 2009Sciré, Claudia. (2009), Consumo popular, fluxos globais: práticas, articulações e artefator na interface entre a riqueza e a pobreza. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo. 2009.) e a diminuição das taxas de desemprego, que saiu de 11,6% em 2003 para 7,9% em 20088 8 Disponível em: http://evolucaodosdadoseconomicos.com.br/taxa-de-desemprego/ (último acesso em 27/10/2022). . Apesar da crise financeira internacional que o mundo experimentou a partir de 2007, o pib rapidamente se recuperou e obteve um progresso de 7,5% em 2010, marcando o recorde de crescimento econômico brasileiro.

Não por acaso, esse período de prosperidade econômica acompanhou um aumento vertiginoso da produção e venda de veículos no Brasil. A contribuição da indústria automobilística para o pib industrial passou de 13,2% em 2003 para 19% em 20089 9 Dados dos Anuários da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Disponível em: https://anfavea.com.br/site/anuarios/ (último acesso em 27/10/2022). , aumento observado também quando considerados o crescimento de 83% na quantidade de veículos emplacados no mesmo período10 10 Dados retirados dos anuários disponibilizados pela Federação Nacional Distribuição Veículos Automotores (Fenabrave). Disponível em: https://www.fenabrave.org.br/portalv2/Conteudo/anuarios. Último acesso em 27/10/2022. . Essa expansão se conectou em especial ao crescimento e modernização da frota veicular, que passou de 12,6 milhões de veículos em 2003 para 31,4 milhões em 2021, um crescimento de 148% em duas décadas, o que fomentou sensivelmente a indústria automotiva e o comércio de autopeças, ampliando a demanda por peças roubadas e furtadas11 11 Optamos por elencar aqui as mudanças macroeconômicas brasileiras considerando o pré e o pós-crise econômica mundial em 2008. Veremos que ainda que o Brasil tenha rapidamente se recuperado dos efeitos da crise internacional, a consolidação da China como potência econômica competitiva e importante abastecedora de produtos industrializados, resultará no aumento da importação de autopeças e na reestruturação desse mercado no Brasil nos anos seguintes. .

Embora todas essas importantes transformações no universo da segurança, do crime e dos mercados de proteção, além da macroeconomia e indústria automotiva tenham ocorrido no período, e talvez impactado indiretamente o fenômeno do roubo e furto veicular, os números desses crimes não apresentam alterações tão significativas quanto o período anterior. É no período posterior a 2014, data da implementação da “Lei do Desmanche” e das transformações por ela trazidas efetivamente aos mercados veiculares, que iremos constatar tendências mais evidentes de redução das ocorrências e taxas de subtração de veículos no estado de São Paulo.

Sinopse 2 (2014-2021)

[Queda consistente das notificações e das taxas de subtração de veículos]

Nossa segunda sinopse qualitativa analisa as transformações no crime, nas políticas de segurança pública, nos mercados de proteção e nas cadeias de valor automotivas, no período entre 2014 e 202112 12 Justamente por ser esse ponto de inflexão, é importante incluir o ano de 2014 em ambos os períodos analisados neste trabalho - ponto de chegada do primeiro intervalo e ponto de partida do segundo. . Trata-se de período marcado por uma intensa redução das notificações e taxas de roubos e furtos de veículos registradas no Estado de São Paulo, cujas causas seguem pouco debatidas e motivaram a questão de pesquisa deste texto. O ano de 2014 é um ponto de inflexão, na série analisada, não apenas porque inverte a tendência observada nas notificações no período anterior, como por ser o momento de aprovação e implementação da “Lei do Desmanche”, que propõe uma política de segurança pública centrada na regulação de um mercado ilegal.

