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Mobilidade e cidade. Epistemologia e pesquisa

Mobility and the city: epistemology and research

Resumo

O artigo explora a mobilidade, tratando das características epistemológicas e das implicações metodológicas de algumas novidades que o chamado mobilities turn tem trazido para a pesquisa social, notadamente para a investigação de processos urbanos. Reflete-se sobre a dimensão inovadora dos estudos atuais em mobilidades, os quais se expandem para além da sociologia e da antropologia e se situam sobretudo na geografia. Em seguida, é considerada a definição do social e de espaço-tempo epistemologicamente compatível como a virada da mobilidade. Por fim, as consequências dessas posições para a pesquisa em cidades são exploradas para se concluir que elementos da tradição de pesquisas urbanas convergem para esta cena do presente, revelando afinidades epistemológicas e conceituais com modos contemporâneos de pensar a cidade.

Palavras-chave:
Mobilidades; Espaço-tempo; Estudos urbanos; Epistemologia

Abstract

The article explores mobility, dealing with the epistemological characteristics and methodological implications of some novelties that the so-called mobilities turn has brought to social research, notably to the investigation of urban processes. It reflects on the innovative dimension of current studies on mobility, which expand beyond sociology and anthropology and are situated above all in geography. Then, the definition of the social and epistemologically compatible space-time is considered as the turning point of mobility. Finally, the consequences of these positions for research in cities are explored to conclude that elements of the urban research tradition converge to this present scene, revealing epistemological and conceptual affinities with contemporary ways of thinking about the city.

Keywords:
Mobilities; Space-time; Urban studies; Epistemology

Introdução

Em tempos recentes, o panorama dos debates epistemológicos nas ciências sociais tem sido alterado pelas contribuições de várias frentes, apontando para a redefinição de novas ontologias do social, dos objetos da pesquisa, sugerindo estratégias inovadoras de pesquisa e de apresentação de resultados. As sugestões de uma sociologia além das sociedades (Urry, 2000Urry, John. (2000), Sociology beyond societies. Mobilities for the twenty-first century. Londres: Routledge .) ou de uma antropologia pós-social (Viveiros de Castro e Goldman, 2012Viveiros de Castro, Eduardo; Goldman, Marcio. (2012), “Introduction to Post-Social Anthropology. Networks, multiplicities, and symmetrizations”. hau: Journal of Ethnographic Theory, 2 (1): 421-433.), acompanhadas de algumas “viradas” que redefinem problemas de investigação e modos de análise (por exemplo, virada ontológica, virada da mobilidade), têm coexistido com os interesses voltados para a pragmática da vida social, ênfase que se apresenta na teoria antropológica desde os anos 1980, de acordo com o panorama traçado por Sherry Ortner (2011Ortner, Sherry B. (2011), “Teoria na Antropologia desde os anos 60”. Mana, 17 (2): 419-466.). Vários campos temáticos em que se localizam pesquisas antropológicas e sociológicas têm sido renovados em termos metodológicos e conceituais, assim como novas frentes de investigação foram inauguradas no ânimo trazido pelas propostas em torno da Teoria Ator-Rede (identificada a Bruno Latour, John Law e seus parceiros), das contribuições de Tim Ingold sobre ambiente e movimento e dos estudos sobre mobilidades que integram áreas como sociologia, antropologia e geografia (Urry, 2007Urry, John. (2007), Mobilities. Cambridge: Polity Press.; Sheller, 2014Sheller, Mimi. (2014), “Sociology after the mobilities turn”. In: Adey, Peter et al. The Routledge Handbook of Mobilities. London: Routledge , pp. 55-63.; Thrift, 1993Thrift, Nigel. (1993), “An urban impasse?”. Theory, Culture; Society, 10 (2): 229-238.; Cresswell, 2010Cresswell, Tim. (2010), “Towards a politics of mobility”. Environment and Planning D: Society and Space, 28 (1): 17-31., e muitos outros autores).

Este artigo se insere em uma preocupação mais ampla de convocar reflexões sobre as interferências desses movimentos epistemológicos na pesquisa em cenários urbanos, identificando elementos que revelem inspirações vindas desses debates em pesquisas recentes (para exemplos internacionais desses efeitos, ver Farías e Bender, 2010Farías, Ignacio; Bender, Thomas (eds.). (2010), Urban assemblages: how actor-network theory changes urban studies. Londres: Routledge .). É inquietante a constatação da notável articulação dessas reflexões em campos como etnologia indígena e antropologia da ciência e da técnica, em contraste com sua presença tímida e quase imperceptível na seara dos estudos urbanos.

Por certo, não se trata apenas de novos modos de ver processos já conhecidos. Vemos aparecer uma nova ordem de colocação de problemas investigativos e de invenções metodológicas, associada a um pensar relacional e processual na sociologia e na antropologia dedicada a temas urbanos. Minha proposta é explorar e articular as dimensões epistemológicas da pesquisa que se ancora nas temáticas da mobilidade e da cidade, remetendo aos campos de formulação e à atmosfera reflexiva em que se localizam. As figurações ontológicas do mundo social ou do ambiente em que os seres humanos se relacionam com os semelhantes, outros não humanos e materialidades diversas, que estão na partida dessas novas posições epistemológicas, também orientam desenhos de pesquisa empírica inovadores. A reflexão se circunscreve ao debate que trata da relação entre os temas do urbano e da mobilidade. A partir desse recorte, o objetivo é compreender como as Ciências Sociais e outras áreas das humanidades abordaram as mobilidades, tanto como objeto quanto como perspectiva analítica (conforme a distinção explorada em Jirón e Imilán, 2019Jirón, Paola; Imilán, Walter. (2019), “Moviendo los estudios urbanos. La movilidad como objeto de estudio o como enfoque para comprender la ciudad contemporánea”. Quid 16, 10: 17-36.).

Nesse ponto, a produção da geografia britânica será explorada com cuidado, pois, como John Urry observou com pertinácia (Urry, 1989Urry, John. (1989), “Sociology and geography”. In: Peet, Richard J.; Thrift, Nigel. New models in Geography. Volume 2. Londres: Unwin Hyman, pp. 295-317.; Sheller, 2017Sheller, Mimi. (2017), “From spatial turn to mobilities turn”. Current Sociology , 65(4): pp. 623-639.), a reflexão geográfica em seu país produz há décadas um conjunto convergente de proposições sobre espaço, tempo e movimento que se mostram afinadas com os caminhos da sociologia das mobilidades também consolidada a partir de autores baseados nesse território1 1 Cabe observar que Milton Santos propõe o par conceitual “fixos e fluxos” ainda nos anos 1970, pensando de modo articulado espaço e tempo. Deve-se reconhecer a atualidade dessa discussão que “permite apreender tanto as estruturas como o movimento de uma cena geográfica” (Barros, 2020, p. 493). . Entre esses geógrafos destacam-se Nigel Thrift e Doreen Massey, dos quais partem as ideias para a teoria não representacional do espaço e do tempo, definida como “a theory of mobile practices” por Thrift (Merriman, 2012Merriman, Peter. (2012), “Human geography without time-space”. Transactions of The Institute of British Geographies, 37 (1): 13-27., p. 17).

