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Alteração espirométrica em crianças com mielomeningocele é dependente do nível de lesão funcional

Spirometric abnormalities in children with myelomeningocele is dependent of the level of functional injury

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a função pulmonar de crianças com mielomeningocele (MMC) de diferentes níveis de lesão funcional comparados a controles saudáveis pareados por idade e sexo. MATERIAL E MÉTODO: Este foi um estudo caso-controle, no qual foi selecionada apenas uma criança por nível funcional de lesão e com função cognitiva preservada, e controles de crianças saudáveis pareados por idade e gênero ao grupo de MMC. Medidas antropométricas e espirométricas de função pulmonar foram obtidas de ambos os casos e controles de MMC. RESULTADOS: Todas as crianças com MMC apresentaram reduzido estado nutricional segundo os índices recomendados pela OMS. Foi observada presença de distúrbio ventilatório restritivo leve nas crianças com nível de lesão torácica (CVF = 0,65 %prev) e lombar-alta (CVF = 0,69 %prev), e apesar de dentro dos limites da normalidade, as crianças com MMC com níveis inferiores de lesão apresentaram valores espirométricos menores do que seus respectivos controles. Houve correlação negativa perfeita entre a capacidade vital forçada e o nível de lesão funcional das crianças com MMC. CONCLUSÃO: Crianças com MMC apresentam reduzidos valores de função pulmonar quando comparados aos controles saudáveis, sobretudo os com níveis de lesão funcional elevada, os quais demonstraram distúrbio ventilatório restritivo. A fisioterapia respiratória deve ser incorporada na avaliação e segmento das crianças com MMC, coadjuvante à fisioterapia motora, especialmente naquelas acometidas com níveis de lesões mais elevadas.

Mielomeningocele; Métodos de Avaliação; Espirometria; Manifestações neuromusculares; Terapia respiratória


OBJECTIVE: To evaluate pulmonary function in children with myelomeningocele (MMC) of different functional levels of injuries. SUTDY DESIGN: It was a case-control study, which enrolled one child with myelomeningocele by level of injury and control of health children matched for age and sex. METHODS: Anthropometric and spirometric measures were obtained from both groups. Results: All of children with MMC showed reduced nutritional state according OMS parameters. We observed the presence of mild restrictive ventilatory disturbance in the children with injuries on thoracic (FVC =0.65 %pred) and lumbar-high level (forced vital capacity - FVC = 0.69 %pred), and although with normal limits, children with MMC with lower levels of injury presented lower spirometric values than their respective controls. There was a perfect negative correlation between forced vital capacity and level of functional lesions. CONCLUSION: Children with MMC presented reduced ung function values when compared to healthy controls, especially those with high levels of functional injury, which showed restrictive ventilatory disturbance. Respiratory therapy should be incorporated in the assessment and in the follow up of children with MMC, as adjunct to neuromotor therapy, especially those with higher levels of injury.

Myelomeningocele; Assessment methods; Spirometry; Neuromuscular manifestations; Respiratory therapy


ARTIGOS ORIGINAIS

Alteração espirométrica em crianças com mielomeningocele é dependente do nível de lesão funcional

Spirometric abnormalities in children with myelomeningocele is dependent of the level of functional injury

Renata Calhes Franco de MouraI; Flavia MirandaII; Leandra Marques de SouzaIII; Simone Dal CorsoIV; Carla MalagutiV

IMestre em Distúrbios do Desenvolvimento, professora do curso de Fisioterapia da Universidade Nove de Julho (Uninove), São Paulo, SP - Brasil, e-mail: renatacalhes@uninove.br

IIGraduanda do curso de Fisioterapia da Universidade Nove de Julho (Uninove), São Paulo, SP - Brasil, e-mail: flaviamartinsf@hotmail.com

IIIMestranda em Ciências da Reabilitação da Universidade Nove de Julho (Uninove), São Paulo, SP - Brasil, e-mail: souzaleandra23@yahoo.com.br

IVDoutora em Ciências, professora do Mestrado em Ciências da Reabilitação da Universidade Nove de Julho (Uninove), São Paulo, SP - Brasil, e-mail: simonedc@uninove.br

VDoutora em Ciências, professora do Mestrado em Ciências da Reabilitação da Universidade Nove de Julho (Uninove), SãoPaulo, SP - Brasil, e-mail: carlamalaguti@uninove.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a função pulmonar de crianças com mielomeningocele (MMC) de diferentes níveis de lesão funcional comparados a controles saudáveis pareados por idade e sexo.

