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Coleção de coleções: breve relato da constituição do acervo digital on-line do Programa Cinema & Educação 1 1 Editor responsável: César Donizetti Pereira Leite <https://orcid.org/0000-0001-8889-750X> 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Ailton Carneiro da Silva Junior (Tikinet) <revisao@tikinet.com.br>

Colección de colecciones: breve informe de la constitución de la colección digital en línea del Programa Cine y Educación

Resumo

O artigo relata e discute o processo de criação do acervo cinematográfico digital do Programa Cinema & Educação, da Prefeitura Municipal de Campinas, que conta com doze coleções com acesso público e gratuito; e indica as escolhas educativas, as parcerias e dificuldades na curadoria do acervo. Como gesto voltado a atuar no sonhado processo de regulamentação da Lei nº 13.006/2014, a coleção visa ampliar a cultura docente acerca dos curtas-metragens de produção nacional, especialmente os realizados localmente como gesto artístico. Paralelamente, são apresentadas as referências para o modo de organização do acervo digital a partir do conceito de coleção.

Palavras-chave
escola; cinema; acervo público; coleção; curadoria

Resumen

El artículo informa y discute el proceso de creación de un archivo cinematográfico digital del Programa Cine y Educación, del Municipio de Campinas, la composición de la colección de doce colecciones con acceso público y gratuito, indicando las opciones educativas, las asociaciones y las dificultades en la curaduría. Como gesto orientado a actuar en el soñado proceso de regulación de la ley 13006/14, la colección pretende ampliar la cultura docente sobre los cortometrajes producidos a nivel nacional, especialmente los realizados localmente como gesto artístico. Al mismo tiempo, se presentan referencias sobre cómo organizar un archivo digital desde el concepto de colección.

Palavras clave
escuela; cine; acervo público; colección; curaduría

Abstract

The article outlines and discusses the process of creating the digital cinematographic collection of the Cinema & Education Program introduced by the Campinas municipal government, with such collection consisting of twelve collections with public free access, indicating the educational choices, partnerships and curation difficulties. As a movement aimed at acting within the scope of the much significant regulation process of Law 13006/14, the collection is focused on expanding the teachers' culture as to short films produced nationally, especially those produced locally as an artistic endeavor. At the same time, it introduces conceptual frameworks on how to organize the digital collection based on the concept of collection.

Keywords
school; cinema; public collection; collection; curation

Introdução

A discussão, o uso e a produção do cinema e do audiovisual no campo da formação dos professores na Rede Municipal de Campinas3 3 Atualmente é constituída por 161 Escolas de Educação Infantil, 41 Escolas de Ensino Fundamental e 4 Centros de Educação de Jovens e Adultos, totalizando, em 2020, 35.445 alunos de Educação Infantil; 21.952 alunos de Ensino Fundamental e EJA; aproximadamente 2.800 professores e 1.700 monitores/agentes de Educação Infantil. vem de longa data4 4 Por exemplo, o Programa Pedagogia da Imagem, vinculado ao Museu da Imagem e do Sol de Campinas (MIS Campinas), ofereceu formações aos professores da Rede Municipal de Campinas já na primeira década dos anos 2000, cujo objetivo era discutir e promover a democratização do uso dos meios de comunicação e informação e incentivar a apropriação das linguagens (áudio)visuais nas escolas. . Em 2016, visando à implementação da Lei nº 13.006, de 26 de junho de 2014, que introduz o cinema nacional no currículo escolar, foi concebido um programa com o objetivo de dar um salto quantitativo e qualitativo na promoção de diversas ações situadas na confluência entre cinema e educação, o “Programa Cinema & Educação: a experiência do cinema na escola básica municipal”.

… entendemos que a Lei oportuniza a abertura de um espaço e um tempo, na organização da ação pedagógica na escola, que nos permite assumir o cinema como manifestação artística que pode ter um papel no desenvolvimento integral do aluno, contribuindo com sua formação ética, estética e crítica

(Campinas, 2015Campinas. (2015). Cineclube em Rede: a experiência do cinema na escola de educação básica municipal (Projeto). Secretaria Municipal de Educação., p. 3).