Além das sociedades e a epistemologia dos processos

Quando John Urry propôs que a sociologia dos anos 2000Urry, John. (2000), Sociology beyond societies. Mobilities for the twenty-first century. Londres: Routledge . se deslocasse do horizonte de pesquisa delimitado pela ideia de sociedade como unidade circunscrita, homogênea e estável, estava explicitando um conjunto de insatisfações com os rumos da pesquisa social. Urry reclamava a atenção aos processos de produção da vida social em movimento, às conexões entre realidades instáveis. Podemos reconhecer convergências dessa proposta com a defesa de uma sociologia relacional no manifesto escrito por Mustafa Emirbayer (1997Emirbayer, Mustafa. (1997), “Manifesto for a relational sociology”. American Journal of Sociology, 103 (2): 281-317.), em que se questiona a imaginação sociológica apoiada em definições substancialistas de grupos sociais e situações de observação empírica, recortados como unidades discretas de pesquisa, resultando na desconsideração das relações entre os mundos sociais, os espaços, as instituições. Essa defesa de uma visão processual e relacional dos mundos sociais está presente na tradição socioantropológica do século XX, em autores como Norbert Elias e Edmund Leach. Pensar instabilidades e reconhecer as fronteiras porosas entre grupos étnicos em sociedades espacialmente próximas, contemporâneas e interdependentes é uma marca duradoura da reflexão epistemológica e conceitual de Leach em relação aos sistemas políticos da Alta Birmânia em estudo publicado em 1954. De especial relevo para a arqueologia dessas ideias na antropologia é a proposta da análise situacional por autores da Escola de Manchester. Como disse Jaap Van Velsen há décadas, “a análise situacional, com sua ênfase no processo, pode ser, portanto, particularmente apropriada para o estudo das sociedades instáveis e não homogêneas” (Velsen, 2010Velsen, J. Van. (2010), “A análise situacional e o método de estudo de caso detalhado”. In: Feldman-Bianco, Bela (org.). Antropologia das sociedades contemporâneas. São Paulo: Editora Unesp , pp. 437-468., p. 459, grifos meus).

Essas inquietações vão ampliar seu alvo para além das relações sociais visando a incluir relações entre humanos e não humanos e seu ambiente de existência. Tem-se que reconhecer que Leach já pensava o entrelaçamento entre vida social e condições ecológicas de modo bastante original. Contudo, essa perspectiva se explicita com vigor nas chamadas epistemologias ecológicas (Steil e Carvalho, 2014Steil, Carlos Alberto; Carvalho, Isabel Cristina de Moura. (2014), “Epistemologias ecológicas: delimitando um conceito”. Mana 20(1): pp.163-183.), nas quais podemos situar autores contemporâneos como Bruno Latour (2012Latour, Bruno. (2012), Reagregando o social: uma introdução à teoria do Ator-Rede. Bauru, Salvador: Edufba, Edusc.) e Tim Ingold (2012Ingold, Tim. (2012), “Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais”. Horizontes Antropológicos, 18 (37): 25-44.). Embora os pontos de vista deles difiram em alguns temas relevantes, creio que suas ideias convergem para um ponto de vista relacional, processual e abrangente da vida em uma paisagem multipovoada por seres e coisas além das pessoas (mas junto com elas). Fundamentalmente, esses entrelaçamentos estão em movimento contínuo, transformando as entidades envolvidas na relação e o ambiente em que vivem esses encontros, considerado não mais como contexto inerte, mas como realidade a ser alterada pelas práticas/ações que se desenrolam em espaços de copresença.

Deve-se ressaltar que os debates que pretendo apresentar aqui colocam em colaboração e diálogo autores e áreas do conhecimento. Esse espírito fica evidente na produção e nas ações institucionais de John Urry e nas múltiplas conexões que estabeleceu a partir da Universidade de Lancaster, conduzidas por seus interesses na mobilidade e na sociologia do contemporâneo (ver, por exemplo, Sheller, 2017Sheller, Mimi. (2017), “From spatial turn to mobilities turn”. Current Sociology , 65(4): pp. 623-639.; Freire-Medeiros, Telles e Allis, 2018Freire-Medeiros, Bianca; Telles, Vera da Silva; Allis, Thiago. (2018), “Apresentação. Por uma teoria social on the move”. Tempo Social, 30 (2): 1-16.; e Freire-Medeiros e Lages, 2020Freire-Medeiros, Bianca; Lages, Maurício Piatti. (2020), “A virada das mobilidades: fluxos, fronteiras e fricções”. Revista Crítica de Ciências Sociais, 123: 121-142.). O novo paradigma das mobilidades2 2 Há resistências e indisposições tanto em relação ao conteúdo expresso pela proposta do novo paradigma das mobilidades (questionando, por exemplo, o ineditismo de sua abordagem das mobilidades), quanto ao ímpeto fundacional da demarcação no estilo antes e agora das enunciações de Urry e Sheller a esse respeito. Entre elas, provavelmente o artigo de Richard Randell seja o mais veemente ao afirmar que as referências que os autores convocam para identificar a emergência de um novo paradigma das mobilidades são na verdade relacionadas a vários paradigmas das ciências sociais. Por fim, ele conclui que “o termo ‘o novo paradigma das mobilidades’ é inadequado; não é um paradigma de mobilidades, mas um paradigma de teoria de sistemas com foco em mobilidades” (“the term ‘the new mobilities paradigm’ is a misnomer; it is not a mobilities paradigm but a systems theory paradigm with a mobilities focus”, Randell, 2018, p. 1). Merriman e Pearce (2017, p. 503) também se empenham em complicar a percepção de que a pesquisa sobre mobilidades - tanto em termos históricos quanto em referência a pesquisas atuais - seria capitaneada pelas ciências sociais, conforme afirmações de Urry e Sheller que eles escolhem para a epígrafe de seu artigo. que ele colocou em cena se pôs a conversar com a geografia britânica reconhecida por praticar uma teoria não representacional do espaço, organizada em torno de Nigel Thrift e Doreen Massey, assim como dialoga com a teoria ator-rede, em que se localizam John Law, Bruno Latour, Michel Callon etc. O que aproxima essas ideias e experimentos de pesquisa são a crítica ao modelo representacional das ciências da sociedade e do espaço e o primado das práticas.

Esse deslocamento epistemológico é que inspira os estudos de mobilidade em direção às experiências e aos fatores que interferem na realização ou não dos movimentos de sujeitos qualificados em suas características de gênero, classe social, idade, local de moradia e circuitos de deslocamentos intra e inter urbanos e por outras territorialidades. Trata-se de captar o que pensam os sujeitos de sua condição como móveis, em relação ao vivido, sem enquadrar representações do movimento e de seus aspectos como visões de mundo fora das práticas. O que se percebe é produto da experiência e da reflexão apoiada nela, não uma abstração ou um pensamento organizado em momento posterior. Assim, captar as narrativas sobre (e muitas vezes durante) os percursos torna-se um recurso de pesquisa valorizado nos estudos contemporâneos sobre mobilidade. Vêm daí as informações sobre trajetos, suas motivações e condições de realização no eixo combinado de espaço e tempo que sustentam tanto os estudos mais microscópicos quanto as análises compreensivas da variedade social e geográfica do estar on the move.

Os referentes empíricos da pesquisa sobre mobilidades são diversificados e incluem desde povos tradicionais, sociedades indígenas, camponesas e habitantes de pequenos núcleos urbanos, deslocando-se em sua própria região ou atravessando lugares mais ou menos distantes, inclusive tendo grandes cidades como um destino de seus percursos corriqueiros ou excepcionais3 3 Para exemplos etnográficos multissituados de enfoques sobre mobilidades, ver os estudos apresentados na coletânea Antropologia das mobilidades (Vidal e Souza e Guedes, 2021). . Esse panorama vasto sinaliza que os estudos sobre mobilidades antecedem e manejam referências metodológicas e conceituais variadas, que podem nem incluir a bibliografia em torno da produção chamada pelos próprios autores de “novo paradigma da mobilidade” (Sheller e Urry, 2016Sheller, Mimi; Urry, John. (2016) “Mobilizing the new mobilities paradigm”. Applied Mobilities , 1 (1): 1-16.). Embora encontremos convergências epistemológicas, como a visada da complexidade e dos processos, deve-se preservar a evidência de que a sensibilidade para a experiência sociocultural da mobilidade vai além dos enfoques desenvolvidos no século XXI. Essa constatação é válida especialmente para o campo da antropologia.