Muito se debate sobre os impactos da possível regulamentação de mercados ilegais de drogas, como a maconha e a cocaína, mas os resultados dos esforços de regulação de um mercado ilegal extremamente lucrativo e capilarizado como os desmanches clandestinos, já passíveis de avaliação, são ainda pouco discutidos. Antes da “Lei do Desmanche”, a desmontagem veicular era majoritariamente clandestina, operada por atores ligados a grupos criminais, sempre próximos de policiais corrompidos vendendo proteção e facilidades de contornamento da papelada necessária à legalização de carcaças, clones e autopeças. Depois da Lei, o estado de São Paulo teve uma redução consistente de 49% no número de notificações de subtração de veículos (2014-2021).

Gráficos 8 e 9
Veículos roubados e furtados no estado de São Paulo, 2014-2021

Do ponto de vista etnográfico, a partir desse período foi comum que escutássemos de nossos interlocutores ligados ao universo criminal das favelas que “a quebrada estava largada”. A expressão demonstrava uma mudança na intensidade da regulação dos conflitos cotidianos nas periferias paulistas: a presença da “justiça do crime” (Jara, 2021Jara, Simon Rodrigo da Costa. (2021), A cobrança: os sensos de justiça das facções do Maranhão. 153 p. Dissertação de mestrado. Departamento de Sociologia. Universidade Federal de São Carlos. 2021.), que antes era instância reguladora mesmo de divergências interpessoais, como brigas e acusações conjugais, familiares ou de vizinhança, teria diminuído (Maldonado, 2020Maldonado, Janaina. (2020), Jogando meu corpo no mundo: relações entre “conflito urbano” e “acumulação social da diferença". 177 p. Dissertação de mestrado. Departamento de Sociologia. Universidade Federal de São Carlos. 2020.). Agora, o Crime se interessava, sobretudo, por disputas internas ao mundo delitivo, sem mais se arvorar a decidir quaisquer pequenos conflitos dos bairros e favelas. Ainda assim, essa justiça extralegal seguia sendo reconhecida pelos ladrões de veículos e, em nossa interpretação, sendo tão relevante para a regulação de suas práticas do que antes de 2014.

Ao mesmo tempo, 2014 é também um marco de inflexão da atuação do PCC no estado de São Paulo. É nesse ano que a facção considera já ter hegemonia sobre o mercado de cocaína no Porto de Santos, o maior da América do Sul. Além do porto, a facção se expandiu para outros estados da federação buscando regular as cadeias de valor de seus principais negócios: drogas, armas e veículos. Seja através do controle do fornecimento da cocaína do atacado ao varejo ou exportação, na cadeia mercantil da maconha ou de armas de fogo, ou ainda na formação de redes de contatos que facilitam o acesso às mercadorias e lavagem de dinheiro. A escala dos negócios criminais, portanto, mudou. Tal expansão se deu tanto através de acordos faccionais com grupos locais, como as alianças feitas em Alagoas, Pernambuco, Maranhão, ou através de alianças com facções também nacionais como o Comando Vermelho no Rio de Janeiro (que teria durado 23 anos, do surgimento do PCC até meados de 201613 13 Os anos de 2016 e 2017 foram de crise nas alianças internas ao mundo do crime nacional, com o rompimento da harmonia anterior entre cv e PCC. São anos de pico das taxas de homicídio em 17 dos 27 estados do Brasil, e 2017 também é o ano de pico das taxas agregadas no país. ). Essa expansão faccional sugere efeitos importantes na variação das taxas de homicídios no Brasil todo (Feltran et al, 2022bFeltran, Gabriel et al. (2022b), “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Rio de Janeiro, 15: 311-348.), e talvez tenha também efeitos sobre as taxas de outros crimes nos demais estados da federação.

Em São Paulo, nesse momento de expansão, uma série de integrantes da facção, dedicados a “crimes clássicos”, como roubo de veículos ou grandes assaltos, passam a aderir às redes do tráfico internacional de cocaína, além do contrabando e dos mercados a ele associados (armas, lavagem de dinheiro etc.). Se a escala dos mercados ilegais muda, muda também a escala de seus mercados parasitários. Os mercados de proteção se fortaleceram ainda mais no período, tendo como efeito fundamental a profissionalização dos grupos que os controlam formal e informalmente (Fromm, 2022Fromm, Deborah. (2022), “Projetando o Mercado”. Carros Roubados: Uma Jornada Pelo Conflito Urbano de São Paulo, 87-103.). Esses grupos passam também a influir decisivamente na política institucional.

