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Compadrio, mobilidade social e redes sociais: a trajetória de uma família entre a escravidão e a liberdade (Minas Gerais, 1797-1828)

Godparentage, social mobility and social networks: the life story of a family between slavery and freedom (Minas Gerais, 1797-1828)

Compadrazgo, movilidad social y redes sociales: la trayectoria de una familia entre la esclavitud y la libertad (Minas Gerais, 1797-1828)

Resumo

Este artigo explora as interseções entre os mundos dos livres, libertos e escravos, propondo reflexões sobre as hierarquias e desigualdades gestadas pela escravidão brasileira. A partir de métodos e técnicas da história da família, da demografia histórica e da análise de redes sociais, reconstituíram-se as relações de compadrio de uma família em seu processo histórico de confirmação da liberdade, o qual se apresentou difuso e repleto de estratégias que contornavam incertezas. Como conclusão, demonstrou-se a liberdade como uma condição que cotidianamente precisou ser confirmada por indivíduos libertos e alforriados, o que salienta a força sistêmica da escravidão na formação social brasileira.

Palavras-chave:
Escravidão; Liberdade; Redes sociais; Compadrio

Abstract

The present paper explores the intersections between the worlds of the free, the freed and the slaves, proposing reflections on the hierarchies and inequalities of Brazilian slavery. Based on methods and techniques of family history, historical demography and social networks analysis, we reconstituted a family’s relationships of godparentage in their historical process of shift from slavery to freedom, which was diffuse and filled with strategies that circumvented uncertainties. As a conclusion, freedom was demonstrated as a condition that needed to be confirmed by freed people on a daily basis, which highlights the systemic strength of slavery in the development of Brazilian society.

Keywords:
Slavery; Freedom; Social networks; Godparentage

Resumen

Este artículo explora las intersecciones entre los mundos de los libres, libertos y esclavos, proponiendo reflexiones sobre las jerarquías y desigualdades gestadas por la esclavitud brasileña. A partir de métodos y técnicas de la historia de la familia, de la demografía histórica y del análisis de redes sociales, se han reconstituido las relaciones de compadrazgo de una familia en su proceso histórico de confirmación de la libertad, lo cual se presentó difuso y repleto de estrategias que circunvalaban incertidumbres. Como conclusión, se ha demostrado la libertad como una condición que cotidianamente necesitó ser confirmada por individuos libertos, lo que evidencia la fuerza sistémica de la esclavitud en la formación social brasileña.

Palabras clave:
Esclavitud; Libertad; Redes sociales; Compadrazgo

Introdução

No dia 7 de agosto de 1797, foi batizada pelo padre João de Souza Ferreira - na igreja matriz do Arraial de Piranga, distrito da cidade de Mariana - a Senhorinha Maria, primeira filha de Ana Maria de São José, na ocasião, escrava do tenente Rodrigo José da Silva.1 1 Arquivo da Cúria Eclesiástica de Mariana. Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Livro 2, folhas 44v e 45 Trinta e quatro anos depois, no recenseamento nominativo do ano de 1831, Ana Maria de São José foi recenseada como chefe de seu domicílio, no qual também foram listados sua filha mais velha, Senhorinha Maria, e uma filha e um filho mais novos, todos eles livres.2 2 Efetivamente, visto saber que Ana Maria havia sido cativa, sua condição, após a alforria, deveria ser de mulher liberta e não mulher livre, conforme optou o recenseador..

Noutro recenseamento realizado na localidade, no ano de 1839, o seu único filho homem, Antônio Anacleto Varela, já casado, é listado como chefe de seu domicílio, proprietário de três escravos. Em 1854, já era capitão Antônio Anacleto Varela, reconhecido proprietário de terras daquela localidade, e o primeiro a se dirigir ao pároco da igreja matriz de Piranga para fazer o registro dessas terras.3 3 Arquivo Público Mineiro. Sessão Provincial. Repartição Especial das Terras Públicas. Registro Paroquial de Terras da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição do Piranga. TP-1-160, rolo 13, registro 1518/01; 1518/02; 1519/03. Pode-se perceber por estas informações introdutórias que estou a versar sobre uma trajetória de mobilidade social e ascensão econômica de egressos do cativeiro, algo não incomum no passado escravista brasileiro (Guedes, 2008GUEDES, Roberto. Egressos do cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social (Porto Feliz, São Paulo, c.1798- c.1850). Rio de Janeiro: Mauad X/FAPERJ, 2008.; Dantas, 2016DANTAS, Mariana L. R. Miners, Farmers, and Market People: Women of African Descent and the Colonial Economy in Minas Gerais. African Economic History, v. 43, p. 82-108, 2015. Disponível em: Disponível em: https://muse.jhu.edu/article/610845 . Acesso em: 13 de agosto de 2016.
https://muse.jhu.edu/article/610845...
; Libby, 2016LIBBY, Douglas C. Slave, Free, and Freedwomen. Succeeding Generations of Africans and Afro-descendants in Eighteenth and Nineteenth Century Minas Gerais. African Economic History, v. 43, p.109-135, 2015. Disponível em: Disponível em: https://muse.jhu.edu/article/610846 . Acesso em:13 de agosto de 2016.
https://muse.jhu.edu/article/610846...
).

Tendo conhecimento destes dados, ainda incipientes, mas com um valor histórico relevante, me questionei sobre os caminhos deste processo social de transição entre o cativeiro e a liberdade, fenômeno distintivo da escravidão brasileira (Gonçalves, 2011GONÇALVES, Andrea Lisly. As margens da liberdade: estudo sobre a prática de alforrias em Minas colonial e provincial. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011.). “O que torna possível uma família de egressos do cativeiro vir a ser proprietária de escravos? Quais eram os mecanismos e as hierarquias sociais vigentes que permearam a trajetória de vida daquelas pessoas que vivenciaram essa travessia?”, eram algumas das várias perguntas que me inquietavam e instigavam a vasculhar mais e mais os fundos documentais em busca de respostas.

Foi possível rascunhar algumas respostas a partir de longas reflexões e extensivo trabalho com fontes históricas, e outras, nem tanto. Nem tudo cabe em um artigo científico.

