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Tecendo o território: paisagens de denúncia e desmistura social em desenhos de crianças sobre o bairro 1 1 Editor responsável: Carmen Lúcia Soares. https://orcid.org/0000-0002-4347-1924 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha - verah.bonilha@gmail.com

Tejiendo el territorio: paisajes de denuncia y desmezcla social a través de dibujos de peques acerca de su barrio

Resumo

Discutem-se aqui as representações que 92 crianças da Rede Municipal de Ensino de Curitiba fazem sobre os seus bairros de moradia, verificando diferenças a depender do bairro em que moram (sul/extremo sul) e da parte dele em que estão (central/periférica). Conclui-se que crianças do sul e da parte central do extremo sul utilizam espaços variados, mas bem personalizados, demonstrando uma não mistura social. Já crianças da parte periférica do bairro do extremo sul denunciam o sedentarismo e a subalternidade da partilha do espaço com adultos, pessoas e locais hostis; para estas a escola aparece como central. Assim, de modo geral, as crianças da pesquisa evidenciam que o território é tecido nas urdiduras das interdependências humanas, tramado a partir de diferentes gradientes de poder e status e de acordo com as posições que elas e suas famílias ocupam na configuração do bairro e da cidade.

Palavras-chave
criança; bairro; desenho; mobilidade espacial; mistura social

Resumen

Este artículo ofrece una discusión a partir de las representaciones que 92 peques de la Red Municipal de Ensino de Curitiba hacen acerca de sus barrios, señalando diferencias según cada uno de los barrios en los que viven (al sur/al extremo sur) y de las zonas en las que se desplazan (centro/periferia). Se concluye que los peques que viven al sur y de la zona central del extremo sur utilizan espacios múltiples y a la vez personalizados, lo que refuerza una no mezcla social. Sin embargo, los niños de la zona periférica del barrio del extremo sur denuncian el sedentarismo y la subordinación delante de la posibilidad de compartir los espacios con los adultos, personas y locales hostiles; para ellos la escuela aparece como central. Así, en general, los peques ponen énfasis acerca de cómo el territorio es tejido en las urdimbres de las interdependencias humanas, una tela hecha de distintos gradientes de poder y status, mediante las posiciones que los chavales y sus familias ocupan en la configuración del barrio y de la ciudad.

Palabras clave
peques; barrio; dibujo; movilidad espacial; mezcla social

Abstract

This study analyzed the drawings of 92 children representing their neighborhoods in Curitiba, Brazil, noticing the differences depending on where they live (south/far south) and where they are (center/outskirt). We concluded that children from a south neighborhood and part of the city’s far south showed varied and personalized spaces, demonstrating a non-social mixing while using the neighborhood. On the other hand, children from the farthest part in the far south complained about sedentariness and subalternity toward the space shared with adults, and hostile people and locations; school seems central to those. Thus, in general, children in the research highlight that territory is woven in the web of human interdependencies, contrived from different gradients of power and status, according to the roles played by children and their families play in the configuration of neighborhoods and the city.

Keywords
child; neighborhood; drawing; spatial mobility; social mixing

Introdução

São discutidos aqui alguns dados de uma pesquisa que vem procurando compreender a influência da dimensão espacial ‒ em especial o espaço do bairro e da cidade ‒ nas redes de interdependência de crianças da rede municipal de ensino de Curitiba. Parte-se do entendimento de que o espaço não é um cenário em que nele estariam apenas refletidos aspectos econômicos, políticos e sociais, tampouco uma categoria autônoma, pois há uma linha tênue entre as formas espaciais e a hierarquia social. Considera-se aqui o espaço como sendo produzido por pessoas e também imprimindo sua marca sobre as sociedades, sendo a sua influência não determinista, mas sim, probabilista e muitas vezes imprevisível (Remy, 2015Remy, J. (2015). L’espace, un objet central de la sociologie. Éditions Erès.). E bairro compreendido como “uma entidade produtora, dispondo de propriedades próprias que têm efeitos sobre ‘o curso das ações humanas’ e, em particular, sobre as maneiras de habitar e de coabitar dos indivíduos” (Authier, 2006Authier, J-Y. (2006). La question des “effets de quartier” en France. Variations contextuelles et processus de socialization. In J-Y Authier, M-H Bacqué, & F. Guérin-Pace. Le Quartier: enjeux scientifiques, actions politiques et pratiques socials (p. 293). La Découverte., p. 2093 3 Este e outros trechos de autores franceses foram traduções livres da autora. ).

Já o território é visto “a partir de um foco nas relações de poder, seja o poder em seus efeitos mais estritamente materiais, de âmbito político-econômico ..., seja em sua articulação cultural, mais simbólica” (Haesbaert & Mondardo, 2010Haesbaert, R., & Mondardo, M. (2010). Transterritorialidade e antropofagia: territorialidades de trânsito numa perspectiva brasileiro-latino-americana. GEOgraphia, 12(24), 19-50. https://periodicos.uff.br/geographia/article/view/13602
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, p. 30).

Propõe-se ainda que a análise das experiências infantis no espaço seja feita a partir da compreensão das crianças em configurações sociais. Este conceito de configuração é desenvolvido por Elias (por exemplo, 1980Elias, N. (1980). Introdução à Sociologia. Edições 70., 1994aElias, N. (1994a). A sociedade dos indivíduos. Jorge Zahar.) como solução para uma dicotomia posta no campo sociológico, de se estudar a realidade centrando as análises ora na sociedade, como um ente abstrato e genérico, ora no indivíduo, como alguém que age de forma independente do social. Para romper, portanto, com essas análises que separam o indivíduo da sociedade, Elias propôs que os indivíduos fossem compreendidos ‒ inclusive as crianças ‒ sempre como interdependentes, em redes, formando configurações sociais.

Para o autor, essas redes, ao mesmo tempo em que são fortes e tensionam as vidas dos indivíduos, são também elásticas o suficiente para dar-lhes liberdade de escolha e de burla. Assim, no caso desta pesquisa, não é possível explicar a relação das crianças com o bairro e a cidade sem analisar as teias de relações que elas mantêm com as pessoas com as quais convivem, com os diferentes lugares que frequentam e as táticas e resistências que produzem nas suas experiências cotidianas no espaço. É preciso levar em consideração tanto as relações de poder, as pressões e as tensões que ocorrem em suas redes (relacionadas ao próprio espaço e, também, às questões de classe, gênero, raça etc), quanto o fato de que cada criança dá significados próprios e faz escolhas diferentes diante das pressões da sua própria rede.

É com base nessa percepção que se realizou uma pesquisa multiescalas, com a produção de dados tanto quantitativos como qualitativos e resguardando todos os aspectos éticos da pesquisa com crianças4 4 Respeitaram-se todas as diretrizes presentes: na discussão instituída pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa (ANPED), no Grupo de Trabalho (GT) da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP); no PPGE-UFPR; e na Secretaria Municipal de Educação de Curitiba (SME). Primeiramente foi solicitado à SME uma autorização para entrar em contato com as escolas e poder perguntar aos diretores se estes gostariam de participar da pesquisa, sendo que a maioria das escolas previstas concordou em participar. Assim, foi enviada, junto com um questionário que seria respondido pelos pais, uma carta explicando sobre a pesquisa, perguntando se eles poderiam responder ao questionário e se permitiriam que as pesquisadoras conversassem com seus filhos, na escola. Os pais responderam pela agenda escolar se permitiam ou não. Foi explicado às crianças também, detalhadamente, sobre a pesquisa, perguntado se elas gostariam de participar e dito que, se em algum momento, não quisessem mais desenhar, ou conversar, elas poderiam parar quando quisessem. Os dados foram produzidos a partir de 2015 e contou, à época, com a colaboração das seguintes pesquisadoras do TECI (Grupo de Estudos Território, Educação e Cidade) ligado ao grupo de pesquisa OCUPP (Observatório de Culturas e Processos Político-Pedagógicos): Patrícia S. Ribeiro e Sabrina Fiorese (alunas de graduação e Iniciação científica); Julia do Carmo P. S. Cardoso e Rita de Cassia G. Waldrigues (pedagogas da RME); Solange P. Ferreira, Sonia M. Fernandes e Rojanira R. dos Santos (orientandas de mestrado) e Fernanda Pismel (doutoranda em Ciências Sociais). . Do ponto de vista quantitativo, trabalhou-se com um questionário que foi entregue a 1600 famílias de crianças da rede municipal de ensino de Curitiba, com o objetivo tanto de obter uma visão global de uma quantidade maior de bairros da cidade, quanto explicar às famílias desses bairros, sobre a pesquisa que se gostaria de realizar com as próprias crianças. Do ponto de vista qualitativo, foram realizadas: conversas com algumas crianças, nas escolas; fotografias e observações das regiões; e elas desenharam seus bairros de moradia.