Uma equipe de coordenadores pedagógicos5 5 Na Rede Municipal de Campinas, coordenadores pedagógicos são profissionais que atuam centralmente junto ao Departamento Pedagógico da Secretaria de Educação na proposição, organização e implementação de políticas públicas para a educação municipal. concebeu a proposta em que “o cinema constitui-se como espaço e tempo social culturalmente articulado de alteridade, de formação humana” (Campinas, 2015Campinas. (2015). Cineclube em Rede: a experiência do cinema na escola de educação básica municipal (Projeto). Secretaria Municipal de Educação., p. 5), indo além do que era previsto pela lei e tendo o interesse de ampliação das experiências de professores e estudantes com o cinema, promovendo experiências de ver, conversar e fazer filmes na escola:

Uma experiência capaz de deslocar o nosso olhar sobre o cotidiano, o espaço, sobre o que ocorre no interior e no entorno da escola, nas relações humanas e em toda a vida. Produzir imagens na escola, discutindo coletivamente essa produção é, em nossa concepção, uma prática educativa que pode promover novas sensibilidades, novas percepções e leituras do mundo

(Campinas, 2018Campinas. (2018). Sobre o Programa Cinema e Educação (Texto de trabalho interno à Coordenação do Programa). Secretaria Municipal de Educação. (Mimeo)., p. 2).

Na esteira de outras experiências realizadas no Brasil desde a primeira década dos anos 2000, como o Cinead/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro (Fresquet, 2009Fresquet. A. (2009). Aprender com experiências do cinema. Desaprender com imagens da educação. Booklink-CINEAD/LISE/UFRJ., 2013Fresquet, A. (2013). (Org.). Currículo de cinema para escolas de educação básica. CINEAD/LECAV.) e o Programa de Alfabetização Audiovisual/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)-Prefeitura Municipal de Porto Alegre (Barbosa & Santos, 2014Barbosa, M. C. S., & Santos, M. A. (2014) (Orgs.), Escritos de alfabetização audiovisual. Libretos.; Santos et al., 2018Santos, M. A., Lazzaretii, A., & Costa, J. V. (2018). (Orgs.), Escritos de alfabetização audiovisual: luz na docência. Cinemateca Capitólio.), o Programa Cinema & Educação da Prefeitura Municipal de Campinas busca contribuir, através do cinema, para a realização dos objetivos pedagógicos mais amplos e comprometidos com uma educação sensível, crítica, inclusiva e solidária, bem como comprometidos com a formação específica nas diversas disciplinas escolares.

Definiu-se um plano de ações com várias frentes, sendo quatro as principais: oferecimento de cursos e oficinas para formação de professores e demais profissionais da educação municipal, incentivo à criação de cineclubes nas escolas, organização de mostras de cinema e organização de acervo para acesso gratuito de profissionais e escolas.

Em 2017, a coordenação do Programa estabeleceu a frente para a constituição deste acervo, inicialmente pensado em duas vertentes, uma digital e outra material. O grupo de trabalho foi constituído inicialmente pelas coordenadoras pedagógicas, Eliana da Silva Souza e Luciane Vieira Palma, e uma professora, Joice Ribeiro Souza Coimbra; posteriormente outra professora, Damaris Guedes, incorporou-se ao grupo. Esta frente de trabalho tinha como objetivo concretizar ações que se referiam aos objetivos específicos da Resolução que instituiu o Programa:

  • IV - revitalizar e ampliar os títulos do acervo material e digital de filmes de curta e longa duração, para acesso das Unidades Escolares e comunidade;

  • V - organizar as formas de acesso e utilização do acervo material e digital de filmes de curta e longa duração, pelas Unidades Escolares e comunidade;

  • VI - desenvolver, gerenciar e disponibilizar, para todos os educadores da Rede Municipal de Ensino de Campinas, plataforma on-line (Resolução SME n° 07/2016Resolução SME nº 07, de 24 de março de 2016. (2016, 24 de março). Institui o Programa “Cinema & Educação - A Experiência do Cinema na Escola de Educação Básica Municipal”. Secretaria Municipal de Educação de Campinas.).