Assim, neste artigo, irei enfocar os anos que sucederam ao sacramento batismal da primeira filha de Ana Maria de São José, nos quais se podem enxergar as estratégias familiares nos primórdios do seu processo de enraizamento social e afirmação da liberdade, no qual, ao longo de algumas décadas, a família se elevou à condição de uma família reconhecida socialmente, detentora de títulos, escravos e propriedades.

O objetivo principal é proporcionar a reflexão sobre as interseções entre os mundos dos livres, libertos e escravos, demonstrando as possibilidades de ascensão social, sem, contudo, deixar de lado os imperativos das hierarquias e desigualdades que marcaram o passado brasileiro, aspectos que me conduziram a explorar o contexto histórico das suas sociabilidades cotidianas, estas, por sua vez, refletidas nas relações de compadrio daquela família.

Do ponto de vista metodológico, além dos registros paroquiais de batismos, elementos fundamentais utilizados para se compor as redes sociais desta família, foram igualmente determinantes as informações recolhidas nas listas nominativas da década de 1830, as quais permitiram preencher lacunas presentes nos registros paroquiais, principalmente referentes às estruturas familiares, seja da família em tela ou das de seus compadres.

Pode-se vislumbrar que uma gama variada de informações irá compor a narrativa deste artigo, e é meu interesse inter-relacioná-las à produção de um espaço social, cotejado por hierarquias que se redefiniam pelas possibilidades de mobilidade e ascensão social, pautadas na busca por afirmação da liberdade.

Do cativeiro à liberdade

A julgar pelas informações contidas nos assentos de batismos desta família que se formou no limiar entre a escravidão e a liberdade, é possível resgatar as tramas da sua trajetória antes mesmo que nascesse a primeira filha de Ana Maria de São José no ano de 1797, pois são notórias as estratégias postas em práticas por esta mulher para estabelecer o seu lugar no mundo dos livres e libertos.

Certamente, a liberdade era a maior dádiva que ela poderia legar aos seus filhos, pois abria oportunidades de ascensão e mobilidade social restritas ao cativeiro até então. Portanto, explorar a transição da condição de cativo à liberto é muito importante para se compreender os vínculos existentes entre esta família e as comunidades dos indivíduos livres, libertos e escravos, o que permite tecer reflexões sobre as possibilidades de ascensão social. Para tanto, busquei em registros de batismos informações sobre os compadres desta família, as quais esclarecem o universo relacional e as sociabilidades cotidianas que marcaram a transição do cativeiro à liberdade. Na Figura 1 estão representados os laços de compadrio a partir dos padrinhos de batismo das filhas e do filho de Ana Maria de São José e dos batismos em que ela e suas filhas atuaram como madrinhas, relações que permitiram explorar o contexto social em que foram gestadas as estratégias de acesso e manutenção da liberdade nas décadas iniciais do século XIX.

Entre 1760 e 1812, em 42 ocasiões, crianças nascidas na senzala do tenente Rodrigo José da Silva, senhor de Ana Maria de São José, foram batizadas na igreja matriz do arraial de Piranga. Chama atenção em apenas um destes sacramentos a criança ter sido alforriada na pia batismal, junto com sua mãe: justamente o batismo de Senhorinha Maria.4 4 Chama atenção porque a prática não era difundida na localidade, afinal, no mesmo período, dos 3.932 batismos de filhos de mães cativas que foram sacramentados nas capelas dos arraiais e outras localidades do vale do rio Piranga, em apenas 120 ocasiões constatou-se a libertação na pia batismal. Portanto, chama atenção por ser um caso único e específico dentro do universo daquele efetivo escravo que chama tanta atenção, e por se tratar de uma família que não só alcançou a liberdade, mas ascendeu economicamente e enraizou-se na localidade. Apesar de ser um episódio único neste efetivo escravo, não restam dúvidas de que esta “dádiva da alforria” não foi um evento acidental,5 5 Importantes discussões e análises sobre o tema podem ser encontradas em Soares (2009) e Gonçalves (2011). pois, conforme anotou o coadjutor Cristóvão Jorge de Barcelos, responsável pelo registro do batismo, a madrinha entregou ao tenente Rodrigo 32 oitavas de ouro para que fossem outorgadas as liberdades de mãe e filha;6 6 Na figura 1, quadrante C.. portanto, foi fruto de um processo que envolveu Ana Maria, o tenente Rodrigo e a madrinha de batismo, dona Francisca Inácia.7 7 Na figura 1, quadrante B

Há vasta historiografia sobre os tênues limites que divisavam a escravidão e a liberdade no passado brasileiro. Dentro desta temática, alguns pesquisadores focaram os tortuosos processos sociais que envolviam a alforria, demonstrando que a porta de saída do cativeiro demandava uma série de negociações, e poucas vezes significou a plena liberdade ao indivíduo liberto.

A este respeito, Silvia Lara (1998LARA, Silvia H. Escravidão, cidadania e História do Trabalho no Brasil. Projeto História, São Paulo, n. 16, p. 25-38, fev. 1998.), perscrutando a agência social de indivíduos escravizados, demonstrou que no século XIX vigoraram diferentes concepções de liberdade, destacando que liberdade não se restringiu à possibilidade de vender voluntariamente sua força de trabalho. Conforme salientou a autora, ser livre poderia significar a possibilidade de não servir a mais ninguém ou viver longe da tutela senhorial, podendo ir e vir sem controle e restrições de capatazes e feitores. A autora também destacou que a liberdade, em diversas situações, significou a capacidade de constituir família e manter laços afetivos sem o perigo de ver filhos e cônjuge serem comercializados pelo seu proprietário.

Cabe salientar que Silvia Lara é uma pesquisadora que compôs a vanguarda da virada historiográfica sobre a escravidão no Brasil, a qual combateu, principalmente, os pressupostos teóricos que generalizavam experiências e coisificavam os indivíduos escravizados.8 8 A principal obra criticada por estes autores revisionistas é Gorender (1978). Assim, obras como as de Sidney Chalhoub (1990CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.), João José Reis (1986REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês (1835). São Paulo: Brasiliense, 1986.), Hebe Maria Mattos de Castro (1987CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Ao sul da história. São Paulo: Brasiliense, 1987) e Silvia Lara (1988)LARA, Silvia H. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro (1750-1808). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. trouxeram à abordagem dos estudos históricos a agência social de indivíduos escravizados e libertos, matizando suas escolhas, objetivos e estratégias sociais.