Neste texto, serão analisados, justamente, alguns dos desenhos que as crianças produziram e, quando for o caso, ainda serão trazidos alguns dados quantitativos da pesquisa; esses últimos não só para ajudar a compor a configuração5 5 Para analisar uma configuração social, segundo Elias (1994a), seria preciso ter tanto um “olhar de aviador”, que pressupõe uma visão histórica, mais ampla, mais afastada (aqui obtida, em parte, pelos dados dos questionários) quanto de “nadador”, de quem está mergulhado no fluxo contínuo dos fatos (no caso aqui os dados das próprias crianças). Mas, é somente colocando em relação esses dois olhares é que é possível uma compreensão mais completa de uma determinada configuração. Ver mais sobre a utilização do referencial eliasiano para o estudo de crianças e seus territórios em Ferreira (prelo). espacial das crianças, mas para evidenciar dissonâncias e consonâncias entre o que os adultos disseram sobre o uso que suas crianças faziam do bairro e o que as próprias crianças falaram sobre isso, aqui, por meio de seus desenhos.

Os desenhos são entendidos aqui como artefatos culturais (Gobbi, 2014aGobbi, M. A. (2014a). Imaginação, culturas e fontes documentais em desenhos de meninas e meninos da Educação Infantil brasileira. University Press, Studi su lla formazione (pp. 151-164). https://www.researchgate.net/publication/307833578
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), como documentos que indicam pistas importantes sobre configurações, observando neles ‒um pouco como fazia Elias (1994b)Elias, N. (1994b). O processo civilizador 1: uma história dos costumes. Zahar. ao analisar manuais de condutas à mesa ‒ aspectos típicos de uma determinada sociedade, suas tensões, relações de poder, tradições, costumes, enfim, considerando que quem os produziu ofereceu o testemunho de emoções, pensamentos e comportamentos de uma determinada época. O desenhista, portanto, é alguém que utiliza um signo visual para se relacionar com o mundo, sendo o desenho, portanto, uma forma de mediação produtora de significações culturais (Vigotsky, 1991Vigotsky, L. S. (1991). A formação social da mente (4a ed.). Martins Fontes.).

O objetivo deste texto é, então, o de desvendar como as crianças representaram seus bairros de moradia, analisando se há diferenças nos modos de representação, a depender do local do bairro e da cidade em que moravam. O que as crianças contaram sobre os territórios que desenharam? Que pistas sobre suas configurações sociais revelaram?

Para explicitar os critérios de seleção dos desenhos apresentados neste texto, será necessário, antes, desvelar alguns aspectos metodológicos da pesquisa geral. Para a produção de dados quantitativos, selecionou-se um bairro de cada uma das nove regionais existentes na cidade de Curitiba à época e dentro dele foram escolhidas três escolas públicas municipais de período regular que estivessem situadas em regiões distintas dentro de um mesmo bairro: uma escola que estivesse em uma região bem localizada (próxima de comércio, grandes avenidas, acesso a ônibus e outros equipamentos importantes do centro do bairro), chamada na pesquisa de perfil 1; uma escola localizada em uma parte mais afastada do bairro (com poucos equipamentos, longe das grandes avenidas e/ou em espaços considerados regiões de vulnerabilidade social), chamada na pesquisa de perfil 3; e uma terceira escola que seria intermediária destas duas outras situações, chamada na pesquisa de perfil 2.

As famílias preencheram o questionário com base nas filhas e filhos que estudavam nos 4.ᵒˢ/5.ᵒˢ anos do Ensino Fundamental (crianças de 9 a 11 de idade) e, numa segunda visita às escolas, enquanto as crianças desses anos escolares faziam seus desenhos sobre o bairro de moradia, com metodologia que será explicada logo a seguir, algumas delas conversavam com as pesquisadoras.

A seleção dos desenhos, que aqui se discutirá, está relacionada, portanto, a algumas análises já realizadas na parte quantitativa da pesquisa. Uma primeira análise foi chamada de interbairros (Ferreira & Ferreira, 2020Ferreira, V. M. R., & Ferreira, S. P. (2020). Configurações da infância na cidade: desigualdade interbairros e nos usos dos tempos e espaços por crianças curitibanas. Revista Eletrônica de Educação, 14, 1-19. e3275060. http://dx.doi.org/10.14244/198271993275.
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) e agrupou os dados dos três perfis de cada bairro, deixando aflorar diferenças significativas entre os bairros (e não por dentro de cada um deles). Nesta análise, ficou evidente que as crianças da pesquisa, moradoras da região norte e central da cidade (e tendo nestes bairros, entre outras questões, moradores, em geral, com melhores condições socioeconômicas e de escolaridade e um índice maior de famílias brancas em comparação com as do sul e extremo sul), tinham à sua disposição uma variedade maior de espaços consolidados de lazer e cultura (parques, museus, teatros etc), uma mobilidade espacial mais ampla nos bairros vizinhos e na própria cidade, entre outros aspectos que serão retomados aqui, sempre que necessário. Já as crianças do sul e extremo sul (e tendo nesses bairros, entre outras diferenças, um índice maior de famílias negras em comparação com as da região norte e central e com menores condições socioeconômicas e de escolaridade) tinham maior autonomia nas saídas pela região do bairro onde moravam, mas frequentavam uma variedade menor de espaços fora dele, tendo, portanto, uma mobilidade voltada para o próprio bairro.

Ficou nítido ainda que as crianças da pesquisa, do sul e do extremo sul, praticamente não frequentavam parques, pois estes se situam, em sua maioria, na região norte e central. E são nessas regiões que se encontram os parques mais bem conservados e que estão na rota de turismo da cidade. E, embora o uso das praças por essas crianças tenha se apresentado bem mais regular, também sofria impedimentos, em algumas regiões dos bairros, por questões relativas à violência e ao tráfico de drogas. No caso das crianças moradoras do sul (mas não do extremo sul), o uso do shopping também foi frequente. uma vez que tinham mais esse espaço próximo de suas moradias do que parques, por exemplo. Muitos shoppings importantes da cidade situam-se na parte central-sul da cidade.

A pesquisa quantitativa também demonstrou grandes diferenças no tocante aos dados intrabairros (diferenças existentes no interior de cada bairro) (Ferreira & Fernandes, no preloFerreira, V. M. R., & Fernandes, S. M. (no prelo). Infância e justiça espacial: desigualdades inter e intrabairros no uso da cidade por crianças da rede municipal de ensino de Curitiba. Educação em Revista.). Enquanto muitas crianças de perfil 3 (da região do bairro mais afastada e com famílias, no geral, com condições socioeconômicas menores em comparação com os outros perfis) se deslocavam sozinhas e a pé com certa autonomia e com isso se aproximavam mais do cotidiano do bairro, as do perfil 1 e, em certa medida as de perfil 2 (de regiões mais centrais do bairro e com famílias com maiores condições socioeconômicas e de escolaridade), se deslocavam mais com adultos e de automóvel. Mas os dados das crianças do perfil 3 ainda evidenciaram graves impedimentos para uma maior mobilidade no interior do bairro, relacionados, muitas vezes, ao tráfico de drogas e à violência, o que põe esta autonomia no estatuto de relativa. Outras análises, a partir dos dados quantitativos, já foram realizadas e explicitaram aspectos importantes que tensionaram diretamente as redes de interdependência das crianças, como desigualdades no uso do bairro relacionadas a gênero (Ferreira & Fiorese, 2021Ferreira, V. M. R., & Fiorese, S. (2021, set./dez.). “Elas ficam meio injustiçadas”: infância, gênero e desigualdade em bairros de Curitiba. Educação em Foco, 24(44), 230-258. https://revista.uemg.br/index.php/educacaoemfoco/article/view/5542/3957>.
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), à raça (Santos et al., 2019Santos, M. C., Fernandes, S. M., & Ferreira, V. M. R. (2019). Infância, raça e gênero em Curitiba. Anais do quinto Seminário Luso-Brasileiro de Educação Infantil e segundo Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Infâncias e Educação, USP, São Paulo.: https://www.doity.com.br/anais/clabie2019/trabalho/133222.
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), ao tempo de moradia no bairro e à origem geográfica das famílias (Ferreira et al., 2018Ferreira, V. M. R., Ferreira, S. P., &; Santos, R. R. dos. (2018). Antiguidade de moradia no bairro, origem geográfica das famílias e sua relação com usos e vivências das crianças na cidade e no bairro. Anais do Colóquio Internacional Crianças e Territórios de Infância. Brasília, UnB. https://www.even3.com.br/anais/territoriosdeinfancia/89176-antiguidade-de-moradia-no-bairro-origem-geografica-das-familias-e-sua-relacao-com-usos-e-vivencias-das-criancas-n/.
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).

