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“O que favorece e o que prejudica a minha saúde mental?” – o olhar de crianças que frequentam um projeto de contraturno escolar 1 1 Editor responsável: Silvio Donizetti de Oliveira Gallo. https://orcid.org/0000-0003-2221-5160 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Andréa de Freitas Ianni ? andreaianni1@gmail.com 3 3 Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP - 2018/23485-3

“Qué favorece y qué perjudica mi salud mental?” – la mirada de los niños que frecuentan un proyecto de modalidad a contraturno escolar

Resumo

Este estudo teve como objetivo explorar as percepções de 23 crianças de 9 a 11 anos a respeito dos fatores ? presentes no contexto de uma instituição de contraturno escolar ? que favorecem e dos que prejudicam sua saúde mental. Para a produção dos dados foi utilizado o recurso do foto-voz. As análises das fotografias produzidas foram feitas de maneira coletiva e participativa. O brincar, a prática de esportes, as atividades educativas e o contato com a natureza foram apontados como favorecedores da saúde mental; o bullying e outras práticas de violência foram percebidos como prejudiciais. Verificou-se que as crianças demonstraram clareza sobre aquilo que as afeta, portanto, ouvi-las parece ser um caminho para os processos de elaboração de políticas e ações educacionais mais efetivas.

Palavras-chave
crianças; pesquisa participativa; saúde mental infantil; foto-voz; contraturno escolar

Resumen

Este estudio tuvo como objetivo explorar las percepciones de niños de 9 a 11 años, respecto a los factores que favorecen y perjudican su salud mental, presentes en el contexto de una institución que ofrece actividades a contraturno escolar. Para la producción de los datos fue utilizado el método de foto-voz. Los análisis de las fotografías fueron hechos de manera colectiva y participativa. El juego, los deportes, las actividades educativas y el contacto con la naturaleza fueron apuntados en favor de la salud mental; el bullying y otras prácticas de violencia fueron percibidos como perjudiciales. Se verificó que los niños demostraran claridad sobre aquello que les afecta, por lo tanto, oírlos parece ser un camino para los procesos de elaboración de políticas y acciones educacionales más efectivas.

Palabras clave
niños; investigación participativa; salud mental infantil; foto-voz; escuela

Abstract

The aim of the study herein is to explore the perceptions of 23 children aged 9 to 11 years of age, regarding the factors present in the context of an after-school program, which favor and harm their mental health. The photo-voice resource was used to produce the data. The analyzes of the photographs produced were made collectively. Playing, sports, educational activities and contact with nature were identified as favoring mental health; bullying and other violence practices were perceived as harmful. It was found that the children demonstrated clarity about what affects them, therefore, listening to them seems to be a path for the processes of elaborating policies and actions that in fact seek to protect them.

Keywords
children; participatory research; child mental health; photo-voice; after-school program

Introdução

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2001Organização Mundial da Saúde (2001).Strengthening mental healthpromotion (Fact sheet n. 220).Geneva World Health Organization.) define saúde mental como “um estado de bem-estar no qual o indivíduo percebe as suas capacidades, pode lidar com as adversidades presentes no cotidiano, pode trabalhar de forma produtiva e é capaz de contribuir positivamente para sua comunidade” (p. 1).

Com foco nas crianças e adolescentes e a partir de reflexões da terapia ocupacional sobre o campo da saúde mental infantojuvenil, Fernandes (2019)Fernandes, A. D. S. A. (2019).Cuidado em saúde mental infanto-juvenil na Atenção Básica à Saúde: práticas, desafios e perspectivas (273 f.) [Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Terapia Ocupacional, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos]. propõe a seguinte compreensão:

a saúde mental infantojuvenil é dinâmica e resultado da relação complexa entre os recursos e habilidades pessoais, fatores contextuais e determinantes sociais, que na dimensão do cotidiano estão diretamente implicados nas possibilidades de participação, fruição, reconhecimento e enfrentamento de desafios. O que, dentre outras, envolve a possibilidade de experienciar prazer, frustração, afeto, motivação e proatividade implicados nas descobertas e aprendizados genuínos da infância e adolescência (p. 107).

Na história da saúde mental infantojuvenil brasileira, as ações de cuidado para a população com sofrimento psíquico definiram-se principalmente com base em viés de exclusão, institucionalização, moralização da conduta, supressão de direitos e restrição de liberdade (Couto, 2001Couto, M. C. V. (2001). Novos desafios à reforma psiquiátrica brasileira: necessidade da construção de uma política pública de saúde mental para crianças e adolescentes. In Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde, Caderno de Textos da IIIConferência Nacional de Saúde Mental: cuidar sim, excluir não (pp. 121-130).; Hoffmann et al., 2008Hoffmann, M. C. C. L., Santos, D. N., & Mota, E. L. A. (2008). Caracterização dos usuários e dos serviços prestados por Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil. Cadernos de Saúde Pública, 24(3), 633-642.; Taño & Matsukura, 2015Taño, B. L., & Matsukura, T. S. (2015). Saúde mental infantojuvenil e os desafios do campo: reflexões a partir do percurso histórico. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 23(2).).

O movimento da reforma psiquiátrica brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente contribuíram para mudanças significativas nas formas de cuidado em saúde mental infantil e na implementação de políticas de saúde mental a esses indivíduos (Couto, 2001Couto, M. C. V. (2001). Novos desafios à reforma psiquiátrica brasileira: necessidade da construção de uma política pública de saúde mental para crianças e adolescentes. In Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde, Caderno de Textos da IIIConferência Nacional de Saúde Mental: cuidar sim, excluir não (pp. 121-130).; Taño & Matsukura, 2015Taño, B. L., & Matsukura, T. S. (2015). Saúde mental infantojuvenil e os desafios do campo: reflexões a partir do percurso histórico. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 23(2).). Atualmente busca-se reduzir a institucionalização das crianças através do direito à convivência familiar e social, com vistas a restabelecer sua contratualidade e sua cidadania, além da ampliação dos contextos de vida desse grupo (Taño & Matsukura, 2015Taño, B. L., & Matsukura, T. S. (2015). Saúde mental infantojuvenil e os desafios do campo: reflexões a partir do percurso histórico. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 23(2).).

O Ministério da Saúde estabelece os princípios para uma política de saúde mental infantojuvenil, e parte da ideia de que a criança e o adolescente são sujeitos de direito e detentores de lugares autênticos de fala e, como tal, são responsáveis por sua demanda e seus sintomas, assim não é possível pensar em tratamentos e abordagens terapêuticas de forma homogênea e prescritiva e sem considerar os diferentes contextos e setores que fazem parte da vida dessa população (Brasil, 2005Brasil (2005). Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil (76 pp.) (Série B. Textos Básicos em Saúde). Editora do Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/05_0887_M.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
, 2014).

Sobre o lugar da criança como detentora da palavra na comunicação e expressão de seu sofrimento psíquico, de acordo com Vicentin (2006)Vicentin, M. C. G. (2006). Infância e adolescência: uma clínica necessariamente ampliada. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 17(1), 10-17., apesar de alguns avanços legais a relação adultocêntrica ainda perdura atualmente e gera influências que repercutem nos cuidados à saúde mental desses indivíduos. Nessa direção, a autora defende que as práticas de cuidado em saúde mental infantojuvenil se deem a partir de uma perspectiva ampliada que envolva diversos atores e contextos de vida dessa população, e que considerem a subjetividade e a expressão de vida das crianças.