Continuidade e novidade associadas marcam o período entre 2014 e 2021 na segurança pública paulista. Por um lado, as já bem estabelecidas políticas paulistas de encarceramento, incremento da ostensividade e pouco controle da letalidade policial são continuadas; essas taxas têm, inclusive, tendência de oscilação para cima no período (com queda muito recente da letalidade policial desde a implementação das Body Cams em 2020)14 14 Monteiro (2022) .

Por outro lado, a implementação da “Lei do Desmanche” é uma novidade relevante do período, ao menos por três razões: (i) pela primeira vez, trata-se de uma política distante da lógica ostensiva e policial de ‘guerra ao crime’; (ii) foi inédito que no debate público admitiu-se que o Estado pode agir regulamentando mercados criminais instalados, e que isso pode ter efeitos mercantis positivos, além de consequências benéficas para a segurança pública; (iii) por fim, trata-se de uma iniciativa que reuniu atores privados e públicos (leiloeiros, seguradoras, associações patronais etc.), de diferentes partidos, numa proposta ao mesmo tempo do legislativo (criação da lei) e do executivo (a lei contou com participação ativa e direta da Secretaria de Segurança Pública em sua implementação).

A lógica da “Lei do Desmanche” era simples: seria necessário criar rastreabilidade das peças, para possibilitar a fiscalização estatal sobre toda a cadeia de valor que leva autopeças dos veículos roubados aos galpões de desmontagem, e de lá para lojas de revenda que abastecem a demanda por autopeças mais baratas, em todo o Brasil, que seriam agora cadastradas, fiscalizadas e deteriam o direito exclusivo de compra de sucatas em leilões. Pensados como um problema público desde os anos 1980, quando começam a subir as taxas de roubo e furto de veículos, os desmanches agora se tornam centrais na busca por soluções. A regulamentação do mercado de desmanches foi justificada pela promessa de restringir o comércio de peças automotivas roubadas e, portanto, a lucratividade dos crimes destinados à atividade de desmontagem. Desde 2003, diversas tentativas legislativas para regular o mercado de autopeças usadas não foram implementadas15 15 Para mais informações e análises desse processo, ver Motta et al. 2022. . Levou uma década até que disputas e alianças políticas em torno da regulamentação e criminalização desse mercado acabaram culminando na formulação da “Lei do Desmanche”, aprovada em 2 de janeiro de 2014.

Por um lado, houve consequências previsíveis decorrentes da regulamentação, como a maior estratificação dos estabelecimentos de desmontagem (Pinho et al, 2022). Essa estratificação reproduziu desigualdades persistentes (Tilly, 1998Tilly, Charles. (1998), Durable inequality. Berkeley: University of California Press.) entre atores empresariais estabelecidos e grupos populares empresariados. Por outro lado, é notável o conjunto intermediário de estabelecimentos antes ilegais que se tornaram legítimos, inclusive associando-se comercialmente. É esse conjunto de atores, tradicionalmente instalados no mercado e que se mobilizam para se adequar às exigências legais, formalizando-se, que diminui a escala da demanda por autopeças roubadas.

Destaca-se ainda que a implementação da Lei contou, particularmente, com aparatos tecnológicos relevantes. Propõe-se o uso de etiquetas como dispositivos de rastreamento de autopeças usadas, o que parece ter tido efeitos concretos na fiscalização da cadeia de valores, diminuindo a demanda por autopeças provenientes de veículos roubados. As ilegalidades no cotidiano dos desmanches se tornaram mais visíveis a partir do dispositivo das etiquetas. Numa rápida inspeção, é possível dizer se o desmanche trabalha ou não trabalha, ao menos formalmente, dentro das normas.

