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Ultrassonografia pulmonar: uma ferramenta útil no processo de desmame?

INTRODUÇÃO

A incidência de complicações pulmonares relacionadas à ventilação mecânica é uma importante questão no cuidado de pacientes graves. A redução da duração do suporte respiratório é essencial para minimizar tais complicações. A extubação de um paciente marca o final do processo de desmame. Lamentavelmente, mesmo após uma tentativa de respiração espontânea (TRE) bem-sucedida, cerca de 30% dos pacientes desenvolvem desconforto respiratório dentro das primeiras 48 horas após a extubação; isso resulta em falha da extubação, que demanda ventilação terapêutica não invasiva ou reintubação.(11 Boles JM, Bion J, Connors A, Herridge M, Marsh B, Melot C, et al. Weaning from mechanical ventilation. Eur Resp J. 2007;29(5):1033-56.) A perda da aeração pulmonar após a extubação é característica típica de falha da extubação, levando a um comprometimento da troca gasosa, aumento da duração da ventilação mecânica, e incremento da morbidade e mortalidade.(22 Peñuelas O, Frutos-Vivar F, Fernández C, Anzueto A, Epstein SK, Apezteguía C, González M, Nin N, Raymondos K, Tomicic V, Desmery P, Arabi Y, Pelosi P, Kuiper M, Jibaja M, Matamis D, Ferguson ND, Esteban A; Ventila Group. Characteristics and outcomes of ventilated patients according to time to liberation from mechanical ventilation. Am J Resp Crit Care Med. 2011;184(4):430-7.) Sua fisiopatologia é multifatorial.

A perda da aeração pulmonar pode ser quantificada por meio de ultrassonografia pulmonar em diferentes condições clínicas, inclusive no processo de desmame. Trata-se de um procedimento não invasivo e livre de radiação, que pode ser rapidamente realizado à beira do leito e permite uma avaliação dinâmica das modificações na aeração pulmonar na dependência das condições ventilatórias, de forma oposta ao que ocorre com radiografias. Por muitos anos, os pulmões foram considerados não avaliáveis por ultrassonografia, já que o ar não permite a transmissão das ondas de ultrassom. Entretanto, os artefatos produzidos pela interface entre os pulmões e os fluidos, por exemplo, podem ser facilmente identificados pela ultrassonografia pulmonar.

A perda de aeração pulmonar pode ser estimada com o uso de um escore validado denominado Escore Ultrassonográfico Pulmonar (LUS - Lung Ultrasound Score ). Conforme previamente recomendado,(33 Bouhemad B, Zhang M, Lu Q, Rouby JJ. Clinical review: Bedside lung ultrasound in critical care practice. Crit Care. 2007;11(1):205.

4 Bouhemad B, Brisson H, Le-Guen M, Arbelot C, Lu Q, Rouby JJ. Bedside ultrasound assessment of positive end-expiratory pressure-induced lung recruitment. Am J Respir Crit Care Med. 2011;183(3):341-7.
-55 Bouhemad B, Liu ZH, Arbelot C, Zhang M, Ferarri F, Le-Guen M, et al. Ultrasound assessment of antibiotic-induced pulmonary reaeration in ventilator-associated pneumonia. Crit Care Med. 2010;38(1):84-92.) avaliam-se todos os espaços intercostais das regiões anterior, lateral e posterior de ambos os pulmões (seis regiões por lado) (Figura 1). Para cada uma das regiões, considera-se o pior padrão ultrassonográfico como representativo de toda a região. A aeração normal é representada pela presença de deslizamento pulmonar e linhas horizontais A, ou menos que três linhas verticais B; um escore zero é atribuído a uma região pulmonar se todos os espaços intercostais revelarem aeração normal. Uma perda moderada de aeração se caracteriza por múltiplas linhas B, regular ou irregularmente espaçadas, que se originam da linha pleural ou de pequenas consolidações justapleurais; um escore 1 é atribuído a uma região pulmonar se todos os espaços intercostais revelarem moderada perda da aeração. Uma perda grave da aeração se caracteriza pela presença de linhas B coalescentes em diversos espaços intercostais, ocupando todo o espaço intercostal; neste caso, um escore 2 é atribuído à região examinada. Perda completa da aeração pulmonar, como se observa na consolidação pulmonar, caracteriza-se pela presença de ecogenicidade tissular e broncogramas aéreos estáticos ou dinâmicos; atribui-se à região examinada o escore 3. Os escores das 12 regiões examinadas são somados para calcular o escore LUS, que varia entre zero e 36. Na página da internet http://www.reapitie-univparis6.aphp.fr, clicando em "Basic skills in lung ultrasound ", podem ser baixados gratuitamente arquivos em vídeo e detalhados padrões ultrassonográficos que caracterizam os diferentes estágios de aeração.