A sociologia da infância direciona suas reflexões e práticas no mesmo sentido, e busca desconstruir os preceitos construídos historicamente pelas ciências sociais e humanas a partir do combate à invisibilidade da infância, da afirmação das crianças como atores sociais, da consideração desses indivíduos como reveladores das realidades sociais nas quais se inserem e da competência atribuída a essa faixa etária de vida; busca dar voz ao público infantil ao lançar mão, por exemplo, do uso de metodologias participativas para a construção de conhecimento (Soares et al., 2005Soares, N. F., Sarmento, M. J., & Tomás, C. (2005). Investigação da infância e crianças como investigadoras: metodologias participativas dos mundos sociais das crianças. Nuances: estudos sobre Educação, Ano XI, 12(13).).

Dessa forma, as pesquisas participativas com crianças preveem sua participação ativa e parceira no processo de investigação. Tal metodologia possui grande potencial no que diz respeito à estruturação de um estatuto social da infância e à construção de um campo científico característico dessa população, o que contribui para processos de transformação social, exercício de cidadania e ampliação e efetuação de direitos desses indivíduos (Soares et al., 2005Soares, N. F., Sarmento, M. J., & Tomás, C. (2005). Investigação da infância e crianças como investigadoras: metodologias participativas dos mundos sociais das crianças. Nuances: estudos sobre Educação, Ano XI, 12(13).).

Os autores acrescentam ainda que o favorecimento da participação de crianças em atividades investigativas vai ao encontro da convenção dos diretos das crianças ao assegurar-lhes a escuta séria e respeitosa de questões e problemáticas próprias, além de percebê-las como sujeitos ativos de seus cotidianos, capazes de contribuir, opinar e participar em aspectos que lhes influenciam e lhes dizem respeito (Soares et al., 2005Soares, N. F., Sarmento, M. J., & Tomás, C. (2005). Investigação da infância e crianças como investigadoras: metodologias participativas dos mundos sociais das crianças. Nuances: estudos sobre Educação, Ano XI, 12(13).).

Observa-se, portanto, que as pesquisas de natureza participativa parecem corroborar o que é preconizado nos processos de atenção estratégica desses indivíduos e promoção da sua saúde mental, na medida em que favorecem as atitudes de cidadania e participação social, elementos considerados como foco das ações nesses processos.

Cid e Cardoso (2018)Cid, M. F. B., & Cardoso, M. A. M.(2018). Crianças como participantes ativas de pesquisa: uma revisão sistemática da literatura (33 f.) [Trabalho de conclusão de curso, Departamento de Terapia Ocupacional, Universidade Federal de São Carlos]. realizaram uma pesquisa de revisão sistemática da literatura com o objetivo de identificar e analisar estudos ‒ cujos participantes foram crianças e que adotaram metodologias participativas ‒ publicados em periódicos nacionais e internacionais. Foram encontrados nove artigos ‒ um do campo da terapia ocupacional ‒, a partir dos quais foi possível observar, além da escassez de investigações participativas realizadas com crianças, que os estudos descobertos focalizam os desafios e potencialidades dessas pesquisas, ou os instrumentos de coleta de dados que favorecem esse tipo de estudo ou, ainda, a exploração de temáticas específicas por meio da metodologia participativa.

A partir dos resultados, as autoras sinalizaram o potencial que as pesquisas participativas com crianças têm para favorecer processos de expressão e emancipação social e a necessidade de maior exploração dessa possibilidade de pesquisa, dada a diversidade de contextos pelos quais as infâncias circulam e nos quais se expressam. Vale observar que das nove publicações encontradas por Cid e Cardoso (2018)Cid, M. F. B., & Cardoso, M. A. M.(2018). Crianças como participantes ativas de pesquisa: uma revisão sistemática da literatura (33 f.) [Trabalho de conclusão de curso, Departamento de Terapia Ocupacional, Universidade Federal de São Carlos]., três se davam no contexto da saúde mental infantojuvenil (Baas et al., 2013Baas, N., De Jong, M. D. T., & Drossaert, C. H. C. (2013). Children´s perspectives on Cyberbullying: Insights based on participatory research. Cyberpsychology, Behaviorand Social Network, 16(4).; Greco et al., 2017Greco, V., Lambert, H. C., & Park, M. (2017). Being visible: Photovoice as assessment for children in a school-based psychiatric setting. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, 24(3), 222–232.; Hwang, 2013Hwang, S. K. (2013). Home movies in participatory research: children as movie- makers. International Journal of Social Research Methodology, 16(5), 445-456.).

Greco et al. (2017)Greco, V., Lambert, H. C., & Park, M. (2017). Being visible: Photovoice as assessment for children in a school-based psychiatric setting. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, 24(3), 222–232. utilizaram a metodologia participativa por meio do recurso do foto-voz durante nove encontros com quatro crianças que apresentavam sofrimento psíquico intenso e frequentavam um Hospital Dia. Tal pesquisa foi realizada com o objetivo de analisar as potencialidades da utilização desse recurso no processo de autoavaliação orientada para o cuidado dessas crianças. Com vistas a atingir tal propósito, foi efetuada a construção de um álbum elaborado pelas próprias crianças, que foi composto por fotos baseadas naquilo que elas consideravam importante em suas vidas.

Em estudo realizado por Hwang (2013)Hwang, S. K. (2013). Home movies in participatory research: children as movie- makers. International Journal of Social Research Methodology, 16(5), 445-456., com o uso da metodologia participativa, foram utilizados vídeos caseiros como recurso. Esse trabalho tinha como meta observar as possibilidades desse mecanismo no que diz respeito à obtenção de uma maior compreensão sobre o cotidiano de crianças irmãs de outras com autismo. Em outra pesquisa, realizada por Baas et al. (2013)Baas, N., De Jong, M. D. T., & Drossaert, C. H. C. (2013). Children´s perspectives on Cyberbullying: Insights based on participatory research. Cyberpsychology, Behaviorand Social Network, 16(4)., a metodologia participativa também foi a escolhida para estudar a compreensão e a visão de crianças a respeito da temática do cyberbullying.

A partir desses estudos verifica-se consenso dos autores em relação aos métodos participativos como favorecedores da expressão das crianças e de sua participação e como promotores de sua emancipação e inclusão social, ao possibilitar-lhes o exercício de seus direitos e contribuir para o empoderamento infantil (Baas et al., 2013Baas, N., De Jong, M. D. T., & Drossaert, C. H. C. (2013). Children´s perspectives on Cyberbullying: Insights based on participatory research. Cyberpsychology, Behaviorand Social Network, 16(4).; Greco et al., 2017Greco, V., Lambert, H. C., & Park, M. (2017). Being visible: Photovoice as assessment for children in a school-based psychiatric setting. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, 24(3), 222–232.; Hwang, 2013Hwang, S. K. (2013). Home movies in participatory research: children as movie- makers. International Journal of Social Research Methodology, 16(5), 445-456.). No entanto, são necessários mais estudos ‒ inclusive no âmbito nacional ‒ que considerem diferentes realidades e possibilidades de expressão da saúde mental e do sofrimento psíquico infantojuvenil em diferentes contextos de vida da população de crianças e adolescentes.