O início do trabalho com o acervo de filmes

Quando as ações para constituição do acervo se iniciaram, o Programa já contava com quase um ano de atividades e as escolas com ele envolvidas já produziam seus filmes, promoviam cineclubes e as questões em torno da constituição de um acervo vinham se mostrando muito mais complexas do que talvez se pudesse imaginar num primeiro momento.

Nas reuniões do grupo de trabalho, discutia-se qual seria de fato o papel da coordenação do Programa na constituição de um acervo próprio, quem seria(m) o(s) curador(es) deste acervo, como seria a interlocução com as escolas, a viabilidade de um acervo digital on-line, diante das condições infra estruturais das escolas (qualidade do acesso à internet, por exemplo), a relevância de um acervo material a ser distribuído às escolas a partir da Secretaria de Educação…

Essas questões se colocavam em paralelo com o fortalecimento dos objetivos pedagógicos expressos nos três pilares em que o Programa se apoiava: o pilar cineclubista afirmava um cinema para ver, conversar e fazer; o pilar curricular, afirmava a questão da “autoria” apoiada nos documentos anteriormente produzidos pela e para a Rede Municipal de Ensino de Campinas, em especial o Caderno curricular temático Arte, música e educação: tudo é coisa musical… (Campinas, 2016Campinas. (2016). Caderno Curricular Temático Arte, música e educação: tudo é coisa musical… (versão preliminar I). Secretaria Municipal de Educação.) e o Caderno curricular temático Espaços e Tempos na educação das crianças (Campinas, 2014Campinas. (2014). Caderno Curricular Temático Espaços e tempos na educação das crianças. Secretaria Municipal de Educação.); o pilar da pesquisa, através da parceria com o Laboratório de Estudos Audiovisuais (OLHO), da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirmava a experimentação como estratégia de formação para e com o cinema, aproximando nossas orientações conceituais de autores como Bergala (2008)Bergala, A. (2008). A hipótese-cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Booklink/CINEAD-LISE-FE/UFRJ., Guimarães (2015)Guimarães, C. (2015). O que é uma comunidade de cinema? Revista EcoPós, 18(1), 44-56., Migliorin (2015)Migliorin, C. (2015). Inevitavelmente cinema: educação, política e mafuá. Beco do Azougue. e Rancière (2012Rancière. J. (2012). O espectador emancipado. Martins Fontes., 2015)Rancière, J. (2015). O mestre ignorante. Autêntica Editora., nos levando a considerar que todos na escola – estudantes de diferentes idades e etapas da Educação Básica, professores, funcionários, famílias, gestores –, todos estariam emancipados para ver, conversar e fazer imagens com força de cinema.

Para o início do trabalho de criação do acervo, outras duas referências foram primordiais: as discussões com os professores do grupo OLHO, Carlos Eduardo Albuquerque Miranda e Wenceslao Machado de Oliveira Jr., e o texto “50 curtas para uma infância alternativa (e para uma alternativa de infância)”, de Fernanda Omelczuck Walter (2015)Walter, F. O. (2015). 50 curtas para uma infância alternativa (e para uma alternativa de infância). In A. Fresquet (Org.), Cinema e Educação: a Lei 13.006 – reflexões, perspectivas e propostas (pp. 196-203). Universo Produções.. Os professores, com larga experiência na assistência e discussão do repertório de filmes nacionais, auxiliaram o grupo de trabalho nos possíveis focos do acervo que iria ser constituído, e Fernanda Walter dava boas pistas de como fazer ao elencar uma seleção de 50 curtas-metragens nacionais que se encontravam, à época, disponíveis no acervo da Programadora Brasil6 6 Esta plataforma foi desativada pelo Governo Federal em 2016. .

