Acessibilidade / Reportar erro

DIREITO, PROPRIEDADE E REFORMAS URBANAS: RIO DE JANEIRO, 1903-1906

Law, property and urban reforms: Rio de Janeiro, 1903-1906

Resumo

Este artigo se baseia na análise qualitativa de processos judiciais da primeira década do século XX - encontrados no Arquivo Nacional - para reconstruir o papel de práticas, instituições e conceitos jurídicos na resistência e adaptação dos proprietários do Rio de Janeiro às reformas urbanas de Pereira Passos e Rodrigues Alves. Como fontes complementares, são empregados anais parlamentares e legislação, para entender as bases legais das reformas; livros e revistas jurídicas, para estudar a evolução dos conceitos jurídicos relevantes, como o de "propriedade"; e jornais, para contextualizar e acessar aspectos extra-jurídicos dos litígios, ou seja, aquilo que não aparece nos autos processuais.

Palavras-chave:
reformas urbanas; direito de propriedade; Rio de Janeiro

Abstract

This article makes a qualitative analysis of judicial records from the first decade of the 20th century - found in the National Archives - in order to reconstruct the role of legal practices, institutions, and concepts in the resistance and adaptation of Rio de Janeiro's property owners to the urban reforms made by Pereira Passos and Rodrigues Alves. We use as complementary sources: parliamentary debates and legislation, to understand the reforms' legal bases; legal books and journals, to study the evolution of relevant concepts, such as "property"; and newspapers, to contextualize and access extra-legal aspects of lawsuits, i.e., what does not appear in court records.

Key words:
urban reforms; property rights; Rio de Janeiro

Résumé

Cet article part d'une analyse qualitative des procédures judiciaires de la première décennie du XXe siècle - conservées dans les Archives Nationales - pour reconstruire le rôle des pratiques, institutions et concepts juridiques dans la résistance et l'adaptation des propriétaires de Rio de Janeiro à la réforme urbaine de Pereira Passos et Rodrigues Alves. Comme sources complémentaires sont utilisées des procédures parlementaires et lois, pour comprendre la base juridique des réformes; des livres et des revues juridiques, pour étudier l'évolution des concepts juridiques pertinents, tels que celui de propriété; et les journaux, pour contextualiser et accéder à des aspects extra-juridiques des litiges, à savoir, ce qui ne figure pas dans le processus judiciaire.

Mots clés:
reforme urbaine; droit de propriété; Rio de Janeiro

Introdução

Direito e planejamento urbano são conhecimentos e práticas análogos e relacionados. Baseiam-se na crença de que sociedades e cidades podem ser ordenadas. Ao crescimento espontâneo e caótico das cidades, planejadores buscam impor um design racional. Nesse sentido, planos urbanos são análogos ao direito porque representam ideias particulares sobre como as coisas devem ser.1 1 O planejamento urbano é uma das muitas formas pelas quais o Estado moderno busca tornar sociedades legíveis. Para Scott (1998:82), "the utopian, immanent, and continually frustrated goal of the modern state is to reduce the chaotic, disorderly, constantly changing social reality beneath it to something more closely resembling the administrative grid of its observations". Planos também são, muitas vezes, implementados por meio de leis e decretos. Nesse outro sentido, o direito é um instrumento do planejamento urbano.

No entanto, assim como acontece com qualquer ato normativo, planos urbanos nunca são capazes de determinar totalmente a realidade que pretendem modificar. Entre o design racional dos planejadores e o mundo, interpõem-se inúmeras instâncias de resistência e adaptação. Assimetrias entre planejamento e implementação podem ocorrer devido à falta de recursos, negociações, pequenos atos de resistência e até grandes revoltas, que revelam o descontentamento da população com o ideal de cidade planejado (Scott, 1998SCOTT, James C. Seeing like a state: how certain schemes to improve the human condition have failed. New Haven/London: Yale University Press, 1998.: 59). Analogamente, entre a lei e sua realização, estão procedimentos e costumes que limitam sua eficácia social (Hartog, 1985HARTOG, Hendrik. Pigs and positivism, Wisconsin Law Review, 399, 1985.).

No Rio de Janeiro do início do século XX, leis e decretos fizeram parte da arquitetura jurídica das reformas urbanas de Rodrigues Alves e Pereira Passos. O direito foi instrumentalizado para facilitar o "Bota-Abaixo" e impulsionar as obras de reconstrução. Aqueles documentos normativos, produzidos pelo Congresso, o presidente e o prefeito, revelam o modelo de cidade que as elites no poder buscaram impor e alguns dos meios empregados. Entretanto, não são capazes de mostrar a dinâmica do conflituoso processo de reformas. Portanto, neste artigo, utilizo também processos judiciais, publicações jurídicas e jornais para acessar o papel de práticas, instituições e conceitos jurídicos nas reformas urbanas de Alves e Passos.

Parto de dois pressupostos teóricos. Primeiro, a história do direito não se resume à estática das leis e decretos, ao "dever ser" abstrato de um ideal de ordem social. Ao contrário, práticas, instituições e conceitos jurídicos são dinâmicos, na medida em que mudam de acordo com uma lógica própria do conhecimento jurídico, mas também em suas interações com disputas sociais, políticas, econômicas e culturais (Gordon, 1984GORDON, Robert. Critical legal histories, Stanford Law Review, 36:57, 1984.: 101). No caso em análise, as lógicas do direito constitucional, administrativo e de propriedade e as disputas pela cidade do Rio de Janeiro.

Segundo, direito e espaço são interdependentes (Blank & Rosen-Zvi, 2010BLANK, Yishai e ROSEN-ZVI, Issi . The spatial turn in legal theor", HAGAR Studies in Culture, Polity and Identities, vol. 10 (1), 2010.). Por um lado, o direito é condicionado pelos espaços de produção das leis, decretos, doutrina e decisões judiciais, além do espaço mais abrangente das interações sociais da cidade. No caso do Rio de Janeiro, cidade-capital, estes espaços se confundiam entre os salões do Congresso, o STF, a Corte de Apelação etc., e seus entornos, onde as "picaretas do progresso" abriram ruas, praças e avenidas.

Por outro lado, o direito constrói, ainda que de maneira conflituosa e parcial, o espaço urbano. No início do século XX, reformar a cidade significava demolir prédios antigos do centro e imediações. As desapropriações, despejos e demolições geraram disputas que, em alguns momentos, delinearam a geografia urbana da capital. Proprietários opuseram argumentos, recursos e conceitos jurídicos, articulados em estratégias de litigância, contra o plano de reformas de Alves e Passos. O direito, inicialmente instrumentalizado para a realização do plano, foi transformado em canal de resistência e adaptação interposto entre o plano e a realidade.

As personagens desta história foram pouco exploradas pelas historiografias sobre direito e reformas urbanas no início do século XX. Os historiadores do direito enfatizaram o STF e juristas renomados, que moldaram o pensamento jurídico da época.2 2 Rodrigues (1965) e Costa (2006) exemplificam a historiografia sobre o STF e seus ministros. Existem também estudos institucionais mais amplos sobre o Judiciário, como Koerner (2010), estudos sobre o pensamento jurídico da época, como Lopes (2014), além de inúmeras biografias de juristas conhecidos, como Rui Barbosa, e ministros do STF, como na série institucional "Memória Jurisprudencial" (2006). Com exceção da biografia de Evaristo de Moraes (Mendonça, 2007), estudos sobre a Primeira República enfatizam os juristas dos círculos mais elitizados do país. Entretanto, dialogando com ministros do STF e juristas importantes, havia advogados, juízes e procuradores menos conhecidos, além de políticos e jornalistas, que participaram de perto das disputas judiciais e intelectuais relativas ao plano de reformas.

Os historiadores sociais, por sua vez, estudaram a associação entre o plano de reformas das elites do Estado e o grande capital internacional e especulativo, de um lado, e a resistência das classes populares, de outro.3 3 Benchimol (1990) menciona os interesses da elite proprietária, mas enfatiza o quadro mais amplo de interesses econômicos associados às reformas e segregação social. O mesmo acontece em estudos posteriores, como Carvalho (1995) e Rocha (1995), e nos que relacionam a Revolta da Vacina com o projeto de modernização da cidade, como Sevcenko (1984), Needell (1987) e Meade (1999). Recentemente, historiadores sociais usaram processos judiciais da época. Ribeiro (2006, 2009 e 2010) e Queiróz (2008) analisam os processos enquanto práticas de cidadania, contrapondo-se à passividade atribuída por Carvalho (1987) às classes populares da capital. Entre o Estado e o grande capital e as classes populares, no entanto, havia pessoas e instituições representativas da elite proprietária que resistiram ao "Bota-Abaixo", frequentemente contratando aqueles advogados menos conhecidos para defender seu domínio sobre partes do solo urbano e garantir acesso a um mercado cada vez mais restrito e lucrativo.4 4 Na história social, o uso da chave de Thompson (1975) para entender processos do período estudado (Queiróz, 2008) e de períodos anteriores (Chalhoub, 1990; Grinberg, 2008) muitas vezes negligencia as instituições e pessoas, como o Judiciário e advogados, que fazem o papel intermediário de traduzir conflitos e aspirações sociais para a linguagem jurídica do Estado moderno.