E, no que se refere aos contextos de vida nos quais circula a população de crianças e adolescentes, podemos considerar o contexto escolar-educacional como um dos principais, visto que atualmente as crianças passam cada vez mais tempo de sua rotina diária em instituições dessa natureza, assim, a escola pode ser considerada como um local multicultural, para além de um ambiente físico também um espaço psicológico e social no qual ocorrem atividades de aprendizagem, relações interpessoais, aquisição de valores e convivência com as diferenças, o que torna essas instituições fatores de grande influência no desenvolvimento e na formação pessoal desses sujeitos, e são assim de grande importância na constituição de aspectos socioemocionais da população infantojuvenil (Carvalho & Santana, 2010Carvalho, D. B. D., & Santana, J. M. (2010).A Escola Promotora de Saúde: O estado da arte e o mental na Saúde. http://www.ufpi.br/subsiteFiles/ppged/arquivos/files/VI.encontro.2010/GT.10/GT_10_02_201 0.pdf
http://www.ufpi.br/subsiteFiles/ppged/ar...
; Dessen & Polonia, 2007Dessen, M. A., & Polonia, A. D. C. (2007). A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia, 17(36), 21-32.; Vieira et al., 2017Vieira, A. G., Aerts, D. R. G. C., Câmara, S., Schubert, C., Gedrat, D. C., & Alves, G. G. (2017). A escola enquanto espaço produtor da saúde de seus alunos. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, 12(2), 916-932.).

Ao pontuar a escola como um contexto potencial de ações de promoção à saúde mental de crianças e adolescentes, Souza (2010)Souza, C. Z. (2010). Avanço à ação intersetorial: produção de saúde mental na escola. IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial, 27 de junho a 01 de julho de 2010, Brasília. Textos de Apoio. Conselho Nacional de Saúde. Ministério da Saúde. coloca que a escola parceira da saúde mental aposta na sua capacidade de propor relações educativas que estejam comprometidas em produzir autonomia e protagonismo a partir de vivências coletivas.

A escola promove saúde mental quando discute no seu cotidiano as relações que estabelece e as diferenças que se evidenciam entre as pessoas e organizações com quem trabalha. Isto vale para a relação entre educadores, entre educandos, educandos e educadores, e de todos com as famílias, comunidade e instituições locais. O exercício do diálogo é fundamental para promover saúde mental (p. 2).

Compreende-se que as instituições de contraturno escolar compõem este cenário, haja vista seu caráter de complementaridade à educação formal, ao incluir atividades de cultura, esportes, lazer, línguas estrangeiras e reforço escolar, e são, muitas vezes, a única oportunidade que estudantes de periferias e de áreas de risco social têm de obter uma formação completa e cidadã (Brasil, 2009Brasil (2009). Ministério da Educação. Escolas recebem recursos para oferecer atividades no contraturno. http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/202-264937351/12810-escolas-recebem-recursos-para-oferecer-atividades-no-contraturno
http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticia...
).

De acordo com Natali et al. (2011)Natali, P. M., Paula, E. M. T., & Souza, C. R. T. (2011). O contra-turno social para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social: representações dos educadores sociais (pp. 796-807). X Congresso Nacional de Educação – EDUCERE, Curitiba, PR., tais instituições oferecem práticas educativas que se inserem no âmbito da educação social, com objetivo de promover as pessoas para que possam problematizar e interferir em seus contextos sociais, frequentemente permeados por desigualdades.

Com a consideração de que as condições socioeconômicas têm grande impacto na qualidade de vida e no bem-estar de pessoas e grupos com menores recursos financeiros, Souza et al. (2019)Souza, L. B., Panúncio-Pinto, M. P., & Fiorati, R. C. (2019). Crianças e adolescentes em vulnerabilidade social: bem-estar, saúde mental e participação em educação. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(2), 251-269. discutem que contextos de vulnerabilidade social podem produzir mais sofrimento psíquico, já que as pessoas estão expostas a uma série de eventos de vida potencialmente adversos, tais como a dificuldade de acesso aos direitos fundamentais como moradia, saneamento básico, saúde e educação; isso resulta, também, em consequências para as relações familiares e comunitárias e sustenta o que afirmam Ribeiro et al. (2010)Ribeiro, C. S., Passos, I. C. F., Novaes, M. G., & Dias, F. W. (2010). A produção bibliográfica brasileira recente sobre a assistência em saúde mental infanto-juvenil: levantamento exploratório. Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais, 5(1). e Couto et al. (2008)Couto, M. C. V., Duarte, C. S., & Delgado, P. G. G. (2008). A saúde mental infantil na saúde pública brasileira: situação atual e desafios. Revista Brasileira de Psiquiatria, 30(4), 390–398.: a intersetorialidade é o fundamento principal da saúde mental infantil e juvenil e, como tal, deve se constituir como uma linha de ação comum, pactuada e partilhada pelos diferentes atores envolvidos.

Ao discorrerem sobre as possibilidades de ações de promoção à saúde mental no contexto educacional, Fernandes et al. (2019)Fernandes, A. D. S. A., Cid, M. F. B., Speranza, M., & Copi, C. G. (2019). A intersetorialidade no campo da saúde mental infanto-juvenil: proposta de atuação da terapia ocupacional no contexto escolar. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(2), 454-461. afirmam que a intervenção não se caracteriza como clínica, mas de natureza intersetorial desenhada a partir de processos colaborativos, ou seja, trata-se de um trabalho a ser desenvolvido em parceria com educadores, familiares e com a própria comunidade, que visa a garantia de acesso, participação e inclusão à escola.

Porém, pesquisas apontam para o fato de que o diálogo intersetorial, a começar pelos profissionais ali envolvidos, nem sempre percorre o caminho ideal. Uma crítica frequente aos programas e ações de saúde no ambiente escolar é a de que eles são propostos, em sua maioria, pelos profissionais do setor de saúde de forma verticalizada, isto é, “comunicando” o que deve ser feito pelos professores (Rocha et al., 2002Rocha, D. G., Marcelo, V. C., & Pereira, I. M. T. B. (2002). Escola Promotora da Saúde: uma construção interdisciplinar e intersetorial. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 12(1).).

E, no que se trata de ações construídas de forma partilhada, há também que se pensar no lugar da criança nesses processos, o que remete a uma reflexão mais ampliada sobre o papel que ela assume na sociedade. De acordo com Pereira e Nascimento (2011)Pereira, B. E., & Nascimento, M. L. B. P. (2011). De objetos a sujeitos de pesquisa: contribuições da sociologia da infância ao desenvolvimento de uma etnografia da educação de crianças de populações tradicionais. Educação: Teoria e Prática, 21(36), 138-156., a criança geralmente é subvalorizada e compreendida como um ser irracional e incompleto, que necessita tanto de preparação moral, realizada pela família, quanto cognitiva, associada ao papel da escola, para que alcance a perfeição racional e produtiva que, teoricamente, apresentam os membros adultos da sociedade.

A essa lógica, presente nas relações entre adultos e crianças, soma-se o fato de que os valores fundamentais e significações da realidade são definidos e impostos pelos adultos, a partir de sua dominação sobre outras gerações (Pereira & Nascimento, 2011Pereira, B. E., & Nascimento, M. L. B. P. (2011). De objetos a sujeitos de pesquisa: contribuições da sociologia da infância ao desenvolvimento de uma etnografia da educação de crianças de populações tradicionais. Educação: Teoria e Prática, 21(36), 138-156.).

Ao considerar a criança como parte da equipe do setor educacional, na medida em que é estudante e alvo das ações, aponta-se que é rara a participação delas próprias no diálogo a respeito das estratégias desenvolvidas e dos fundamentos que as respaldam.