O curso “Cinema e Cineclube na escola de Educação Básica”, oferecido pelo Programa aos Profissionais da Rede Municipal em 2016, também trouxe referências importantes para o trabalho, especialmente em seu Módulo V: “Acesso e circulação de filmes e experiências – redes e plataformas”, oferecido pela pesquisadora Karla Isabel Souza.

Em meio às mudanças sofridas pelo Programa em seu primeiro ano, vários ensaios foram realizados até que se chegasse a um modo de constituição do acervo que minimamente contribuísse para que a potência do cinema como arte adentrasse os muros da escola, considerando duas premissas principais: (i) a crença de que todos, na escola, estão emancipados a ver, conversar e fazer imagens; imagens com força de cinema; e (ii) a aposta em um cinema cuja força é a criação, conforme aprendemos com Bergala (2008, p. 33-34)Bergala, A. (2008). A hipótese-cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Booklink/CINEAD-LISE-FE/UFRJ.:

Talvez fosse preciso começar a pensar – mas não é fácil do ponto de vista pedagógico – o filme não como um objeto, mas como uma marca final de um processo criativo, e o cinema como arte. Pensar o filme como a marca de um gesto de criação. Não como um objeto de leitura, descodificável, mas, cada plano, como a pincelada do pintor pela qual pode se compreender um pouco do seu processo de criação.

Na experiência que Bergala (2008)Bergala, A. (2008). A hipótese-cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Booklink/CINEAD-LISE-FE/UFRJ. descreve no livro Hipótese-Cinema, de constituição de uma “DVDeteca de sala de aula”, quando esteve na condução e no desenvolvimento do projeto de educação artística e ação cultural na França, este autor propõe que o cinema na escola seja tratado como arte e que se organize a possibilidade de encontro de filmes que os professores têm cada vez menos chances de encontrar fora da escola, de modo a constituir uma alternativa ao cinema de puro consumo:

O que a escola pode fazer de melhor, hoje, é falar dos filmes em primeiro lugar como obras de arte e de cultura. Oferecer aos alunos outras referências e abordar com eles os filmes com confiança, sem uma desconfiança prévia muito marcada, seria sem dúvida, hoje, a verdadeira resposta aos filmes ruins

(Bergala, 2008Bergala, A. (2008). A hipótese-cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Booklink/CINEAD-LISE-FE/UFRJ., p. 46).

A opção foi iniciar pela constituição do acervo digital on-line, com foco nos curtas-metragens e na perspectiva de fazer circular a produção cinematográfica nacional que não teria circulação comercial ou que fosse de difícil acesso, priorizando produções locais, independentes e produções que teriam recebido algum financiamento público. Os critérios também incluíam a questão da diversidade em suas várias dimensões: diversidade sociocultural (direitos humanos, projetos de inclusão, respeito à diferença etc.), diversidade da construção fílmica, diversidade nos modos de produção, nos dispositivos usados, diversidade regional e temática, fundamentais para compor uma formação ampla, ética e esteticamente.

No entanto, as dúvidas ainda eram muitas: onde procurar os filmes? Em que lugares os títulos dos filmes estão disponíveis? Existem catálogos das distribuidoras nacionais? Como acessar os filmes disponíveis digitalmente? Os filmes disponíveis nas plataformas digitais poderiam participar da composição do acervo da Rede Municipal? Como fazer uma curadoria de filmes para uma Rede Municipal?

Entre elas, uma questão se colocava como prioritária: como seriam organizados e onde seriam disponibilizados os filmes?7 7 Subjacente a ela uma outra emergia: como lidar com os direitos autorais dos filmes? Como ela não será foco desse artigo, destacamos apenas que a questão dos direitos autorais dependeu muito da coleção, tendo havido negociações e soluções bastante diversas. Por exemplo, para algumas plataformas, como Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis e Mostra Norte e Nordeste, fizemos o contato individual com o produtor e os direitos nos foram cedidos[7]. Outras, como Mostra Luta e Núcleo de Animação de Campinas, o curador detinha estes direitos e os cedeu para a Prefeitura Municipal de Campinas.