Figura 1
Compadrio e sociabilidades, família Varela, Arraial de Piranga (1797-1828)

Ao fim e ao cabo, sobre a temática do acesso à liberdade no passado escravista brasileiro, um dos principais legados desta historiografia foi a visão de que alforria e outros ganhos materiais ou simbólicos não devem ser considerados uma flexibilização da violência do sistema escravista e manifestação da bondade senhorial, pois não se tratava somente de benefícios concedidos pelos proprietários de escravos; eram, também, frutos da luta e resistência dos indivíduos escravizados.

Por outro lado, há aqueles autores que enfatizaram a função estrutural da alforria para a reprodução do sistema escravista, os quais destacaram a persistência de uma liberdade conservadora sustentada pelo próprio sistema. A este respeito, Manolo Florentino ressaltou que muitos indivíduos libertos, ao ascenderem economicamente, tornavam-se proprietários de escravos, aspecto, segundo ele, que perpetuava a expectativa entre escravos de não apenas um dia alcançar a tão almejada liberdade, como também desfrutar de um status quo de senhor de escravos entre os indivíduos livres. Grosso modo, tal situação significava efetivamente a reprodução das estruturas vigentes, isto é, a reiteração do escravismo.9 9 Sobre estas perspectivas que destacaram a função estrutural das alforrias em reproduzir as estruturas escravistas, ver Florentino, 2005.

Outro pesquisador a destacar as alforrias como elementos de manutenção da escravidão foi Rafael de Bivar Marquese. Baseado nos pressupostos teóricos postulados por Orlando Patterson (1970PATTERSON, Orlando. Slavery and Slave Revolts: A Socio-Historical Analysis of the First Marron War, 1655-1740. Social and Economic Studies, v. 19, n. 3, set. 1970, p.289-325) e Igor Kopytoff (1982KOPYTOFF, Igor. Slavery. Annual Review of Anthropology, v. 11, p. 207-230, 1982.), Marquese (2006)MARQUESE, Rafael. As desventuras de um conceito: capitalismo histórico e a historiografia sobre a escravidão brasileira. Revista de História, n. 169, p. 223-253, jul./dez. 2013. propõe que, no passado brasileiro, a escravização, a situação da escravidão e a manumissão fizeram parte de um mesmo processo que institucionalizou a escravidão. Finalmente, em artigo mais recente (ibidem, 2013), teceu importantes críticas aos trabalhos supracitados de Silvia Lara e Sidney Chalhoub, os quais, segundo Marquese, apropriram-se seletivamente de algumas proposições de Edward Thompson, deixando de lado a dimensão da expansão capitalista em curso no século XIX. Segundo o autor, deixar de lado a perspectiva do capital significa incorrer no risco de perder de vista a escravidão como instituição que deu sentido à formação social e econômica do Brasil.

A proposta de Rafael Marquese é fornecer um quadro teórico mais robusto à compreensão da dimensão sistêmica do escravismo brasileiro. Para ele, mesmo que haja trabalhos que há décadas destaquem a estreita relação entre tráfico negreiro transatlântico e as elevadas taxas de manumissão, é ainda restrito o entendimento das limitadas possibilidades de sucesso da resistência escrava coletiva no Brasil, o que, para o autor, explica-se “sem dissociar a condição escrava da condição liberta e o tráfico negreiro das alforrias” (ibidem, 2006: 110). Grosso modo, os números do tráfico transatlântico permitiam as altas taxas de manumissão averiguadas, pois tão logo um cativo alcançava a liberdade, outro africano era escravizado e transportado para o Brasil, o que disseminou a escravidão pelo tecido social brasileiro, marca distintiva daquele sistema escravista (Florentino, 2014FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico negreiro de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Editora Unesp, 2014.). Finalmente, a escravidão, na condição de fundamento da sociedade brasileira, ganhou as penas da lei nos quadros do Estado nacional brasileiro especificamente no contexto da Independência, quando os construtores do Império tomaram consciência da experiência histórica que combinou tráfico negreiro e alforrias (Marquese, 2006MARQUESE, Rafael. A dinâmica da escravidão no Brasil: resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX. Novos Estudos Cebrap, n. 74, p. 107-123, mar. 2006.: 110).

É importante ter em mente estes pressupostos interpretativos, pois estou dissertando neste artigo sobre uma família que traçou o seu caminho entre a escravidão e a liberdade; portanto, deixo em tela estratégias de indivíduos que resistiram à escravidão e desenharam, socialmente, suas condições de indivíduos livres. Volto, pois, a escrever sobre o processo de alforria da irmã e da mãe de Anacleto.

Apesar de ter sido um dos vértices envolvidos neste processo de alforria, são desconhecidas as relações existentes até o ano de 1797, entre dona Francisca Inácia e Ana Maria de São José. Inicialmente, supus que Senhorinha fosse fruto de alguma união consensual com algum aparentado de dona Francisca Inácia, porém, não há qualquer indício nas fontes pesquisadas que me permitam aprofundar esta hipótese. Uma segunda possibilidade seria imaginar alguma proximidade social entre a madrinha e o senhor de Ana Maria; todavia, do mesmo modo, não há outras informações que permitam levar adiante este pressuposto. Em nenhuma outra ocasião os dois estiveram juntos diante da pia batismal ou mesmo envolvidos de forma indireta, como, por exemplo, no compadrio com uma mesma família ou sendo apadrinhados por indivíduos aparentados. Obviamente não eram desconhecidos, e duvido que houvesse alguma desavença, mas não há rastros que me possibilitem conjecturar alguma afinidade relacional entre ambos que tivesse entrado como variável determinante no processo de batismo de Senhorinha, seguido da alforria dela e de sua mãe.