O resultado desta pesquisa é uma história do conflito entre planejamento urbano e direito de propriedade no início do século XX.5 5 Segundo Rodgers (1998:173), este conflito aparece, com diferentes configurações, em todos os lugares onde planos urbanos foram implementados: "In the contest between property rights and planning, the odds were loaded differently in the United States than in Paris". Trata-se de uma história de como direito e cidade modificaram-se mutuamente. Conceitos, práticas e instituições jurídicas moldaram a cidade porque abriram caminhos e impuseram limites à realização do plano de reformas. A cidade mudou o direito porque os conflitos que emergiram do processo de reformulação deixaram marcas na conceituação e prática dos direitos de propriedade, constitucional e administrativo.

1. Arquitetura jurídica das reformas

O plano de reformas fazia parte de um projeto nacional - oligárquico e excludente - de elevação da capital a um ideal europeu de civilização.6 6 Azevedo (2003) argumenta que o plano não havia um projeto monolítico, mas dois planos concomitantes: o do governo federal, de reforma do porto, e o da prefeitura, de integração da cidade. Derrubar o Rio colonial, destruindo sua imagem feia e insalubre, era imperativo para impulsionar o papel do Brasil na economia internacional, atraindo imigrantes e investimentos estrangeiros. Para isto, era preciso sanear e embelezar a capital com a abertura de avenidas e praças, a modernização dos sistemas de iluminação, abastecimento de água e esgoto, a construção de prédios novos e a reforma do porto. Simultaneamente, o Estado deveria controlar práticas consideradas perigosas e insalubres, como o comércio de rua, a prostituição e o carnaval. Era um plano para domesticar a cidade material e moralmente.7 7 Abreu (1988), Benchimol (1990) e Neves (2013).

A modernização do Rio de Janeiro exigiu das elites dirigentes uma reformulação quase completa das leis sobre a organização do Distrito Federal, desapropriações, o serviço de saúde pública e a polícia. Essa arquitetura jurídica foi concebida para legitimar as ações de agentes públicos como o prefeito, o chefe de Polícia e o diretor geral de Saúde Pública. Ampliou a discricionariedade e independência destes agentes, abrindo espaços para ações a priori sem restrições legais. A transformação deveria ser rápida, no ritmo da teleologia do progresso da República recém-criada.

Entretanto, ainda que veloz, o ritmo de produção das leis e decretos não era suficiente para embasar todos os atos de reforma. Segundo Benchimol (1990: 259)BENCHIMOL, Jaime L. Pereira Passos: um Haussmann tropical. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1990., no início do mandato, Passos acionou a Diretoria de Patrimônio para mapear os terrenos foreiros, baseados em títulos de sesmarias doados à municipalidade, permitindo que a Prefeitura exercesse sua faculdade de compra sobre essas propriedades. Fristch e Pechman (1985: 155)PECHMAN, Sergio & FRITSCH, Lilian. A reforma urbana e seu avesso: algumas considerações a propósito da modernização do Distrito Federal na virada do século, Revista Brasileira de História, n. 8/9, Rio de Janeiro: Editora Marco Zero, 1985. mostram que Passos também resgatou o Código de Posturas do Império, de 1832, que regulamentava questões de higiene e moral na capital. Para impulsionar um projeto baseado na rejeição do passado, foi preciso, ao menos inicialmente, instrumentalizar reminiscências dos direitos colonial e imperial em nome do progresso civilizatório.

Entre as inúmeras mudanças legislativas que possibilitaram as reformas urbanas, destacam-se a Lei nº 939, de 1902, e o novo procedimento de desapropriação. O Congresso aprovou a Lei nº 939 em circunstâncias controvertidas. Durante as últimas semanas de 1902, o senador Mendonça Sobrinho contestou veementemente o conteúdo e o trâmite do projeto no Legislativo. De acordo com Sobrinho, os parlamentares sequer haviam lido o que estavam prestes a aprovar.8 8 Anais do Senado, 22/12/1902. Entre dispositivos que regulavam a organização e as eleições do Distrito Federal, o artigo 16 parecia uma ameaça a direitos individuais: "Não podem as autoridades judiciarias, quer federaes, quer locaes, modificar ou revogar as medidas e actos administrativos, nem conceder interdictos possessórios contra actos do Governo Municipal exercidos ratione imperii" (Lei nº 939, 29/12/1902).

Quais seriam estes atos exercidos ratione imperii? - perguntou Sobrinho, durante a sessão de 24 de dezembro.9 9 Anais do Senado, 24/12/1902. O dispositivo proibia que o Judiciário interviesse quando o prefeito praticasse tais atos, sem no entanto os definir. Abria, portanto, espaço para arbitrariedades. No dia seguinte à aprovação da lei, Alves nomeou Passos para ocupar o cargo (Brenna, 1985: 20). Assim, o prefeito das demolições começaria seu mandato armado de um conceito jurídico vago, capaz de justificar quaisquer de suas decisões. Em 1904, o Decreto 1151 estendeu essa prerrogativa ao diretor geral de Saúde Pública, Oswaldo Cruz.10 10 Art. 1º, §20, Dec. nº 1151, 5/1/1904.

Em 1903, os governantes, mais uma vez, apelaram para a legislação imperial. O presidente assinou um decreto que generalizava regras de desapropriação que D. Pedro II havia criado, em 1855, para facilitar a construção de ferrovias.11 11 Dec. nº 1021, 26/8/1903. Diante da necessidade de desapropriar vastas extensões de terras, o Imperador havia sancionado um procedimento mais rápido, com menos garantias para os proprietários.12 12 Dec. nº 1664, 20/10/1855. Em 1890, o Governo Provisório republicano já havia decidido aplicar aquele procedimento na capital, com pequenas modificações.13 13 Dec. nº 602, 24/7/1890. Alves confirmou essa ordem e adicionou regras mais detalhadas, enfatizando a prerrogativa administrativa de implementar planos de reforma sem consulta aos proprietários e sem controle judicial.14 14 Já em 1904, o jurista Solidônio Leite (1904:3) argumentou que seria injustificável o Art. 5º do Dec. nº 4956, 9/9/1903, que dizia que os proprietários não deveriam ser ouvidos na determinação de casos de desapropriação por utilidade pública. Segundo o Art. 10, "nenhuma autoridade judiciaria, ou administrativa, poderá admittir reclamação ou contestação contra a desapropriação resultante da approvação dos planos e plantas por decreto". Uma vez que o prédio era marcado para desapropriação, o proprietário podia apenas contestar o valor da indenização, que podia, inclusive, ser fixado abaixo do mínimo legal, caso o prédio fosse considerado em estado de "ruínas".15 15 Art. 31, §9º, Dec. nº 4956, 9/9/1903. Quando o valor estava sub judice, três árbitros eram convocados para determiná-lo: um indicado pelo proprietário, um pela Prefeitura e um pelo juiz municipal.16 16 Art. 1º, Dec. nº 1021, 26/8/1906.

A arquitetura jurídica das reformas modernizou a administração pública e os direitos de propriedade e administrativo brasileiros. Para Chalhoub (1996: 45)_____. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996., o pacto liberal em torno da propriedade privada havia impedido que os reformadores do Império implementassem reformas urbanas substanciais. Agora, a propriedade privada - ao menos no Distrito Federal - não parecia mais tão absoluta. Os procedimentos de desapropriação tornaram-se mais rápidos e deixavam menos espaço para a contestação dos proprietários. O termo ratione imperii impedia que o Judiciário apreciasse demandas que feriam os interesses da municipalidade. Junto com a relativização do direito de propriedade, aumentaram a independência e a discricionariedade da administração pública. O presidente e o Congresso construíram um cenário institucional ideal para que Passos executasse mudanças rápidas e incisivas.