Feitas essas observações, cabe anunciar que o argumento se concentra na reflexão sobre as mobilidades urbanas, quer dizer, realizadas por sujeitos moradores de cidades, cujas rotinas de vida incluem o uso de variados modais de transporte público e privado, o caminhar, para realizar micro e macro deslocamentos entre lugares de trabalho, lazer, compras, tarefas de cuidado e perambulações de várias ordens. Nesse rumo, a reflexão epistemológica sobre a cidade e a pesquisa nessa configuração socioespacial também devem ser evocadas, pois há perspectivas novidadeiras nessa área, as quais participam das propostas de novas ontologias do social e do urbano, assim como apontam as possibilidades de uma nova epistemologia do urbano que ultrapasse os esquemas estáticos, substancialistas e normativos/prescritivos. Destaco a visão dos processos relacionados com o fazer cidade proposta nos trabalhos de Michel Agier, embasados no amplo espectro de experiências etnográficas do autor em várias cidades da Europa, África, Oriente Médio e América Latina. Para compreender a cidade em processo de se fazer é preciso rejeitar definições apriorísticas de cidade, as quais se apoiam em características gerais que levam a negar o estatuto de cidade a formas de aglomeração fundamentais para se captar o fenômeno diverso e instável das associações urbanas ao redor do mundo, tais como as áreas de fronteira urbana, os acampamentos de refugiados, as favelas e a ocorrência do urbano fora da cidade (Agier, 2015Agier, Michel. (2015), “Do direito à cidade ao fazer-cidade. O antropólogo, a margem e o centro”. Mana, 213: 483-498., 2011Agier, Michel. (2011), Antropologia da cidade. Lugares, situações, movimentos. São Paulo: Editora Terceiro Nome.).

Outra enunciação relevante nesse debate é o artigo de Neil Brenner e Christian Schmid (2015Brenner, Neil; Schmid, Christian. (2015), “Towards a new epistemology of the urban?”. City, 19 (2-3): pp. 151-182.), no qual reclamam a necessidade de reflexividade epistemológica para desestabilizar modos de pensar e pesquisar a cidade já cristalizados, mas que levam os estudos urbanos à repetição e à exclusão de processos de urbanização que não significam repetições de um formato “cidade”. Entre os aspectos dessa nova epistemologia do urbano está a recusa das classificações tipológicas e a compreensão de cidade como uma unidade espacial delimitada. Enfatizam os autores que o urbano resulta de processo que não tem forma universal, cujas aparentes estabilizações são materializações temporárias de transformações socioespaciais em curso (Brenner e Schmid, 2015Brenner, Neil; Schmid, Christian. (2015), “Towards a new epistemology of the urban?”. City, 19 (2-3): pp. 151-182., p. 165). Para o enquadramento da mobilidade nesse modo de ver e compreender a cidade/o urbano, cabe seguir as dimensões da urbanização, entre as quais se incluem as práticas espaciais, as regulações territoriais e a vida cotidiana (Brenner e Schmid, 2015Brenner, Neil; Schmid, Christian. (2015), “Towards a new epistemology of the urban?”. City, 19 (2-3): pp. 151-182., p. 170).

A vida móvel de seus habitantes e visitantes é certamente um elemento de destaque para a observação sociológica, trabalhada em alguns estudos valiosos como o de Nels Anderson sobre os hobos e aqueles realizados em cidades africanas do Cinturão do Cobre por autores como James Clyde Mitchell (1973Mitchell, James Clyde. (1973), “Distance, transportation and urban involvement in Zambia”. In: Southall, Aidan (ed.). Urban anthropology: cross-cultural studies of urbanization. Nova York: Oxford University Press., 2010Mitchell, James Clyde. (2010). “A dança kalela: aspectos das relações sociais entre africanos urbanizados na Rodésia do Norte”. In: Feldman-Bianco, Bela (org.). Antropologia das sociedades contemporâneas. São Paulo: Editora Unesp.). No entanto, a repetição do formato dominante de operar a pesquisa apoiada em categorias fixas e em unidades delimitadas e estáveis (espaços como bairros, setores urbanos) acabou por neutralizar as sugestões inovadoras contidas nesses estudos de décadas passadas: estudar em lugares urbanos e não os lugares. Ao que parece, chegamos ao ambiente intelectual mais receptivo a essas visões voltadas para as relações, as conexões, os processos. O ânimo do mobilities turn se acomoda nesse movimento epistemológico reconhecido em várias frentes convergentes, embora nem sempre coetâneas. Entre elas, destaca-se a reviravolta trazida pelas visões não representacionais e suas consequências metodológicas na captura descritiva e analítica dos movimentos.

Teorias não representacionais do espaço: o primado das práticas

As teorias não representacionais estão formuladas de modo mais direto no campo da geografia, especialmente entre autores britânicos. Assim, podemos qualificá-las como teorias não representacionais do espaço, as quais se importam em produzir “a geografia do que acontece” (“the geography of what happens”, Thrift, 2008Thrift, Nigel. (2008), Non-representational theory. Space, politics, affect. Londres: Routledge ., p. 2). Desse modo, a pesquisa geográfica se concentra nas práticas, nas rotinas corporadas que se desenrolam em eixos espaço-tempo. Nos termos de Anderson e Harrison (2010Anderson, Ben; Harrison, Paul. (2010), “The promise of non-representational theories”. In: Anderson, Ben; Harrison, Paul (eds.). Taking place: non-representational theories and geography. Hampshire: Ashgate., p. 11), o ponto de partida de todas as teorias não representacionais: “o pensamento é colocado em ação, e a ação é colocada no mundo” (“thought is placed in action and action is placed in the world”). Como reconhecem os geógrafos dessa corrente, o sueco Torsten Hägerstrand foi o primeiro a oferecer essa perspectiva de análise com o uso dos diagramas de espaço e tempo em seus trabalhos desde os anos 1970 (Thrift, 2005Thrift, Nigel. (2005), “Torsten Hägerstrand and social theory”. Progress in Human Geography, 29 (3): 337-440.). E mais, os seus mapas tinham como referência o cotidiano.

Aqui temos um ganho heurístico de grande valor para a geografia e para as outras ciências que lidam com práticas concretas, do dia a dia, que se desenrolam não apenas em um contexto espacial, mas se situam no tempo. Os estudos sobre mobilidades socioespaciais entram em outra dimensão compreensiva quando trazem para si a observação de Nigel Thrift de que “a unidade essencial da geografia não é espacial, ela reside em regiões do espaço-tempo e na relação dessas unidades com configurações espaço-temporais maiores. A geografia é o estudo dessas configurações. […] As circunstâncias congeladas do espaço só ganham vida quando a melodia do tempo é tocada” (Thrift, 1996Thrift, Nigel. (1996), Spatial formations. Londres: Sage., p. 1)4 4 No original: “the essencial unit of geography is not spacial, it lies in regions of time-space and in the relation of such units to the larger spatio-temporal configurations. Geography is the study of these configurations. […] The frozen circunstances of space only come alive when the melody of time is played.” .