A invenção do acervo digital on-line: a coleção de coleções

O grupo de trabalho para a constituição do acervo optou, então, por iniciar pela questão da disponibilização dos filmes. A Coordenadoria Setorial de Formação (CSF), à qual o Programa está vinculado, dispõe de um portal próprio em tecnologia WordPress, o Educação Conectada. Nele foi possível obter espaço para publicar páginas que descrevem o Programa8 8 Recuperado de http://educacaoconectada.campinas.sp.gov.br/programa-cinema-educacao/ e alocam o seu acervo9 9 Recuperado de http://educacaoconectada.campinas.sp.gov.br/programa-cinema-educacao/acervo/ , com links para filmes e vídeos hospedados em sites de produtoras e servidores de stream de vídeo como Vimeo e YouTube.

Atualmente o Programa Cinema & Educação possui mais de 100 filmes de curta-metragem disponibilizados no portal Educação Conectada, linkados diretamente dos sites onde estão hospedados, devidamente autorizados por seus diretores ou produtores. Estes filmes e vídeos foram organizados em 12 diferentes coleções, o conjunto delas constituindo uma única e porosa coleção.

a coleção não equivale à soma dos objetos que a constitui e seu sentido não reside (ou se restringe) em cada elemento … envolve uma singular relação de proximidade e separação, um processo e uma temporalidade [de sua formação e continuidade] e uma construção de sentido mediante a seleção/ordenação dos objetos

(Dias, 2015Dias, A. (2015). O melhor lugar é a memória. Um estudo sobre o papel da coleção nos museus de arte contemporânea [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. http://hdl.handle.net/10316/28850
http://hdl.handle.net/10316/28850...
, p. 101-102).

Entendemos que cada uma das doze coleções “funciona” como um objeto específico selecionado para compor a “coleção de coleções” como uma única coleção.

A autora Aline Dias tornou-se uma referência e o termo por ela utilizado, coleção, foi adotado para cada diferente conjunto de filmes que comporia o acervo digital do Programa Cinema & Educação10 10 Posteriormente, Aline Dias (2019) enviou o texto escrito a partir da sua fala no evento, o qual foi publicado no livro digital Entre telas: cinemas nas escolas sob o título “Algumas notas em torno de colecionar e exibir filmes”. , entendendo com esta autora que o mais importante em uma coleção é “tentar sublinhar com ela, um compromisso e uma potência de partilha” (Dias, 2019Dias, A. (2019). algumas notas em torno de colecionar e exibir filmes. In: Campinas. (2021). Entre telas: cinemas nas escolas. Secretaria Municipal de Educação. Disponível em: https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/educa.campinas.sp.gov.br/files/2022-05/Entre-Telas_Cinema.pdf
https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/e...
, p. 132), tendo claro que cada coleção “cria uma membrana” entre o que está fora e o que está dentro (da coleção, do acervo – coleção de coleções –, do Programa) de modo a fazer circular o que está fora dentro e vice-versa.

O apontamento de que “[a] membrana criada pela/com a obra [a coleção] diferencia e constitui o fora, não indiferente tampouco indiferenciado ao dentro, mas assimilando o conflito e a negociação” (Dias, 2019Dias, A. (2019). algumas notas em torno de colecionar e exibir filmes. In: Campinas. (2021). Entre telas: cinemas nas escolas. Secretaria Municipal de Educação. Disponível em: https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/educa.campinas.sp.gov.br/files/2022-05/Entre-Telas_Cinema.pdf
https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/e...
, p. 135) é muito patente em cada uma das 12 coleções, especialmente naquelas curadas a partir de outras coleções prévias muito mais amplas que as criadas para o acervo do Programa. Nelas, cada filme escolhido para compor a coleção do Programa remete para todos aqueles que não foram selecionados para tal, uma vez que seguem sendo pano de fundo – da coleção prévia – para os selecionados, podendo facilmente ultrapassar a membrana em momento posterior, quando alguma revisão da atual coleção curada para o Programa vier a ser realizada.