2. Legalidade contestada

Em 21 de julho de 1904, o Jornal do Brasil noticiou que o prefeito havia se reunido com o presidente para discutir as reformas urbanas em andamento. Passos estava preocupado com casos de desapropriação que haviam chegado pouco antes ao STF. Em particular, preocupava-se com o impacto das decisões judiciais na "boa execução" do seu plano de embelezamento e saneamento da cidade.17 17 Jornal do Brasil, 21/7/1904. Uma semana antes, A Notícia havia publicado um artigo que argumentava que juízes e cortes estariam usando interditos possessórios - ordem judicial para a proteção da propriedade privada - para atrapalhar a administração municipal.18 18 A Notícia, 14/7/1904. Por trás dos interditos estavam proprietários e seus advogados, prontos para brigar judicialmente e extra-judicialmente contra o ímpeto demolidor do prefeito.

Em sua reunião com Alves, Passos referiu-se aos casos relativos ao projeto de alargamento do Largo da Carioca. De acordo com inspetores municipais, o largo era um lugar feio e anti-higiênico, cercado de prédios que ameaçavam a saúde pública. No dia 11 de maio de 1904, o prefeito aprovou o plano de alargamento, que previa a desapropriação de vários desses prédios (Brenna, 1985:185). Apesar do artigo 16 da Lei nº 939, imediatamente os proprietários do Largo da Carioca recorreram ao Judiciário. Depois que juízes municipais e federais se recusaram a ouvir seus pedidos, eles apelaram ao STF.

Diante da importância dos casos, que poderiam estabelecer precedentes relevantes, proprietários e administradores municipais voltaram suas atenções para os salões do STF. Em uma nota de jornal de 6 de julho de 1904, a Sociedade União dos Proprietários, formada para defender os interesses dos proprietários da capital, declarou estar aguardando "serenamente" a decisão.19 19 Jornal do Brasil, 06/7/1904. No dia 9 de julho, diversos proprietários foram ao Tribunal assistir o julgamento ao lado de seus advogados.20 20 Jornal do Brasil, 10/7/1904.

Carlos de Carvalho, advogado e político, defendeu os proprietários. Seus argumentos, publicados na revista jurídica O Direito, faziam parte de um discurso jurídico que contestava o modus operandi do prefeito, sem, no entanto, colocar em xeque os objetivos de saneamento e embelezamento da cidade.21 21 O Direito, 95, Set.-Dez., 1904, p. 216. Desde 1902, quando o projeto da Lei nº 939 tramitava no Congresso, políticos, advogados e juristas construíram esse discurso em debates legislativos, petições judiciais e publicações acadêmicas. O argumento central era que Passos governava o Distrito Federal como um ditador em um estado de exceção localizado, no qual liberdades individuais, em especial o direito de propriedade, haviam sido suspensas.

Em dezembro de 1902, o senador Mendonça Sobrinho alertara seus pares de que a Constituição protegia a propriedade privada "em toda sua plenitude".22 22 Anais do Senado, 20/12/1902. A expressão era do texto do Art. 72, §17 da Constituição de 1891: "O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia [...]". De acordo com o senador, os projetos de lei que ampliavam os poderes da administração municipal teriam o efeito perverso de extinguir a propriedade privada no Distrito Federal. Caso esses projetos fossem aprovados, o prefeito seria capaz de demolir arbitrariamente, sem quaisquer restrições legais. Em seus discursos, Sobrinho argumentara que o Congresso estava prestes a criar uma ditadura municipal para possibilitar a reforma do Rio de Janeiro.23 23 Anais do Senado, 20, 22, 23 e 24/12/1902.

Sobrinho perdeu a batalha política, e a arquitetura jurídica das reformas foi aprovada. No entanto, advogados e juristas ecoaram suas críticas nos tribunais, tratados de direito, jornais de grande circulação e revistas jurídicas. Nestes meios, eles descreveram a administração municipal como "arbitrária", "absoluta", "tirânica", "ditatorial", "opressiva" e "perigosa".24 24 Expressões retiradas de processos publicados em O Direito e disponíveis no AN. Segundo o advogado Accacio de Aguiar, em petição de manutenção de posse contra o delegado da Hygiene, a administração havia se tornado um "Carro de Djaggernat", uma força imparável, que despejava, interditava, desapropriava e demolia em nome do progresso e da civilização.25 25 O Direito, 93, Jan.-Abr., 1904, p. 43. De acordo com o jurista Cândido de Oliveira, tudo o que restava na cidade eram "aparências democráticas".26 26 O Direito, 97, Maio-Ago., 1905, p. 90. Os recursos a leis imperiais e coloniais, associados às arbitrariedades do antigo regime, reforçavam esses argumentos.27 27 Rev. de Dir. Civil, Comm. e Crim., XXIII, 1912, p. 250. Para os advogados, os poderes extraordinários do prefeito violavam a separação de poderes e o federalismo, princípios-chave da causa republicana.28 28 O Direito, 95, Set.-Dez., 1904, p. 218; Rev. de Dir. Civil, Comm. e Crim., XXVIII, 1913, p. 15. Com poder concentrado, o Prefeito teria suspendido o direito de propriedade na capital, expropriando e demolindo sem qualquer controle.

Em outra versão deste discurso, advogados, e até um juiz, argumentaram que os níveis de intervencionismo estatal no Distrito Federal só eram comparáveis aos de um regime socialista. Por um lado, as reformas urbanas baseavam-se em uma combinação do discurso higienista, que construía as classes populares, suas moradias e práticas, como elementos anti-sanitários e perigosos, com uma visão político-econômica do progresso voltada para a expansão do papel do país no capitalismo internacional (Benchimol, 1990BENCHIMOL, Jaime L. Pereira Passos: um Haussmann tropical. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1990.). Por outro, as demandas socialistas de entidades de classe cariocas não incluíam o fim da propriedade privada, focando principalmente na melhoria das condições de vida e trabalho dos operários (Gomes, 1994: 53). No entanto, aqueles profissionais do direito, comprometidos com a defesa do capitalismo e os interesses dos proprietários, acusaram o governo municipal de violar a "plenitude" constitucional da propriedade privada, instituindo um regime em que toda a propriedade passara a ser administrada pelo Estado.29 29 O Direito, 97, Maio-Ago., 1905, p. 86; O Direito, 107, Set.-Dez., 1908, p. 322.

Preocupações com higiene e planejamento urbano já estavam presentes no discurso oficial desde o Império, quando o Código de Posturas de 1832 foi criado e tentativas de reforma falharam, na década de 1870 (Chalhoub, 1996_____. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.). Agora, o ímpeto republicano em transformar a capital em um símbolo do progresso nacional clamava por transformações rápidas e eficientes. A aceleração do caminho brasileiro em direção à modernidade e ao capitalismo envolveu a expansão da discricionariedade administrativa e a rejeição de direitos de propriedade absolutos sobre o solo da cidade. Para defender os interesses dos proprietários, seus advogados descreveram o aumento das limitações administrativas à propriedade privada como violações à plenitude do direito de propriedade, garantida pela Constituição. Em outras palavras, argumentaram que as regulamentações e a discricionariedade administrativa para executá-las se haviam expandido de tal forma que limitações "externas" ao direito de propriedade - como a desapropriação por utilidade pública - agora ameaçavam a própria ideia de propriedade moderna, privada e absoluta no Brasil.

3. Proprietários na justiça

Um ano antes dos casos do Largo da Carioca, em junho de 1903, Accacio de Aguiar defendeu Anselmo Barbeito contra a campanha agressiva do prefeito no Rio Comprido.30 30 O Direito, 93, Jan.-Abr., 1904. Esses dois casos, entre outros, foram publicados em revistas jurídicas, facilitando o acesso a detalhes. Porém as revistas publicavam apenas os casos que seus editores consideravam relevantes ou que expressavam teses defendidas por eles, ainda que não consolidadas. No Arquivo Nacional, os processos estão dispersos em agrupamentos temáticos, como "demolição", "despejo", "interditos possessórios" e "infrações sanitárias". Os jornais, por sua vez, confirmam que numerosos processos foram abertos contra o prefeito e outras autoridades estatais, além de fornecerem relatos detalhados das batalhas judiciais que seus editores escolhiam publicar. Nesta seção, apresento tipos de demandas judiciais que opuseram o direito de propriedade ao planejamento urbano e analiso casos que ajudam a entender a dinâmica social e institucional por trás dos argumentos jurídicos.