Diante destas constatações, é mais acertado considerar que o senhor agiu como proprietário e, portanto, esteve envolvido tão somente na definição do valor exigido pela liberdade de uma peça do seu efetivo escravo. Deste modo, negociações que envolveram o pagamento de tal valor estiveram restritas à desconhecida relação que havia entre a madrinha e a mãe da criança batizada. Apesar de ser uma incógnita, não causa nenhum embargo à compreensão de todo o processo, visto que muito provavelmente Francisca Inácia e Ana Maria continuaram próximas nos anos que se seguiram, pois, no ano de 1831, por meio do recenseamento feito no distrito de Piranga,10 10 Arquivo Público Mineiro. Sessão Provincial. Listas Nominativas. Disponível em: www.poplin.cedeplar.ufmg.br., acessado em 2 de outubro de 2015. constatei que Clementina Ferreira de Araújo,11 11 Na figura 1, quadrante D... futura esposa de Antônio Anacleto Varela,12 12 Na figura 1, quadrante D era agregada no domicílio de Rita Francisca Ferreira,13 13 Na figura 1, quadrante D filha de Francisca Inácia, naquele ano já falecida.14 14 Arquivo da Casa Setecentista de Mariana. Inventário post-mortem de Dona Francisca Inácia de Souza (1816). 1º Ofício, códice 98, auto 2.045.

Tal informação quebra a linha narrativa e a cronologia do processo de transição do cativeiro à liberdade vivenciado por Ana Maria e seus filhos. De todo modo, lancei mão de apresentá-la para explicitar que Francisca Inácia e Ana Maria tinham alguma ligação que não se restringiu à pia batismal e que, além de ter possibilitado o acesso à liberdade, muito provavelmente esteve na base da manutenção desta condição. Desta forma, mais uma vez, o dia 7 de agosto de 1797 é um ponto de inflexão nas tramas cotidianas de Ana Maria de São José, a partir do qual é possível elencar uma série de hipóteses sobre suas estratégias.

Alcançada a liberdade, não eram automáticos a aceitação social e o reconhecimento do indivíduo pela comunidade. A escravidão estigmatizou os afrodescendentes, e cotidianamente demandava destes indivíduos estratégias de manutenção da sua condição de pessoa livre. Sobre a instabilidade da liberdade a que eram constrangidos cotidianamente homens e mulheres escravizados, Silvia Lara (1988LARA, Silvia H. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro (1750-1808). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.: 254-258) demonstrou que a morte do senhor era um momento determinante para escravos que haviam alcançado ganhos materiais e simbólicos que os afastavam do cativeiro. Segundo ela, muitos podiam perder determinadas conquistas em função de algum desafeto com herdeiros do antigo proprietário, o que significava o reordenamento de estratégias e profundas transformações nas condições de vida.

Sobre o mesmo tema, Sidney Chalhoub (2012CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012: 231-242) demonstrou que uma das marcas da sociedade oitocentista brasileira foi sua alta capacidade de privar de suas liberdades indivíduos africanos e afrodescendentes. Segundo o autor, o medo de retornar à condição de cativo pautou o pensamento, a conduta e as estratégias de vida dos negros brasileiros. Não foi diferente com Ana Maria de São José. Pouco mais de um ano após ter deixado o cativeiro do tenente Rodrigo,15 15 Na figura 1, quadrante A. no registro de batismo de sua segunda filha, Ana,16 16 Na figura 1, quadrante C. no dia 7 de outubro de 1798, o mesmo coadjutor responsável por registrar sua alforria no ano anterior fez questão de assinalar que a batizanda era filha de “Ana Maria de São José, parda forra, escrava que foi do tenente Rodrigo José da Silva”.17 17 Arquivo da Cúria Eclesiástica de Mariana. Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Livro 2, folha 54.

Diante deste cenário no qual era identificada pela memória do cativeiro, suas estratégias delineavam-se pela busca por inserção social e por se tornar conhecida não por ter sido escrava de outrem, mas, eventualmente, pelos seus importantes e distintos compadres. Além de dona Francisca Inácia, uma importante mulher apadrinhadora daquelas localidades, que foi madrinha em 20 ocasiões entre os anos de 1790 e 1810, no ano 1797, o padrinho de Senhorinha também foi um indivíduo com amplo capital social: o licenciado Francisco José Alves da Silva,18 18 Na figura 1, quadrante A. padrinho em 18 ocasiões entre os anos de 1793 e 1808.

Todos os compadres de Ana Maria foram pessoas detentoras de títulos de distinção ou patentes militares. No batizado de Ana Florinda, no ano de 179819 19 Arquivo da Cúria Eclesiástica de Mariana. Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Livro 2, folha 54 , o padrinho foi o padre Manoel Carvalho de Morais,20 20 Na figura 1, quadrante B. filho do capitão Diogo Carvalho de Morais,21 21 Na figura 1, quadrante A. o maior proprietário de escravos daquelas paragens, com nada menos do que 82 cativos em sua posse em 1804.22 22 Arquivo Público Mineiro. Secretaria de Governo da Capitania. Recenseamento populacional do distrito de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Caixa 77. Neste sacramento batismal, a madrinha foi dona Ana Esmeria de São Joaquim,23 23 Na figura 1, quadrante A. discriminada no assento de batismo como “cunhada do capitão comandante Antônio Gomes Sande”,24 24 Na figura 1, quadrante B. importante proprietário de engenho naquelas paragens, figura muito conhecida e com grande poderio econômico e social. Ana Esmeria, entre 1789 e 1810, apadrinhou 12 crianças, das quais somente 2 eram filhas naturais, entre elas Ana Florinda, filha de Ana Maria de São José, o que realça ainda mais os feitos de adentrar distintos espaços de sociabilidade alcançados por Ana Maria de São José na pia batismal.

Dois anos depois, Ana Maria ficou grávida de gêmeos, ampliando as oportunidades de inserção e reconhecimento social, pois os dois batismos de uma só vez a fizeram contrair quatro relações de compadrio. Ao nascerem as duas meninas, batizadas Antônia25 25 Na figura 1, quadrante C. e Maria,26 26 Na figura 1, quadrante C. os padrinhos escolhidos para Antônia foram o próprio capitão Diogo Carvalho de Morais27 27 Na figura 1, quadrante A. e sua filha, dona Antônia Rosa de Jesus.28 28 Na figura 1, quadrante A. . Já os padrinhos de Maria foram o alferes Antônio Gonçalves Heleno,29 29 Na figura 1, quadrante A. 21 vezes nomeado em outras oportunidades, e Clara de Souza,30 30 Na figura 1, quadrante A. esposa do tenente Joaquim Alves da Cruz.