Entre as propostas não representacionais, o pensamento de Doreen Massey participa desse ímpeto crítico porque também insiste que se deve abrir o espaço para o tempo. Massey observa que “[…] na associação do espaço com a representação, ele foi privado de dinamismo e, radicalmente, contraposto ao tempo” (Massey, 2013Massey, D. (2013), Pelo espaço. Uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil., p. 44, grifos originais). A consequência mais séria da oposição entre espaço e tempo apontada por Massey é tratar o espaço como imobilidade, poder, coerência e representação (Massey, 2013Massey, D. (2013), Pelo espaço. Uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil., p. 79). Ultrapassar essa visão é a única saída para encaminharmos uma sociologia além das sociedades e avançar rumo à virada da mobilidade, incorporando para a pesquisa sobre mobilidades urbanas (e quaisquer outras) a relacionalidade dos tempos-espaços, mudando de um enfoque em horizontalidades para um enfoque em trajetórias coetâneas que se articulam e podem ser registradas em “cartografias situacionistas”, como propõe Massey (2013)Massey, D. (2013), Pelo espaço. Uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil..

A pesquisa não representacional concentra-se em eventos, está atenta a práticas e performances, privilegia o estudo das relações, traz para análise as ressonâncias afetivas (sentimentos, sensações, atmosferas, ânimos) e os bastidores das ações. Como diz Phillip Vannini, tais objetos de interesse são direções sobre “o que” pesquisar; o “como” fazer o trabalho de investigação pela chave não representacional é desafio a ser experimentado em pesquisas particulares (a exemplo daquelas que são apresentadas na coletânea que o autor organizou); não há um método particular ou a rejeição preliminar a soluções metodológicas preexistentes (Vannini, 2015Vannini, Phillip (2015), “Non-representational research methodologies. An introduction”. In: Vannini, Phillip. (ed.). Non-representational methodologies: re-envisioning research. Nova York: Routledge, pp. 1-18., p. 11).

No campo da antropologia, as teorias não representacionais estão na base da revisão epistemológica e interpretativa presente no trabalho de Alberto Corsín Jiménez, realizado na cidade de Antofagasta (Chile), no qual propõe uma redefinição ontológica do conceito de espaço em que “o espaço não é mais uma categoria de atributos ontológicos fixos e dados, mas um devir, uma propriedade emergente das relações sociais” (Jiménez, 2003Jiménez, Alberto Corsín. (2003), “On space as a capacity”. The Journal of the Royal Anthropological Institute, 9 (1): 137-153., p. 140)5 5 No original: “space is no longer a category of fixed and given ontological atributes, but a becoming, an emerging property of social relationships”. . Abrir o espaço para o tempo resulta em trazer o movimento das pessoas e a mudança para o centro da reflexão. Diz Jiménez que “a dificuldade de ver o movimento como um aspecto da vida social em geral está relacionada com o fato de que a mobilidade, na medida em que envolve pessoas sedentárias, tem sido considerada um fenômeno especial e temporário” (Idem, p. 1516 6 No original: “the difficult of seeing movement as an aspect of social life in general is related to the fact that mobility, in so far as it involved settled people, has been regarded as a special and temporary phenomenon”. ).

Jiménez foi particularmente inspirado pela crítica que Nancy Munn dirige a suposições comuns sobre espaço, tempo e fronteiras (boundaries) - apoiada em sua pesquisa com povos aborígenes da Austrália -, as quais definem “que o espaço é estático e deve ser contrastado com o dinamismo do tempo; que os limites espaciais são sempre fixos, formas relativamente duradouras marcadas no chão […]” (Munn, 1996Munn, Nancy. (1996), “Excluded spaces: the figure of Australian Aboriginal Landscape”. Critical Inquiry, 22 (3): 446-465., p. 465)7 7 No original: “that space is static and to be contrasted with the dynamism of time; that spatial boundaries are always fixed, relatively enduring forms marked off on the ground […]”. . O argumento de Munn é direto, indicando que

[…] se entendermos o espaço simplesmente como se referindo a lugares e regiões terrestres culturalmente significativos, desarticulamos as relações dinâmicas entre regiões espaciais e campos espaciais em movimento. Esse tipo de reificação, por sua vez, dissolve a integridade do espaço e do tempo, pois extrai do modelo analítico o sujeito centralizador - o ator espacial e temporalmente situado - por meio de quem e em cuja experiência a integridade do espaço e do tempo emerge (Munn, 1996Munn, Nancy. (1996), “Excluded spaces: the figure of Australian Aboriginal Landscape”. Critical Inquiry, 22 (3): 446-465., p. 465)8 8 No original: “if we understand space simply as referring to culturally meaningful terrestrial places and regions, we disarticulate the dynamic relations between spatial regions and moving spatial fields. This sort of reification in turn dissolves the integrity of space and time, for it extracts from the analytic model the centering subject - the spatially and temporally situated actor - through whom and in whose experience the integrity of space and time emerges”. .

É notável a precisão da demanda de Munn, de que “necessitamos, então, de um paradigma que trabalhe contra a abstração do problema do espaço daquele do corpo e da ação, e contra a oposição de espaço e tempo” (Munn, 1996Munn, Nancy. (1996), “Excluded spaces: the figure of Australian Aboriginal Landscape”. Critical Inquiry, 22 (3): 446-465., p. 465)9 9 No original: “what we need, then, is a paradigm that works against abstracting the problem of space from that of the body and action, and against the oppositional separation of space and time”. . Sabemos que esse projeto intelectual estava se construindo aos poucos, em diferentes disciplinas das ciências sociais e das humanidades. A virada espacial que vem se desenhando desde os anos 1980 significa afirmar que o espaço importa não apenas porque os eventos se desenrolam numa superfície, mas porque o lugar onde eles acontecem é relevante para se conhecer como e por que eles se realizam, conforme resumem os geógrafos Barney Wolf e Santa Arias (2009Wolf, Barney; Arias, Santa (eds.). (2009), The spatial turn. Interdisciplinary perspectives. Londres: Routledge .).

Além de Nancy Munn, Jiménez inclui a antropologia de Tim Ingold como apoios antropológicos para escapar desse modo repetido de ver o mundo centrado na fixidez espacial. Leitor de geógrafos como Doreen Massey, o antropólogo britânico deixa claro seu desconforto com a categoria espaço para descrever o que ele chama de “mundo”. Em sua resenha de Pelo espaço, Ingold esclarece: “Para mim, o mundo é um mundo, não um espaço; e o que está acontecendo nele - o processo em que suas múltiplas formas surgem e se mantêm - são processos da vida, não do tempo. O espaço-tempo de Massey é, para mim, o mundo da vida” (Ingold, 2006Ingold, Tim. (2006), “Review For Space (Doreen Massey)”. Journal of Historical Geography, 32: 891-893., p. 892)10 10 No original: “To my mind the world is a world, not space; and what is going on in it - the process wherein its manifold forms arise and are held in place - are processes of life, not time. Massey’s time-space is, for me, the lifeworld”. . Temos aqui um antropólogo que deixa de lado categorias fundamentais na organização do modo de pensar geográfico; mesmo assim, quero reconhecer em meu argumento as afinidades quanto ao tipo de atenção que tais autores dão ao que acontece no mundo.