Durante o governo Passos (1903-1906) e depois, a municipalidade atuou em conjunto com a Diretoria Geral de Saúde Pública, órgão da administração federal. Juntas, executaram leis que regulavam as condições sanitárias da cidade e planos que exigiam a desapropriação e demolição de prédios antigos - porque eram considerados anti-higiênicos ou porque se encontravam no traçado de novas ruas, avenidas e praças. Já que proprietários autuados por infrações sanitárias podiam ser presos caso não pagassem as multas, muitos deles entraram com pedidos de habeas corpus contra o diretor de Saúde Pública ou contra o Juízo da Saúde Pública, corte especializada criada em 1904 para processar estas infrações.31 31 Queiróz (2008) analisou a Justiça Sanitária como expressão da arena thompsoniana de conflitos e ampliação de direitos. Contra as desapropriações, apesar das proibições legislativas, alguns proprietários impetraram interditos possessórios, remédio judicial muitas vezes descrito como um "habeas corpus para o direito de propriedade".32 32 Rev. de Dir. Civil, Comm. e Crim., XXXI, 1914, p. 135; e XLV, 1917, p. 24. Quando o questionamento da desapropriação em si não funcionava, os proprietários podiam apenas contestar o valor da indenização, que era determinado pelo comitê de árbitros.

Em 16 de maio de 1904, o advogado Leopoldo de Figueiredo impetrou uma petição pouco convencional diante da Corte de Apelação do Rio de Janeiro. Figueiredo requisitou um habeas corpus preventivo para proteger a si mesmo e toda a população da cidade contra as ameaças inconstitucionais do novo Regulamento Sanitário. Segundo o advogado, as liberdades e propriedades dos residentes do Rio de Janeiro encontravam-se em perigo iminente. O novo Regulamento, popularmente conhecido como "Código de Torturas", permitia aos inspetores sanitários requisitar reforço policial para entrar em prédios e residências, além de conferir-lhes discricionariedade para interditar edifícios. O pedido de Figueiredo não teve sucesso por ser muito genérico, não se referir a ameaças concretas contra pessoas específicas - requisitos formais do habeas corpus. Entretanto, o advogado, proprietário de cinco casas no Distrito Federal, expressou algumas das ansiedades mais gerais relativas ao impacto das reformas urbanas na elite proprietária.33 33 Jornal do Brasil, 17/5/1904.

Em 31 de janeiro de 1905, o STF decidiu que as inspeções sanitárias do "Código de Torturas" eram inconstitucionais por violarem o artigo 72, §11 da Constituição de 1891, que protegia a inviolabilidade de domicílio.34 34 Art. 72, §11. A casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém pode aí penetrar de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir as vítimas de crimes ou desastres, nem de dia, senão nos casos e pela forma prescritos na lei. O caso dizia respeito à campanha sanitária no Rio Comprido, onde o comerciante Manuel Fortunato Costa havia mobilizado advogados e imprensa contra a ameaça de invasão da sua casa.35 35 AN, Fundo: STF, 1905, BV.0.HCO.2046. Apesar dos esforços de Costa, após reunir-se com Oswaldo Cruz, o chefe de Polícia e o ministro da Justiça, o inspetor sanitário decidiu levar adiante a invasão, com o reforço de policiais e supostas gangues de capoeiras. Três dias depois, o STF publicou a decisão, que foi noticiada no Correio da Manhã - jornal crítico ao governo - como "o fim das inspeções sanitárias".36 36 Correio da Manhã, 1/2/1905.

Apesar desta vitória dos proprietários, as inspeções sanitárias eram intromissões menores no direito de propriedade se comparadas às inúmeras desapropriações e despejos ordenados pelo prefeito. Ainda que os inspetores pudessem pedir a interdição permanente dos prédios, reivindicações judiciais como a de Costa baseavam-se no conceito de "casa", ao invés de propriedade. Isto significava que inquilinos, não proprietários, também podiam invocar o artigo 72, §11 da Constituição. Depois da vitória no STF, O Paiz, jornal crítico da decisão, noticiou uma "chuva" de habeas corpus que teria inundado os tribunais. O objetivo seria inutilizar as ações da Saúde Pública, pouco importando o artigo 1º, §20 do Decreto 1151, de 1904, que proibia ação judicial contra atos das autoridades sanitárias exercidos ratione imperii.37 37 O Paiz, 14/2/1905.

No dia 20 de fevereiro, aproveitando a recente decisão do STF, Augusto Queirós, membro da União Operária do Engenho de Dentro, impetrou um habeas corpus coletivo, semelhante ao de Figueiredo, mas "em favor das oprimidas classes operárias e proletárias" do Distrito Federal. Ao invés de focar no direito de propriedade - preocupação central de Figueiredo -, Queirós enfatizou a inviolabilidade de domicílio. Como a de Figueiredo, sua petição falhou por ser pouco específica.38 38 AN, Fundo: STF, 1905, BV.0.HCO.2293. Ainda que a preocupação com a "casa" tivesse apelo geral, o argumento constitucional sobre sua inviolabilidade era especialmente útil aos trabalhadores, que não podiam invocar, ao menos diante dos tribunais, o direito de propriedade.39 39 Sobre este assunto, v. Cantisano (2015).

Inspeções sanitárias nem sempre originavam interdições de prédios. Em casos de despejo, desapropriação e interditos possessórios, por outro lado, o direito de propriedade estava sempre em questão. Nos processos de despejo, procuradores da Saúde Pública argumentaram que os proprietários de habitações coletivas exploravam seus inquilinos pobres, submetendo-os a condições precárias de higiene e saúde. Em suas defesas, proprietários acusaram os inspetores sanitários de perseguição, denunciaram as arbitrariedades do "Código de Torturas", apontaram irregularidades processuais e invocaram o direito de propriedade, constitucionalmente protegido.

Assim como nos casos de desapropriação, os processos de despejo geraram laudos periciais que contêm descrições contrastantes das condições de habitação dos pobres da capital. De um lado, prédios em ruínas, insalubres, sem saneamento básico e infectados. De outro, prédios que cumpriam a função de prover abrigo, com condições mínimas de habitação. Um exemplo é o caso de Alfredo do Carmo, proprietário do prédio nº 977 da Rua Conde de Bonfim, que era "constituído por um corpo central cercado de uma varanda envidraçada, que foi dividida em vários cômodos para serem alugados". Enquanto o procurador da Saúde Pública descreveu uma moradora do prédio como "uma verdadeira cultura de bacilius de tuberculose", os advogados do proprietário insistiram que era possível realizar os melhoramentos exigidos, sem necessidade de despejo.40 40 AN, Fundo: Corte de Apelação, 1909, Nº 2087, Maço 338. Os laudos, produzidos por engenheiros, inspetores e delegados de saúde, e suas interpretações, dadas por advogados e juízes, mostram como o discurso técnico-científico dos reformadores podia embasar pretensões divergentes diante dos tribunais. Para os inquilinos, o despejo significava ter que mudar-se para áreas distantes ou para os morros da cidade (Fristch & Pechman, 1985PECHMAN, Sergio & FRITSCH, Lilian. A reforma urbana e seu avesso: algumas considerações a propósito da modernização do Distrito Federal na virada do século, Revista Brasileira de História, n. 8/9, Rio de Janeiro: Editora Marco Zero, 1985.). Para os proprietários, implicava redução substancial de patrimônio - o que foi descrito por seus advogados como violação ao direito constitucional à propriedade.41 41 AN, Fundo: Corte de Apelação, 1905, Nº 3149, Maço 394; AN, Fundo: Corte de Apelação, 1906, Nº 3150, Maço 394; AN, Fundo: Corte de Apelação, 1910, Nº 2059, Maço 337.

Nos processos de desapropriação, proprietários contestaram os valores indenizatórios oferecidos pela municipalidade. No entanto, os árbitros desempatadores, indicados pelo juiz, tendiam a estipular um valor igual ou próximo ao valor oferecido pela Prefeitura. No caso da família Bregaro, proprietária do prédio nº 141 da Rua do Ouvidor, a arbitragem foi decidida por Paulo de Frontin. Alguns anos antes, o engenheiro havia sido indicado por Passos para liderar as obras da Avenida Central. Comprometido com o plano de reformas, Frontin determinou um valor muito próximo daquele sugerido pelo árbitro municipal.42 42 AN, Fundo: Juízo dos Feitos da Fazenda Municipal do Rio de Janeiro, 1905, Nº 33, Caixa 618.