Seja como for, sabemos que a criação de dispositivos tecnopolíticos (Hecht, 2011Hecht, Gabrielle. (ed.). (2011), Entangled geographies: Empire and technopolitics in the global Cold War. Cambridge:MIT Press.), ainda que não encerre suas ilegalidades, reestrutura as relações de poder entre os atores que se busca regular. Quando a lei muda, como aconteceu em 2014, os limites para a aplicação da lei também mudam. O desmanche que é notadamente ilegal, assim como o desmanche que tem uma fachada legal e mesmo aqueles que procuram manter operações inteiramente legais, devem se reestruturar tanto tecnicamente como em suas relações com agentes do Estado. Adaptando-se às regulações estatais, ou ao menos produzindo uma “aparência de legalidade”, essa reestruturação do mercado parece ter relação direta com a redução dos roubos de veículos em São Paulo. Nossos interlocutores relataram que peças roubadas (com violência) vêm “com sangue” e atraem “bos”, ou seja, trazem riscos de criminalização. A diminuição dos roubos, na sequência da lei, parece ter relação direta com sua implementação.

Ao mesmo tempo, os desmanches que buscaram legalização adequando-se às normas e pararam de receber carros roubados para desmontar, terão maior dificuldade em vender autopeças baratas. Trabalhar nas margens da legalidade, recebendo progressivamente menos carros furtados ao longo do tempo, pode ter sido uma estratégia para o período de transição. Atirando na diminuição dos roubos, portanto, pode-se também ter acertado na diminuição paulatina dos furtos de veículos. São hipóteses que demandariam, ainda, bastante esforço de pesquisa qualitativa para amadurecimento.

Vale lembrar que o ano de 2014 não é emblemático para o mercado automotivo apenas pela implementação da “Lei do Desmanche”. O período entre 2014 e 2021 sucede o instante de maior prosperidade econômica do “país do futuro”; ano de menores níveis de desemprego e desigualdade, ao passo em que se marcava o início da recessão econômica com efeitos duradouros ainda hoje, acirrados pela pandemia de Covid-19. A queda no consumo popular e no poder de compra do salário mínimo, em consequência do empobrecimento, a alta da inflação e dos níveis de informalidade (Barbosa, 2017Barbosa, Fernando de Holanda. (2017), “A crise econômica de 2014/2017”. Estudos avançados, São Paulo, 31: 51-60.; Vereta-Nahoum, 2021Vereta-Nahoum, André. (2021), Prescribing and avoiding remedies: how industrial associations advanced futures out of the Brazilian recession (2014-2016). Review of Social Economy. London, 23: 1-30. além da redução do crédito popular impactam negativamente o mercado de automóveis.

A indústria automobilística experimentou imediatamente as consequências dessa retração econômica. O número de emplacamentos de veículos entre 2014 e 2021 indicou encolhimento de 44% em comparação com o período 2003-2014. Embora o pib brasileiro também tenha caído nesse período, a contribuição da indústria automobilística oscilou positivamente, de 20,4% de participação no pib industrial em 2014 para 22% em 2021. As especificidades dessa indústria, como a “crise de semicondutores”16 16 Os semicondutores são chips eletrônicos que isolam ou conduzem eletricidade e fundamentais para a indústria automotiva atual. , foram fatores decisivos para a queda mundial na produção de veículos, inclusive no Brasil, que retornou a patamares da primeira metade da década de 2000. Nesse período, inclusive, a indústria automobilística do México ultrapassou a brasileira, tornando-se a principal da América Latina17 17 A GM viu a Fiat ultrapassá-la em número de vendas totais. Esse período segue a dinamização do mercado nacional de veículos, especialmente pelos lançamentos de novos modelos e entrada competitiva de marcas como a Hyundai. Se em 2002 VW, GM e Fiat concentram 75% do mercado, esse número encolheu para 50%. A Ford também sai do país e montadoras como a Toyota chegam a 10% do mercado, já próximo da VW. . Com todas essas transformações, a balança comercial brasileira de autopeças ficou negativa entre 2014-2021, com importações concentrando-se na China, Japão, eua, México e Alemanha. Não por acaso, esses países são as matrizes das principais montadoras; sua pujança econômica os favorece na disputa comercial em tempos de crise.