Figura 1
Escore ultrassonográfico pulmonar.

ULTRASSONOGRAFIA PULMONAR NA PRÁTICA CLÍNICA GERAL

O recrutamento alveolar, que resulta da administração de pressão expiratória final positiva em pacientes com síndrome da angústia respiratória aguda (SARA)(44 Bouhemad B, Brisson H, Le-Guen M, Arbelot C, Lu Q, Rouby JJ. Bedside ultrasound assessment of positive end-expiratory pressure-induced lung recruitment. Am J Respir Crit Care Med. 2011;183(3):341-7.) e após recuperação de pneumonia associada ao ventilador durante o tratamento com antibióticos, pode ser avaliado de forma bem-sucedida por meio da ultrassonografia pulmonar.(55 Bouhemad B, Liu ZH, Arbelot C, Zhang M, Ferarri F, Le-Guen M, et al. Ultrasound assessment of antibiotic-induced pulmonary reaeration in ventilator-associated pneumonia. Crit Care Med. 2010;38(1):84-92.) A evolução da SARA também pode ser monitorada com uso de ultrassonografia pulmonar.(66 Arbelot C, Ferrari F, Bouhemad B, Rouby JJ. Lung ultrasound in acute respiratory distress syndrome and acute lung injury. Curr Opin Crit Care. 2008;14(1):70-4.)

A ultrassonografia pulmonar foi também validada como uma ferramenta sensível para avaliação da proporção risco-benefício da administração de fluidos a pacientes com choque séptico e SARA. Enquanto os parâmetros hemodinâmicos e a oxigenação melhoraram na amostra do estudo, o LUS dos pacientes aumentou, indicando perda da aeração. Assim, a ultrassonografia pulmonar pode prevenir sobrecarga de fluidos.(77 Caltabeloti F, Monsel A, Arbelot C, Brisson H, Lu Q, Gu WJ, et al. Early fluid loading in acute respiratory distress syndrome with septic shock deteriorates lung aeration without impairing arterial oxygenation: a lung ultrasound observational study. Crit Care. 2014;18(3):R91.)