Tim Ingold critica firmemente o uso da categoria espaço pelo seu teor abstrato, distanciada das realidades da vida e da experiência, em um texto que explicita seu tom no próprio título: “against space”. Como o movimento acontece de fato entre lugares vividos e não em contextos definíveis como “espaços” delimitados, Ingold chama a atenção para os modos de habitar o mundo que apoiam a compreensão de que a vida se faz no movimento perambulatório em caminhos que conectam lugares. Por isso, “a existência humana não é fundamentalmente vinculada a um lugar [...], mas vinculando-se a lugares” (Ingold, 2011Ingold, Tim. (2011). “Against space: place, movement, knowledge”. In: Ingold, Tim. Being alive. Essays on movement, knowledge and description. Londres: Routledge , pp. 145-155., p. 148, grifos originais)11 11 No original: “human existence is not fundamentally place-bound […], but place-binding”. . A antropologia de Ingold se centra no movimento, na percepção e no conhecimento surgido na experiência de andar por entre lugares. Sua definição dos entes vivos, sejam humanos ou não, pode ser sintetizada na expressão dos deslocamentos com o verbo wayfaring e no sujeito do movimento como wayfarer. Para além de ocupar um ambiente circunscrito, compreende-se o habitar como a condição que melhor exprime esse estar atento ao mundo e às relações com sua materialidade multiforme. E habitar é uma ação definida por ações móveis. Ingold, como os outros autores que citei antes, avalia que estamos no momento apropriado para mudar do espaço para o movimento (Ingold, 2011Ingold, Tim. (2011). “Against space: place, movement, knowledge”. In: Ingold, Tim. Being alive. Essays on movement, knowledge and description. Londres: Routledge , pp. 145-155., p. 149).

Minha proposta aqui é ressaltar como a ideia de place-binding é operada nos estudos empíricos informados pela virada da mobilidade. Esses desenvolvimentos do pensamento relacional e não representacional na geografia e nas ciências sociais são colocados em ação na investigação das mobilidades sensível às diferenças dos atores sociais, que não são pensados como sujeitos móveis em geral, mas qualificados em suas características sociológicas intervenientes na conformação de seus circuitos perambulatórios ao longo de sua biografia e no presente pesquisado. A frente de pesquisas já trilhada nos estudos de mobilidade e as explorações futuras podem trazer contribuições porque acionam exatamente a análise das práticas e sentidos articulados às ações de ligar lugares. Os estudos urbanos muito têm a ganhar com essas aberturas epistemológicas e conceituais que questionam veementemente os modelos estáticos orientados pela ideia de lugares limitados que contêm as práticas relevadas pela pesquisa. Lembremos que José Guilherme Magnani observou há alguns anos que a antropologia na cidade deveria estar atenta a descrever trajetos, “recorrentes no espaço mais abrangente da cidade” (Magnani, 2002Magnani, José Guilherme Cantor. (2002), “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 49 (17): 11-29., p. 23), reconhecendo os atores sociais como sujeitos de deslocamentos múltiplos pela cidade, entre regiões centrais de maior anonimato e áreas de maior proximidade e reconhecimento entre vizinhos e chegados.

A sociologia espacial ou a virada espacial na sociologia, embora tragam reflexões valiosas para os rumos da pesquisa, persistem na ênfase sobre o espaço, com a atenção menor ao tempo (Löw, 2013Löw, Martina. (2013), “O spatial turn: para uma sociologia do espaço”. Tempo Social, 25 (2): 17-34.). E mais: não há inclusão do tempo como simultaneidade, mas sim no sentido de tempo histórico. Assim vemos que a proposição de Fuller e Löw de que “space is vital to sociology as time” (2017Füller, Martin G.; Löw, Martina. (2017), “Introduction: An invitation to spatial sociology”. Current Sociology, 65(4): 469-491., p. 477) é seguida de referência à crítica de Norbert Elias ao presentismo na sociologia, contraposto à investigação dos processos históricos de longa duração e à sociogênese do que se observa no momento da pesquisa. Não temos ainda na produção sociológica dedicada à produção social dos espaços o tipo de problematização epistemológica e conceitual presente nas terminologias espaço-tempo, espaço e tempo ou timespace marcantes no pensamento geográfico. Como já afirmou Thrift, nem o espaço nem o tempo são centrais para o estudo das ordens da interação humana, mas sim o tempo-espaço (Thrift, 1996Thrift, Nigel. (1996), Spatial formations. Londres: Sage., p. 1). Peter Merriman tem proposto até mesmo uma geografia humana para além do tempo-espaço, que adicione a possibilidade do movimento-espaço (termo usado anteriormente por Nigel Thrift). Merriman sugere que os acontecimentos (descritos na forma processual dos verbos “spacing and timing”) possam também ser abordados por aspectos como movimento, ritmo, força, energia, afeto e sensação (Merriman, 2012Merriman, Peter. (2012), “Human geography without time-space”. Transactions of The Institute of British Geographies, 37 (1): 13-27., p. 13), indo além do esforço de conceitualização dos eventos quanto a localização, posição e contexto.

De acordo com Mimi Sheller, em inúmeras revisões sobre a perspectiva própria do mobilities turn e da produção de John Urry, mas especialmente no artigo que pontua a passagem da virada espacial para a virada da mobilidade, reconhecem-se o débito com a produção dos geógrafos, especialmente de Doreen Massey, no avanço rumo a uma análise relacional do espaço (Sheller, 2017Sheller, Mimi. (2017), “From spatial turn to mobilities turn”. Current Sociology , 65(4): pp. 623-639., p. 624), e a imaginação espacial das mobilidades inspirada pelas teorias não representacionais do espaço. No novo paradigma das mobilidades construído em torno de Urry, materialidades e temporalidades são inseridas nesse horizonte relacional, que atenta para movimentos, imobilidades, bases infraestruturais para o deslocamento e os aspectos de desigualdade e poder que devem ser descritos e analisados como componentes dos trânsitos e seus impedimentos em qualquer sociedade, mas de modo mais intenso nas cidades de maior porte, com sistemas sociomateriais mais complexos relacionados aos movimentos cotidianos de seus habitantes.

Há evidentemente uma presença da teoria ator-rede e sua definição de interdependência entre tecnologia, aparatos materiais e os atores humanos e não humanos que estão presentes nesses atos de circulação, que podem ser reconhecidas nessa ampliação do campo da descrição sociológica. Em síntese, Sheller esclarece que “[…] o paradigma das novas mobilidades envolve a análise de diversas redes, relações, fluxos e circulações que se cruzam, e não lugares fixos. Sugere que é crucial trazer a produção dinâmica e contínua do espaço por meio de práticas sociais cotidianas para a teoria social” (Sheller, 2017Sheller, Mimi. (2017), “From spatial turn to mobilities turn”. Current Sociology , 65(4): pp. 623-639., p. 630)12 12 No original: “[…] the new mobilities paradigm involves analyzing diverse intersecting networks, relations, flows and circulation, and not fixed places. It suggests that it is crucial to bring in the dynamic, ongoing production of space via everyday social practices into social theory”. . A ampla bibliografia gerada nesse ímpeto investigativo tanto nas ciências sociais quanto na geografia constitui um acervo de contribuições conceituais e metodológicas, abrigadas no arcabouço epistemológico abrangente que estou delimitando. Creio que, na América Latina, a produção de Paola Jirón e seus parceiros13 13 Pesquisas e publicações desse grupo chileno podem ser acompanhadas no site do Núcleo Milenio Movilidades y Territorios (https://www.movyt.cl/), consultado em 11/02/2022. (2010Jirón, Paola. (2010), “Mobile borders in urban daily mobility practices in Santiago de Chile”. International Political Sociology, 4: 66-79., 2011Jirón, Paola. (2011), “On becoming ‘la sombra/the shadow’”. In: Büscher, Monika; Urry, J.; Witchger, K. (eds.). Mobile methods. Londres: Routledge , pp. 36-53., 2019Jirón, Paola; Imilán, Walter. (2019), “Moviendo los estudios urbanos. La movilidad como objeto de estudio o como enfoque para comprender la ciudad contemporánea”. Quid 16, 10: 17-36.) tem apresentado a combinação mais consistente entre reflexividade conceitual e inovação metodológica no quadro do novo paradigma das mobilidades sob influência direta de John Urry e Mimi Sheller.

Pesquisas nas cidades: para onde a mobilidade nos leva?