MATERIAL E MÉTODO: Este foi um estudo caso-controle, no qual foi selecionada apenas uma criança por nível funcional de lesão e com função cognitiva preservada, e controles de crianças saudáveis pareados por idade e gênero ao grupo de MMC. Medidas antropométricas e espirométricas de função pulmonar foram obtidas de ambos os casos e controles de MMC.

RESULTADOS: Todas as crianças com MMC apresentaram reduzido estado nutricional segundo os índices recomendados pela OMS. Foi observada presença de distúrbio ventilatório restritivo leve nas crianças com nível de lesão torácica (CVF = 0,65 %prev) e lombar-alta (CVF = 0,69 %prev), e apesar de dentro dos limites da normalidade, as crianças com MMC com níveis inferiores de lesão apresentaram valores espirométricos menores do que seus respectivos controles. Houve correlação negativa perfeita entre a capacidade vital forçada e o nível de lesão funcional das crianças com MMC.

CONCLUSÃO: Crianças com MMC apresentam reduzidos valores de função pulmonar quando comparados aos controles saudáveis, sobretudo os com níveis de lesão funcional elevada, os quais demonstraram distúrbio ventilatório restritivo. A fisioterapia respiratória deve ser incorporada na avaliação e segmento das crianças com MMC, coadjuvante à fisioterapia motora, especialmente naquelas acometidas com níveis de lesões mais elevadas.

Palavras-chave: Mielomeningocele. Métodos de Avaliação. Espirometria. Manifestações neuromusculares. Terapia respiratória.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate pulmonary function in children with myelomeningocele (MMC) of different functional levels of injuries.

SUTDY DESIGN: It was a case-control study, which enrolled one child with myelomeningocele by level of injury and control of health children matched for age and sex.

METHODS: Anthropometric and spirometric measures were obtained from both groups. Results: All of children with MMC showed reduced nutritional state according OMS parameters. We observed the presence of mild restrictive ventilatory disturbance in the children with injuries on thoracic (FVC =0.65 %pred) and lumbar-high level (forced vital capacity - FVC = 0.69 %pred), and although with normal limits, children with MMC with lower levels of injury presented lower spirometric values than their respective controls. There was a perfect negative correlation between forced vital capacity and level of functional lesions.

CONCLUSION: Children with MMC presented reduced ung function values when compared to healthy controls, especially those with high levels of functional injury, which showed restrictive ventilatory disturbance. Respiratory therapy should be incorporated in the assessment and in the follow up of children with MMC, as adjunct to neuromotor therapy, especially those with higher levels of injury.

Keywords: Myelomeningocele. Assessment methods. Spirometry. Neuromuscular manifestations. Respiratory therapy.

Introdução

A mielomeningocele (MMC) é uma malformação que ocorre até a quarta semana de embriogênese, responsável por cerca de 85% dos distúrbiosdo fechamento do tubo neural (DFTN) presentesao nascimento, caracterizando-se por falha no fechamento dos arcos vertebrais posteriores, levando à exposição do tecido nervoso, que resulta emcrescimento displásico de estruturas do SistemaNervoso Central, formando uma bolsa cística ao nível da lesão (1, 2).

Diversas manifestações são encontradas, como: disfunção cardíaca, displasia renal, hiperplasiaadrenal e alterações que estão diretamente relacionadas ao nível da lesão neurológica, como: hidrocefalia, alteração cognitiva, bexiga neurogênica, paralisia de membros inferiores, deformidadesposturais e distúrbios respiratórios do sono (3-7).Todos estes aspectos deterioram com a idade, especialmente aqueles com nível de lesão mais alta.Atribuem-se como principais causas de morte as complicações pulmonares, cardiovasculares e renais. Diante da alta probabilidade dos pacientes com MMC se tornarem cadeirantes, estando a MMC associada à imobilidade e ao agravamento dacifoescoliose, pode ocorrer baixa reserva ventilatória, aumentando os riscos de complicações pulmonares (8, 9). Além disso, estudos observaramque crianças com mielomeningocele nas idadesestudadas apresentaram redução da força muscular respiratória mais significante na lesão medularalta (10, 11).