Finalmente, em 1805, Antônio Anacleto Varela31 31 Na figura 1, quadrante D. é batizado, tendo sido apadrinhado pela dona Clara Joaquina de Jesus,32 32 Na figura 1, quadrante B. esposa do capitão José Soares Valente, e tendo por padrinho o capitão Antônio Teixeira Guimarães,33 33 Na figura 1, quadrante A. genro do capitão Diogo Carvalho de Morais, o que dá importantes pistas sobre o modus operandi de Ana Maria de São José. Em busca de reconhecimento e afirmação de sua liberdade, se instalou à sombra do poder de influência da família Carvalho de Morais, pressuposição confirmada quando se tornaram conhecidas duas ocasiões nas quais Ana Maria atuou como madrinha, ambas apadrinhando crianças nascidas do vasto efetivo escravo dos Carvalho de Morais. Em 1801, meses após sua filha Antônia ter sido apadrinhada pelo capitão Diogo e sua filha Antônia Rosa, Ana Maria foi madrinha de batismo de Germana,34 34 Na figura 1, quadrante C. filha natural de Leocadia Crioula. Em 1806, quando Antônio Anacleto era uma criança de 1 ano e poucos meses, foi a vez de Joana,35 35 Na figura 1, quadrante C. filha legítima de João Angola e Joaquina Crioula, ser apadrinhada por Ana Maria de São José.

Creio que Ana Maria de São José já estivesse próxima do ambiente social e imersa em relações cotidianas tecidas em torno daquela senzala de uma importante família da localidade desde 1798, ou até mesmo antes, quando o padre Manoel Carvalho de Morais foi nomeado padrinho de sua filha Ana. Muito provavelmente, a partir destas relações, viu se entreabrir a oportunidade de solidificar as bases de sua liberdade por meio de laços fortes com famílias reconhecidas e respeitadas. Eventualmente, num ato de negociação ou simples retribuição de favores, atuava como madrinha de cativos que não tinham a quem recorrer em hora tão necessitada.

A confirmação da liberdade

A trajetória de Ana Maria de São José é um prato cheio para se conhecer os significados do compadrio na sociedade brasileira oitocentista. Como já foi destacado na introdução deste artigo, na lista nominativa do ano de 1831, em seu domicílio foram recenseadas as duas filhas mais velhas, Senhorinha Maria e Ana Florinda, a primeira, viúva, e a segunda, solteira, ambas com filhos também listados naquele domicílio. Ao recolher informações sobre seus batizados, fizeram-se conhecidos os laços de compadrio da segunda geração desta família, os quais guardam consigo uma série de significados que ajudam a interpretar as hierarquias e como funcionou o fenômeno da mobilidade social. Neste recenseamento, Antônio Anacleto, aos 25 anos, era negociante e também listado no domicílio chefiado por sua mãe. Além destes, um casal de agregados, Tomás de Aquino e Maria Felisberta,36 36 Na figura 1, quadrante D. foi listado no domicílio, o que indica que as coisas iam relativamente bem para aquela família, pois, além de terem condições de constituir domicílio próprio, foram capazes de agregar um jovem casal, muito provavelmente desprovido de auxílios que lhe permitisse desenvolver suas atividades e acumular algum pecúlio em domicílio próprio.

Não foram listadas as gêmeas Antônia e Maria, nem mesmo em outros domicílios da localidade, o que me levou a pressupor que faleceram ainda crianças, fato que demandou outras estratégias relacionais daquela família que confirmassem o seu lugar naquela sociedade. Em outras palavras, efetivamente, já não mais existiam as relações de compadrio confirmadas nos batismos das gêmeas Antônia e Maria; portanto, o capitão Diogo Carvalho de Morais, sua filha, o Alferes Antônio Gonçalves Heleno e Clara de Souza eram compadres sem afilhados, no caso específico, sem afilhadas.

Assim sendo, o elemento central da relação de compadrio, a criança batizada, já não se fazia intermediária entre Ana Maria de São José e aqueles compadres. Pode-se imaginar que no dia a dia do arraial, Antônia e Maria não tomavam a benção de seus padrinhos e madrinhas, reiterando o respeito que Ana Maria tanto ansiava demonstrar. Do mesmo modo, a prestação de certos favores que aquelas duas crianças poderiam receber ou realizar, estendendo os laços de parentesco espiritual para o cotidiano material, conferindo prestígio a Ana Maria de São José, deixou de ser uma prática de que pudesse lançar mão.

Diante desta situação de enfraquecimento de determinados laços sociais já constituídos, uma possibilidade talvez fosse a reiteração destas relações, mas, muito provavelmente, Ana Maria havia chegado ao fim do seu ciclo reprodutivo, por motivos diversos e desconhecidos, entre os quais, arrisco dizer, a morte de seu companheiro.

Sobre este aspecto, cabe salientar alguns importantes aspectos de vasta historiografia sobre a atuação e o lugar social das mulheres solteiras no passado brasileiro. Sílvia Maria Jardim Brügger, em seu livro Minas patriarcal (2007BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João del-Rei - séculos XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007.), introduz um debate que complexifica a reflexão sobre mulheres solteiras chefiando domicílios. Para Brügger, a relação consensual muitas vezes assumia os mesmos significados que uma relação sacramentada pela Igreja, ou seja, organizava a vida do indivíduo em torno dos sentidos privados da família, quais sejam: constituir o domicílio, gerar filhos e criar afetos (ibidem: 65-132). Grosso modo, o que a pesquisadora retoma em seu livro é a crítica da crítica ao modelo interpretativo patriarcalista.37 37 Sobre esta crítica ao modelo patriarcalista, ver Samara (1989), especialmente a introdução. Na esteira interpretativa de Ronaldo Vainfas (1989VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1989.: 108-112) e Sheila de Castro Faria (1998FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.: 45-48), Brügger (2007: 47-64) segue a linha analítica que destaca o patriarcalismo como traço distintivo da sociedade brasileira, pois, mesmo ausente em algumas estruturas familiares, esteve presente nas ideologias e mentalidades que fundaram nossa história.