Alderson (2005)Alderson, P. (2005). As crianças como pesquisadoras: os efeitos dos direitos de participação sobre a metodologia de pesquisa. Educação e Sociedade, 26(91), 419-422. aponta que ninguém é capaz de descrever melhor as vivências infantis do que aqueles que as vivenciam, e devido a isso o discurso da criança precisa ser valorizado e validado, não apenas porque através dele há o processo de tessitura da própria singularidade, mas principalmente porque o reconhecimento da sua fala pelos adultos possibilita à criança maior ganho de autonomia e fortaleza diante das formas sutis de violência que lhe negam o direito de ser sujeito, no sentido pleno do termo.

Tal compreensão corrobora o que é preconizado no processo de atenção e promoção da saúde mental de crianças e adolescentes: há que se prezar pela escuta efetiva e considerar as particularidades desses sujeitos, na medida em que também são responsáveis por sua queixa e demanda (Brasil, 2014Brasil (2014). Ministério da Saúde. Conselho Nacional do Ministério Público. Atenção psicossocial a crianças e adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos (60 pp., il.). Ministério da Saúde.). Ademais, os exercícios da cidadania e da participação social são almejados no processo de cuidado, que deve ser planejado de forma participativa com a própria criança ou adolescente, seus familiares e outros atores da comunidade.

Nesse mesmo sentido, movimentos sociais e acadêmicos têm reivindicado que a produção de conhecimento relacionada à infância possa se comprometer com o desenvolvimento de métodos mais justos e democráticos, que possibilitem a participação das crianças de maneira ativa nas investigações (Parrilla et al., 2016Parrilla, A., Raposo-Rivas, M., & Martinez-Figueira, M. (2016). Procesos de movilización y comunicación del conocimiento en la investigación participativa. Opción, 12(32), 2066-2087.).

Assim, o presente estudo se propôs a desenvolver uma investigação de maneira participativa, com o objetivo de explorar e compreender as percepções de 23 crianças de 9 a 11 anos sobre aspectos que favorecem e que prejudicam sua saúde mental, no contexto de uma instituição de contraturno escolar.

Metodologia

A pesquisa realizada neste trabalho pode ser caracterizada como de caráter qualitativo e exploratório, e foi efetuada por meio de métodos participativos que, de acordo com Parrilla e Sierra (2015)Parrilla, A., & Sierra, S. (2015). Construyendo una investigación inclusiva en torno a las distintas transiciones educativas.Revista Electrónica Interuniversitaria de Formación del Profesorado, 18(1), 161-175., preveem que os sujeitos não apenas colaborem no compartilhamento de informações, mas, em grande medida, possam guiar e orientar a pesquisa. As autoras destacam que a investigação participativa se desenvolve “com” os participantes, “pelos” participantes e “para” os participantes, porém, em todo caso, não é uma investigação “sobre” eles.

Participantes

Os participantes do presente estudo foram 25 crianças ‒ 11 meninas e 14 meninos com idades entre 9 e 11 anos ‒ vinculadas a uma instituição de contraturno escolar, todas elas pertencentes a uma mesma turma.

Local

O estudo foi realizado em uma instituição de contraturno escolar localizada em um município de médio porte do interior do estado de São Paulo, que atende crianças e adolescentes de 6 a 14 anos (provenientes das áreas de maior vulnerabilidade social do município) com a oferta de atividades culturais, esportivas, lúdicas, recreativas e formativas.

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da universidade à qual o estudo se vinculou. Observa-se, ainda, que a instituição de contraturno também formalizou sua autorização para a realização da pesquisa. Após a definição dos participantes, a coordenação da instituição enviou os Termos de Assentimento para as crianças e os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido para os seus responsáveis, e solicitou as respectivas assinaturas. Somente após tais assinaturas a pesquisa de campo foi iniciada.

Recurso para produção de dados

O recurso utilizado para a produção dos dados foi o foto-voz: técnica de investigação participativa e comunitária que, em sua origem, permite dar poder e voz, através da documentação da vida cotidiana mediante imagens e narrativas, àqueles que geralmente não são ouvidos (Doval et al., 2013Doval, M. I., Martinez-Figueira, E., & Raposo, M. (2013). La voz de sus ojos: la participación de los escolares mediante Fotovoz. Revista de Investigación en Educación, 11(3), 150-171.).

De acordo com Bertagnoni (2017, p. 50), embora ainda pouco explorado como recurso metodológico em pesquisas com crianças, o foto-voz é uma ferramenta com grande potencial no sentido de reconhecê-las como sujeitos – e não objetos – de pesquisa. A partir dele, elas podem ser participantes ativas e informantes em primeira mão sobre suas perspectivas acerca do tema estudado.

Procedimentos

As etapas de identificação e seleção dos participantes foram feitas de forma conjunta com a equipe da instituição e consideraram o interesse das crianças e suas sugestões a respeito das melhores estratégias para realizá-las.

Após um período de ambientação que visou conhecer os participantes e a rotina do local, as pesquisadoras propuseram ações para favorecer a expressão das crianças participantes e auxiliá-las na identificação da sua percepção sobre os aspectos presentes no contexto da instituição que favorecem e os que prejudicam sua própria saúde mental. Dessa forma, no que se refere à produção de dados relacionados aos objetivos desta pesquisa, foram realizados quatro encontros, nos quais foram desenvolvidas atividades de foto-voz e de colagem e escrita.

A descrição dos encontros estruturou-se a partir do exposto no seguinte quadro:

  Atividade Objetivos 1º e 2º encontros I. Divisão da turma em 3 grupos; II. Explicação sobre as etapas do Foto-voz; III. Demonstração dos equipamentos (câmeras fotográficas); IV. Captação das fotos; V. Registro das explicações das fotos em áudio e papel. a) Aprendizagem sobre o processo do Foto-voz – discussão de dúvidas, opiniões e construção coletiva de estratégias de organização interna dos grupos; b) Captação individual de 6 fotos – 3 que representassem o que favorece e 3, o que prejudica a própria saúde mental. c) Descrição verbal sobre as imagens fotografadas. 3º encontro I. Distribuição das fotos impressas correspondentes a cada grupo; II. Escolha de fotos e composição de cartazes com as temáticas do Foto-voz por cada grupo; IV. Gravação de áudio coletivo explicativo por cada grupo. a) Propiciar espaço de análise, debate e reflexão grupal sobre fatores que favorecem e fatores que prejudicam a Saúde Mental, em busca de um consenso do grupo na síntese da informação para o cartaz; b) Elaboração de, pelo menos, dois produtos visuais finais por grupo, que retratem suas percepções/conclusões sobre as temáticas. 4º encontro I. Leitura dos discursos correspondentes aos áudios grupais; II. Finalização dos cartazes; III. Discussão coletiva sobre possibilidades de exposição do material produzido. a) Validação grupal da descrição textual/ legenda de cada cartaz, elaboradas pelas pesquisadoras a partir dos áudios; b) Conclusão da atividade. Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).

No que se refere à análise dos dados, ressalta-se que ela foi desenvolvida com as próprias crianças, por meio de procedimentos de organização dos produtos criados e apresentação para validação coletiva, para propiciar espaços de fala/expressão e criação de consensos sobre o que haviam produzido.

Tal processo é apresentado por Liebenberg (2009Liebenberg, L. (2009). The visual image as discussion point: Increasing validity in boundary crossing research. Qualitative Research, 9(4), 441-467., 2018)Liebenberg, L. (2018). Thinking critically about photovoice: Achieving empowerment and social change. International Journal of Qualitative Methods, 17(1), 1-9., que discorre sobre os métodos elucidativos para produção de dados. De acordo com a autora, os métodos visuais devem envolver a interpretação coletiva de imagens pelo grupo e a coconstrução de significado relacionada.