Embora a literatura científica tenha amplamente estudado as manifestações clínicas dos diferentes níveis da MMC, pouca atenção tem sido dada à disfunção pulmonar resultante das anormalidades neuromusculares e ortopédicas que se manifestam nesta doença (12-15).

Neste sentido, este estudo objetivou avaliar a função pulmonar em crianças com mielomeningocele de diferentes níveis de lesão funcional, quando comparadas a controles saudáveis pareados por idade e sexo.

Materiais e métodos

Amostra

Este foi um estudo caso-controle, no qual a amostra de conveniência de pacientes portadores de MMC foi recrutada de uma clínica-escola de fisioterapia, enquanto o grupo controle de crianças saudáveis foi recrutado de uma clínica-escola de odonto-pediatria. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa institucional (Processo n. 263235). O consentimento livre e esclarecido dos pais ou responsáveis de todas as crianças foi obtido antes do início do protocolo de estudo.

Foram incluídas no estudo crianças com idade de 4 a 12 anos com diagnóstico de MMC, e foi selecionado apenas um paciente por nível funcional de lesão e com função cognitiva preservada. O grupo controle de crianças saudáveis foi incluído pareado por idade e gênero ao grupo de MMC. Foram excluídas do estudo crianças que não colaboraram ou não conseguiram realizar a manobra espirométrica a contento, as com história de asma pregressa ou outras doenças respiratórias e/ou aquelas com deformidades posturais nas crianças do grupo controle.

Avaliação antropométrica

Para a obtenção das medidas antropométricas depeso, foi utilizada uma balança calibrada da marcaWelmy® (São Paulo, Brasil) com plataforma e capacidade de até 150 kg. Para a tomada da estatura foiutilizado o estadiômetro da balança (certificada peloInmetro) com limites entre 1 m e 2 m. Baixo peso,obesidade e o eutrofismo foram determinados pormeio do índice de massa corporal (IMC), calculadopela equação: IMC = peso (kg) / estatura2 (m). Foi ainda preconizado o valor de percentil maior que 90%para crianças obesas, entre 10% e 90% para criançaseutróficas e abaixo de 10% como crianças de baixo peso. A fonte gráfica para a determinação dos limitesde percentil utilizados foram os mesmos recomendados pela Organização Mundial de Saúde (16).

Espirometria

Para a realização da espirometria foi utilizado oespirômetro portátil da Cosmed Srl® modelo Pony Spirometer Graphic (Roma, Itália). A manobra para arealização da espirometria consiste em uma inspiração profunda, seguida de manobra expiratória forçada,mantida até que o indivíduo não a tolere mais, ou atéque sejam atingidos os critérios de aceitação propostos pelas Diretrizes para Testes de Função Pulmonarda Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia(17). Todas as crianças realizaram no mínimo trêsmanobras de capacidade vital forçada. A partir destasmanobras foram obtidos os gráficos fluxo-volume evolume-tempo, além do valor numérico das seguintesvariáveis: capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e relação VEF1/CVF. Os valores previstos foram obtidos a partirdos valores de referência para crianças e adolescentesdescritos por Polgar e Promadhat (18).

Análise estatística

Os dados individuais antropométricos e espirométricos estão apresentados de forma descritiva. Coeficiente de correlação de Spearman foi usado para verificar o nível de associação entre as variáveis de função pulmonar e nível de lesão funcional nos portadores de MMC. Foi assumido como significância estatística o valor de p < 0,05.

Resultados

Quatro crianças com MMC (2F, 2 M), com diferentes níveis de lesões funcionais (sacral, lombar baixo, lombar alto e torácica), e quatro crianças saudáveis foram avaliadas. As características antropométricas estão apresentadas na Tabela 1, em que se observam menores valores de IMC e curva de percentil no grupo de crianças com MMC, comparado aos controles saudáveis. Na Tabela 2 pode-se observar que os valores espirométricos das crianças com MMCcom níveis de lesão funcional torácico (cadeirante) elombar alto foram compatíveis com distúrbio ventilatório restritivo leve, enquanto as com níveis delesão lombar baixa e sacral, embora inferiores aos seus respectivos controles (Figura 1), estiveram noslimites da normalidade. Por outro lado, como esperado, os valores espirométricos basais das criançasdo grupo controle estiveram dentro dos valores denormalidade. Nenhum distúrbio ventilatório do tipoobstrutivo foi observado nas crianças com MMC.