Exemplo ilustrativo destas relações familiares em que estavam envolvidas mulheres solteiras surge na estrutura do domicílio chefiado por Maria Cipriana do Espírito Santo, uma mulher parda de 48 anos de idade, solteira. Além dela, em seu domicílio estão listadas Graciana Rosa, 26, parda, casada, Ana Teodora, 20, parda, solteira, e Maria, 1 ano de idade. Numa busca feita nos assentos de batismo, descobri que Maria, batizada no dia 17 de outubro de 1830, era filha natural de Ana Teodora.38 38 Arquivo da Cúria Eclesiástica de Mariana. Livros de Batismo - Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Livro 11, folha 91. Avançando a busca para o recenseamento produzido no ano de 1839, encontro Maria Cipriana, agora aos 60 anos de idade, ainda solteira e chefiando seu domicílio. Além dela, Ana Teodora, também solteira, e sua filha Maria, de 10 anos de idade, foram listadas, e mais 3 crianças: Francisca, José Vidal e Teobalda, com idades de 7, 4 e 1 ano, respectivamente. Graciana estava ausente desta composição domiciliar, mas o seu lugar na lista, logo abaixo de Maria Cipriana, foi ocupado por José Antônio da Cunha, um homem pardo, de 30 anos de idade, declarado viúvo, sapateiro, e que sabia ler.

A simples presença deste homem é um primeiro indício de que se trata do companheiro de Ana Teodora. Porém, outras crianças nascidas entre os dois recenseamentos me levaram a acreditar no que seria somente indício e buscar confirmações. Estas, felizmente, foram encontradas no registro de batismo de Francisca, batizada no dia 30 de setembro de 1832 na capela de Santo Antônio do Calambau, filial da matriz de Piranga. Na ocasião, Francisca, filha natural de Ana Teodora foi apadrinhada por José Antônio da Cunha, “morador da freguesia da Pomba”.39 39 Ibidem, livro 11, folha 101v. A partir destes dados, sugiro que Ana Teodora e José Antônio da Cunha mantinham uma relação consensual já havia alguns anos e ele, ao enviuvar-se, migrou para a freguesia do Piranga para viver próximo a sua companheira e os seus quatro filhos.

Por fim, outra busca pelos assentos de batismo sacramentados na localidade confirmaram que Graciana Rosa e Ana Teodora eram irmãs, nascidas em 1807 e 1811, respectivamente, filhas naturais de Maria Cipriana, a qual, nas ocasiões dos batismos, foi declarada parda forra.40 40 Ibidem, livro 8, folha 162v; livro 5, folha 40. Assim, a partir da história destas mulheres, podemos vislumbrar duas gerações, mãe e filha, que não contraíram matrimônio, mas que mantiveram relações consensuais, tecendo o cotidiano e as estratégias de reprodução social a partir de laços familiares. Por exemplo, no já mencionado batismo de Maria, primeira filha de Ana Teodora, a madrinha foi sua irmã, portanto, tia da batizanda, Graciana Rosa, enquanto no batismo de Teobalda, sacramentado no dia 20 de março de 1837, a madrinha foi Maria Cipriana, avó materna da criança.41 41 Ibidem, livro 11, folha 210. Portanto, ainda que a documentação oficial e a norma religiosa não reconhecessem o casamento e, assim, a legitimidade desta família, no dia a dia destas mulheres a estrutura familiar pairou acima daquilo que é canonizado e ditou as estratégias da reprodução social.

A composição domiciliar e as relações familiares de Maria Cipriana me levaram a assumir que sua trajetória de vida seja correlata à de Ana Maria de São José. Desta forma, sugiro que Ana Maria, até o nascimento de Antônio Anacleto Varela, no ano de 1805, ou nos anos logo após, tinha um companheiro, com o qual eventualmente viveu junto e certamente era o pai de suas filhas e filhos. Ou, ainda, algum homem casado e bem relacionado daquela comunidade era o pai de toda esta prole, e esteve por trás dos bons compadres que Ana Maria teve ao longo de sua vida.

Voltando à cronologia dos eventos que marcaram o processo de transição do cativeiro à liberdade desta família e, especificamente, a provável perda de seu companheiro, pai dos seus filhos, é prudente assumir que já não era possível que Ana Maria oferecesse outros filhos como afilhados, reafirmando, por exemplo, a relação de clientela que havia entre ela e os Carvalho de Morais.

Quando no ano de 1815 é batizado Francisco, filho de Senhorinha Maria de Jesus, portanto, primeiro neto de Ana Maria de São José, compreendem-se os rumos traçados por esta família em corroborar sua liberdade e os significados do compadrio no passado brasileiro. Entre 1806 e 1815, como já salientei, as fortes relações entre a família de Ana Maria e os Carvalho de Morais foram se enfraquecendo e, provavelmente, oferecer um neto como afilhado pudesse ser uma boa iniciativa a dar novas feições às relações entre ambas as famílias. Porém, não é isso o que acontece. Nenhum dos padrinhos de Francisco descende da família do capitão Diogo Carvalho de Morais.

Como alguns autores já demonstraram, após a reformulação dos significados do batismo previstos pelo Concílio de Trento, o compadrio tornou-se uma relação marcada pela cerimônia religiosa, repleta de símbolos que podem não surtir efeitos práticos nas trajetórias de vida de nenhum dos envolvidos (Berteau, 2010BERTEAU, Camille; GOURDON, Vincent; ROBIN-ROMERO, Isabelle. Réseaux sociaux et parrainage: les consequences de l’application du Concile de Trente dans une paroisse française, Aubervilliers (1552-1631). Obradoiro de Historia Moderna, v. 19, p. 279-306, 2010.). Por outro lado, como detectado por outro estudo que se debruçou sobre a mesma região, porém enfocando as sociabilidades intraelites, laços de compadrio foram recorrentemente reiterados ao longo do ciclo de vida dos indivíduos e suas famílias, indicando que desempenharam funções sociais nas comunidades em que se deram (Andrade, 2015ANDRADE, Mateus R. Casamento e compadrio: registros paroquiais e inventários post-mortem na freguesia de Guarapiranga, séculos XVIII e XIX. In: LIBBY, D. C. et al. História da família no Brasil (séculos XVIII, XIX e XX): novas abordagens e perspectivas. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015. p. 129-162: 143-157).