Ao explorarem por que as imagens são importantes, o que refletem, por que essas situações existem e o que pode ser feito sobre isso, os participantes podem tomar consciência dos processos e condições sociais mais amplos nos quais suas experiências são incorporadas; podem se mover através de vários estágios da consciência crítica; são mais capazes de destacar o que é necessário para alterar essas situações; e são mais capazes de identificar os recursos existentes e destacar os recursos necessários. Coletivamente, esse exercício pode informar significativamente o desenvolvimento do conhecimento, seu compartilhamento e a ação social no processo da pesquisa participativa inclusiva (Liebenberg, 2018Liebenberg, L. (2018). Thinking critically about photovoice: Achieving empowerment and social change. International Journal of Qualitative Methods, 17(1), 1-9.).

Ademais, durante todo o processo investigativo, as informações e percepções das pesquisadoras foram registradas em diário de campo.

Resultados e discussão

A partir das 221 fotografias impressas, as crianças participantes, divididas em 3 grupos, elaboraram 6 cartazes ‒ cada grupo produziu 2: 1 referente à “saúde mental boa” e 1 à “saúde mental ruim”, como intitulado por elas.

Cada cartaz foi analisado por seu respectivo grupo autoral, o que resultou em discursos consensuais que foram registrados em áudios. Esse material foi sintetizado pelas pesquisadoras em pequenos textos que, posteriormente, foram validados com cada grupo, a fim de compor e esclarecer o foto-voz para possíveis espectadores.

A seguir, apresentam-se os textos coletivos de cada grupo:

a) O que favorece a saúde mental

Crianças que brincam e se divertem com os amigos, isso traz felicidade.

Praticar esportes faz bem.

Sono e descanso ajudam a acordar com mais energia.

Rodas de conversa são importantes porque dá pra ouvir os amigos e compartilhar coisas da sua vida” –

Grupo 1

Livros trazem mais conhecimentos e também diversão; na capa está escrito para jogar lixo no lixo, isso é importante porque crianças conscientes constroem um mundo melhor.

Os jogos educativos fazem raciocinar.

As árvores limpam o nosso ar e nos ajudam a respirar, isso faz bem; quando estamos em contato com a natureza paramos para refletir e podemos mudar pra melhor.

A alimentação saudável faz bem para nossa saúde.

Enquanto as crianças brincam elas pensam mais nas brincadeiras e não em brigas, não praticam bullying.

Brincar com os animais faz esquecer das coisas ruins que acontecem com você” –

Grupo 2.

Fazer esportes faz bem pra saúde porque ficamos mais fortes e é divertido.

Brincar deixa as pessoas mais felizes e mais alegres.

Assistir filmes em dia de chuva nos deixa mais calmos, às vezes dá sono, isso faz bem” –

Grupo 3.

O que prejudica a saúde mental

Brigas, brincar sozinho, solidão, isolamento.

Desrespeitar as regras.

Destruir o meio ambiente e a natureza” –

Grupo 1.

Brigas, xingamentos e bullying machucam o coração e magoam as pessoas; elas podem até desistir das coisas que mais gostam e ficar com depressão.

Discussões atraem brigas, brigas atraem morte e morte atrai tristeza.

Às vezes uma pessoa que está com o coração triste não consegue abrir seu coração pra ninguém, isso faz muito mal.

A poluição e a poeira atraem doenças e isso faz mal para a saúde mental e para as famílias, porque as pessoas podem falecer por causa disso” –

Grupo 2.

Brigas, agressividade, racismo e bullying deixam a pessoa triste, magoada, pode machucar; quem sofreu bullying quando crescer vai querer fazer mal pra quem praticou o bullying e isso traz cada vez mais violência. Mexer no celular vicia, deixa louco e também faz mal para a vista” –

Grupo 3.

Assim, é possível observar que os aspectos considerados pelas crianças como favorecedores da saúde mental apontam para o brincar, os esportes, a aprendizagem e o contato com a natureza.

Em relação ao que consideram prejudicar a saúde mental, a violência e seus desdobramentos (agressividade física e verbal, discriminação, bullying, desrespeito às regras e ao meio ambiente) compõem a temática mais prevalente. A permanência por muito tempo no celular também foi citada.

No que diz respeito ao processo de desenvolvimento do foto-voz, vale pontuar que o método foi proposto pelas pesquisadoras, porém, dentro dele, construiu-se uma nova experiência, singularmente associada aos sujeitos desta pesquisa, a partir de suas particularidades.

Neste sentido, um dos pontos que chamaram a atenção foi a curiosidade e as reações de surpresa que o contato com o “objeto” câmera fotográfica despertou na grande maioria das crianças, que disseram nunca terem visto o equipamento de maneira que não fosse integrada a um smartphone. Considera-se que este fator, per si, potencializou ainda mais a estratégia no contexto desta pesquisa, pelo simples fato da utilização de câmeras mais antigas.

A aura do objeto percebida por meio da observação é capaz de formular uma maneira diferente de ver através da exploração pelo olhar da criança, isto é: pode produzir um novo olhar, em razão do ingênuo fato de que ele ocorre por meio de um objeto antiquado; esse cenário, por conseguinte, conferiu ao processo fotográfico maior ludicidade, entretenimento e distração e, nesse sentido, a produção das fotos como arquivos e a própria construção manual/artesanal dos cartazes referentes à “saúde mental boa” e à “saúde mental ruim” constituíram-se em uma experiência que também tem mais possibilidade de sedimentar-se como memória para esses indivíduos, haja vista a euforia coletiva que ornamentou todo o processo desse fazer.

Além disso, de acordo com Mannay (2017)Mannay, D. (2017). Métodos visuales, narrativos y creativos en investigación cualitativa. Narcea., ao receberem as câmeras, os sujeitos, em vez de serem enquadrados pelo pesquisador, são quem enquadram, ou seja, decidem quando e como representar seu mundo subjetivo e o que representar dele.

Em se tratando especificamente das fotografias – que a geração dessas crianças está habituada a visualizar a partir de telas devido à realidade da imersão tecnológica que vivenciam –, estas puderam se transformar em objetos físicos, palpáveis e, inclusive, passíveis de exposição pública. Reflete-se, também, sobre o fato de que este acontecimento cedeu aos participantes uma outra experiência, da qual, talvez, nunca tivessem desfrutado anteriormente, inclusive com a possibilidade de autorreflexão a partir do ato de se enxergarem materialmente nos cartazes.

Quanto aos aspectos elencados pelas crianças como favorecedores da saúde mental (brincadeiras, práticas esportivas, aprendizagem e contato com a natureza), Mandich e Rodger (2006)Mandich, A., & Rodger, S. (2006). Doing, being and becoming: their importance for children. In S. Rodger, & J. Ziviani, Occupational Therapy with children: Understanding children’s occupations and enabling participation (pp. 115-135). Blackwell Publishing. definem as ações intencionais que as crianças realizam no curso de seu desenvolvimento como ocupações infantis. Nesse sentido, Dunford e Bannigan (2011)Dunford, C., & Bannigan, K. (2011). Children and young people’s occupations, health and well-being: a research manifesto for developing the evidence base. World Federation of Occupational Therapists Bulletin, 64(1), 46-52. https://doi.org/10.1179/otb.2011.64.1.011
https://doi.org/10.1179/otb.2011.64.1.01...
acrescentam que existe uma estreita relação entre o engajamento em ocupações, a saúde e o bem-estar.