Michel Agier propõe

[…] um método que permita pensar a universalidade da cidade fora de qualquer pretensão normativa, ou seja, segundo uma concepção ao mesmo tempo epistemológica e política. Baseada em pesquisa etnográfica urbana, esta concepção defende a ideia de uma construção/desconstrução de seu objeto “cidade”, rejeitando qualquer definição a priori da mesma enquanto ferramenta analítica. A questão seria antes: o que faz e desfaz a cidade permanentemente? (Agier, 2015Agier, Michel. (2015), “Do direito à cidade ao fazer-cidade. O antropólogo, a margem e o centro”. Mana, 213: 483-498., p. 483).

Essa pergunta de Agier deve estar no horizonte das pesquisas urbanas de hoje, embora ela se coloque a partir das bases de um pensar antropológico processual, relacional, largamente inspirado na produção dos antropólogos que estudaram cidades africanas, liderados por Max Gluckman. Por agora, cabe recuperar que Agier extrai desse momento da pesquisa antropológica em cidades habitadas de modo majoritariamente por africanos de origem rural, que se tornam operários da indústria transnacional de extração do cobre nas cidades do chamado Cinturão do Cobre, a visão de uma cidade “des-espacializada” (Agier, 2011Agier, Michel. (2011), Antropologia da cidade. Lugares, situações, movimentos. São Paulo: Editora Terceiro Nome.), observada em termos de situações e redes. A análise não se restringe a espaços fixos, predefinidos em suas utilizações e identificações; orienta-se por rastrear intersecções de redes, relações, fluxos, circulação dos atores.

Entre os autores que realizaram seus estudos nesse grupo, podemos destacar James Clyde Mitchell, em razão de suas pesquisas sobre atores em trânsito, sem fechar-se à dicotomia rural-urbano e levando em conta a ativação da estrutura social dando sentido ao movimento dos atores, homens, principalmente. Em 1956, ele publica seu relevante estudo sobre a dança kalela, que exprime o mantra da Escola de Manchester: “um cidadão é primeiro um cidadão e apenas secundariamente um membro da tribo”, “a townsman is first a townsman, and only secondarily a tribesman” (Burawoy, 2000Burawoy, Michael (ed.). (2000), Global ethnography: forces, connections, and imaginations in postmodern world. Berkeley: University of California Press., p. 18). Em relação ao tema da mobilidade, o artigo “Distance, transportation and urban involvement in Zambia” (Mitchell, 1973Mitchell, James Clyde. (1973), “Distance, transportation and urban involvement in Zambia”. In: Southall, Aidan (ed.). Urban anthropology: cross-cultural studies of urbanization. Nova York: Oxford University Press.) trata do movimento dos trabalhadores africanos moradores de cidades que conseguem manter conexões próximas com as áreas rurais de origem. Eles dependem das distâncias, da rede de estradas e da disponibilidade de transporte para desenvolver vínculos mais ou menos intensos com sua comunidade tribal e seus parentes. Essa é a lição que Agier toma da antropologia da Escola de Manchester: problematizar as categorias estáveis e tipologias e investigar processos que atravessam distâncias e mundos articulados em um contexto colonial que redimensionou seus vínculos.

Na mesma região, James Ferguson pesquisou as dinâmicas entre cidades e áreas rurais, mas em contexto econômico de retração da atividade de extração do cobre mais recente (Ferguson, 1997Ferguson, James. (1997), “The country and the city on the Copperbelt”. In: Gupta, Ahkil; Ferguson, James (eds.). Culture, power, place. Explorations in critical anthropology. Durham: Duke University Press, pp. 137-154., 1999Ferguson, James. (1999), Expectations to modernity. Myths and meanings of Durban life on the zambian Copperbelt. Berkeley: University of California Press .). Importa ressaltar que todos esses trabalhos sobre as conexões urbano-rural se constroem em torno de uma metafísica nômade, em contraste com a metafísica sedentária (cf. distinção de Cresswell, 2006Cresswell, Tim. (2006), On the move: mobility in the modern western world. London: Routledge.), que conduz a antropologias também sedentárias (Burawoy, 2000Burawoy, Michael (ed.). (2000), Global ethnography: forces, connections, and imaginations in postmodern world. Berkeley: University of California Press.). A visada sobre as mobilidades que procuro garimpar neste artigo se materializou porque se deixou conduzir por uma metafísica nômade, a qual está subjacente aos trabalhos propriamente situados no mobilities turn, mas também é encontrada em várias outras iniciativas intelectuais. Reitero que a reflexão aqui proposta pretende circular entre essa paisagem bibliográfica ampliada.

O projeto etnográfico que pretende traçar a topologia de relações que não dependem de proximidade física se afina com a abordagem da mobilidade mais atual. Esse empreendimento descritivo e analítico tem sido realizado sob inspiração também da sociologia das associações proposta por Bruno Latour, com resultados muito inspiradores para os estudos urbanos. Das proposições de Bruno Latour, considero especialmente desestabilizadoras a distinção entre definições ostensivas e performativas dos objetos; a sugestão de que não há grupos, apenas formação de grupos; e a proposta de uma sociologia das associações entre objetos, materiais, humanos e não humanos. Para os estudos urbanos há implicações que convergem para as posições que desafiam as definições convencionais e até agora hegemônicas de cidade como unidade limitada, estável e recortada antecipadamente em relação à pesquisa, as quais podem ser formuladas sem referência à teoria ator-rede, como acontece na produção de Michel Agier e Neil Brenner (2013Brenner, Neil. (2013), “Theses on urbanization”. Public Culture, 25 (1): 85-114.), por exemplo.

A coletânea Urban assemblages: how actor-network theory changes urban studies (Farías e Bender, 2010Farías, Ignacio; Bender, Thomas (eds.). (2010), Urban assemblages: how actor-network theory changes urban studies. Londres: Routledge .) enfrenta a problemática das ontologias do social em articulação com as ontologias do urbano, questão decisiva para nortear os estudos sobre mobilidade na cidade ou que atravessam as cidades. Um dos pontos de partida da reflexão inspirada na teoria ator-rede é a recusa do projeto de totalização. Não se assume antecipadamente a forma que o social toma. A cidade não é uma realidade que já está lá, mas é feita de composições urbanas, que se objetivam provisoriamente de várias maneiras (Farías, 2010Farías, Ignacio. (2010), “Introduction. Decentring the object of urban studies”. In: Farías, Ignacio; Bender, Thomas (eds.). Urban assemblages: how actor-network theory changes urban studies. Londres: Routledge , pp. 1-24., p. 15). A tradução das ferramentas da teoria ator-rede está sendo realizada de modo quase experimental, como se nota nos estudos empíricos apresentados no livro. A proposta de espaços gelatinosos e ontologias planas (flat ontologies) aparece em artigos como o de Manuel Tironi sobre a cena da música experimental em Santiago, norteado por morfologias alternativas da organização espacial: redes, fluxos, atmosferas (Tironi, 2010Tironi, Manuel. (2010), “Gelleable spaces, eventful geographies: the case of Santiago’s experimental music scene”. In: Farías, Ignacio; Bender, Thomas (eds.). Urban assemblages: how actor-network theory changes urban studies. Londres: Routledge , pp. 27-52., p. 66). Efeitos da incorporação da teoria ator-rede aparecem em afirmações como a de que “os objetos não se movem no espaço, eles o criam […]. A coconstrução de espaços e objetos permite continuidades ou topoi possíveis indefinidamente” (Tironi, 2010Tironi, Manuel. (2010), “Gelleable spaces, eventful geographies: the case of Santiago’s experimental music scene”. In: Farías, Ignacio; Bender, Thomas (eds.). Urban assemblages: how actor-network theory changes urban studies. Londres: Routledge , pp. 27-52., p. 37, grifos originais)14 14 No original: “[…] objects do not move in space, they create it […]. The co-construction of spaces and objects allows for indefinite possible continuities or topoi”. .