Recentemente Soummer et al.(88 Soummer A, Perbet S, Brisson H, Arbelot C, Constantin JM, Lu Q, Rouby JJ; Lung Ultrasound Study Group. Ultrasound assessment of lung aeration loss during a successful weaning trial predicts postextubation distress. Crit Care Med. 2012;40(7):2064-72.) demonstraram que LUS < 13 ao final da TRE é preditivo de sucesso da extubação. Por outro lado, LUS > 17 é altamente preditivo de desconforto pós-extubação e falha da extubação. O desrecrutamento pulmonar durante a TRE em pacientes que depois tiveram falha da extubação compreende principalmente uma perda parcial da aeração pulmonar, e não uma nova consolidação. Este achado sugere que uma ventilação não invasiva (VNI) profilática pode prevenir o desrecrutamento. Recente estudo clínico multicêntrico randomizado e controlado demonstrou que o uso de oxigênio nasal com fluxo elevado (ONFE) é tão eficiente quanto a VNI para prevenir a reintubação em pacientes cardíacos com grave insuficiência respiratória pós-operatória.(99 Stéphan F, Barrucand B, Petit P, Rézaiguia-Delclaux S, Médard A, Delannoy B, Cosserant B, Flicoteaux G, Imbert A, Pilorge C, Bérard L; BiPOP Study Group. High-flow nasal oxygen vs noninvasive positive airway pressure in hypoxemic patients after cardiothoracic surgery: a randomized clinical trial. JAMA. 2015;313(23):2331-9.) Outro estudo clínico multicêntrico, randomizado e controlado, em que foi comparado a uma combinação de VNI e ONFE, o ONFE contínuo foi mais eficaz na prevenção de intubação em pacientes gravemente hipoxêmicos admitidos à unidade de terapia intensiva (UTI) por desconforto respiratório agudo causado por pneumonia adquirida na comunidade.(1010 Frat JP, Thille AW, Mercat A, Girault C, Ragot S, Perbet S, Prat G, Boulain T, Morawiec E, Cottereau A, Devaquet J, Nseir S, Razazi K, Mira JP, Argaud L, Chakarian JC, Ricard JD, Wittebole X, Chevalier S, Herbland A, Fartoukh M, Constantin JM, Tonnelier JM, Pierrot M, Mathonnet A, Béduneau G, Delétage-Métreau C, Richard JC, Brochard L, Robert R; FLORALI Study Group; REVA Network. High-flow oxygen through nasal cannula in acute hypoxemic respiratory failure. N Engl J Med. 2015;372(23):2185-96.) Demonstrou-se que este efeito positivo se associa com uma redução da mortalidade.(1111 Matthay MA. Saving lives with high-flow nasal oxygen. N Engl J Med. 2015;372(23):2225-6.) É interessante notar que um estudo randomizado monocêntrico identificou que ONFE é muito mais eficaz do que a oxigenoterapia convencional na prevenção de falha da extubação durante o processo de desmame.(1212 Maggiore SM, Idone FA, Vaschetto R, Festa R, Cataldo A, Antonicelli F, et al. Nasal high-flow versus Venturi mask oxygen therapy after extubation. Effects on oxygenation, comfort, and clinical outcome. Am J Respir Crit Care Med. 2014;190(3):282-8.) Além disso, esta abordagem parece ser muito mais confortável para os pacientes.

IMPLANTAÇÃO DA ULTRASSONOGRAFIA PULMONAR NO PROCESSO DE DESMAME

Com base nestes diferentes estudos, delineamos um estudo clínico multicêntrico randomizado e controlado, o estudo WEANLUS Brasil, para avaliar se a administração contínua de ONFE previne a falha da extubação em pacientes classificados como em risco com base em um LUS > 13 ao final de uma TRE bem-sucedida. O estudo encontra-se atualmente em andamento e incluirá 640 pacientes com idade acima dos 18 anos e submetidos a ventilação mecânica por mais de 48 horas. Os pacientes serão divididos em dois grupos após a extubação: o grupo controle e o grupo intervenção. O LUS será calculado para cada paciente ao final de uma TRE bem-sucedida. No grupo controle, o médico encarregado do paciente será cego quanto ao LUS, e todos os pacientes receberão oxigenoterapia convencional após a extubação. Em pacientes que apresentem critérios bem estabelecidos de insuficiência respiratória será administrada VNI, e estes pacientes serão classificados como "falha da extubação". No grupo intervenção, o médico encarregado do paciente não será cego quanto ao LUS. Só será administrado ONFE aos pacientes em risco de falha da extubação (isto é, pacientes com LUS > 13 ao final da TRE). O objetivo do estudo é demonstrar uma diminuição de 30% na incidência de falha da extubação, aumento no número de dias sem ventilação mecânica (invasiva e não invasiva) a partir da randomização, diminuição do tempo de permanência na UTI e redução da mortalidade no dia 30 e no dia 90 no grupo de alto risco (LUS > 13). Além do mais, será avaliado o conforto do paciente com cada uma das técnicas de oxigenação (oxigenação convencional e ONFE) utilizando escore de conforto baseado em uma escala visual numérica.