Mesmo com a abertura dos processos, havia espaço para negociações e pressões extrajudiciais. Ainda em meados de 1905, por exemplo, foi aberto um processo contra a Irmandade da Candelária para a desapropriação do prédio nº 38 da Rua Visconde de Inhaúma, condenado pelo plano de alargamento da mesma rua. Após meses de batalhas judiciais, a Irmandade aceitou a oferta da Prefeitura e o processo foi arquivado.43 43 AN, Fundo: Corte de Apelação, 1905, Nº 805, Maço 272. No entanto, Passos nem sempre estava disposto a negociar. Rocha (1995: 63)ROCHA, Oswaldo P. A era das demolições. Cidade do Rio de Janeiro 1870-1920. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1995. menciona um caso em que homens ligados ao prefeito, desobedecendo ordem judicial, demoliram um prédio à força, durante a madrugada.

Por um lado, proprietários aceitaram a oferta inicial sem ter que passar pelo processo judicial de desapropriação. Os motivos variavam: havia pressão da Prefeitura, mas em algumas ocasiões a desapropriação era uma oportunidade de gerar renda líquida a partir do imóvel. Por exemplo, nas relações do Visconde de Moraes, proprietário de vários prédios, com a Prefeitura. Nas petições do Visconde no processo de desapropriação do imóvel da Rua do Lavradio, nº 186, que abrigava 70 cômodos, o advogado fez questão de salientar que seu cliente "nunca pretendeu criar o mínimo de embaraço ao programa de melhoramentos posto em pratica" por Passos.44 44 AN, Fundo: Juízo dos Feitos da Fazenda Municipal do Rio de Janeiro, 1908, Nº 75, Caixa 620. Além de tomar as desapropriações de seus imóveis como oportunidades de lucro, o Visconde aparece em alguns registros como comprador de imóveis desapropriados pela Prefeitura, mas não aproveitados nas reformas, e como credor do prefeito.45 45 Correio da Manhã, 9/9/1903, 28/7/1905 e 8/10/1905.

Por outro lado, havia proprietários que não estavam dispostos a perder seus imóveis, não importando o valor da indenização. Sem o mesmo poder econômico e político do Visconde de Moraes, esses homens e mulheres tentaram defender suas propriedades para se manterem parte da elite, cada vez mais restrita, que lucrava com o mercado de aluguéis. Foram ao Judiciário pedir interditos possessórios, ou manutenção de posse, para suspender o ato de desapropriação - o que nos traz de volta aos casos do Largo da Carioca.

Com base no artigo 16 da Lei nº 939, juízes federais e municipais negavam-se a ouvir pedidos de manutenção de posse impetrados por proprietários. Foi o que aconteceu com o Dr. Arthur Araripe, o primeiro proprietário do Largo da Carioca a contestar as desapropriações. No início de julho de 1904, o juiz federal Godofredo Cunha julgou-se incompetente para ouvir o caso de Araripe, que, por sua vez, recorreu ao STF. Na corte, o debate sobre o direito de propriedade e o suposto "regime de exceção" do Distrito Federal podia definir a legalidade das ações de Passos e seus funcionários.

A questão diante dos ministros do STF era se a Justiça Federal deveria julgar o caso e, no mérito, conceder o mandado de manutenção para impedir a demolição do prédio. O tempo era inimigo da "justiça". Segundo o ministro Oliveira Ribeiro, se o pedido fosse negado e a demanda remetida ao Juízo Municipal, os prédios seriam derrubados antes de uma decisão final. Da primeira instância, o caso só voltaria ao STF a partir de recursos, passando antes pela Corte de Apelação. O tempo das reformas - do progresso, da modernização do Rio de Janeiro - era muito mais rápido do que o tempo do Judiciário, do qual se esperava ponderação e parcimônia nas decisões. A velocidade das reformas, portanto, colocava o direito de propriedade em risco. Mesmo assim, depois de um empate de 5 a 5, o presidente do STF, Aquino de Castro, desempatou, decidindo remeter o caso ao Juízo Municipal.46 46 Jornal do Brasil, 10/7/1904.

Outros dois casos semelhantes foram julgados pelo STF em menos de duas semanas. A sequência de eventos descrita pelo Jornal do Brasil e por A Notícia nos meses de julho e agosto de 1904 é intrigante. Um decreto de 1902 mandava que os acórdãos do STF fossem proferidos por pelo menos 10 juízes, exigindo substituição em casos de impedimento ou ausência.47 47 Dec. nº 938, 29/12/1902. No caso de Araripe, o juiz federal Pires e Albuquerque havia atuado como substituto e votado contra a competência da Justiça Federal. Albuquerque foi o substituto porque Godofredo Cunha, o outro juiz federal da capital, havia decidido o caso na instância inferior. No segundo pleito, a situação se inverteu. Albuquerque havia sido o juiz na instância inferior e, portanto, Cunha foi o substituto no STF. No entanto, uma vez no STF, Cunha mudou de opinião e votou a favor da competência da Justiça Federal. Segundo ele, na função de juiz federal, havia sido obrigado a obedecer à jurisprudência do STF. Porém, como juiz do próprio STF, podia decidir de acordo com sua convicção e, assim, decidiu o contrário. Em questão de dias, o empate do primeiro caso, que fora desempatado contra os proprietários, se tornou um 6 a 4 a favor deles. O mesmo aconteceu no terceiro caso, quando o ministro Belfort Vieira, retornando ao posto, decidiu a favor. De acordo com as novas decisões, a Justiça Federal deveria julgar e conceder a manutenção de posse, suspendendo a demolição. Os proprietários do segundo e terceiro casos pareciam ter tido mais sorte do que o Dr. Araripe.48 48 Série de reportagens publicadas no Jornal do Brasil, 7/1904.

Porém a alegria dos proprietários não durou 24 horas. No dia seguinte ao julgamento do terceiro caso, o ministro Macedo Soares compareceu ao STF para retificar seu voto. Segundo ele, houvera confusão no registro. Seu voto, computado a favor dos proprietários, teria sido, na verdade, contrário à competência da Justiça Federal. "Puro engano", "dolorosa decepção", noticiou o Jornal do Brasil. A "trapalhada judicial", título da reportagem de 24 de julho, estava feita.49 49 Jornal do Brasil, 24/7/1904 e 25/8/1904.

As críticas ao STF vieram dos dois lados. Antes da retratação de Macedo Soares, A Notícia criticara a "jurisprudência oscilante", que havia criado "dúvida e incerteza", quebrando a "tradição e continuidade" nas decisões do Tribunal.50 50 A Notícia, 14/7/1904. Depois da "trapalhada", o Jornal do Brasil sugeriu que "interesses poderosos" e "conveniências irresistíveis" haviam compelido a mudança de última hora. Como já foi mostrado, alguns dias antes, Passos se reunira com Alves para discutir os obstáculos que o precedente judicial poderia criar para o plano de reformas da cidade. Teriam Passos e Alves pressionado o ministro? O plano era símbolo das suas administrações, comprometidas com empresas estrangeiras e especuladores nacionais. Não é difícil, portanto, imaginar que havia, de fato, algum tipo de pressão externa.

Os proprietários, então, impetraram recurso contra a mudança repentina do ministro. Após mais alguns dias de julgamento, o STF, finalmente, decidiu não aceitar a retificação do voto. Desta vez venceram os proprietários, resistindo ao projeto de modernização que ameaçava seus domínios sobre o solo urbano. De acordo com o Jornal do Brasil, venceu também o "decoro da justiça", pois o STF não abriu o perigoso precedente que permitiria a um ministro, de um dia para o outro, mudar seu voto.51 51 Jornal do Brasil, 21/7, 25/8 e 16/10/1904.

Se as leis aprovadas às pressas pelo Congresso e os decretos de Alves e Passos construíram a legalidade da reformulação do Distrito Federal, a iniciativa dos proprietários afetados pelas reformas criou obstáculos de fato. Os processos judiciais vitoriosos não eram apenas conquistas individuais. Impactaram a geografia urbana do Rio de Janeiro, na medida em que prédios condenados à demolição permaneceram de pé, ao menos momentaneamente.

Anselmo Barbeito, Manuel Fortunato, Alfredo do Carmo, a família Bregaro, a Irmandade da Candelária e os proprietários do Largo da Carioca faziam parte de uma elite cuja riqueza se encontrava ameaçada pelo plano de reformas. Em diversas ocasiões, defensores do plano acusaram essa elite de serem gananciosos exploradores das péssimas condições de higiene, trabalho e moradia da classe trabalhadora.52 52 AN, Fundo: Corte de Apelação, 1908, Nº 1872, Maço 326; AN, Fundo: Corte de Apelação, 1909, Nº 2087, Maço 338. Em resposta, os proprietários mobilizaram jornais e advogados, individual e coletivamente. Em março de 1906, um grupo deles anunciou a criação da Associação Defensora da Propriedade, cuja maior preocupação era a vulnerabilidade do direito de propriedade em meio a transformações urbanas rápidas e radicais. As vitórias parciais e permanentes da elite proprietária mostram como conceitos, instituições e práticas jurídicas moldaram a paisagem urbana do Rio de Janeiro. Entre o plano e sua realização, havia interesses poderosos, articulados como defesa de um direito de propriedade absoluto e sagrado.