De maneira clara, o que os participantes retrataram foi que, a partir do desempenho das ocupações fotografadas e narradas como “boa saúde mental”, é possível preservar, manter e criar um estado de bem-estar psíquico. Esta perspectiva corrobora os resultados de pesquisas recentes que também ouviram crianças e, de maneira semelhante, caminham na direção de uma compreensão de bem-estar e felicidade que engloba fatores como a ludicidade, os sentimentos positivos, o lazer, a diversão, o ato de fazer e manter amigos e a prática de atividades físicas (Giacomoni et al., 2014Giacomoni, C. H., Souza, L. K., & Hutz, C. S. (2014). O conceito de felicidade em crianças. Psico-USF, 19(1), 143-153.).

Esses aspectos, por sua vez, constituem-se como substratos do processo de aprendizagem, também elencado pelos participantes como um dos motores da “boa saúde mental”. De acordo com Oliveira (2011)Oliveira, Z. M. R. O. (2011). Educação infantil: fundamentos e métodos (7.a ed.). Cortez.,

a grande flexibilidade do pensamento da criança e seu constante desejo de exploração requerem a organização de contextos propícios de aprendizagem. A criatividade emerge das múltiplas experiências infantis, visto que ela não é um “dom”, mas se desenvolve naturalmente se a criança tiver liberdade para explorar as situações com parceiros diversos (p. 229).

Assim sendo, pode-se considerar que as experiências lúdicas e a aprendizagem influenciam-se uma à outra, mutuamente.

Em relação ao brincar, Ferland (2006)Ferland, F. (2006). O modelo lúdico: o brincar, a criança com deficiência física e a terapia ocupacional (3.a ed.). Roca. compreende-o como uma ação subjetiva, na qual o prazer, a curiosidade, o senso de humor e a espontaneidade se encontram, o que caracteriza uma conduta escolhida livremente e da qual não se espera nenhum rendimento específico. A autora acrescenta, ainda, que brincar envolve prazer, descoberta, domínio da realidade, criatividade e expressão.

Vale reforçar que os ambientes pelos quais a criança circula influenciam diretamente nas possibilidades do brincar, bem como na vivência de experiências e no desenvolvimento de habilidades (Ferland, 2006Ferland, F. (2006). O modelo lúdico: o brincar, a criança com deficiência física e a terapia ocupacional (3.a ed.). Roca.; Fonsêca & Silva, 2015Fonsêca, M. E. D., & Silva, A. C. D. D. (2015). Concepções e uso do brincar na prática clínica de terapeutas ocupacionais. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 23(3), 589-597.). Tais conceitos vão ao encontro dos resultados desta pesquisa no que diz respeito à busca, pelos participantes, da realização de atividades de seu interesse, como as lúdicas e divertidas, como maneira de adquirirem prazer e bem-estar e, consequentemente, a “boa” saúde mental.

Neste seguimento, torna-se possível compreender que as práticas esportivas ilustradas se caracterizam, também, como atividades lúdicas. De acordo com o Manual de Orientação à Promoção de Atividade Física na Infância e Adolescência, publicado pela Sociedade Brasileira de Pediatria em 2017, “as crianças e os adolescentes devem ser encorajados a participar de uma variedade de atividades físicas agradáveis e seguras que contribuam para o desenvolvimento natural. Estas atividades melhoram os aspectos físicos, emocionais e sociais” (p. 3).

O documento (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2017Sociedade Brasileira de Pediatria (2017). Grupo de Trabalho em Atividade Física. Manual de Orientação. Promoção da atividade física na infância e adolescência. https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/19890d-MO-Promo_AtivFisica_na_Inf_e_Adoles.pdf
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) enfatiza ainda que é comum que a atividade física seja menos praticada com o passar da idade das crianças devido a “fatores comportamentais e sociais, tais como a disponibilidade aumentada para a tecnologia, o aumento da insegurança/violência e a progressiva redução dos espaços livres urbanos para o lazer” (p. 2).

Em concordância com os resultados encontrados, Souza et al. (2013)Souza, L. K. D., Silveira, D. C., & Rocha, M. A. (2013). Lazer e amizade na infância: implicações para saúde, educação e desenvolvimento infantil. Psicologia da Educação, (36). apontam que atividades de lazer e de convivência entre pares são consideradas como fatores protetivos à saúde das crianças, na medida em que contribuem para o fortalecimento de aspectos sociais, emocionais e cognitivos. Além do mais, os laços de amizade e a prática de atividades de lazer, ao reduzirem as possibilidades de sofrimento psíquico, como a ansiedade e a depressão, ao mesmo tempo em que são geradores de bem-estar, prazer e autoestima, reforçam seus potenciais como elementos favorecedores da saúde mental dos sujeitos (Pondé & Caroso, 2003Pondé, M. P., & Caroso, C. (2003). Lazer como fator de proteção da saúde mental. Revista Ciências Médicas (PUCCAMP), 12(2), 163-172. Projeto Criança e Natureza (n.d.). Instituto Alana. https://criancaenatureza.org.br/
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).

O outro resultado que emergiu a partir da captura das fotografias foi o contato com a natureza. Este dado vai ao encontro de perspectivas abordadas pelas políticas públicas de saúde destinadas à população infantojuvenil que defendem e evidenciam as vantagens biopsicossociais de tal prática (Chawla et al., 2014Chawla, L., Keena, K., Pevec, I., & Stanley, E. (2014). Green schoolyards as havens from stress and resources for resilience in childhood and adolescence. Health Place, 28, 1-13.; Louv, 2016Louv, R. (2016). A última criança na natureza: resgatando nossas crianças do transtorno do déficit de natureza. Aquariana.; ONU, 2013; Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019Sociedade Brasileira de Pediatria (2019). Grupo de Trabalho em Saúde e Natureza. Benefícios da natureza no desenvolvimento de crianças e adolescentes. https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/manual_orientacao_sbp_cen1.pdf
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).

Neste sentido, iniciativas recentes como o Programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, surgiram para produzir, fomentar e disseminar conteúdos sobre a importância da conexão da criança com a natureza e seus benefícios, bem como para apontar caminhos que estimulem e facilitem as experiências diretas das crianças na natureza e para influenciar políticas públicas que favoreçam o contato das crianças com a natureza no contexto urbano. O grupo afirma se inspirar em conceitos propostos por especialistas em diversas áreas da infância para sistematizar alguns caminhos que promovam, também, a ressignificação dos espaços escolares como locais potentes para aprender na natureza e com ela (Projeto Criança e Natureza, n.d.Pondé, M. P., & Caroso, C. (2003). Lazer como fator de proteção da saúde mental. Revista Ciências Médicas (PUCCAMP), 12(2), 163-172. Projeto Criança e Natureza (n.d.). Instituto Alana. https://criancaenatureza.org.br/
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).

De acordo com Barros (2018)Barros, M. I. A. (Org.) (2018). Desemparedamento da infância – A escola como lugar de encontro com a natureza (2.a ed.). Alana.,

devemos ouvir o que as crianças têm a dizer sobre os espaços escolares e procurar incorporar seus desejos e suas percepções, qualificando-os e tornando-os melhores para elas e para os demais membros da comunidade escolar. Nesse caminho, os pátios e toda a escola podem ser espaços de alegria, que instigam a descoberta e a experimentação e propiciam a construção de conhecimentos e o desenvolvimento humano (p. 42).