Como reconhece Thomas Bender, a relevância da teoria ator-rede para os estudos urbanos se percebe principalmente em sua capacidade de conectar aspectos humanos e não humanos da vida urbana, a infraestrutura e a vida humana que ela suporta (Bender, 2010Bender, Thomas. (2010), “Postscript. Reassembling the city: networks and urban imaginaries”. In: Farías, Ignacio; Bender, Thomas (eds.). Urban assemblages: how actor-network theory changes urban studies. Londres: Routledge, pp. 303-323., p. 313). A cidade é coletividade aberta, composta de redes diversas (humanas, infraestruturais, arquitetônicas, de segurança e muitas outras). Nesse panorama de atitudes investigativas é que situo as pesquisas sobre mobilidades, seguindo Sheller e Urry quando esclarecem que “O novo paradigma da mobilidade argumenta contra essa ontologia de ‘lugares’ e ‘pessoas’ distintos. Em vez disso, há uma complexa relacionalidade de lugares e pessoas conectadas por meio de performances” (2006Sheller, Mimi; Urry, John. (2006), “The new mobilities paradigm”. Environment and Planning A, 38 (2): 207-226., p. 214)15 15 No original: “The new mobility paradigm argues against this ontology of distinct ‘places’ and ‘people’. Rather, there is a complex relationality of places and persons connected through performances”. .

Temos pesquisas consolidadas nessa chave de diálogo com Latour nos trabalhos de Janice Caiafa sobre transportes públicos no Rio de Janeiro, New York e Paris (por exemplo, Caiafa, 2002Caiafa, Janice. (2002), Jornadas urbanas. Exclusão, trabalho e subjetividade nas viagens de ônibus na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora FGV., 2007Caiafa, Janice. (2007), Aventura das cidades. Rio de Janeiro: Editora FGV ., 2013 Caiafa, Janice. (2013), Trilhos da cidade: viajar no metrô do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7Letras. e 2021Caiafa, Janice. (2021). “Dinâmicas da inovação: automação integral da condução e agência humana na Linha 4 do metrô de São Paulo”. Revista Fronteira, 23 (1): 146-160. ). No entanto, existem veios de pesquisa no campo das mobilidades a serem explorados a partir da conexão com esses posicionamentos até aqui discutidos, os quais podem ser testados, recombinados e aprimorados em pesquisas empíricas comprometidas com a reflexividade epistemológica reclamada por todos esses autores e autoras aqui considerados, os quais oferecem o apoio à reflexão sobre a forma como pensamos a cidade e a mobilidade, sobretudo pelo caminho da sociologia das associações, das teorias não representacionais e da antropologia da vida proposta por Ingold. Nigel Thrift reclamou em 1993Thrift, Nigel. (1993), “An urban impasse?”. Theory, Culture; Society, 10 (2): 229-238. sobre a exaustão das formas convencionais de descrever a cidade ocidental contemporânea, referindo-se notadamente aos esquemas duais (ou descritores bimodais) que tanto persistem na paisagem dos estudos urbanos. Reimaginar o urbano, redefinindo sua ontologia; visualizando a cidade como processo, mobilidade e viagem, nomeações e imaginários transitórios (Amin e Thrift, 2002Amin, Ash; Thrift, Nigel. (2002), Cities. Reimagining the urban. Cambridge: Polity Press.). Aproximar-se de novas formas de ver os processos sociais pode ser o escape de tal esgotamento resultante da repetição automática de certo léxico sociológico.

Pensemos em estudos atuais atentos a fenômenos urbanos que atravessam lugares e acionam redes entre atores, atividades e equipamentos fixos e móveis da textura do ambiente das cidades, mas que ampliam a visada sobre os movimentos, seus agentes e as materialidades que os acompanham ao incluírem a dimensão de poder presente tanto nas narrativas que dão sentido aos espaços e seus frequentadores quanto nas hierarquias instáveis entre as regiões e situações da interação urbana. Entre vários exemplos, a interpretação etnográfica sobre os saraus das periferias de São Paulo empreendida por Derek Pardue e Lucas Oliveira (2018Pardue, Derek; Oliveira, Lucas Amaral de. (2018), “City as mobility: a contribution of brazilian saraus to urban theory”. Vibrant, 15 (1): 1-19.) escapa de oposições estáveis no plano da análise, embora as categorias de centro e periferia possam estar presentes nas teorias nativas da diferenciação urbana. Há outras iniciativas sensíveis às práticas de mobilidade que evitam os esquemas prefigurados de leitura de processos urbanos, como tenho exercitado na abordagem dos deslocamentos na área metropolitana de Belo Horizonte (Vidal e Souza, 2018Vidal e Souza Candice. (2018), “A vida móvel das mulheres entre os bairros e as cidades: explorações antropológicas em fronteiras urbanas da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Minas Gerais/Brasil)”. Universitas Humanistica, 85: 293-318. e 2021Vidal e Souza Candice. (2021), “Habitar e mover-se pelo deserto que se torna cidade”. In: Vidal e Souza, Candice; Guedes, André Dumans (orgs.). Antropologia das mobilidades. Brasília: ABA Publicações, pp. 487-516.).

Considerações finais

Em derradeiro esforço de alinhavo das discussões em torno da mobilidade e da cidade, cabe enfatizar que, se esse debate está se desenrolando na seara geográfica e sociológica, os registros antropológicos das práticas de mobilidade estão disponíveis para sociedades, ambientes, cosmovisões e regimes morais diversos. Considerar as circulações múltiplas que acontecem envolvendo pessoas, coisas, bichos, espíritos e todo um mundo vasto de seres moventes tem sido tarefa do trabalho etnográfico há tempos. Entre muitos exemplos, podemos começar pelo circuito do kula e toda a variedade de circulações registradas por Bronislaw Malinowski entre terras e águas trobriandesas, prosseguir com os movimentos da vida Nuer captados por Evans-Pritchard e pousar nos deslocamentos de pessoas, famílias e relações nas colinas da Alta Birmânia narrados por Edmund Leach. No Brasil, temos empreendimentos continuados de atenção interpretativa às viagens de muita gente, como situamos em outra oportunidade (Vidal e Souza e Guedes, 2021Vidal e Souza, Candice; Guedes, André Dumans (orgs.). (2021), Antropologia das mobilidades. Brasília: ABA Publicações .).