4. Conclusão

Ações individuais, como trancar a porta de casa, resistindo à entrada de agentes públicos; negociações com estes mesmos agentes, que trabalhavam com margens consideráveis de discricionariedade; e até grandes mobilizações, como a Revolta da Vacina, exemplificam outras instâncias de resistência e adaptação interpostas entre o plano de reformas e a realidade. Neste artigo, explorei as disputas jurídicas para mostrar como conceitos, instituições e práticas do direito fizeram parte do conflituoso processo que mudou radicalmente a geografia urbana do Rio de Janeiro. Além de mostrar o papel do direito na reformulação da cidade, essas disputas revelam partes da história social da elite proprietária carioca.

As reformas urbanas também deixaram marcas no direito brasileiro. Em meados do século XIX, a Lei de Terras (1850) e a Lei Hipotecária (1864) marcaram a transição do sistema de sesmarias para um sistema moderno, mercantil e capitalista de propriedade individual e absoluta (Varela, 2005VARELA, Laura Beck. Das sesmarias à propriedade moderna: um estudo de história do Direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.). No entanto, com a expansão das limitações à propriedade privada para fins de reformas urbanas, começava a surgir, ao final do XIX e início do XX, um novo conceito de propriedade. Esse novo conceito, não absoluto e limitado por interesses coletivos, tornou-se evidente na obra de juristas como Augusto Viveiros de Castro.53 53 O mesmo indicava Clóvis Bevilacqua (1975: 1004), que nos comentários ao Código Civil de 1916 sugeriu que, em seu projeto primitivo, de 1900, o Código seguia tendências francesas de limitação da propriedade pelo interesse público. O texto original dizia: "A lei assegura ao proprietário, dentro dos limites por ela traçados, o direito de utilizar-se de seus bens, como entender, e de reivindica-los, quando corpóreos, do poder de quem, injustamente, os detenha". Segundo o autor, com a eliminação desta cláusula do Código final, a definição ficou incompleta, já que as restrições estavam no próprio Código (usucapião, desapropriação) "e fora dele, com os impostos e as prescrições municipais, por motivos de higiene, de utilidade e de aformoseamento". Se em 1906 fazia escassas referências à desapropriação por utilidade pública, em suas publicações subsequentes Castro passou a discutir esse instituto com base nos casos que chegaram ao Judiciário durante as reformas urbanas de Pereira Passos. De acordo com Castro (1910: 411_____. Desapropriação por utilidade pública, segundo a doutrina e a legislação brasileira, Revista de Direito Civil, Commercial e Criminal, vol. XVIII, 1910.; 1911:92)_____. Conceito da obra pública; e a sua execução, Revista da Faculdade Livre de Direito da Cidade do Rio de Janeiro, vol. VII, 1911., a desapropriação era necessária sempre que a "função social" da propriedade superava sua "forma individual". A "função social" da propriedade, que aparece, portanto, como consequência do plano reformador que segregou a cidade do Rio de Janeiro, seria, mais tarde e até hoje, re-significada para defender pretensões de reforma agrária, no campo, e acesso à moradia, nas cidades.54 54 Juristas brasileiros remetem as origens do conceito de "função social" à obra de Léon Duguit (1912). Assim como Castro, Duguit observou as limitações ao direito de propriedade impostas pelas leis e jurisprudência francesas para argumentar que a propriedade já não era mais um direito absoluto, senão uma "função social" a ser cumprida pelo proprietário. Para os juristas, esta concepção de propriedade teria chegado ao direito brasileiro com a Constituição de 1934. O termo aparece, hoje, nos artigos 5º, XXIII e 170, III da Constituição de 1988.

A arquitetura jurídica das reformas também marcou de maneira decisiva as bases jurídicas para a expansão dos poderes administrativos do Estado brasileiro. O termo ratione imperii, cuja imprecisão causou inúmeros debates a respeito dos poderes excepcionais atribuídos a Passos e Cruz durante as reformas, aparece novamente na Lei Orgânica do Distrito Federal, de 1936.55 55 Lei nº 196, 18/1/1936, Art. 57. Até hoje, juristas brasileiros debatem os limites do controle judicial sobre a administração pública com base em variações daquela expressão, como jus imperium e atos de império.56 56 Na década de 1940, Themistocles Cavalcanti discutiu os atos de império como legado francês, deslocado no contexto brasileiro, onde não havia mais divisão entre jurisdição administrativa e judicial (Cavalcanti, 1948: 238-241). Mesmo assim, até os anos 2000, os manualistas brasileiros classificaram os atos administrativos como atos de império - em que o Estado age com supremacia sobre o particular - e atos de gestão - em que age como se fosse particular (Meirelles, 2005: 165).