A partir dessa síntese dos dados quantitativos da pesquisa, ainda que bem geral, ficou evidente que há desigualdade nas experiências espaciais das crianças a depender do bairro ou mesmo do local do bairro em que moram. Por isso, optou-se por trabalhar neste texto com os desenhos das crianças moradoras do sul e do extremo sul da cidade e dos perfis 1 e 3. Esta escolha se deu tanto para compreender quais são as vivências no bairro, na parte da cidade que menos dispõe de espaços consolidados de lazer e cultura, como para analisar que tipo de diferença existe, quando se passa de moradias situadas ao sul (mais próximas da classe popular) para o extremo sul, com um índice maior de famílias de classe popular, mas que vivem em situações ainda mais inseguras e desiguais (desemprego, instabilidade de moradia etc). Será possível compreender do mesmo modo, olhando para o próprio bairro, se os contextos culturais são diferentes para quem mora na sua parte central (perfil 1) ou na mais periférica (perfil 3). Assim, foram selecionados, para este texto, 92 desenhos de crianças dos perfis 1 e 3 (23 desenhos de cada perfil) de uma regional do sul (Bairro Xaxim da Regional do Boqueirão) e outra do extremo sul (Tatuquara, atualmente da Regional Tatuquara).

Quanto à metodologia utilizada para a realização dos desenhos, foi pedido que as crianças desenhassem seus bairros de moradia, imaginando apresentá-los para alguém que ainda não os conhecesse. Pouquíssimas não quiseram desenhar (e então escreveram), e os desenhos foram tão interessantes que se optou, então, por trazer excertos de cada representação, tanto para que se pudesse ver nem que fosse uma pequena parte do trabalho de cada criança, quanto para que se relacionassem os desenhos com a metodologia utilizada na pesquisa geral que partiu de perfis, bairros e regionais. Em outro momento, será analisada uma quantidade menor de desenhos, mas como um todo e, também, associando-os com as conversas realizadas com as crianças.

Interpretar o que as crianças desenharam, sabe-se, não é uma tarefa fácil. Preponderam, durante muito tempo, tipos de análises que tentavam relacionar os traçados infantis ‒-linhas mais fortes ou mais fracas, escolha das cores ‒ com o desenvolvimento ou o estado psicológico da criança. E interpretações cognitivistas ou essencialistas partiam da ideia de que “os desenhos passavam naturalmente por etapas de desenvolvimento, em certa medida previsíveis, de acordo com faixas etárias” (Gobbi, 2014bGobbi, M. A. (2014b, jan./abr.). Mundos na ponta do lápis: desenhos de crianças pequenas ou de como estranhar o familiar quando o assunto é criação infantil. Linhas Críticas, 20(41), 147-165., p.151). Entretanto, na atualidade, campos como os da Sociologia e da Antropologia, têm apresentado “fecundas contribuições que podem contrapor e problematizar certos aspectos relativos aos estudos oriundos da psicologia, preponderantes ao longo de tempos” (p. 151). E, em se tratando de desenhos infantis sobre o espaço, os campos da Geografia, da Arquitetura e da Sociologia Urbana também têm investido nesse tipo de metodologia.

De qualquer forma, pesquisadores que se identificam com os estudos da infância consideram o desenho como uma metodologia importante na escuta atenta do que as crianças dizem (Gobbi, 1997Gobbi, M. A. (1997). Lápis vermelho e de mulherzinha: desenho infantil, relações de gênero e educação infantil.145f. [Dissertação de Mestrado]. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, SP., 2014a e b; Sarmento, 2011Sarmento, M. J. (2011) Conhecer a infância: os desenhos das crianças como produções simbólicas. In A. J. Martins Filho, & P. D. Prado (Orgs.), Das pesquisas com crianças à complexidade da infância (pp. 27-60). Autores Associados., entre outros tantos). E o alerta dado é o de que, por um lado, não se interpretem os desenhos em uma lógica adulta, mas sim, que se parta do ponto de vista da própria criança, do modo com que ela interpreta e representa o mundo; e, por outro lado, que não se realize uma interpretação descontextualizada dos desenhos, mas sim, que sejam considerados tempo e espaço envolvidos nessa produção. Isso quer dizer, em termos desta pesquisa ‒ e quem sabe também esteja aí uma válida contribuição para o campo ‒ que é possível analisar os desenhos como expressão de uma configuração social. Nesse caminho, cabe colocar em relação, tensões e acúmulos de poder próprios das redes das crianças nesse momento histórico e escolhas e posicionamentos delas perante essas pressões.

De qualquer forma, ante tantas e ricas possibilidades de análise, os desenhos aqui apresentados devem ficar abertos a diversas outras possíveis propostas de interpretação.

Contextualizando aspectos socioeconômicos dos bairros das crianças da pesquisa

No geral, o rendimento mensal mediano dos domicílios particulares permanentes de Curitiba era, pelos dados do IBGE de 2010, de 4,5 salários mínimos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Censo Demográfico do Brasil. https://censo2010.ibge.gov.br/
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). As famílias com maior rendimento mensal, segundo o mapa do IPPUC, produzido a partir dos dados do IBGE (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, 2012Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. (2012). Comparação Curitiba 2000 e 2010, comparação entre capitais, análise por bairro 2012. https://www.ippuc.org.br/visualizar.php?doc=https://admsite2013.ippuc.org.br/arquivos/documentos/D356/D356_005_BR.pdf
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), se situavam na região central da cidade e as com salários médios, no centro, no norte, mas também um pouco abaixo do centro. Já as com menores rendimentos se encontravam nas bordas e, mais acentuadamente, no sul ou extremo sul da cidade. Os dados das famílias, que responderam ao questionário mencionado anteriormente, coincidiram com essa situação e, especificamente sobre os bairros aqui analisados, as famílias do bairro Xaxim, ao sul, como era de se esperar, apresentaram salários maiores do que as do Tatuquara, no extremo sul. E caso se analise por perfis, os perfis 1 e 3 do sul juntamente com o perfil 1 do extremo sul apresentaram maiores salários em relação às do perfil 3 do extremo sul, este último situado em região de ainda maior pobreza (Ferreira & Ferreira, 2020Ferreira, V. M. R., & Ferreira, S. P. (2020). Configurações da infância na cidade: desigualdade interbairros e nos usos dos tempos e espaços por crianças curitibanas. Revista Eletrônica de Educação, 14, 1-19. e3275060. http://dx.doi.org/10.14244/198271993275.
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; Ferreira & Fernandes, no prelo).

Sobre os aspectos raciais, tanto os dados gerais de Curitiba (do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2016Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. (2016). Mapa da distribuição percentual da população negra em relação ao município, segundo bairros agregados, a partir do Censo/IBGE. In Observatório do Trabalho de Curitiba- Perfil Demográfico e Socioecono?mico dos Bairros Agregados de Curitiba, Curitiba. http://www.coreconpr.gov.br/wp-content/uploads/2016/07/bairros.pdf.
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, a partir de bairros agregados) quanto os obtidos por meio do questionário apontaram que os bairros com um número maior de moradores negros (somadas as categorias do IBGE parda e preta) situavam-se ao sul, extremo sul e também sudoeste e sudeste da cidade e, enquanto, no Xaxim, ao sul, a porcentagem de crianças negras era de 28,4%, no Tatuquara, no extremo sul, era de 34,5%. E quando se cruzam dados interbairros com o intrabairros, a desigualdade só aumenta, ou seja, o índice maior de crianças negras, além de se apresentar na direção sul e extremo sul da cidade, também coincide nas regiões mais empobrecidas de cada bairro, demonstrando que há desigualdade nas condições de vida, entre crianças negras e brancas (Santos et al., 2019Santos, M. C., Fernandes, S. M., & Ferreira, V. M. R. (2019). Infância, raça e gênero em Curitiba. Anais do quinto Seminário Luso-Brasileiro de Educação Infantil e segundo Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Infâncias e Educação, USP, São Paulo.: https://www.doity.com.br/anais/clabie2019/trabalho/133222.
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).

No que diz respeito à escolaridade das famílias, os avós e os pais do Xaxim, ao sul, apresentaram níveis mais elevados de escolaridade, quando comparados aos do Tatuquara (Ferreira & Ferreira, 2020Ferreira, V. M. R., & Ferreira, S. P. (2020). Configurações da infância na cidade: desigualdade interbairros e nos usos dos tempos e espaços por crianças curitibanas. Revista Eletrônica de Educação, 14, 1-19. e3275060. http://dx.doi.org/10.14244/198271993275.
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). E sobre a antiguidade das famílias no bairro, enquanto as do Xaxim apresentaram um índice maior de famílias moradoras mais antigas (e este é um bairro mais antigo da cidade), as do Tatuquara eram moradoras mais recentes (o bairro também é de constituição mais nova) e antes de morarem no atual bairro, muitas vieram da região metropolitana ou de outras cidades do Paraná. Ao passo que no Perfil 3 as famílias eram, de modo geral, moradoras mais recentes, no Perfil 1 eram mais antigas (Ferreira et al., 2018Ferreira, V. M. R., Ferreira, S. P., &; Santos, R. R. dos. (2018). Antiguidade de moradia no bairro, origem geográfica das famílias e sua relação com usos e vivências das crianças na cidade e no bairro. Anais do Colóquio Internacional Crianças e Territórios de Infância. Brasília, UnB. https://www.even3.com.br/anais/territoriosdeinfancia/89176-antiguidade-de-moradia-no-bairro-origem-geografica-das-familias-e-sua-relacao-com-usos-e-vivencias-das-criancas-n/.
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).