Hoje se pode dizer que Tim Ingold participa das descrições analíticas mais criativas na seara das mobilidades. Contudo, de modo geral, a contribuição antropológica envereda por caminhos que outras disciplinas raramente visitam. Aqui, importa sobretudo como os sujeitos que se movem pelas cidades e outros lugares definem suas perambulações. Entre eles, os antropólogos se situam conduzidos pela atitude de conhecimento que respeita a linguagem em torno dos fluxos das coisas expressa por coletivos e indivíduos, sem tomar o movimento como algo evidente (Rockefeller, 2011Rockefeller, Stuart Alexander. (2011), “Flow”. Current Anthropology, 52 (4): 557-578.). Enunciam assim a abertura para o contexto cultural das mobilidades, problematizando significados, valores e suposições nativas sobre as (i)mobilidades (Salazar, 2014Salazar, Noel. (2014), “Anthropology”. In: Adey, Peter et al. The Routledge handbook of mobilities. Londres: Routledge , pp. 55-63. e 2018Salazar, Noel. (2018), “Theorizing mobility through concepts and figures”. Tempo Social , 30 (2): 153-168.). Em anos recentes, assistimos à chegada de trabalhos que inovam ao oferecer perspectivas das mobilidades que seguem as orientações acima para explorar objetos novos e tradicionais das ciências sociais brasileiras, dentre os quais acrescentaria àqueles mencionados antes: Rosa (2017Rosa, Caroline Ferreira. (2017), Acolhimento institucional e vida em situação de rua: a produção do cotidiano entre os usuários de albergues e “repúblicas” de Belo Horizonte/MG. Dissertação de mestrado em Sociologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. ), Rosa (2018)Rosa, Renata Adriana. (2018), As mulheres e os territórios do cotidiano: uso do tempo e mobilidade feminina nas cidades de Belo Horizonte e do Recife. Tese de doutorado em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2018 , Faria (2019Faria, Gabriela Cicci. (2019), Cidades possíveis: espaço e gênero em escolhas de mobilidade urbana. 188 p. Dissertação de mestrado em Sociologia, Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte, 2019.), Silveira et al. (2022Silveira, Luísa H. de C. et al. (2022), “Mobilidade urbana saudável no cruzamento das avenidas identitárias: experiências móveis de mulheres pretas”. Ponto Urbe , 30: 1-19.), Nogueira e Moraes (2020Nogueira, Maria Alice de Faria; Moraes, Camila Maria dos Santos (eds.). (2020), Brazilian mobilities. Abingdon: Routledge. ), Mano (2021Mano, Apoena. (2021), “Morro de medo: regimes de mobilidades após uma década de Unidades de Polícia Pacificadora nas favelas do Rio de Janeiro”. Ponto Urbe, 28: 1-24.).

Enfim, resta claro que as premissas epistemológicas assumidas na pesquisa sobre mobilidades e cidades são o ponto a ser extraído de todo esse conjunto de debates apresentado até aqui. Elas devem ser problematizadas para estancarmos a reprodução de dualismos que opõem unidades espaciais limitadas ao movimento. Tenho insistido que, na pesquisa sobre mobilidades, tal horizonte só se alcança com os cruzamentos de fronteiras metodológicas e teóricas, como bem sabia John Urry e reconhecem aqueles que o acompanham.

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  • 1
    Cabe observar que Milton Santos propõe o par conceitual “fixos e fluxos” ainda nos anos 1970, pensando de modo articulado espaço e tempo. Deve-se reconhecer a atualidade dessa discussão que “permite apreender tanto as estruturas como o movimento de uma cena geográfica” (Barros, 2020Barros, José D’Assunção. (2020), “Fixos e fluxos: revisitando um par conceitual”. Cuadernos de Geografía, 29 (2): 493-504., p. 493).
  • 2
    Há resistências e indisposições tanto em relação ao conteúdo expresso pela proposta do novo paradigma das mobilidades (questionando, por exemplo, o ineditismo de sua abordagem das mobilidades), quanto ao ímpeto fundacional da demarcação no estilo antes e agora das enunciações de Urry e Sheller a esse respeito. Entre elas, provavelmente o artigo de Richard Randell seja o mais veemente ao afirmar que as referências que os autores convocam para identificar a emergência de um novo paradigma das mobilidades são na verdade relacionadas a vários paradigmas das ciências sociais. Por fim, ele conclui que “o termo ‘o novo paradigma das mobilidades’ é inadequado; não é um paradigma de mobilidades, mas um paradigma de teoria de sistemas com foco em mobilidades” (“the term ‘the new mobilities paradigm’ is a misnomer; it is not a mobilities paradigm but a systems theory paradigm with a mobilities focus”, Randell, 2018Randell, Richard. (2018), “No paradigm to mobilize: the new mobilities paradigm is not a paradigm”. Applied Mobilities, 5 (2): 1-18., p. 1). Merriman e Pearce (2017Merriman, Peter; Pearce, Lynne. (2017), “Mobility and the humanities”. Mobilities 12 (4): 493-508., p. 503) também se empenham em complicar a percepção de que a pesquisa sobre mobilidades - tanto em termos históricos quanto em referência a pesquisas atuais - seria capitaneada pelas ciências sociais, conforme afirmações de Urry e Sheller que eles escolhem para a epígrafe de seu artigo.
  • 3
    Para exemplos etnográficos multissituados de enfoques sobre mobilidades, ver os estudos apresentados na coletânea Antropologia das mobilidades (Vidal e Souza e Guedes, 2021Vidal e Souza, Candice; Guedes, André Dumans (orgs.). (2021), Antropologia das mobilidades. Brasília: ABA Publicações .).
  • 4
    No original: “the essencial unit of geography is not spacial, it lies in regions of time-space and in the relation of such units to the larger spatio-temporal configurations. Geography is the study of these configurations. […] The frozen circunstances of space only come alive when the melody of time is played.”
  • 5
    No original: “space is no longer a category of fixed and given ontological atributes, but a becoming, an emerging property of social relationships”.
  • 6
    No original: “the difficult of seeing movement as an aspect of social life in general is related to the fact that mobility, in so far as it involved settled people, has been regarded as a special and temporary phenomenon”.
  • 7
    No original: “that space is static and to be contrasted with the dynamism of time; that spatial boundaries are always fixed, relatively enduring forms marked off on the ground […]”.
  • 8
    No original: “if we understand space simply as referring to culturally meaningful terrestrial places and regions, we disarticulate the dynamic relations between spatial regions and moving spatial fields. This sort of reification in turn dissolves the integrity of space and time, for it extracts from the analytic model the centering subject - the spatially and temporally situated actor - through whom and in whose experience the integrity of space and time emerges”.
  • 9
    No original: “what we need, then, is a paradigm that works against abstracting the problem of space from that of the body and action, and against the oppositional separation of space and time”.
  • 10
    No original: “To my mind the world is a world, not space; and what is going on in it - the process wherein its manifold forms arise and are held in place - are processes of life, not time. Massey’s time-space is, for me, the lifeworld”.
  • 11
    No original: “human existence is not fundamentally place-bound […], but place-binding”.
  • 12
    No original: “[…] the new mobilities paradigm involves analyzing diverse intersecting networks, relations, flows and circulation, and not fixed places. It suggests that it is crucial to bring in the dynamic, ongoing production of space via everyday social practices into social theory”.
  • 13
    Pesquisas e publicações desse grupo chileno podem ser acompanhadas no site do Núcleo Milenio Movilidades y TerritoriosNúcleo Milenio Movilidades y Territorios. https://www.movyt.cl/.
    https://www.movyt.cl...
    (https://www.movyt.cl/), consultado em 11/02/2022.
  • 14
    No original: “[…] objects do not move in space, they create it […]. The co-construction of spaces and objects allows for indefinite possible continuities or topoi”.
  • 15
    No original: “The new mobility paradigm argues against this ontology of distinct ‘places’ and ‘people’. Rather, there is a complex relationality of places and persons connected through performances”.
  • Apresentação

    A primeira exposição de ideias deste artigo aconteceu na mesa-redonda “Os estudos urbanos e os debates epistemológicos contemporâneos: interferências e inspirações”, ocorrida no 43º Encontro Anual da Anpocs, realizado em Caxambu (MG) em outubro de 2019. A continuidade dessa reflexão contou com o ambiente intelectual do grupo de pesquisa Mobilidades, Teorias, Temas e Métodos (https://gpmobilidades.fflch.usp.br/), liderado por Bianca Freire-Medeiros no Departamento de Sociologia da USP, instituição onde realizei meu estágio pós-doutoral em 2021, sob supervisão desta mesma pesquisadora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2022
  • Aceito
    05 Jan 2023
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: temposoc@edu.usp.br