Notas

  • 1
    O planejamento urbano é uma das muitas formas pelas quais o Estado moderno busca tornar sociedades legíveis. Para Scott (1998:82)SCOTT, James C. Seeing like a state: how certain schemes to improve the human condition have failed. New Haven/London: Yale University Press, 1998., "the utopian, immanent, and continually frustrated goal of the modern state is to reduce the chaotic, disorderly, constantly changing social reality beneath it to something more closely resembling the administrative grid of its observations".
  • 2
    Rodrigues (1965)RODRIGUES, Lêda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal. Volume II. Defesa do Federalismo (1899-1910). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. e Costa (2006)COSTA, Emília Viotti da. O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania. São Paulo: UNESP, 2006. exemplificam a historiografia sobre o STF e seus ministros. Existem também estudos institucionais mais amplos sobre o Judiciário, como Koerner (2010)KOERNER, Andrei. Judiciário e cidadania na Constituição da República Brasileira (1841-1920). Curitiba: Juruá Editora, 2010., estudos sobre o pensamento jurídico da época, como Lopes (2014), além de inúmeras biografias de juristas conhecidos, como Rui Barbosa, e ministros do STF, como na série institucional "Memória Jurisprudencial" (2006). Com exceção da biografia de Evaristo de Moraes (Mendonça, 2007), estudos sobre a Primeira República enfatizam os juristas dos círculos mais elitizados do país.
  • 3
    Benchimol (1990)BENCHIMOL, Jaime L. Pereira Passos: um Haussmann tropical. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1990. menciona os interesses da elite proprietária, mas enfatiza o quadro mais amplo de interesses econômicos associados às reformas e segregação social. O mesmo acontece em estudos posteriores, como Carvalho (1995)CARVALHO, Lia de Aquino. Habitações populares. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca , 1995. e Rocha (1995)ROCHA, Oswaldo P. A era das demolições. Cidade do Rio de Janeiro 1870-1920. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1995., e nos que relacionam a Revolta da Vacina com o projeto de modernização da cidade, como Sevcenko (1984)SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo: Brasiliense, 1984., Needell (1987)NEEDELL, Jeffrey. The Revolta contra Vacina of 1904: the revolt against "modernization" in Belle-Époque Rio de Janeiro, The Hispanic American Historical Review, vol. 67, nº 2, 1987, pp. 233-269. e Meade (1999)MEADE, Teresa. "Civilizing" Rio: reform and resistance in a Brazilian city, 1889-1930. University Park: Penn State, 1997.. Recentemente, historiadores sociais usaram processos judiciais da época. Ribeiro (2006RIBEIRO, Gladys Sabina. O Povo na rua e na Justiça, a construção da cidadania e luta por direitos: 1889-1930. In: SAMPAIO; BRANCO; LONGHI (orgs.). Autos da memória: a história brasileira no Arquivo da Justiça Federal. Rio de Janeiro: Justiça Federal da 2ª Região, 2006., 2009_____. Cidadania e lutas por direitos na Primeira República: analisando processos da Justiça Federal e do Supremo Tribunal Federal, Tempo, v. 13, n. 26, 2009. e 2010)_____. O uso do habeas corpus no Judiciário federal para o alargamento dos direitos de cidadania: o caso dos imigrantes portugueses no Distrito Federal, Revista da Escola da Magistratura Regional Federal, Rio de Janeiro, TRF 2ª Região, dezembro, 2010. e Queiróz (2008)QUEIROZ, Eneida Q. Justiça sanitária - cidadãos e Judiciário nas reformas urbana e sanitária - Rio de Janeiro (1904-1914). Dissertação de Mestrado, História, UFF, 2008. analisam os processos enquanto práticas de cidadania, contrapondo-se à passividade atribuída por Carvalho (1987)CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Cia das Letras, 1987. às classes populares da capital.
  • 4
    Na história social, o uso da chave de Thompson (1975)THOMPSON, E. P. Whigs and hunters: the origin of the Black Act. New York: Pantheon Books, 1975. para entender processos do período estudado (Queiróz, 2008QUEIROZ, Eneida Q. Justiça sanitária - cidadãos e Judiciário nas reformas urbana e sanitária - Rio de Janeiro (1904-1914). Dissertação de Mestrado, História, UFF, 2008.) e de períodos anteriores (Chalhoub, 1990CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Schwarcz, 1990.; Grinberg, 2008GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade - as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.) muitas vezes negligencia as instituições e pessoas, como o Judiciário e advogados, que fazem o papel intermediário de traduzir conflitos e aspirações sociais para a linguagem jurídica do Estado moderno.
  • 5
    Segundo Rodgers (1998:173)RODGERS, Daniel. Atlantic crossings: social politics in a progressive age. Cambridge: Harvard University Press, 1998., este conflito aparece, com diferentes configurações, em todos os lugares onde planos urbanos foram implementados: "In the contest between property rights and planning, the odds were loaded differently in the United States than in Paris".
  • 6
    Azevedo (2003)AZEVEDO, André Nunes de. A reforma Pereira Passos: uma tentativa de integração urbana, Revista Rio de Janeiro, n. 10, maio-ago 2003. argumenta que o plano não havia um projeto monolítico, mas dois planos concomitantes: o do governo federal, de reforma do porto, e o da prefeitura, de integração da cidade.
  • 7
    Abreu (1988)ABREU, Maurício de Almeida. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar/IPLAMRIO, 1987., Benchimol (1990)BENCHIMOL, Jaime L. Pereira Passos: um Haussmann tropical. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1990. e Neves (2013)NEVES, Margarida de Souza. Os cenários da República. O Brasil na virada do século XIX para o século XX. In: FERREIRA, J.; DELGADO, L.A.N. O Brasil republicano: o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013..
  • 8
    Anais do Senado, 22/12/1902.
  • 9
    Anais do Senado, 24/12/1902.
  • 10
    Art. 1º, §20, Dec. nº 1151, 5/1/1904.
  • 11
    Dec. nº 1021, 26/8/1903.
  • 12
    Dec. nº 1664, 20/10/1855.
  • 13
    Dec. nº 602, 24/7/1890.
  • 14
    Já em 1904, o jurista Solidônio Leite (1904:3)LEITE, Solidônio. Desapropriações municipaes: decreto do Prefeito commentado e texto das leis em vigor por um advogado. Rio de Janeiro: Typ. e Papelaria Central de José Ayeres & C., 1904. argumentou que seria injustificável o Art. 5º do Dec. nº 4956, 9/9/1903, que dizia que os proprietários não deveriam ser ouvidos na determinação de casos de desapropriação por utilidade pública. Segundo o Art. 10, "nenhuma autoridade judiciaria, ou administrativa, poderá admittir reclamação ou contestação contra a desapropriação resultante da approvação dos planos e plantas por decreto".
  • 15
    Art. 31, §9º, Dec. nº 4956, 9/9/1903.
  • 16
    Art. 1º, Dec. nº 1021, 26/8/1906.
  • 17
    Jornal do Brasil, 21/7/1904.
  • 18
    A Notícia, 14/7/1904.
  • 19
    Jornal do Brasil, 06/7/1904.
  • 20
    Jornal do Brasil, 10/7/1904.
  • 21
    O Direito, 95, Set.-Dez., 1904, p. 216.
  • 22
    Anais do Senado, 20/12/1902. A expressão era do texto do Art. 72, §17 da Constituição de 1891: "O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia [...]".
  • 23
    Anais do Senado, 20, 22, 23 e 24/12/1902.
  • 24
    Expressões retiradas de processos publicados em O Direito e disponíveis no AN.
  • 25
    O Direito, 93, Jan.-Abr., 1904, p. 43.
  • 26
    O Direito, 97, Maio-Ago., 1905, p. 90.
  • 27
    Rev. de Dir. Civil, Comm. e Crim., XXIII, 1912, p. 250.
  • 28
    O Direito, 95, Set.-Dez., 1904, p. 218; Rev. de Dir. Civil, Comm. e Crim., XXVIII, 1913, p. 15.
  • 29
    O Direito, 97, Maio-Ago., 1905, p. 86; O Direito, 107, Set.-Dez., 1908, p. 322.
  • 30
    O Direito, 93, Jan.-Abr., 1904.
  • 31
    Queiróz (2008)QUEIROZ, Eneida Q. Justiça sanitária - cidadãos e Judiciário nas reformas urbana e sanitária - Rio de Janeiro (1904-1914). Dissertação de Mestrado, História, UFF, 2008. analisou a Justiça Sanitária como expressão da arena thompsoniana de conflitos e ampliação de direitos.
  • 32
    Rev. de Dir. Civil, Comm. e Crim., XXXI, 1914, p. 135; e XLV, 1917, p. 24.
  • 33
    Jornal do Brasil, 17/5/1904.
  • 34
    Art. 72, §11. A casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém pode aí penetrar de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir as vítimas de crimes ou desastres, nem de dia, senão nos casos e pela forma prescritos na lei.
  • 35
    AN, Fundo: STF, 1905, BV.0.HCO.2046.
  • 36
    Correio da Manhã, 1/2/1905.
  • 37
    O Paiz, 14/2/1905.
  • 38
    AN, Fundo: STF, 1905, BV.0.HCO.2293.
  • 39
    Sobre este assunto, v. Cantisano (2015)CANTISANO, Pedro J. Lares, tribunais e ruas: a inviolabilidade de domicílio e a Revolta da Vacina, Direito & Práxis, vol. 06, n. 11, 2015, p. 294-325..
  • 40
    AN, Fundo: Corte de Apelação, 1909, Nº 2087, Maço 338.
  • 41
    AN, Fundo: Corte de Apelação, 1905, Nº 3149, Maço 394; AN, Fundo: Corte de Apelação, 1906, Nº 3150, Maço 394; AN, Fundo: Corte de Apelação, 1910, Nº 2059, Maço 337.
  • 42
    AN, Fundo: Juízo dos Feitos da Fazenda Municipal do Rio de Janeiro, 1905, Nº 33, Caixa 618.
  • 43
    AN, Fundo: Corte de Apelação, 1905, Nº 805, Maço 272.
  • 44
    AN, Fundo: Juízo dos Feitos da Fazenda Municipal do Rio de Janeiro, 1908, Nº 75, Caixa 620.
  • 45
    Correio da Manhã, 9/9/1903, 28/7/1905 e 8/10/1905.
  • 46
    Jornal do Brasil, 10/7/1904.
  • 47
    Dec. nº 938, 29/12/1902.
  • 48
    Série de reportagens publicadas no Jornal do Brasil, 7/1904.
  • 49
    Jornal do Brasil, 24/7/1904 e 25/8/1904.
  • 50
    A Notícia, 14/7/1904.
  • 51
    Jornal do Brasil, 21/7, 25/8 e 16/10/1904.
  • 52
    AN, Fundo: Corte de Apelação, 1908, Nº 1872, Maço 326; AN, Fundo: Corte de Apelação, 1909, Nº 2087, Maço 338.
  • 53
    O mesmo indicava Clóvis Bevilacqua (1975: 1004)BEVILACQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1975., que nos comentários ao Código Civil de 1916 sugeriu que, em seu projeto primitivo, de 1900, o Código seguia tendências francesas de limitação da propriedade pelo interesse público. O texto original dizia: "A lei assegura ao proprietário, dentro dos limites por ela traçados, o direito de utilizar-se de seus bens, como entender, e de reivindica-los, quando corpóreos, do poder de quem, injustamente, os detenha". Segundo o autor, com a eliminação desta cláusula do Código final, a definição ficou incompleta, já que as restrições estavam no próprio Código (usucapião, desapropriação) "e fora dele, com os impostos e as prescrições municipais, por motivos de higiene, de utilidade e de aformoseamento".
  • 54
    Juristas brasileiros remetem as origens do conceito de "função social" à obra de Léon Duguit (1912)DUGUIT, Léon. Les transformations générales du Droit privé depuis le Code Napoléon. Paris: Librairie Félix Alcan, 1912.. Assim como Castro, Duguit observou as limitações ao direito de propriedade impostas pelas leis e jurisprudência francesas para argumentar que a propriedade já não era mais um direito absoluto, senão uma "função social" a ser cumprida pelo proprietário. Para os juristas, esta concepção de propriedade teria chegado ao direito brasileiro com a Constituição de 1934. O termo aparece, hoje, nos artigos 5º, XXIII e 170, III da Constituição de 1988.
  • 55
    Lei nº 196, 18/1/1936, Art. 57.
  • 56
    Na década de 1940, Themistocles Cavalcanti discutiu os atos de império como legado francês, deslocado no contexto brasileiro, onde não havia mais divisão entre jurisdição administrativa e judicial (Cavalcanti, 1948CAVALCANTI, Themistocles B. Teoria geral do Direito Administrativo - Direito Financeiro - Atos e contratos. Volume II. Rio de Janeiro/São Paulo: L. E. Freitas Bastos, 1948.: 238-241). Mesmo assim, até os anos 2000, os manualistas brasileiros classificaram os atos administrativos como atos de império - em que o Estado age com supremacia sobre o particular - e atos de gestão - em que age como se fosse particular (Meirelles, 2005MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2005.: 165).