  • Editor responsável: Jorge Ibrain Figueira Salluh

REFERÊNCIAS

  • 1
    Boles JM, Bion J, Connors A, Herridge M, Marsh B, Melot C, et al. Weaning from mechanical ventilation. Eur Resp J. 2007;29(5):1033-56.
  • 2
    Peñuelas O, Frutos-Vivar F, Fernández C, Anzueto A, Epstein SK, Apezteguía C, González M, Nin N, Raymondos K, Tomicic V, Desmery P, Arabi Y, Pelosi P, Kuiper M, Jibaja M, Matamis D, Ferguson ND, Esteban A; Ventila Group. Characteristics and outcomes of ventilated patients according to time to liberation from mechanical ventilation. Am J Resp Crit Care Med. 2011;184(4):430-7.
  • 3
    Bouhemad B, Zhang M, Lu Q, Rouby JJ. Clinical review: Bedside lung ultrasound in critical care practice. Crit Care. 2007;11(1):205.
  • 4
    Bouhemad B, Brisson H, Le-Guen M, Arbelot C, Lu Q, Rouby JJ. Bedside ultrasound assessment of positive end-expiratory pressure-induced lung recruitment. Am J Respir Crit Care Med. 2011;183(3):341-7.
  • 5
    Bouhemad B, Liu ZH, Arbelot C, Zhang M, Ferarri F, Le-Guen M, et al. Ultrasound assessment of antibiotic-induced pulmonary reaeration in ventilator-associated pneumonia. Crit Care Med. 2010;38(1):84-92.
  • 6
    Arbelot C, Ferrari F, Bouhemad B, Rouby JJ. Lung ultrasound in acute respiratory distress syndrome and acute lung injury. Curr Opin Crit Care. 2008;14(1):70-4.
  • 7
    Caltabeloti F, Monsel A, Arbelot C, Brisson H, Lu Q, Gu WJ, et al. Early fluid loading in acute respiratory distress syndrome with septic shock deteriorates lung aeration without impairing arterial oxygenation: a lung ultrasound observational study. Crit Care. 2014;18(3):R91.
  • 8
    Soummer A, Perbet S, Brisson H, Arbelot C, Constantin JM, Lu Q, Rouby JJ; Lung Ultrasound Study Group. Ultrasound assessment of lung aeration loss during a successful weaning trial predicts postextubation distress. Crit Care Med. 2012;40(7):2064-72.
  • 9
    Stéphan F, Barrucand B, Petit P, Rézaiguia-Delclaux S, Médard A, Delannoy B, Cosserant B, Flicoteaux G, Imbert A, Pilorge C, Bérard L; BiPOP Study Group. High-flow nasal oxygen vs noninvasive positive airway pressure in hypoxemic patients after cardiothoracic surgery: a randomized clinical trial. JAMA. 2015;313(23):2331-9.
  • 10
    Frat JP, Thille AW, Mercat A, Girault C, Ragot S, Perbet S, Prat G, Boulain T, Morawiec E, Cottereau A, Devaquet J, Nseir S, Razazi K, Mira JP, Argaud L, Chakarian JC, Ricard JD, Wittebole X, Chevalier S, Herbland A, Fartoukh M, Constantin JM, Tonnelier JM, Pierrot M, Mathonnet A, Béduneau G, Delétage-Métreau C, Richard JC, Brochard L, Robert R; FLORALI Study Group; REVA Network. High-flow oxygen through nasal cannula in acute hypoxemic respiratory failure. N Engl J Med. 2015;372(23):2185-96.
  • 11
    Matthay MA. Saving lives with high-flow nasal oxygen. N Engl J Med. 2015;372(23):2225-6.
  • 12
    Maggiore SM, Idone FA, Vaschetto R, Festa R, Cataldo A, Antonicelli F, et al. Nasal high-flow versus Venturi mask oxygen therapy after extubation. Effects on oxygenation, comfort, and clinical outcome. Am J Respir Crit Care Med. 2014;190(3):282-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2015
  • Aceito
    13 Dez 2015
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