Quando comparados os valores espirométri-controle de mesma idade e gênero, apresentoucos em termos absolutos, entre os casos e contro--se ainda com valores previstos inferiores ao dales, podemos observar que as crianças com MMCnormalidade. apresentaram valores espirométricos inferioresPode se observar na Figura 2 associação negatiaos controles, com exceção apenas da criançava perfeita (r = -1,00; p < 0,001) entre o indicador com nível de lesão torácica, que, embora tenhade restrição pulmonar (CVF - % do previsto) e o níapresentado valores absolutos superiores ao vel de lesão funcional nas crianças com MMC.


Discussão

A proposta deste estudo foi avaliar o impacto do nível de lesão funcional na função pulmonar de crianças portadoras de mielomeningocele. Foi observada presença de distúrbio ventilatório restritivo leve nas crianças com nível de lesão torácica e lombar-alta. E apesar de dentro dos limites da normalidade, as crianças com MMC com níveis inferiores de lesão apresentaram valores espirométricos menores que seus respectivos controles.

A literatura atual tem demonstrado que criançascom MMC apresentam elevada taxa de mortalidade(1, 2). Embora a falência renal seja a principal responsável por este achado, o distúrbio ventilatório-pulmonar é responsável por cerca de 25% dos casosde morte em crianças com MMC e, ao lado da disfunção cardíaca, é a principal causa de morte em adultoscom MMC. Apesar desta estatística, a disfunção ventilatória ainda é um aspecto muitas vezes negligenciado na avaliação e acompanhamento desses doentes, principalmente quando criança (19).

Estudos sobre a manifestação pulmonar na MMCainda são escassos e conflitantes. Dois diferentes estudos com crianças e adolescentes com MMC mostraram anormalidades do controle ventilatório (8, 20).

Nossos achados assemelham-se aos de Sherman et al. que observaram significante grau de doença restritiva pulmonar em adolescentes com MMC, além de evidenciarem também menor força muscular respiratória e capacidade de exercício de membros superiores comparados a controles saudáveis (5). Da mesma forma, o estudo de Swaminathan et al. evidenciou que em 5 dos 14 pacientes avaliados com MMC tinham evidência de doença pulmonar restritiva (8).

As manifestações neurológicas, ortopédicas, urológicas e gastrointestinais exteriorizam nos pacientescom MMC por limitação locomotora (cadeirantes),cifoescoliose, perda de força muscular, desnutriçãoou obesidade. Estas, de forma isolada, afetam negativamente a função pulmonar, e, de forma conjunta,interagem exercendo maior impacto nessa função,especialmente nos pacientes com níveis de lesão funcional mais elevada.

A maioria das pessoas usuárias de cadeiras de rodas com mobilidade dependente adota um estilo de vida inativa que afeta diretamente a capacidade ventilatória-pulmonar, possivelmente, pelos baixos níveis de ventilação alveolar mantidos nesta condição. Estudos que envolveram pacientes tetraplégicos e paraplégicos mostraram que a função pulmonar está inversamente relacionada ao nível de lesão e à inatividade física destes pacientes (21, 22). Em paraplégicos, a média de VEF1 variou de 86% a 98% do previsto para a idade, sexo e altura, enquanto a CVF variou de 81% a 86% do previsto no caso dos eutróficos, e de 37% a 61% do previsto quando apresentavam baixo peso (18). Curiosamente, quando os cadeirantes vitimados de lesão medular foram submetidos a um programa de treinamento físico aeróbico com cadeira de rodas, um aumento expressivo foi observado nos índices de função pulmonar (23). Neste sentido, corroborando com nossos achados, pode-se inferir que a imobilidade subsequente à inatividade física dos portadores de MMC, cadeirantes, com nível de lesão torácica, sofre maior impacto na função pulmonar.

Ao lado do fator imobilidade, é bem conhecido que a cifoescoliose reduz a complacência pulmonar, e que se manifestada na primeira infância pode resultar em menor número de alvéolos configurando volumes pulmonares menores na vida adulta (24, 25). Em nosso estudo a criança com MMC com nível de lesão torácica, a despeito de ter realizado correção cirúrgica da cifoescoliose, apresentou valores reduzidos de CVF, sugerindo limitação ventilatória restritiva imposta pela deformidade da caixa-torácica.