Referências bibliográficas
Fontes primárias

Referências bibliográficas
Fontes primárias
  • BEVILACQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado Rio de Janeiro: Editora Rio, 1975.
  • CASTRO, Augusto O. V. de. Tratado de sciencia da administração e direito administrativo Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1906.
  • _____. Desapropriação por utilidade pública, segundo a doutrina e a legislação brasileira, Revista de Direito Civil, Commercial e Criminal, vol. XVIII, 1910.
  • _____. Conceito da obra pública; e a sua execução, Revista da Faculdade Livre de Direito da Cidade do Rio de Janeiro, vol. VII, 1911.
  • CAVALCANTI, Themistocles B. Teoria geral do Direito Administrativo - Direito Financeiro - Atos e contratos Volume II. Rio de Janeiro/São Paulo: L. E. Freitas Bastos, 1948.
  • DUGUIT, Léon. Les transformations générales du Droit privé depuis le Code Napoléon Paris: Librairie Félix Alcan, 1912.
  • LEITE, Solidônio. Desapropriações municipaes: decreto do Prefeito commentado e texto das leis em vigor por um advogado Rio de Janeiro: Typ. e Papelaria Central de José Ayeres & C., 1904.
  • MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro São Paulo: Malheiros, 2005.
  • O DIREITO - Revista mensal de Legislação, Doutrina e Jurisprudência Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, de Rodrigues & Comp., 1900-1910.
  • REVISTA de Direito Civil, Commercial e Criminal Rio de Janeiro: Bento de Faria, 1900-1920.
  • Fundo: Supremo Tribunal Federal - BV, Assunto: Infração Sanitária, 1900-1920
  • Fundo: Corte de Apelação - 20, Assunto: Desapropriação, 1900-1920
  • Fundo: Corte de Apelação - 20, Assunto: Despejo, 1900-1920
  • Fundo: Juízo dos Feitos da Fazenda Municipal do Rio de Janeiro - 3Y, Assunto: Desapropriação, 1900-1920
    • A Notícia
    • Correio da Manhã
    • Jornal do Brasil
    • O Paiz
    • Constituição Política do Império do Brazil, 25/3/1824
    • Dec. nº 1664, 20/10/1855
    • Dec. nº 602, 24/7/1890
    • Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 24/2/1891
    • Dec. nº 938, 29/12/1902
    • Lei nº 939, 29/12/1902
    • Dec. nº 1021, 26/8/1903
    • Dec. nº 4956, 9/9/1903
    • Dec. nº 1151, 5/1/1904
    • Lei nº 196, 18/1/1936
    • Anais do Senado – disponíveis online na página do Senado Federal

    Fontes secundárias

    • ABREU, Maurício de Almeida. Evolução urbana do Rio de Janeiro Rio de Janeiro: Zahar/IPLAMRIO, 1987.
    • AZEVEDO, André Nunes de. A reforma Pereira Passos: uma tentativa de integração urbana, Revista Rio de Janeiro, n. 10, maio-ago 2003.
    • BENCHIMOL, Jaime L. Pereira Passos: um Haussmann tropical Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1990.
    • BLANK, Yishai e ROSEN-ZVI, Issi . The spatial turn in legal theor", HAGAR Studies in Culture, Polity and Identities, vol. 10 (1), 2010.
    • CANTISANO, Pedro J. Lares, tribunais e ruas: a inviolabilidade de domicílio e a Revolta da Vacina, Direito & Práxis, vol. 06, n. 11, 2015, p. 294-325.
    • CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi São Paulo: Cia das Letras, 1987.
    • CARVALHO, Lia de Aquino. Habitações populares Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca , 1995.
    • CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte São Paulo: Schwarcz, 1990.
    • _____. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
    • COSTA, Emília Viotti da. O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania São Paulo: UNESP, 2006.
    • GORDON, Robert. Critical legal histories, Stanford Law Review, 36:57, 1984.
    • GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade - as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro, século XIX Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.
    • HARTOG, Hendrik. Pigs and positivism, Wisconsin Law Review, 399, 1985.
    • KOERNER, Andrei. Judiciário e cidadania na Constituição da República Brasileira (1841-1920) Curitiba: Juruá Editora, 2010.
    • MEADE, Teresa. "Civilizing" Rio: reform and resistance in a Brazilian city, 1889-1930 University Park: Penn State, 1997.
    • MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do século XIX Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998.
    • NEEDELL, Jeffrey. The Revolta contra Vacina of 1904: the revolt against "modernization" in Belle-Époque Rio de Janeiro, The Hispanic American Historical Review, vol. 67, nº 2, 1987, pp. 233-269.
    • NEVES, Margarida de Souza. Os cenários da República. O Brasil na virada do século XIX para o século XX. In: FERREIRA, J.; DELGADO, L.A.N. O Brasil republicano: o tempo do liberalismo excludente Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
    • PECHMAN, Sergio & FRITSCH, Lilian. A reforma urbana e seu avesso: algumas considerações a propósito da modernização do Distrito Federal na virada do século, Revista Brasileira de História, n. 8/9, Rio de Janeiro: Editora Marco Zero, 1985.
    • QUEIROZ, Eneida Q. Justiça sanitária - cidadãos e Judiciário nas reformas urbana e sanitária - Rio de Janeiro (1904-1914) Dissertação de Mestrado, História, UFF, 2008.
    • RIBEIRO, Gladys Sabina. O Povo na rua e na Justiça, a construção da cidadania e luta por direitos: 1889-1930. In: SAMPAIO; BRANCO; LONGHI (orgs.). Autos da memória: a história brasileira no Arquivo da Justiça Federal Rio de Janeiro: Justiça Federal da 2ª Região, 2006.
    • _____. Cidadania e lutas por direitos na Primeira República: analisando processos da Justiça Federal e do Supremo Tribunal Federal, Tempo, v. 13, n. 26, 2009.
    • _____. O uso do habeas corpus no Judiciário federal para o alargamento dos direitos de cidadania: o caso dos imigrantes portugueses no Distrito Federal, Revista da Escola da Magistratura Regional Federal, Rio de Janeiro, TRF 2ª Região, dezembro, 2010.
    • ROCHA, Oswaldo P. A era das demolições. Cidade do Rio de Janeiro 1870-1920 Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1995.
    • RODGERS, Daniel. Atlantic crossings: social politics in a progressive age Cambridge: Harvard University Press, 1998.
    • RODRIGUES, Lêda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal Volume II. Defesa do Federalismo (1899-1910). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
    • SCOTT, James C. Seeing like a state: how certain schemes to improve the human condition have failed. New Haven/London: Yale University Press, 1998.
    • SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina São Paulo: Brasiliense, 1984.
    • SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Memória jurisprudencial Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2006-2010.
    • THOMPSON, E. P. Whigs and hunters: the origin of the Black Act New York: Pantheon Books, 1975.
    • VARELA, Laura Beck. Das sesmarias à propriedade moderna: um estudo de história do Direito brasileiro Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      May-Aug 2016

    Histórico

    • Recebido
      27 Abr 2016
    • Aceito
      15 Jun 2016
    Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas Secretaria da Revista Estudos Históricos, Praia de Botafogo, 190, 14º andar, 22523-900 - Rio de Janeiro - RJ, Tel: (55 21) 3799-5676 / 5677 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: eh@fgv.br