Desta forma, alguns primeiros dados sobre a configuração das crianças da pesquisa se esboçam e será preciso levar em consideração na análise dos desenhos: em geral as crianças que desenharam o bairro Xaxim, ao sul (a 10 quilômetros do centro da cidade), tinham maior renda, seus pais tinham maior escolaridade e havia um índice menor de pessoas negras no bairro, quando comparadas com as moradoras do Tatuquara, bairro esse situado ainda mais afastado do centro da cidade, no extremo sul (a 22 quilômetros do centro).

Os dados seguem nessa mesma direção em relação ao local do bairro onde as crianças moravam. As famílias das crianças, que moravam nas regiões centrais de seus bairros (perfis 1), no geral, tinham também maior nível de escolaridade e renda e um índice menor de pessoas negras moradoras na localidade, em comparação com as famílias das crianças das partes mais afastadas do bairro (perfis 3).

Paisagens desmisturadas

O olhar das crianças, nos desenhos, foi diferente em vários aspectos, do olhar dos adultos. Elas reivindicaram um lugar próprio, contestaram a imagem estabelecida de bairro, expressaram suas próprias experiências espaciais. Contudo os desenhos apresentaram diferenças também entre as crianças, a depender da região da cidade e do bairro em que moravam. A seguir serão vistas detalhadamente tais diferenças, a partir dos aspectos que elas escolheram para desenhar e apresentar o bairro.

Comércio

O uso do comércio do bairro foi um dos aspectos em que o olhar dos adultos e das crianças coincidiram. Pela pesquisa quantitativa (a partir dos questionários), sabia-se que o comércio era um espaço muito frequentado pelas crianças e que, quanto mais se passava da região norte e central para a região sul e extremo sul, mais os pequenos comércios ganhavam espaço e menos a frequência a esses locais acontecia. Nos desenhos das crianças, isso também foi salientado.

No geral, o comércio realmente apareceu em 81,5% dos desenhos. Muitos dos locais mencionados foram, obviamente, os de grande interesse das crianças, como a loja de Pipas e Fogos, a Banquinha de Doces ou a Sorveteria. Mas, quando se observam os desenhos por perfis ou regiões, encontram-se diferenças. Enquanto as crianças dos perfis 1 e 3 do sul e do perfil 1 do extremo sul incluíram comércios na maioria dos desenhos, só metade dos desenhos das crianças do perfil 3 do extremo sul continha esse elemento.

E, à medida que as crianças do perfil 1 do Xaxim (moradoras da parte central do bairro) apresentaram este local geralmente entre ruas e grandes comércios, as do perfil 3 (da região mais afastada desse mesmo bairro) desenharam pequenos comércios, bem diferentes dos do perfil 1. A seguir, alguns excertos dos desenhos mostram a variedade de comércios desse bairro do sul:

Já no extremo sul da cidade, no Tatuquara, não apareceram as grandes lojas e shoppings e os lugares começam a surgir com nomes genéricos (ex. mercado). Nos desenhos do perfil 1, os pequenos comércios apareceram disputando espaço com uma infinidade de casas, como se verá mais à frente, e no perfil 3, os desenhos que apresentaram o comércio foram raros. A seguir alguns excertos:

As padarias foram locais muito desenhados, o que coincide, neste quesito, com o que os dados quantitativos, a partir dos questionários, demonstraram. Embora 79,3% das crianças iam sozinhas ou com amigos a apenas um lugar do bairro, em 61% dos casos, essa saída era para as padarias. As crianças do perfil 3 do sul e do perfil 1 do extremo sul foram as que mais representaram esse local e com muitos detalhes, como mostram os desenhos a seguir:

Ainda sobre o comércio, os mercados apareceram com grande incidência e foram desenhados como pontos centrais ou únicos em muitos deles (o dobro de vezes, no caso dos perfis 1). E, enquanto o perfil 1 do sul só desenhou grandes mercados, tanto o perfil 3 desse mesmo bairro, quanto o perfil 1 do extremo sul desenharam mercadinhos de bairro. Já as crianças do perfil 3 do extremo sul quase não desenharam este tipo de comércio (e dos que desenharam, intitularam o local apenas como mercado). Foram 13, 9 e 20 desenhos com mercado nos primeiros casos e apenas 4 no perfil 3 do extremo sul.

Apesar de o shopping ter sido o local mencionado por muitas famílias, nos questionários, como o local mais visitado de todos (72,9% das famílias disseram que suas crianças frequentavam), nos desenhos ele foi bem menos representado. Praticamente só as crianças do Xaxim, ao sul, que têm um shoppinho próximo, o Sports, é que o desenharam (ainda assim, só 28,2% desenhou). E as do perfil 1 desse bairro, com maior poder aquisitivo, desenharam 3 vezes mais do que as de perfil 3; mas, em algum aspecto esse seria um espaço intersticial, ou seja, em que crianças dos dois perfis poderiam se encontrar. Já nos desenhos do extremo sul, apenas uma criança desenhou um shopping.

E quando se observam, especificamente, as pessoas que foram incluídas nos desenhos, o que pareceu dar verdadeira vida ao bairro, a maioria das cenas demonstrou pessoas entrando ou saindo do comércio (crianças do sul desenharam o dobro de vezes).

O que foi visto até esse momento dá pistas para que se compreenda que a escolha por apresentar o bairro, a partir do comércio, é próprio do momento histórico em que as crianças estão vivendo, uma sociedade de consumo (Featherstone, 1995Featherstone, M. (1995). Cultura de consumo e pós-modernismo. Studio Nobel.). Mas, por outro lado, os desenhos mostram também que as famílias, quanto mais para o interior do bairro ou da cidade moram, participam cada vez menos dessas performances consumistas e desses códigos culturais específicos.

Então, qual é, afinal, a influência de determinados símbolos e espaços de comércio nas redes de interdependência das crianças? As crianças de perfil 1 do sul, por exemplo, contaram nas conversas (na parte qualitativa da pesquisa) que guardavam dinheiro para ir com amigos no cinema do shopping, frequentando, portanto, um espaço homogêneo (quanto à luz intermitente, aos cheiros, paisagem) e seguro. Tal segurança, porém, é de um novo tipo, uma segurança privada que controla quem pode entrar e quem deve sair. Basta ver as diferentes histórias de crianças e jovens de classe popular, barrados em determinados shoppings. A utilização de espaços privados como esse, sem história e nem memória relacionadas à vida da comunidade, que não promovem a diversidade de frequentadores, acaba transmitindo significados sociais e econômicos que vão sendo marcados em suas redes.

E, uma vez que as crianças de perfil 1, em geral, frequentavam espaços diferentes das de perfil 3, no mesmo bairro (umas iam ao pet shop, outras ao aviário; umas iam na Havan, outras, nas pequenas lojas do bairro), pode-se pensar em redes de convívio e interdependência promotoras de um certo escapismo físico e social (Castells, 1999Castells, M. (1999). A sociedade em rede (Vol. I). Paz e Terra.), um afastamento de pessoas e grupos mais humildes da população. Teríamos aí, rotas personalizadas e espaços desmisturados, ou seja, espaços em que a mistura social6 6 De forma rápida, o termo mistura social (em francês mixité sociale”) é utilizado, quando se quer defender a ideia do convívio de diferentes grupos sociais em um mesmo espaço, como forma de construir relações horizontais que incentivem a diversidade e evitem a segregação, o preconceito e o racismo. entre crianças de diferentes classes, raças, regiões do bairro, seria quase inexistente.

E um último aspecto a se pensar: não pareceu existir no bairro muito espaço para a flânerie, a “gastronomia do olho (Balzac, citado por Paquot, 2009Paquot T. (2009). L’espace public, Paris, La Découverte, coll. Repères., p.108, tradução da autora) ou locais de encontro e de práticas coletivas. Se “a escolha por espaços urbanos abertos e acolhedores é um ato político” (Paquot, 2009Paquot T. (2009). L’espace public, Paris, La Découverte, coll. Repères., p. 105, tradução da autora), os bairros, de modo geral, estão deixando a desejar quanto a esse aspecto.

Ruas e avenidas

Jane Jacobs (2011)Jacobs, J. (2011). Morte e vida nas grandes cidades (3. ed.). Martins Fontes., uma jornalista feminista, grande estudiosa da vida nas cidades, já defendia na década de 1960 a importância do uso das ruas e das calçadas para o convívio das pessoas no bairro e na cidade. Para ela, “nenhuma pessoa normal pode passar a vida numa redoma, e aí se incluem as crianças. Todas precisam usar as ruas” (p. 36). Contudo, na realidade das grandes cidades, embora o uso de ruas e calçadas, pelas crianças, esteja sendo cada vez mais restrito (Huguenin-Richard, 2010Huguenin-Richard, F. (2010, printemps). La mobilité des enfants à l’épreuve de la rue. Montréal: Enfances, familles, générations, 12, 66–87. https://www.erudit.org/fr/revues/efg/2010-n12-efg3899/044393ar/
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), a maioria das crianças (70%) desenhou as ruas. Algumas ruas representadas eram extremamente movimentadas, próximas de shoppings e supermercados ao passo que outras eram estreitas e rodeadas por pequenos comércios. Apenas as crianças do perfil 1 do Xaxim, ao sul (e em 60,8% dos casos), nomearam a rua da sua casa ou ruas bem movimentadas, demonstrando a grande importância dessa informação para a apresentação do bairro. Os demais perfis não escreveram nomes de ruas.