Essa é uma das maneiras possíveis de se caminhar, de fato, em direção ao “desemparedamento da infância”. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2013Organização das Nações Unidas (2013). Convenção dos Direitos da Criança. Comitê dos Direitos da Criança. Comentário Geral n.o 17 de 2013. O direito da criança ao descanso, lazer, brincar, atividades recreativas, vida cultural e às artes (Artigo 31). http://docs.wixstatic.com/ugd/03465a_12f189361ffa41fd974cbfdd2e479d5e.pdf
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), o convívio com ambientes naturais e o brincar nesses espaços também possibilitam às crianças e adolescentes o desenvolvimento de estratégias e meios de enfrentamento de situações estressantes. Nesse sentido, a Sociedade Brasileira de Pediatria (2019)Sociedade Brasileira de Pediatria (2019). Grupo de Trabalho em Saúde e Natureza. Benefícios da natureza no desenvolvimento de crianças e adolescentes. https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/manual_orientacao_sbp_cen1.pdf
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sinaliza que a prática também corrobora o que apontam pesquisas realizadas nos últimos anos: “o convívio com a natureza na infância e na adolescência melhora o controle de doenças crônicas, diminui o risco de dependência ao álcool e outras drogas, reduz problemas de comportamento e proporciona bem-estar mental” (p. 6), além de ajudar a fomentar a criatividade, a iniciativa, a autoconfiança, a capacidade de escolha, de tomar decisões, de resolver problemas, de desenvolver empatia e senso de pertencimento.

Não obstante, estudos têm associado a falta do brincar livre com o aumento da prevalência de estresse e sofrimento psíquico em crianças.

Em relação ao que as crianças consideram trazer prejuízos à saúde mental, verificou-se que a vivência de violência entre pares foi apontada como o principal aspecto.

Durante o próprio processo de coleta de dados, demonstraram experienciar uma lógica em relação à violência, que se retroalimenta, isto é, em seus cotidianos, acabam por observar, presenciar, sofrer e identificar o caráter nocivo da agressividade, porém, como consequência deste ciclo, também se apropriam dela como ferramenta, na tentativa de resolução de seus conflitos.

De acordo com Ristum (2004)Ristum, M. (2004). Violência: uma forma de expressão da escola? APRENDER - Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação, Ano II(2), 59-68., os estudiosos da violência têm, reiteradamente, apontado a sua multicausalidade ‒ mostram que as diversas causas atuam em rede e que há, portanto, uma impossibilidade de isolá-las ou de estudá-las fora do contexto mais amplo em que ocorrem.

Conceitualmente, a autora separa as origens da violência em causas contextuais e causas pessoais: os exemplos de causas contextuais são os modelos de violência em casa, na rua e nos meios de comunicação, bem como as dificuldades familiares e o uso predominante de punição para promover a disciplina em diversas instituições sociais (família, escola, religião etc.); e exemplos de causas pessoais são as características como instabilidade emocional, estresse, temperamento e os aspectos relacionados à autoestima; vale ressaltar que, para além da multicausalidade, a interação entre esses fatores pode ocorrer de diferentes maneiras (Ristum, 2001Ristum, M. (2001). O conceito de violência de professoras do Ensino Fundamental. [Tese de Doutorado, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia]., 2004Ristum, M. (2004). Violência: uma forma de expressão da escola? APRENDER - Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação, Ano II(2), 59-68.), e resultar no ciclo de reprodução da violência aqui discutido.

No que se trata especificamente da violência escolar, uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA) durante a elaboração e desenvolvimento do Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes, em 2002, envolveu 5.875 estudantes de 5.a e 8.a séries de 11 escolas localizadas no município do Rio de Janeiro e revelou que 40,5% dos estudantes admitiram ter estado diretamente envolvidos em alguma forma de violência contra colegas na escola naquele ano, 16,9% deles como alvos, 10,9% como alvos e autores e 12,7% como autores (Lopes Neto, 2005; Ristum, 2004Ristum, M. (2004). Violência: uma forma de expressão da escola? APRENDER - Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação, Ano II(2), 59-68.).

Assim sendo, observa-se que, apesar da clareza com a qual as crianças se expressaram ao relacionar atos violentos ao conceito de algo “ruim”, parece insuficiente o fato de saberem que tal prática traz prejuízos à saúde mental para conseguirem deixar de reproduzi-la.

A amplitude do espectro que se pode associar à prática de ações violentas, além de todas as possibilidades de combinação entre seus diversos componentes, torna necessário o emprego de abordagens direcionadas a compreender mais detalhes deste cenário e, por conseguinte, a reflexão sobre estratégias de atenuação ou reversão, objetivos que não compuseram as pretensões do presente estudo.

De qualquer forma, a violência é apresentada e reafirmada pelas crianças como algo que ou define uma saúde mental ruim ou prejudica a saúde mental, o que vai ao encontro de diversos estudos do campo que apontam a vivência de violência como importante fator de risco para a saúde mental de forma geral, especialmente de crianças e adolescentes, o que sinaliza fortemente para a busca de estratégias intersetoriais que incluam as crianças, caminhos para lidar com esta realidade que se mostra clara e urgente (Fante & Pedra, 2008Fante, C., & Pedra, J. A. (2008). Bullying escolar. Artmed.; Santos et al., 2015Santos, M. M., Perkoski, I. R., & Kienen, N. (2015). Bullying: atitudes, consequências e medidas preventivas na percepção de professores e alunos do ensino fundamental. Temas em Psicologia, 23(4), 1017-1033.; Zequinão et al., 2016Zequinão, M. A., Medeiros, P., Pereira, B., & Cardoso, F. L. (2016). Bullying escolar: um fenômeno multifacetado. Educação e Pesquisa, 42(1), 181-198.).

Alguns estudos enfocam, especificamente, as consequências negativas do bullying, tanto para aqueles que o praticam quanto para suas vítimas ‒ os primeiros apresentam maior chance de apresentar dificuldades nos relacionamentos interpessoais e as segundas, de desenvolver sofrimento psíquico intenso (Fante & Pedra, 2008Fante, C., & Pedra, J. A. (2008). Bullying escolar. Artmed.; Santos et al., 2015Santos, M. M., Perkoski, I. R., & Kienen, N. (2015). Bullying: atitudes, consequências e medidas preventivas na percepção de professores e alunos do ensino fundamental. Temas em Psicologia, 23(4), 1017-1033.; Zequinão et al., 2016Zequinão, M. A., Medeiros, P., Pereira, B., & Cardoso, F. L. (2016). Bullying escolar: um fenômeno multifacetado. Educação e Pesquisa, 42(1), 181-198.).

Este dado também corrobora o que tem sido encontrado em pesquisas anteriores, porém vai além, ao demonstrar claramente o ponto de vista das crianças sobre o potencial desconforto e sofrimento gerado pelas situações hostis e violentas vivenciadas em seu cotidiano.

O excesso de tempo gasto com o celular também compôs o rol de resultados da “saúde mental ruim” firmado pelas crianças. Coincidentemente com esses dados, estudiosos pertencentes ao Grupo de Trabalho em Saúde e Natureza da Sociedade Brasileira de Pediatria (2019)Sociedade Brasileira de Pediatria (2019). Grupo de Trabalho em Saúde e Natureza. Benefícios da natureza no desenvolvimento de crianças e adolescentes. https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/manual_orientacao_sbp_cen1.pdf
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apontam para os prejuízos ocasionados pelo fenômeno da “Intoxicação digital”, caracterizado pela exposição crescente à publicidade e a conteúdos tóxicos, violentos ou inadequados que, por sua vez, produzem intensos efeitos negativos no que diz respeito à convivência e à saúde física e mental dos jovens.