Estudos preliminares de nossa equipe demonstram que, tanto do ponto de vista dos números da balança comercial (nos quais aumentam as importações de autopeças), quanto das nossas observações de campo (em que encontramos relatos de aumento do uso e venda de autopeças chinesas, mais baratas que as originais novas e competindo em preço com as originais usadas), essa balança comercial negativa pode ter significado tendência de diminuição da demanda de autopeças roubadas no mercado interno. Essa hipótese pode ter valor explicativo relevante, mas sem dúvida ainda precisaria de maior aprofundamento quali-quantitativo.

Considerações finais

Pelo que foi exposto, julgamos em primeiro lugar ser possível verificar a adequação do quadro teórico utilizado, em desenvolvimento em nossa equipe, que pressupõe que ao menos três conjuntos de atores sociais atuam diretamente na regulação de mercados ilegais - e do mercado de carros roubados e furtados em especial: (i) atores estatais que estabelecem leis e suas formas de implementação, além de outras medidas de segurança pública; (ii) atores criminais hoje faccionados, em São Paulo sob a hegemonia do PCC, que atuam diretamente nos cotidianos desses mercados ilegais em plena transformação; (iii) atores mercantis distribuídos entre os que controlam mercados de proteção - sobretudo policiais agindo ilegalmente - e os que se relacionam com o ambiente econômico mais amplo. A análise tripartite do fenômeno dos mercados ilegais permite a geração de hipóteses contraintuitivas e nos impele a analisar o fenômeno criminal de forma multimetodológica e multissituada. Essas são frentes de desenvolvimento científico que nos interessam perseguir em trabalhos futuros.

Conforme demonstramos ao longo das sinopses qualitativas, contrapostas a gráficos com dados quantitativos baseados nas oscilações das notificações e taxas de roubos e furtos de veículos em São Paulo, nossos resultados sugerem que a implementação da “Lei do Desmanche”, regulamentando efetivamente o funcionamento de um mercado ilegal - o de autopeças usadas - teve efeitos decisivos na diminuição da subtração veicular nos últimos anos. A ampliação da fiscalização dos estabelecimentos comerciais de desmontagem e revenda de autopeças, no período posterior à implementação da lei, parece ter tido efeito importante na diminuição da demanda por veículos roubados para desmontagem.

A diminuição do furto demonstrada nas taxas, por sua vez, ainda carece de maiores estudos e, a princípio, parece-nos estar mais relacionada às transformações internas ao mundo do crime (com a migração de quadrilhas especializadas para atividades mais lucrativas e seguras, como o reinvestimento em mercados legais, crimes cibernéticos ou mesmo o tráfico internacional), ou de mercado (o aumento de importação de autopeças chinesas, ou de outras procedências, com custos competitivos em relação a peças originais furtadas, pode ter diminuído a demanda por elas).

Durante a elaboração deste estudo, consideramos ainda outras hipóteses sustentadas por interlocutores para a queda dos números de roubos e furtos de veículos, como a implementação da bonificação de policiais por produtividade, o aumento da letalidade policial que inibiria ações criminais, transformações no policiamento ostensivo, entre outras. Nenhuma dessas hipóteses se sustentou na análise qualitativa, na medida em que a bonificação se concentra em anos eleitorais e não representa nenhuma mudança na produtividade policial quanto à recuperação de veículos (as seguradoras são responsáveis por essa recuperação), o policiamento ostensivo não sofreu mudanças significativas e em escala, a ponto de produzir mudanças tão expressivas nas taxas.