E, enquanto as crianças do perfil 3 do extremo sul desenharam ruas em somente metade dos casos, nos outros três perfis, quase 80 % das crianças as desenharam. Essa pouca presença das ruas por parte das crianças que moravam em região de grande pobreza parece demonstrar tanto que ruas, cruzamentos, avenidas não pareciam compor a paisagem cotidiana delas, como também, que as ruas não eram espaços seguros. Ao final deste texto, outras informações dos desenhos desse perfil irão adensar esta análise, mas, por ora, basta voltar a Jacobs (2011)Jacobs, J. (2011). Morte e vida nas grandes cidades (3. ed.). Martins Fontes. sobre a questão da segurança nas ruas e nas calçadas: “Quando as pessoas dizem que uma cidade, ou parte dela, é perigosa ou selvagem, o que querem dizer basicamente é que não se sentem seguras nas calçadas” (p. 30). Para a autora, uma calçada segura seria aquela com “usuários transitando ininterruptamente” aumentando assim “os olhos atentos” de comerciantes e moradores que vigiariam esses espaços “o maior tempo possível” (p. 36).

Já as crianças que desenharam ruas para compor a apresentação do bairro, fizeram-no de maneira rica e cheia de detalhes, provocando, a quem vê, intensas sensações. Os quatro desenhos a seguir mostram a rua como um dos elementos centrais da cena. O primeiro, ao sul, ilustra uma das ruas mais importantes do bairro, e a imagem provoca a sensação de intenso movimento e barulho; o segundo, na região mais afastada do mesmo bairro, mostra ruas, prédios, um rio e também uma ponte (recorrentes nos desenhos desse perfil), sendo a água uma poderosa impressão visual; o terceiro desenho, no extremo sul, demonstra ruas, também um rio e duas pequenas pontes, em meio à superpopulação desta parte do bairro (questão vista mais adiante), provocando uma sensação de compressão; e o quarto expõe uma rua com canteiros, passarela, casas e espaços verdes, oferecendo uma sensação de funcionalidade e de ordenamento do espaço pela grande avenida.

Analisando especificamente as pessoas que foram incluídas nos desenhos, depois de aparecerem no comércio, é possível perceber que elas surgem nas ruas, quer seja caminhando, escutando música, quer realizando outras ações, discutidas mais adiante. Mas, interessante é que, somente nos perfis 3, se identificou esse uso (e dos cinco desenhos, quatro foram nos desenhos do perfil 3 do extremo sul), o que poderia indicar, por um lado, uma apropriação interessante do bairro, ruas menores e mais seguras para as crianças circularem; mas por outro, como as ações parecem ocorrer em locais específicos do bairro (em calçadas na frente de um condomínio, de uma praça), isso poderia indicar que são impelidas para fora de suas casas que são apertadas e com terreno exíguo, como se verá logo a seguir. Em contrapartida, a ausência de pessoas nos desenhos do perfil 1 pode indicar que, morando mais próximas de grandes avenidas, tais locais acabam sendo evitados pelas crianças ou ainda que o conhecimento que têm das ruas se dá a partir de automóveis, com pouca vivência como pedestres. É possível imaginar, inclusive, como no caso do desenho do perfil 1 do sul (anterior), que há uma certa apreensão da criança que espera para atravessar a rua (desenhada no centro da imagem), sendo esta representada bem pequena entre o supermercado Big, os grandes comércios próximos e uma avenida.

Vários desenhos incluíram um ponto de ônibus ou tubo do ligeirinho (tipo de ponto de ônibus característico da cidade), para representar o deslocamento pelo bairro ou para fora dele. As crianças do perfil 1 do sul desenharam apenas um ponto de ônibus, o que poderia indicar que elas se deslocavam mais de carro pelo bairro, o que foi confirmado também pelos desenhos de veículos em alta velocidade. Entretanto, a pouca incidência de pontos de ônibus pelas crianças do perfil 3 do extremo sul poderia indicar o isolamento (ou a contenção) de famílias em situação de extrema pobreza, no próprio bairro. Os outros dois perfis (o perfil 3 do sul e o perfil 1 do extremo sul) foram os que mais desenharam pontos, tubos de ligeirinho e terminais de ônibus, com muitos detalhes e precisão.

E sobre outros meios de locomoção, as crianças do sul desenharam o dobro de automóveis em relação às do extremo sul, e as do perfil 1 também o dobro em relação às de perfil 3. E por outro lado, enquanto as crianças de perfil 1 desenharam duas bicicletas, as de perfil 3 desenharam cinco e, até mesmo, uma cadeirante, visto a seguir:

De qualquer forma, a rua, que poderia ser desenhada de forma estática, ganha vida nas representações infantis, demonstrando os itinerários conhecidos pelas crianças, suas apreensões e, em último caso, a ausência delas circulando em determinados bairros.

Mas um outro aspecto também parece se evidenciar. Diante do momento em que se está vivendo, em que a mobilidade vem se tornando um capital (Viard, 2011Viard, J. (2011). Éloge de la mobilité: Essai sur le capital temps libre et la valeur travail. Editions de l’Aube.), as pessoas que podem se movimentar, que moram em locais centrais ou que contam com bons sistemas de transporte, são consideradas hipermóveis. Já aquelas que não contam com tantas possibilidades de transporte, como parece ser o caso das crianças do perfil 3 do extremo sul (que relataram, na parte qualitativa da pesquisa, problemas com o transporte público, mas também, a falta de dinheiro para o combustível do carro, a falta de ciclovias adequadas, o roubo de bicicletas), são famílias que, em geral, habitam em locais longínquos e de difícil acesso, em regiões subordinadas hierarquicamente e que se sentem segregadas simbólica e espacialmente, como a seção seguinte irá confirmar.

Moradia

Quase metade das crianças incluiu casas nos desenhos. As crianças do sul desenharam bem menos casas do que as do extremo sul (36,9% contra 58,6%). Os desenhos do sul continham variados comércios, com poucas moradias e, quando estas apareciam, como se verá nos desenhos a seguir, encontravam-se, na maior parte das vezes, bem separadas umas das outras. Já as crianças do extremo sul do perfil 1 desenharam uma quantidade muito grande de casas em meio ao comércio, demonstrando uma paisagem repetitiva e com casas padronizadas, coladas umas às outras, em um cenário tenso. Algumas crianças de perfil 3 também desenharam esse tipo de paisagem, mas outras representaram suas casas em meio a um cenário deserto.

Especificamente nesse último perfil, 40% dos desenhos retrataram apenas um único local como representativo do bairro (ex. a casa da criança, a escola, um bosque, uma pista de skate, uma panificadora, a casa da avó), provocando hipóteses sobre o porquê de a representação do bairro ocorrer, a partir de um aspecto pontual e não de uma maneira mais variada e estendida geograficamente. Seria por pouco conhecimento do bairro ou o local que vivenciavam cotidianamente era formado mais por casas, escolas e raros comércios, e a ideia de representar o bairro não teria o mesmo sentido que tinha para as outras crianças? Ao que parece, essas hipóteses parecem ter nexo, além também de questões relacionadas à violência que privam muitas crianças de sair de casa, como relatado por muitas delas, na parte qualitativa da pesquisa.

E o espaço insólito revela, inclusive, que há uma escolha política pela construção de moradias populares em locais longínquos da cidade e sem a infraestrutura adequada (Carvalho, 2014Carvalho, A de S. (2014). Vivendo às margens: habitação de interesse social e o processo da segregação socioespacial em Curitiba. [Dissertação, Mestrado em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade – PGAU]. UFSC], Florianópolis. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/129103
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; Fonseca, 2019Fonseca, A. R. M. (2019). Infâncias aqui e lá: configurações sociais de crianças reassentadas na periferia de Curitiba. 188f. [Dissertação, Mestrado em Educação]. Universidade Federal do Paraná, Curitiba. https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/67195
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). Assim, nos desenhos a seguir, fica nítido que quanto mais do sul para o extremo sul se passa, mais as crianças denunciaram essa repetição e homogeneidade da paisagem, até que se chega no perfil 3 do extremo sul em que, em último caso, a criança retratou apenas a sua moradia e a dos vizinhos ao lado.