Ao considerar o panorama dos dados produzidos nesta investigação, destaca-se que, em alguma medida, os contextos pelos quais as crianças perpassam (família, escola, instituição de contraturno escolar) e as vivências por elas construídas nesses espaços são, aparentemente, capazes de promover aprendizagens relativas às relações, suas possibilidades e limites, o que, portanto, é algo que pode ser maximizado nas práticas e políticas ‒ especialmente aquelas voltadas aos espaços educacionais ‒ direcionadas a essa população..

No que diz respeito a envolver crianças no processo de produção de conhecimento, cabem aqui algumas considerações. Parrilla et al. (2018)Parrilla, A., Martinez, S. S., & Asorey, M. F. (2018). Lecciones esenciales sobre el trabajo em red inter-escolar. Profesorado: Revista de currículum y formación del profesorado, 22(2). relatam as vantagens do uso do foto-voz como recurso para a realização de pesquisas mais participativas, e destacam seu caráter acessível, familiar e motivador, bem como seu potencial como facilitador da exploração, estimulação e comunicação de pensamentos.

De acordo com Liebenberg (2018)Liebenberg, L. (2018). Thinking critically about photovoice: Achieving empowerment and social change. International Journal of Qualitative Methods, 17(1), 1-9., os produtos imagéticos criados pelos participantes servem como catalisadores para a discussão reflexiva na qual os significados e interpretações emergentes são elaborados. Em outras palavras, há uma interpretação compartilhada de experiências pessoais nas quais o significado é incorporado e coconstruído.

Tais qualidades desse instrumento puderam ser notadas e confirmadas nesta pesquisa, visto que ao longo do processo foi possível observar um grande envolvimento por parte das crianças participantes, que se mostraram constantemente motivadas para a realização das atividades propostas.

Ademais, no momento da seleção coletiva das fotos para a elaboração dos cartazes e exposição das narrativas atribuídas aos conteúdos, as crianças se tornaram capazes de criar significados próprios e de se posicionarem frente ao conhecimento de forma crítica e ativa, consequências essas que também são apontadas pelas autoras a partir da aplicação do foto-voz, no contexto de uma proposta de pesquisa participativa.

Por fim, destaca-se que, ao facilitar a expressão das opiniões e pensamentos das crianças a respeito dos aspectos que consideram benéficos e dos que consideram prejudiciais à saúde mental, este estudo contribuiu para a ampliação da participação social dessa parcela da população. Esta ação vai ao encontro dos ideais preconizados pela política de saúde mental vigente, que pondera sobre as necessidades de tecer ações intersetoriais, bem como de considerar a criança e o adolescente como seres integrais, com direito à total participação e inclusão em suas comunidades, e de valorizar a escuta do que eles têm a dizer (Brasil, 2014Brasil (2014). Ministério da Saúde. Conselho Nacional do Ministério Público. Atenção psicossocial a crianças e adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos (60 pp., il.). Ministério da Saúde.).

Considerações finais

Os resultados do presente estudo apresentam o que crianças de 9 a 11 anos pensam a respeito do que favorece e do que prejudica a saúde mental no contexto de uma instituição de contraturno escolar, e avançam na produção de conhecimento sobre a infância, especialmente no campo da saúde mental infantojuvenil, na medida em que põem foco na produção conceitual das crianças a respeito da temática que, por sua vez, tem sido desenvolvida fundamentalmente pelo olhar adulto.

A partir dos resultados, foi possível verificar que, para as crianças participantes, o brincar, a prática de esportes, o contato com a natureza e a realização de atividades educativas lúdicas são tidos como elementos favorecedores à sua saúde mental, enquanto a violência e o bullying são considerados por elas como prejudiciais.

A percepção das crianças sobre o potencial das atividades causadoras de prazer, diversão e aprendizagem para a promoção da saúde mental infantil e sobre os prejuízos que práticas hostis acarretam foi ao encontro dos estudos realizados na área, e constatou-se, assim, o potencial que as crianças possuem para falar sobre si mesmas e sobre as questões que lhes dizem respeito. Isto poderá subsidiar futuras práticas e políticas direcionadas para essa população, que desemboquem em ações que de fato as protejam.

Neste sentido, destaca-se aqui a educação integral pública como estratégia de enriquecimento da rotina das crianças e jovens, com vistas à promoção de oportunidades de convivência, recreação, desenvolvimento de habilidades de vida diária e prática e preparação para a vida social, emocional e acadêmica – cenário este que, certamente, possibilitaria o desenvolvimento de outras pesquisas que valorizassem o protagonismo e a voz de seus participantes.

Em vista disso, ressalta-se também que um dos desafios enfrentados nesta investigação diz respeito ao curto período de tempo para a sua execução – um total de quatro encontros com duração de duas horas cada. Dessa forma, acredita-se que a possibilidade de um maior número de encontros poderia contribuir para a identificação de novos elementos favoráveis e prejudiciais à saúde mental das crianças, visto que um vínculo mais longínquo com as pesquisadoras e uma maior adaptação a esta maneira não tradicional de fazer pesquisa poderiam contribuir para uma maior expressão dos participantes.

De qualquer forma, a despeito disso, o estudo atingiu seus objetivos, ao revelar o potencial de metodologias mais participativas, mais especificamente o foto-voz, como contribuintes para a produção de conhecimento na área da infância, na medida em que promovem espaços para inclusão, emancipação, participação social e expressão dos atores diretamente envolvidos, ou seja, as crianças.

Ademais, com vistas na movimentação em prol da igualdade, da justiça social e da saúde mental, aponta-se que existe uma necessidade – e até uma urgência – de que as vozes menos valorizadas continuem sendo ouvidas e, para além disso, escutadas, consideradas, divulgadas e amplificadas, principalmente através de pesquisas que se comprometam a garantir a participação dos sujeitos de modo ativo e coprodutivo, de maneira que se faça “com”, e não “por” eles.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Andréa de Freitas Ianni ? andreaianni1@gmail.com
  • 3
    Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP - 2018/23485-3

Referências

  • Alderson, P. (2005). As crianças como pesquisadoras: os efeitos dos direitos de participação sobre a metodologia de pesquisa. Educação e Sociedade, 26(91), 419-422.
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  • Barros, M. I. A. (Org.) (2018). Desemparedamento da infância – A escola como lugar de encontro com a natureza (2.a ed.). Alana.
  • Bertagnoni, L. (2017). Retratos, relatos e impressões de crianças moradoras da periferia de São Paulo por meio de fotovoz (158 f.) [Dissertação de Mestrado em Ciências da Reabilitação, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo].
  • Brasil (2005). Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil (76 pp.) (Série B. Textos Básicos em Saúde). Editora do Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/05_0887_M.pdf
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  • Brasil (2009). Ministério da Educação. Escolas recebem recursos para oferecer atividades no contraturno http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/202-264937351/12810-escolas-recebem-recursos-para-oferecer-atividades-no-contraturno
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Editado por

1
Editor responsável: Silvio Donizetti de Oliveira Gallo. https://orcid.org/0000-0003-2221-5160

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2020
  • Revisado
    05 Ago 2021
  • Aceito
    01 Set 2021
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