Os imperativos de cruzar métodos qualitativos que perscrutem mecanismos de transformação dos fenômenos, e métodos quantitativos que facilitem a elaboração de inferências, bem como o de desagregar taxas de roubos e furtos, tomando-os como fenômenos relativamente independentes, demonstraram-se muito produtivos em nosso estudo. De alguma forma, esses são também achados relevantes de nossas investigações. A complexidade de cada um desses fenômenos - o roubo e o furto em São Paulo - estão ainda por ser conhecidas mais detidamente no tempo e no espaço, e se possível com base em pesquisas de vitimização, o que evitaria sobrenotificações e subnotificações e sem dúvida permitiria avanços analíticos relevantes ao campo de estudos. Do ponto de vista da análise de políticas públicas, nos fica muito evidente que a regulamentação de mercados ilegais, como fez a “Lei do Desmanche” no estado de São Paulo, é chave para lançar alguma tendência de diminuição das nossas taxas criminais, em especial de crimes violentos, e busca de efetiva segurança pública.

Agradecimentos

Os e as autoras deste artigo agradecem à equipe de pesquisa do projeto Global Car (ANR/Fapesp) pelo esforço coletivo de compreensão das diferentes rotas de circulação e cadeias de valor nas quais veículos roubados estão inscritos. Agradecemos também o diálogo constante de pesquisadores como Daniel Hirata (UFF/Geni). Bem como ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e ao Instituto Sou da Paz, fundamentais no compartilhamento dos dados utilizados em nossas inferências teóricas. Por fim, agradecemos às organizadoras - Bianca Freire-Medeiros, Luana Dias Motta e Deborah Fromm - pelo trabalho cuidadoso de edição do presente dossiê.