Sabe-se que a questão da moradia é problemática em todo o País. Em Curitiba, o déficit de moradia é grande7 7 Em Curitiba, o déficit habitacional em 2010 era de 49 164 unidades (Fundação João Pinheiro, a partir de dados do IBGE, 2010. (Fundação João ..., 2013). , e a retirada, muitas vezes forçada, de famílias pobres para as bordas da cidade, ou para o sul e extremo sul, é algo constante8 8 Nascimento Neto (2019) demonstra que, apesar das ocupações irregulares no município estarem distribuídas ao longo de todo o território, os SEHIS (Setor Especial de Habitação de Interesse Social) restringem-se a áreas periféricas na porção sul do município, cristalizando a concepção de periferização da população de baixa renda, em áreas com pouco acesso a transporte, equipamentos públicos e serviços. . Como diz Rolnik (2017)Rolnik, R. (2017). Guerra dos lugares: A colonização da terra e da moradia na era das finanças. Boitempo., “não há cidade que funcione quando suas qualidades são privilégios de poucos e as maiorias são condenadas a viver em puxadinhos de cidade”[ênfase no original] (p. 141).

Parece existir nos desenhos das crianças do extremo sul uma denúncia sobre a superlotação de pessoas e casas. Essa superpopulação do bairro produz vários problemas que foram relatados por elas ou também desenhados (alguns deles serão vistos mais adiante). Assim, enquanto as redes de interdependência das crianças do sul podiam ser tecidas, preservando um pouco mais da sua intimidade, pois havia espaço entre as casas e os terrenos eram mais largos, as crianças do extremo sul, em muitos casos, tinham sua vida privada publicizada, pois o que era discutido dentro de casa podia ser ouvido pelos vizinhos, de forma quase instantânea. As crianças, nesse sentido, relataram, na parte qualitativa da pesquisa, vergonha e impaciência sobre esse grau de interpenetração entre público e privado, que não gostariam de ter.

Instituições

Na pesquisa quantitativa, a partir dos questionários, diversas instituições foram mencionadas e, sobre elas. basta dizer que, por um lado, as crianças do perfil 1 (e em alguns casos do perfil 2) frequentavam uma grande variedade delas, no próprio bairro ou na cidade, e muitas em locais privados; por outro lado, as de perfil 3 faziam bem menos atividades e muitas em projetos ligados a ONGs. E quanto mais para o sul e extremo sul da cidade se observava, mais a variedade e a quantidade diminuíam (Ferreira & Fernandes, prelo)

A diversidade de locais e instituições representadas nos desenhos pelas crianças dos três primeiros perfis (um e dois do sul e um do extremo sul) evidenciou a vivência de multiterritorialidades, enquanto as crianças do perfil 3 do extremo sul desenharam bem menos locais e menos variados. Haesbaert e Mondardo (2010)Haesbaert, R., & Mondardo, M. (2010). Transterritorialidade e antropofagia: territorialidades de trânsito numa perspectiva brasileiro-latino-americana. GEOgraphia, 12(24), 19-50. https://periodicos.uff.br/geographia/article/view/13602
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ponderaram que esse caráter múltiplo da cultura e de seus territórios e o próprio uso de termos que demonstram esse movimento parecem surgir “no momento em que a intensificação da mobilidade e a multiplicidade do espaço configuram um grande potencial para trocas em escalas culturais que apontam para uma nova realidade sócio-espacial, reveladora dessa reinvenção de territorialidades” [ênfase no original] (p. 21). E, caso se pense a partir das redes de interdependência das crianças, essa variedade de instituições significa, também, para elas, ter que lidar com diferentes contradições e tensões, atores e poderes, questão essa que aqui não se poderá discutir.

De qualquer forma, compondo essa multiplicidade de territórios, as instituições do bairro foram espaços que, para muitas crianças, pareceram ser centrais. Assim, depois do comércio, das ruas e das casas, o local mais representado foi a escola. As crianças do perfil 3 do extremo sul desenharam mais do que o dobro de escolas em relação aos outros três perfis, denotando a centralidade que esta instituição tem para elas e, também, na relação com o bairro (foram 17 desenhos nesse perfil contra 7 na média dos outros). E foram as crianças dos perfis 3 as únicas que desenharam pessoas frequentando a escola como também as que mais desenharam pessoas trabalhando, na escola ou em outros estabelecimentos9 9 Ver, por exemplo, na seção em que se discutiu sobre o comércio, o desenho de uma criança do perfil 3 do extremo sul, que retrata o mercado visto por dentro, a partir de trabalhadores que ficam no caixa e em frente a um grande ventilador, o que mostra a dureza do trabalho ali retratado. (10 desenhos contra 2 dos perfis 1).

Outra instituição representada foi a igreja. No questionário respondido pelas famílias, ela apareceu como o segundo local mais frequentado no bairro (70,9%), contudo, nos desenhos, apenas 17,3% de crianças as incluiu. Os perfis 3 do sul e 1 do extremo sul foram os que mais desenharam igrejas (metade dos desenhos do perfil 3 do sul continha igrejas e a maioria era nomeada de católica). Já nas pontas, o perfil 1 do sul desenhou apenas uma igreja, e o perfil 3 do extremo sul nenhuma, o que foi um diferencial, pois, nas conversas com as crianças (na parte qualitativa da pesquisa), nos questionários e nas fotos realizadas, as igrejas estavam sempre muito presentes (e de variadas religiões).

O Farol de Saber, espaço que, em Curitiba, abriga uma biblioteca para uso da comunidade, foi desenhado apenas pelas crianças do sul, e o Posto de Saúde foi muito mais representado pelas crianças do extremo sul (mais pelo perfil 1).

Outro espaço muito representado pelas crianças foi a academia de esportes, o que mostra o valor que a sociedade contemporânea tem dado não só à estética e à saúde, mas também aos esportes de luta e defesa pessoal. Tal espaço foi desenhado mais a partir de espaços privados (academias dentro de um shopping, por exemplo) do que públicos (por exemplo, as Academias ao Ar Livre que são espaços com equipamentos para exercícios de adultos e terceira idade, padrão em vários bairros da cidade). Assim, enquanto as crianças do sul desenharam cinco espaços privados e nenhum público, no extremo sul, as do perfil 1 dividiram-se entre espaços públicos e privados (seis desenhos de espaços privados contra três públicos) e as do perfil 3 desenharam apenas um espaço público.

E, a despeito de as crianças de cada perfil terem desenhado instituições próprias conforme a região do bairro em que moravam (cada uma desenhou a sua própria escola, Farol do Saber, posto de saúde), com as academias foi diferente. Tanto o perfil 1 quanto o 3 do sul e, também, o perfil 1 do extremo sul desenharam a mesma academia do shopping (assim como aconteceu com o próprio shopping, visto no item sobre comércio). Imagina-se, portanto, que esse seja um local que viabiliza uma certa integração de pessoas de diferentes partes do bairro ou mesmo de outros bairros, mas essa integração se faz somente entre os que podem pagar pela atividade, ou seja, acaba sendo mais um espaço promotor do homogêneo e não do diverso. E sobre isso é bom lembrar que “é nos espaços públicos que o eu experimenta o outro. É nesses espaços ditos públicos que cada um percebe, na estranheza do outro, a garantia de sua própria diferença” (Paquot, 2009Paquot T. (2009). L’espace public, Paris, La Découverte, coll. Repères., p. 7, tradução da autora). Sendo assim, fica cada vez mais difícil supor poder existir uma mistura social entre crianças de diferentes regiões, se encontrando em um mesmo lugar, a partir dessas instituições. As multiterritorialidades vividas parecem compor uma paleta de lugares e de trajetos bem personalizados e não coincidentes entre a maioria dos perfis.

Praças, canchas e parquinhos

Diferentes pesquisas vêm mostrando que as crianças têm sido excluídas das ruas, das calçadas e, também, dos espaços públicos em geral e que elas têm estado fechadas em suas casas ou frequentando mais os espaços privados (Lehman-Frisch et al., 2012Lehman-Frisch, S., Authier, J-Y., & Dufaux, F. (2012). Les enfants et la mixité sociale dans les quartiers gentrifiés à Paris, Londres et San Francisco. [Rapport de Recherche]. CNAF, 2012. https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00974840/document
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). Onde brincar, no bairro, diante de um cenário como esse? Na pesquisa quantitativa realizada com as famílias, quando se perguntou sobre várias atividades e brincadeiras que as crianças faziam após o horário escolar, as famílias, de modo geral, disseram que as crianças brincavam mais em casa e assistiam mais à TV do que brincavam na rua. Muitas famílias incluíram na parte da observação, nos questionários, que não podiam deixar que as crianças saíssem sozinhas, porque o bairro era perigoso (por exemplo: “não dá para deixar nem ir ao parquinho, porque a segurança é péssima. O jeito é ficar dentro de casa”- questionário n. 740, extremo sul).

Nos desenhos, os dados foram na mesma direção, somente 17,3 % das crianças incluíram parquinhos na cena. Com relação às regiões, as crianças do extremo sul desenharam três vezes mais esses espaços do que as do sul, mas foram as crianças do perfil 3 do extremo sul, as responsáveis pela maioria dos desenhos, o que demonstra que elas capitalizam o mais que podem esses locais a seu favor, diante da aridez do bairro.