Adicionalmente, há evidências de que os extremos estados nutricionais (desnutrição e obesidade) exercem impacto na função pulmonar. Elevados IMC têm sido habitualmente associados à redução da CVF, VEF1, capacidade pulmonar total, capacidade residual funcional, volume residual e função muscular respiratória em adultos (26, 27). Em crianças e pré-adolescentes estas associações ainda não são consistentes.

Por outro lado, há evidência de que criançascom desnutrição e atrofia apresentam menoresvalores de capacidade vital forçada e fluxos médios do que crianças com desnutrição sem atrofia e crianças eutróficas. A redução dos volumes e fluxos pulmonares nas crianças subnutridas podeser explicada pela depleção muscular ventilatória.Porém, crianças subnutridas também apresentamcomprometimento do crescimento esquelético,sendo esta mais uma razão para a função pulmonar reduzida (28, 29).

No presente estudo, podemos observar que todas as crianças com MMC apresentaram reduzido IMC com as curvas de percentis inferiores aos recomendados pela Organização Mundial de Saúde, sugerindo baixo estado nutricional quando comparado aos controles saudáveis (Tabela 1). Desta forma, podemos presumir que houve também a participação do fator nutricional na função pulmonar das crianças com MMC com níveis de lesão mais elevados, as quais o distúrbio ventilatório restritivofoi observado.

Logo, as hipóteses aqui levantadas devem ser cotejadas com dados obtidos de futuros estudos longitudinais. Com o protocolo utilizado, não foi possível avaliar o envolvimento dos fatores isolados que determinam a disfunção ventilatória, uma vez que certamente estes fatores se inter-relacionam nos portadores de MMC. Deve-se ressaltar, entretanto, que as crianças com MMC com níveis de lesão funcional torácica e lombar alta, as quais sofrem maiores consequências da imobilidade e cifoescoliose quando associadas a um baixo estado nutricional, apresentam menores índices de função pulmonar do que aquelas com relativa mobilidade preservada, dado os níveis de lesões mais baixas.

Algumas limitações podem ter ocorrido em nosso estudo. Primeiro, a amostra relativamente pequena de portadores de MMC. Segundo, nãofoi possível a avaliação da composição corporalpara estimar a massa muscular, sendo, portanto, categorizada a desnutrição pelo IMC. Terceiro, aavaliação da força muscular respiratória não foi realizada. Quarto, embora não tenha sido este o objetivo, nenhum questionamento quanto ao nível deatividade física foi realizado, podendo certamentehaver influência desta variável na função pulmonar. Quinto, diante do fato de não haver ainda literatura científica com valores de referência de normalidade de espirometria estabelecidos paraa população brasileira, utilizamos os previstos dePolgar e Promadhat (18), porém também lançamos mão de um grupo controle pareado por idadee gênero.

As anormalidades pulmonares possivelmente são negligenciadas nas avaliações e seguimento dessa população, graças ao fato de a fraqueza muscular e a imobilidade mascararem os sintomas respiratórios, os quais podem não ser evidentes ao menos que haja uma situação em que o aumento ventilatório seja requerido.

Todavia, diante do fato de que crianças portadoras de MMC apresentam grande risco de se tornarem adultos com distúrbios respiratórios, e que todas as consequências da doença deterioram com a idade, especialmente aqueles com nível de lesão mais alta, faz-se necessário uma intervenção preventiva instituindo programas de condicionamento aeróbico, fisioterapia respiratória e orientação alimentar (30). Adicionalmente, consideramos cruciais avaliações longitudinais da função pulmonar, a fim de identificar precocemente anormalidades, e caso houver, prontamente oferecer a melhor estratégia terapêutica associando a fisioterapia respiratória à fisioterapia motora para os portadores de mielomeningocele.

Conclusão

Os achados do presente estudo mostram que crianças com mielomeningocele apresentam menores valores de função pulmonar quando comparados aos controles saudáveis, sobretudo os com níveis de lesão funcional elevada, os quais demonstraram distúrbio ventilatório restritivo. Adicionalmente, consideramos decisivo que a fisioterapia respiratória seja incorporada na avaliação e segmento das crianças com mielomeningocele, coadjuvante à fisioterapia motora, especialmente naquelas acometidas com níveis de lesões mais elevadas.

Recebido: 14/12/2010

Aprovado: 18/03/2011

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2010
  • Aceito
    18 Mar 2011
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