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  • Zambon, Gregorio et al. (2022), “Crime, violence, and inequality in São Paulo”. In: Feltran, Gabriel (ed.). Stolen cars: A Journey Through São Paulo’s Urban Conflict . Hoboken: John Wiley; Sons.
  • 1
    Exceções sejam feitas aos trabalhos de Paes-Machado e Viodres-Inoue (2015)Paes-Machado, Eduardo; Viodres-Inoue, Silvia. (2015), “O lado sombrio da estrada vitimização, gestão coercitiva e percepção de medo nos roubos a ônibus interurbanos”. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, 30: 9-30. e de Matías Dewey (2012)Dewey, Matías. (2012), “Illegal police protection and the market for stolen vehicles in Buenos Aires”. Journal of Latin American Studies, Cambridge. 44(4): 679-702..
  • 2
    Nossa experiência de pesquisa sugere que praticamente todos os veículos recuperados (a grande maioria deles por seguradoras) são os que foram roubados. Os carros furtados, em sua enorme maioria, não são recuperados. Isso porque o roubo é cometido por jovens subcontratados, pensando em utilização em outros crimes ou fins temporários, para depois serem abandonados. Já os carros furtados vão ser destinados mais comumente aos mercados de desmanche.
  • 3
    A pesquisa de doutorado de Zambon tem se dedicado a essa distinção, desde 2018. Os resultados são consistentes com as observações realizadas nos últimos anos na América do Norte e em países europeus, nos quais os mercados de veículos roubados são também muito dinâmicos, mas muito menos violentos do que na América Latina (Feltran, 2022Feltran, Gabriel. (2022), “State Reaction”. In: Feltran, Gabriel (ed.). A Journey Through São Paulo’s Urban Conflict. Hoboken: John Wiley; Sons.).
  • 4
    Nossa abordagem etnográfica assume, assim, que a vida cotidiana desses distintos operadores é o que estrutura a vida urbana e suas formas sociais. Como nas etnografias de Veena Das (2007)Das, Veena. (2007), “In the region of rumor”. In: Das, Veena. Life and Words: Violence and the Descent into the Ordinary. Berkeley, Los Angeles and London: University of California Press, pp. 108-134., Blokland (2017)Blokland, Talja. (2017), Community as urban practice. Cambridge: Polity Press., Simone (2004)Simone, Abdoumaliq. (2004), “People as infrastructure: Intersecting fragments in Johannesburg”. Public culture. Durham, 16(3): 407-429., Duneier e Carter (1999)Duneier, Mitchel; Carter, Ovie. (1999), Sidewalk. New York: Farrar Straus; Giroux., Certeau (2012)Certeau, Michel de. (2012), A Cultura no plural. Campinas, Papirus Editora., consideramos que a imprevisibilidade e a improvisação sempre presentes quando tratamos de mercados ilegais (Amit e Knowles, 2017Amit, Vered; Knowles, Caroline. (2017), “Improvising and navigating mobilities: Tackling in everyday life”. Theory, Culture; Society, 34 (7-8): 165-179. https://doi.org/10.1177/0263276417724876.
    https://doi.org/10.1177/0263276417724876...
    ) não impedem a rotinização da ação criminal, bem como dos sentidos que ela terá para os sujeitos que a praticam (Feltran, 2017Feltran, Gabriel. (2017), “A categoria como intervalo: a diferença como essência e construção”. Cadernos Pagu. Campinas, 51.; Machado da Silva, 2008Machado da Silva, Luiz Antonio. (2008), Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.).
  • 5
  • 6
  • 7
    O leitor notará que, ao longo do artigo, nossos gráficos de taxas apresentam o denominador de “100 mil habitantes”, mas em alguns casos específicos também de “100 mil veículos”. Nesse segundo caso, essa foi uma forma de ressaltar os efeitos intensos do crescimento da frota veicular do estado de São Paulo nas últimas duas décadas, período analisado.
  • 8
    Disponível em: http://evolucaodosdadoseconomicos.com.br/taxa-de-desemprego/ (último acesso em 27/10/2022).
  • 9
    Dados dos Anuários da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Disponível em: https://anfavea.com.br/site/anuarios/ (último acesso em 27/10/2022).
  • 10
    Dados retirados dos anuários disponibilizados pela Federação Nacional Distribuição Veículos Automotores (Fenabrave). Disponível em: https://www.fenabrave.org.br/portalv2/Conteudo/anuarios. Último acesso em 27/10/2022.
  • 11
    Optamos por elencar aqui as mudanças macroeconômicas brasileiras considerando o pré e o pós-crise econômica mundial em 2008. Veremos que ainda que o Brasil tenha rapidamente se recuperado dos efeitos da crise internacional, a consolidação da China como potência econômica competitiva e importante abastecedora de produtos industrializados, resultará no aumento da importação de autopeças e na reestruturação desse mercado no Brasil nos anos seguintes.
  • 12
    Justamente por ser esse ponto de inflexão, é importante incluir o ano de 2014 em ambos os períodos analisados neste trabalho - ponto de chegada do primeiro intervalo e ponto de partida do segundo.
  • 13
    Os anos de 2016 e 2017 foram de crise nas alianças internas ao mundo do crime nacional, com o rompimento da harmonia anterior entre cv e PCC. São anos de pico das taxas de homicídio em 17 dos 27 estados do Brasil, e 2017 também é o ano de pico das taxas agregadas no país.
  • 14
    Monteiro (2022)Monteiro, Joana. (2022), Assessment of the impact of the use of body cameras by the military police of the state of São Paulo. Biblioteca Digital da FGV. São Paulo. https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/32610
    https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/...
  • 15
    Para mais informações e análises desse processo, ver Motta et al. 2022Motta, Luana et al. (2022), “Regulating an illegal market”. In: Feltran, Gabriel (ed.). A Journey Through São Paulo’s Urban Conflict. Hoboken: John Wiley; Sons ..
  • 16
    Os semicondutores são chips eletrônicos que isolam ou conduzem eletricidade e fundamentais para a indústria automotiva atual.
  • 17
    A GM viu a Fiat ultrapassá-la em número de vendas totais. Esse período segue a dinamização do mercado nacional de veículos, especialmente pelos lançamentos de novos modelos e entrada competitiva de marcas como a Hyundai. Se em 2002 VW, GM e Fiat concentram 75% do mercado, esse número encolheu para 50%. A Ford também sai do país e montadoras como a Toyota chegam a 10% do mercado, já próximo da VW.
  • Financiamento

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Agence Nationale de la Recherche (ANR/França) através do processo 2020/07160-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2022
  • Aceito
    18 Jan 2023
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: temposoc@edu.usp.br