Sobre pessoas incluídas nos desenhos, depois do comércio (29 pessoas) e de pessoas nas ruas (18 pessoas), foram crianças brincando que apareceram, mas, somente 12 crianças, e na grande maioria, desenhadas pelas crianças dos perfis 3. E o parquinho próximo ao shopping parece ser um território partilhado entre crianças do perfil 1 e do perfil 3 do sul (ver os dois primeiros desenhos anteriores, da árvore com o pneu).

As praças também foram lembradas por algumas crianças, revelando que, quando não há parques no bairro (diferentemente das regiões norte e central da cidade que contam com muitos desses espaços verdes, seguros e bem cuidados), a praça é um dos poucos espaços a se contar. O sucesso de uma praça ou de um parque, para Jacobs (2011)Jacobs, J. (2011). Morte e vida nas grandes cidades (3. ed.). Martins Fontes., se dá, quando há a proposta de diferentes atividades e a circulação de uma vizinhança diversificada durante todas as horas do dia, fazendo deles espaços seguros. Nos dados dos questionários, a frequência a praças foi uma das menores (apenas 43,4%) e, nos desenhos, somente 10,8% das crianças as incluíram (quatro desenhos ao sul e seis no extremo sul).

Os desenhos de duas crianças do perfil 3 do extremo sul apresentaram uma cena alegre em uma praça de skate da região, com um intenso uso e uma rede de amigos:

Jacobs (2011, p. 84)Jacobs, J. (2011). Morte e vida nas grandes cidades (3. ed.). Martins Fontes. dizia que, se as calçadas fossem largas, bem atrativas e seguras para as crianças, não seria necessário espaços separados para elas, como em parques e praças. Para a autora, esses últimos não contavam tanto com o olhar atento de um adulto, como acontecia nas calçadas (crianças brincando sob os olhares de comerciantes, vizinhos, transeuntes). Mas, neste século, nas cidades atuais, as calçadas, de modo geral, continuam estreitas e perigosas. Elas quase não foram desenhadas pelas crianças e, quando sim (como se verá a seguir), não aparentavam muita segurança.

Paisagens de denúncia

Um último ponto a ser destacado, e talvez um dos mais difíceis, é que vários desenhos apresentaram denúncias bem objetivas sobre os problemas do bairro. As crianças do perfil 1 do sul, por exemplo, ao mesmo tempo em que mostraram uma vida ativa dos comércios da região, também desenharam crianças bem pequenas, nas calçadas, diante de grandes construções e avenidas muito movimentadas. Nesses desenhos, as ruas parecem ser percorridas por carros em alta velocidade em uma perspectiva de intenso movimento (Lynch, 1997Lynch, K. (1997). A imagem da cidade. Martins Fontes.). Já as de perfil 3 do sul, além de também apresentarem essas ruas um tanto quanto intimidadoras (e em um dos desenhos até com um acidente de carro em frente ao mercado), trouxeram outro aspecto preocupante, a questão da segurança. As casas e os comércios começaram a aparecer murados, gradeados ou com portas de garagens fechadas.

Em um dos desenhos, o bairro resume-se à representação de uma casa completamente gradeada e com cerca elétrica ao lado de um Lava-car. Em outro, há várias casas com portões e uma casa com um cachorro na corrente, o que pode indicar que estaria auxiliando na guarda do local, e ainda na casa ao lado, as grades com pontas afiadas parecem confirmar a preocupação com a segurança. E como relatado por muitas delas (na parte qualitativa da pesquisa), por conta desse tipo de território, as crianças passam muito tempo trancadas em casa, o que poderia inflar suas vidas privadas e retroceder suas experiências em espaços públicos.

No perfil 1 do Tatuquara, no extremo sul, as ruas altamente movimentadas diminuem muito e começam a aparecer ainda mais as preocupações com a segurança. Quase todas as casas foram desenhadas com portões bem demarcados e, em cinco desenhos, um Módulo Policial foi incluído (o que faz lembrar as tensas relações atuais entre moradores da periferia e policiais). E a insistência em alguns desenhos por indicar o “Ferro Velho” no meio de outras casas sem indicação deixa a hipótese de que ou é um local hostil às crianças, ou ao menos de que estão “antenadas” sobre ele. As casas são tão próximas que todos escutam não só as conversas, mas também as brigas e as tensões e, nesse caso, a vida privada parece se contrair, pois muito do que é privado se torna público.

Já no perfil 3 do Tatuquara, os problemas apresentam-se ainda maiores. Além de grades nas casas, dois outros desenhos foram ainda mais impactantes e pareceram contestar a extrema falta de segurança do bairro. Embora tais desenhos estejam repletos de informações importantes sobre a cultura do bairro, como o grafite, o picho e o funk, eles também continham imagens de assaltos e uso de drogas, compondo uma espécie de paisagem de denúncia. Algo no interstício entre cultura e medo compunha uma cena irônica e subversiva que parecia questionar a visão dominante de bairro. As crianças reivindicavam, assim, poder mostrar uma outra imagem quase nunca evidenciada pela mídia da cidade que, ao mostrar seus bairros, vem sempre reforçando um espaço público predominantemente branco, de classe média ou alta e com aproximações, muitas vezes, da cultura europeia. Talvez estivessem, com essa tática, poetizando o espaço (Claval, 2020Claval, P. (2020, 9 de setembro). 1º Evento Transversal UFPR: Palestra com Prof. Dr. Paul Claval. [Conferência]. https://www.youtube.com/watch?v=5O4lVR2UoEM
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), mas, no sentido dado pelo contista curitibano Dalton Trevisan (2003)Trevisan, D. (2003). Em busca de Curitiba perdida. (8a ed.) Record. que sempre questiona esse modelo de cidade idealizada: “nada como a tua Curitiba oficial enjoadinha ufanista ... da outra que eu sei o amor de João retalha a bendita Maria” (Trevisan, 1992 citado por Nicolato, 2002Nicolato, R. (2002). Literatura e cidade: o universo urbano em Dalton Trevisan. [Dissertação de Mestrado em Estudos literários). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2002, p. 56).

Outro ponto que apareceu foi o das músicas altas, questão que parece ser um problema constante na comunidade. A situação é importante, pois as casas em que moram são muito próximas umas das outras e, contendo uma metragem pequena e um terreno exíguo, isso faz com que muitos moradores utilizem a frente da casa ou a rua como espaço de sociabilidade. Tais tensões também estiveram presentes nos desenhos a seguir:

Assim, as redes de interdependência dessas crianças expressaram várias camadas de tensão no uso do espaço, relacionadas a práticas e costumes, gostos e linguagem (vestimentas, palavrões, o funk ‒ talvez não aceito por todos ‒, o modo de escutá-lo), parecendo questionar suas próprias posições subalternas em relação à partilha do espaço com adultos, jovens, pessoas e locais relacionados à violência. Qual a repercussão desse sentimento de desapropriação do espaço em suas vidas? Como vão sendo tecidas as suas redes em espaços tão estigmatizados como esses? A resposta parece estar nas próprias paisagens desenhadas que demonstraram diferenças de status das experiências das crianças nos bairros e os diferentes gradientes de poder que estavam em jogo nas redes de cada uma delas para lidar com seus territórios, informando sobre as posições subalternas de muitas delas diante do bairro.

Considerações finais

Redes de interdependência são difíceis de compreender. É preciso muito tempo para captar suas intrincadas camadas, fios e tensões. Mas os desenhos das crianças trouxeram algumas pistas e indícios que podem ajudar a compor determinados fios dessa configuração.

As crianças de cada perfil demonstraram formas bem diferentes de lidar com os seus territórios. Mas, falar isso é ainda uma generalização, pois, quando se conversou com cada criança (na parte qualitativa da pesquisa), se observou ainda um mundo de diferentes formas de viver em cada um desses locais e que dependiam também de outras questões (de gênero, raça, se era o filho mais novo, mais velho, se morava há mais tempo no bairro ou não etc). O que se quer dizer, portanto, é que os efeitos dos bairros na vida das crianças “não são nem mecânicos nem uniformes, uma vez que agem diversamente de acordo com as propriedades sociais dos indivíduos” (Authier, 2006Authier, J-Y. (2006). La question des “effets de quartier” en France. Variations contextuelles et processus de socialization. In J-Y Authier, M-H Bacqué, & F. Guérin-Pace. Le Quartier: enjeux scientifiques, actions politiques et pratiques socials (p. 293). La Découverte., p. 212, tradução da autora). Assim, a partir do diálogo com esses outros dados, talvez o bairro não pareça mais um espaço tão coeso, e as crianças também demonstrem ser ainda mais estratégicas e multiterritoriais, ainda mais quando se observam os dados sobre a diversidade de territórios vividos fora do bairro, na cidade.