A própria atuação de Ana Maria na pia batismal é emblemática deste caráter que o parentesco espiritual pode assumir. Como demonstrei, entre 1798 e 1806, criou e intensificou laços de compadrio com os Carvalho de Morais. Por sua vez, em função de variáveis que lhe fugiam ao controle (morte de suas filhas e provável perda do seu companheiro), viu-se diante da impossibilidade de reforçar pelas vias do compadrio as relações já estabelecidas com esta família nos anos que se seguiram. Desta forma, no trato cotidiano, quando necessário, recorreu a outros compadres, entre os quais dona Clara Joaquina de Jesus, madrinha de Antônio Anacleto Varela.

Por que suponho que foi esta madrinha e sua família que Ana Maria teve como ponto de apoio em suas estratégias de ascensão e enraizamento social? Primeiro, porque Antônio Anacleto ultrapassou os riscos de morte e pode ter sido aquele afilhado intermediador entre sua mãe e seus compadres. Além disso, no dia 1o de maio de 1815, quando foi batizado Francisco, filho de Senhorinha Maria, o padrinho escolhido foi João Soares Valente,42 42 Na figura 1, quadrante B. filho de dona Clara Joaquina de Jesus. Dois anos depois, em maio de 1817, no batismo de outro filho homônimo do primeiro, que muito provavelmente falecera antes de completar 1 ano de vida, o padrinho escolhido novamente é um Soares Valente, desta vez, Antônio,43 43 Na figura 1, quadrante B. primo de João, portanto, sobrinho de dona Clara. A madrinha de Francisco, Ana Leocadia de São Joaquim,44 44 Na figura 1, quadrante B. era concunhada de dona Clara Joaquina, o que demonstra as novas oportunidades abertas com estas relações tecidas com os Soares Valente, que envolveram outras famílias da freguesia. Confirmando o estabelecimento destes laços, em 1820, no batismo de Sabino, terceiro filho de Senhorinha Maria, o padrinho nomeado foi Antônio Bernardes,45 45 Na figura 1, quadrante B. esposo de Ana Leocadia.

No mês de dezembro do ano de 1817, especificamente no dia 26, portanto, logo após as festividades natalinas, foi sacramentado o batismo de Rita, filha natural de Ana Florinda. Num ato de demonstração de que eram fortes as relações com os Soares Valente, o padrinho da vez foi o alferes Francisco Soares Valente,46 46 Na figura 1, quadrante B. cunhado de dona Clara Joaquina, tio dos compadres de Senhorinha Maria. Finalmente, em 1820, o padrinho de seu segundo filho, Joaquim Anacleto, foi o capitão João Pinto de Morais Sarmento,47 47 Na figura 1, quadrante B. um homem de negócios, importante apadrinhador local. Visto em conjunto com os batismos dos filhos de Senhorinha Maria, os padrinhos escolhidos evidenciam certo padrão no qual laços estabelecidos são reforçados, mas, vez por outra, indivíduos de fora de determinados grupos familiares eram nomeados padrinhos, o que demonstra a estratégia de abertura dos círculos relacionais a novas oportunidades que o compadrio poderia ocasionar.

Definitivamente, Ana Maria, suas filhas e filhos haviam transmigrado da clientela dos Carvalho de Morais para a clientela dos Soares Valente, o que deixa claro que os laços de compadrio, propensos a todo tipo de intempéries, eram passíveis de reordenamentos estratégicos e intergeracionais. Neste caso específico de uma família egressa do cativeiro e almejando reconhecimento social, sua condição de liberdade precisava ser dia a dia reafirmada, perpetuando assim o lugar destes na hierarquia social. Fluxo privilegiado do prestígio numa sociedade altamente hierarquizada, o compadrio corroborou com a manutenção da condição de liberdade daqueles indivíduos, e em determinados momentos sustentou a arquitetura social que possibilitou a ascensão e a mobilidade.

A inserção de Ana Florinda e Senhorinha Maria nestas redes de compadrio não se deu somente pela posição de mães, como também por meio da atuação como madrinhas de batismo. Em 1827, Ana Florinda foi madrinha de uma das filhas de Ana Parda,48 48 Na figura 1, quadrante C. escrava de Manoel Alves Pereira,49 49 Arquivo da Cúria Eclesiástica de Mariana. Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Livro 11, folhas 87v-88. genro do capitão Antônio Teixeira Guimarães, o mesmo que 22 anos antes apadrinhara Antônio Anacleto Varela. Assim como sua mãe, mediante relações de trocas desiguais, Ana Florinda atuava nas interseções entre o mundo dos escravos, dos indivíduos livres e libertos de cor, e da elite escravista local, o que dá respaldo à hipótese de que indivíduos “pardos livres” transitavam no meio termo entre as senzalas e as casas-grandes. Em outras palavras, eram indivíduos que interconectavam as redes de sociabilidades constituídas tanto pelos cativos quanto por indivíduos livres, conferindo fluidez às hierarquias sociais.

Saliento também que as relações existentes entre os envolvidos neste assento de batismo são sugestivas do funcionamento da mobilidade social no passado brasileiro. Como venho enfatizando, a liberdade necessitava ser continuamente corroborada, o que congregava indivíduos libertos e outros que transitavam nas margens da hierarquia social vigente em espaços de sociabilidades nos quais eram reconhecidos como indivíduos livres.

O que isso quer dizer? Dificilmente Ana Florinda iria integrar, por exemplo, redes de compadrio das cidades de Mariana ou Ouro Preto. Tendo em vista a sua qualidade de mulher parda numa sociedade matizada pela cor da pele, na qual o lugar social do indivíduo estava intimamente relacionado à distância deste com a escravidão, naqueles espaços sua liberdade eventualmente talvez pudesse ser posta à prova.