Contudo isso não quer dizer que não se tenha, com os desenhos, aprendido mais sobre a relação entre crianças e bairros de moradia. Em primeiro lugar, a criança que se evidenciou nos desenhos é aquela que tem um olhar apurado, detalhado, atento. É aquela que se expressa, que explica, que denuncia, como uma forma de resistência, de brecha, de ironia. É, portanto, uma cidadã da cidade como qualquer outra. E, ao desconstruir, em muitos momentos, a imagem de bairro trazida pelos adultos, as crianças também evidenciaram um olhar específico da infância. Só que esse olhar também não era como um uníssono, pois cada uma delas interpretou e mobilizou experiências diferentes para representar o bairro, a depender da região onde morava e de suas redes de interdependência.

Assim, enquanto as crianças de perfil 1 do sul realçaram uma vida próxima do consumo efervescente no centro do bairro, as do perfil 3 desse mesmo bairro demonstraram um cotidiano mergulhado em pequenos comércios. Já no extremo sul, em um cenário de maior insegurança, enquanto as crianças do perfil 1 denunciavam uma paisagem afogada de casas apertadas, as do perfil três, em meio a um vazio aterrador, identificaram a escola (e a casa de avós ou vizinhos) como lugares importantes.

Entre as pressões que permeavam suas redes, uma espécie de dança entre espaços públicos e privados mostrou um recuo dos públicos ‒ encolhidos em pequenas praças e parquinhos, onde as crianças ainda podiam brincar ‒, e espaços privados espraiando-se principalmente em bairros e regiões do bairro mais próximas das camadas médias da população. Nas representações das crianças, a não ser por uma ou outra exceção, nada indicou a existência de espaços que pudessem proporcionar encontros e participação popular, nem para as crianças nem para seus pais. Como disse Claval (1999)Claval, P. (1999, 2 de julho). L'approche culturelle en géographie. [Conferência para l'A.P.H.G]. Université de Paris-Sorbonne. http://aphgcaen.free.fr/conferences/claval.htm
http://aphgcaen.free.fr/conferences/clav...
, “a participação social dos cidadãos se dá por meio do mercado, enquanto sua participação política se dá por meio do espaço público civil-burguês” (n.p) Assim, os espaços públicos, que poderiam cumprir a função de incentivar a mistura social entre pessoas de diferentes credos, classes, raças, ideias, corpos etc, parecem vir estabelecendo mais limites do que aberturas. Há, portanto, uma desmistura de crianças e de moradores nesses lugares.

E no extremo sul, a localização distante do Perfil 3, por si só, pareceu ser uma fronteira que o distanciava dos outros perfis. O que se deduz daí é que, quanto mais para a periferia da cidade se vai, quanto mais para o interior do bairro se adentra, mais as distinções no uso do espaço demonstram hierarquias e jogos de status. A mobilidade espacial das crianças do extremo sul pareceu bem menor, principalmente para as de perfil 3, parecendo sedentárias, forçadas a um confinamento.

E apresentando quadros de vida próprios, estes bairros da pesquisa pareceram modelares, ensinando às crianças periféricas, desde cedo, seus estatutos e posições. Às crianças do perfil 3 do extremo sul a lição foi de isolamento, enquanto aos outros perfis, foi de maior mobilidade e novas aprendizagens multiterritoriais. Quanto às configurações formadas por essas redes de interdependências, explicadas por Elias (1980)Elias, N. (1980). Introdução à Sociologia. Edições 70. também a partir do uso de pronomes, poderia se pensar: eu vou no Big, você no Ótimus, ele no mercadinho, nós não saímos, eles não se encontram. Há recuos e avanços, mas em interações frequentemente entre iguais.

As crianças denunciaram, então, a manutenção de espaços tão hierarquizados e subalternizados que levam a uma segregação de parte da população, a mais pobre, a lugares ermos e sem nenhum espaço de convívio mútuo. Este afastamento provoca ainda o desconhecimento por outra parte da população de que há uma parcela enorme de pessoas vivendo na pobreza. Estratégia política forte para deixar que as classes médias e altas continuem vivendo suas vidas, circulando nas partes bonitas dos seus bairros e da cidade, desconhecendo a desigualdade social que assola as cidades.

Em assim sendo, os desenhos demonstraram que o território é tecido nas urdiduras das interdependências humanas, tramado pelas crianças a partir de jogos de poder e status e de acordo com as posições que elas e suas famílias ocupam na configuração do bairro e da cidade. Enfim, pensando com Elias (1980)Elias, N. (1980). Introdução à Sociologia. Edições 70., para interpretar o cotidiano, ou seja, para conhecer a cultura, é importante pensá-la como um sistema aberto, é vê-la como ato e drama, palavra e imagem. E as imagens das crianças nos levaram longe!

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    Normalização, preparação e revisão textual: Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha - verah.bonilha@gmail.com
  • 3
    Este e outros trechos de autores franceses foram traduções livres da autora.
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    Respeitaram-se todas as diretrizes presentes: na discussão instituída pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa (ANPED), no Grupo de Trabalho (GT) da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP); no PPGE-UFPR; e na Secretaria Municipal de Educação de Curitiba (SME). Primeiramente foi solicitado à SME uma autorização para entrar em contato com as escolas e poder perguntar aos diretores se estes gostariam de participar da pesquisa, sendo que a maioria das escolas previstas concordou em participar. Assim, foi enviada, junto com um questionário que seria respondido pelos pais, uma carta explicando sobre a pesquisa, perguntando se eles poderiam responder ao questionário e se permitiriam que as pesquisadoras conversassem com seus filhos, na escola. Os pais responderam pela agenda escolar se permitiam ou não. Foi explicado às crianças também, detalhadamente, sobre a pesquisa, perguntado se elas gostariam de participar e dito que, se em algum momento, não quisessem mais desenhar, ou conversar, elas poderiam parar quando quisessem. Os dados foram produzidos a partir de 2015 e contou, à época, com a colaboração das seguintes pesquisadoras do TECI (Grupo de Estudos Território, Educação e Cidade) ligado ao grupo de pesquisa OCUPP (Observatório de Culturas e Processos Político-Pedagógicos): Patrícia S. Ribeiro e Sabrina Fiorese (alunas de graduação e Iniciação científica); Julia do Carmo P. S. Cardoso e Rita de Cassia G. Waldrigues (pedagogas da RME); Solange P. Ferreira, Sonia M. Fernandes e Rojanira R. dos Santos (orientandas de mestrado) e Fernanda Pismel (doutoranda em Ciências Sociais).
  • 5
    Para analisar uma configuração social, segundo Elias (1994a)Elias, N. (1994a). A sociedade dos indivíduos. Jorge Zahar., seria preciso ter tanto um “olhar de aviador”, que pressupõe uma visão histórica, mais ampla, mais afastada (aqui obtida, em parte, pelos dados dos questionários) quanto de “nadador”, de quem está mergulhado no fluxo contínuo dos fatos (no caso aqui os dados das próprias crianças). Mas, é somente colocando em relação esses dois olhares é que é possível uma compreensão mais completa de uma determinada configuração. Ver mais sobre a utilização do referencial eliasiano para o estudo de crianças e seus territórios em Ferreira (prelo).
  • 6
    De forma rápida, o termo mistura social (em francês mixité sociale”) é utilizado, quando se quer defender a ideia do convívio de diferentes grupos sociais em um mesmo espaço, como forma de construir relações horizontais que incentivem a diversidade e evitem a segregação, o preconceito e o racismo.
  • 7
    Em Curitiba, o déficit habitacional em 2010 era de 49 164 unidades (Fundação João Pinheiro, a partir de dados do IBGE, 2010. (Fundação João ..., 2013Fundação João Pinheiro. (2013). Centro de Estatística e Informações Déficit habitacional municipal no Brasil. Fundação João Pinheiro, Centro de Estatística e Informações. http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/verDocumento.php?iCodigo=76871&codUsuario=0
    http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/c...
    ).
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    Nascimento Neto (2019)Nascimento Neto, P. (2019). A dimensão esquecida da política habitacional: reflexões a partir do caso da Área Metropolitana de Curitiba (PR). Cadernos Metrópole, 22(47). https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2236-9962020000100215&script=sci_abstract&tlng=pt
    https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S22...
    demonstra que, apesar das ocupações irregulares no município estarem distribuídas ao longo de todo o território, os SEHIS (Setor Especial de Habitação de Interesse Social) restringem-se a áreas periféricas na porção sul do município, cristalizando a concepção de periferização da população de baixa renda, em áreas com pouco acesso a transporte, equipamentos públicos e serviços.
  • 9
    Ver, por exemplo, na seção em que se discutiu sobre o comércio, o desenho de uma criança do perfil 3 do extremo sul, que retrata o mercado visto por dentro, a partir de trabalhadores que ficam no caixa e em frente a um grande ventilador, o que mostra a dureza do trabalho ali retratado.

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Editor responsável: Carmen Lúcia Soares. https://orcid.org/0000-0002-4347-1924

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2021
  • Revisado
    17 Set 2021
  • Aceito
    16 Out 2021
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