Não é preciso exemplificar com localidades muito distantes como Mariana e Ouro Preto, situadas fora dos limites da freguesia em que comungavam. Verdade é que Ana Florinda, Senhorinha Maria e Ana Maria de São José somente estiveram presentes em sacramentos batismais que foram realizados na matriz de Piranga, portanto, nem mesmo outras capelas da freguesia compuseram o espaço no qual tiveram a liberdade de atuar como madrinhas. Em vista dos seus compadres e das relações familiares dos senhores proprietários das crianças apadrinhadas por estas mulheres, não é arriscado afirmar que as sociabilidades que conferiam o lugar social desta família egressa do cativeiro estiveram restritas ao subsídio relacional que sua rede de compadrio pôde proporcionar. Não à toa, a liberdade é uma qualidade da condição social do indivíduo, a qual esteve sujeita ao reconhecimento e à aceitação da comunidade na qual pudesse se manifestar.

Conclusão

Entre os anos de 1797 e 1828, demonstrei o processo de gestação e corroboração da liberdade de Ana Maria de São José e suas filhas e filho. Por meio de um jogo de trocas desiguais, viu-se que foram abertas oportunidades ao enraizamento social desta família, a qual, no limiar entre o mundo dos senhores e dos escravos, afirmou sua liberdade.

Neste processo histórico, salientou-se a fluidez relacional e o reordenamento de estratégias, as quais eram estruturadas pelas hierarquias vigentes, contudo, direcionadas por demandas cotidianas e genuinamente ocasionais, como no caso concreto analisado neste artigo: a morte de filhos e o consequente esmaecimento das relações de compadrio.

Por fim, a análise da trajetória de vida desta família reforça os postulados de uma historiografia que salienta a força sistêmica da escravidão na formação social brasileira, aspecto que, por sua vez, legou uma liberdade condicionada à capacidade dos indivíduos de sustentá-la socialmente por meio da constituição de redes sociais em que fossem reconhecidos.

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  • VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
  • 1
    Arquivo da Cúria Eclesiástica de Mariana. Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Livro 2, folhas 44v e 45
  • 2
    Efetivamente, visto saber que Ana Maria havia sido cativa, sua condição, após a alforria, deveria ser de mulher liberta e não mulher livre, conforme optou o recenseador..
  • 3
    Arquivo Público Mineiro. Sessão Provincial. Repartição Especial das Terras Públicas. Registro Paroquial de Terras da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição do Piranga. TP-1-160, rolo 13, registro 1518/01; 1518/02; 1519/03.
  • 4
    Chama atenção porque a prática não era difundida na localidade, afinal, no mesmo período, dos 3.932 batismos de filhos de mães cativas que foram sacramentados nas capelas dos arraiais e outras localidades do vale do rio Piranga, em apenas 120 ocasiões constatou-se a libertação na pia batismal. Portanto, chama atenção por ser um caso único e específico dentro do universo daquele efetivo escravo que chama tanta atenção, e por se tratar de uma família que não só alcançou a liberdade, mas ascendeu economicamente e enraizou-se na localidade.
  • 5
    Importantes discussões e análises sobre o tema podem ser encontradas em Soares (2009)SOARES, Márcio de Sousa. A remissão do cativeiro: a dádiva da alforria e o governo dos escravos nos Campos dos Goitacases, c. 1750 - c. 1830. Rio de Janeiro: Apicuri, 2009. e Gonçalves (2011).
  • 6
    Na figura 1, quadrante C..
  • 7
    Na figura 1, quadrante B
  • 8
    A principal obra criticada por estes autores revisionistas é Gorender (1978)GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978..
  • 9
    Sobre estas perspectivas que destacaram a função estrutural das alforrias em reproduzir as estruturas escravistas, ver Florentino, 2005 FLORENTINO, Manolo. Sobre minas, crioulos e a liberdade costumeira no Rio de Janeiro, 1789-1871. In: FLORENTINO, Manolo(org.). Tráfico, cativeiro e liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005..
  • 10
    Arquivo Público Mineiro. Sessão Provincial. Listas Nominativas. Disponível em: www.poplin.cedeplar.ufmg.br., acessado em 2 de outubro de 2015.
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    Na figura 1, quadrante D...
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    Na figura 1, quadrante D
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    Na figura 1, quadrante D
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    Arquivo da Casa Setecentista de Mariana. Inventário post-mortem de Dona Francisca Inácia de Souza (1816). 1º Ofício, códice 98, auto 2.045.
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    Na figura 1, quadrante A.
  • 16
    Na figura 1, quadrante C.
  • 17
    Arquivo da Cúria Eclesiástica de Mariana. Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Livro 2, folha 54.
  • 18
    Na figura 1, quadrante A.
  • 19
    Arquivo da Cúria Eclesiástica de Mariana. Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Livro 2, folha 54
  • 20
    Na figura 1, quadrante B.
  • 21
    Na figura 1, quadrante A.
  • 22
    Arquivo Público Mineiro. Secretaria de Governo da Capitania. Recenseamento populacional do distrito de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Caixa 77.
  • 23
    Na figura 1, quadrante A.
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    Na figura 1, quadrante B.
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    Na figura 1, quadrante C.
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    Na figura 1, quadrante C.
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    Na figura 1, quadrante A.
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    Na figura 1, quadrante A.
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    Na figura 1, quadrante A.
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    Na figura 1, quadrante B.
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    Na figura 1, quadrante C.
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    Na figura 1, quadrante D.
  • 37
    Sobre esta crítica ao modelo patriarcalista, ver Samara (1989)SAMARA, Eni de Mesquita. As mulheres, o poder e a família: São Paulo, século XIX. São Paulo: Marco Zero, 1989., especialmente a introdução.
  • 38
    Arquivo da Cúria Eclesiástica de Mariana. Livros de Batismo - Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Livro 11, folha 91.
  • 39
    Ibidem, livro 11, folha 101v.
  • 40
    Ibidem, livro 8, folha 162v; livro 5, folha 40.
  • 41
    Ibidem, livro 11, folha 210.
  • 42
    Na figura 1, quadrante B.
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    Na figura 1, quadrante B.
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    Na figura 1, quadrante B.
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    Na figura 1, quadrante B.
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    Na figura 1, quadrante B.
  • 47
    Na figura 1, quadrante B.
  • 48
    Na figura 1, quadrante C.
  • 49
    Arquivo da Cúria Eclesiástica de Mariana. Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Livro 11, folhas 87v-88.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2018
  • Aceito
    28 Fev 2019
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