Essa, digamos, permeabilidade extrema, explicita que

[c]olecionar, como verbo, envolve uma ou múltiplas construções de sentido mediante o conjunto dos e os processos que os selecionam, agrupam, expõem, comentam. Numa coleção os objetos/obras/filmes não estão isolados, mas provém de uma relação, e, ao mesmo tempo, instauram uma nova relação

(Dias, 2019Dias, A. (2019). algumas notas em torno de colecionar e exibir filmes. In: Campinas. (2021). Entre telas: cinemas nas escolas. Secretaria Municipal de Educação. Disponível em: https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/educa.campinas.sp.gov.br/files/2022-05/Entre-Telas_Cinema.pdf
https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/e...
, p. 138).

Dessa nova relação estabelecida entre os filmes de uma mesma coleção – bem como entre as 12 coleções – interessa ao Programa especialmente

as condições de partilha e transmissão da coleção, com todos os conflitos e rupturas que coloca em ação. Ampliando as ideias do senso comum de mera acumulação de objetos preciosos e inertes, trata-se de pensar as condições éticas, políticas e históricas da transmissão, num esforço por “dessubstancializar” a cultura e tomá-la como relação dinâmica, crítica e interpretativa entre passado, presente e futuro – o que nos conecta com a tarefa crítica e generosa de pensar a relação entre cinemas e escolas

(Dias, 2019Dias, A. (2019). algumas notas em torno de colecionar e exibir filmes. In: Campinas. (2021). Entre telas: cinemas nas escolas. Secretaria Municipal de Educação. Disponível em: https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/educa.campinas.sp.gov.br/files/2022-05/Entre-Telas_Cinema.pdf
https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/e...
, p. 140).

Mas como realizar essa tarefa crítica e generosa através da escolha de certos (tipos de) filmes e cinemas a serem indicados para os profissionais da educação que trabalham nas escolas municipais de Campinas?

Essa certamente é uma questão que vem suscitando múltiplas e instigantes respostas de pesquisadoras envolvidas com a relação entre cinema e escola que nos serviram de parâmetro para não delimitar os objetivos pedagógicos pretendidos com o discurso presente no acervo, levando-nos a organizá-lo com o máximo de aberturas possíveis, resultando assim no formato de uma coleção de coleções.

Gilka Girardello (2015)Girardello, G. (2015). Encontrar, escolher e articular filmes brasileiros para crianças: notas a partir de uma curadoria. In A. Fresquet (Org.), Cinema e Educação: a Lei 13.006 – reflexões, perspectivas e propostas (pp. 187-195). Universo Produções. inicia, lindamente, seu texto “Encontrar, escolher e articular filmes brasileiros para crianças: notas a partir de uma curadoria” dizendo que “[t]odo educador é também, de certo modo, um curador, já que um de seus papeis é o de escolher alguns textos, entre tantos, e tramá-los criativamente de alguma forma inspiradora e pertinente a seus objetivos pedagógicos” (Girardello, 2015Girardello, G. (2015). Encontrar, escolher e articular filmes brasileiros para crianças: notas a partir de uma curadoria. In A. Fresquet (Org.), Cinema e Educação: a Lei 13.006 – reflexões, perspectivas e propostas (pp. 187-195). Universo Produções., p. 187) para, em seguida, fazer a dobra dessa perspectiva para a lei nº 13.006/2014Lei nº 13.006, de 26 de junho de 2014. (2014, 26 de junho). Acrescenta § 8º ao art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para obrigar a exibição de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica. Presidência da República. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2014/lei-13006-26-junho-2014-778954-publicacaooriginal-144445-pl.html
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei...
, afirmando que ela coloca para esse professor-curador um desafio “muito elementar”, que é exatamente aquele que o grupo de trabalho para constituição do acervo do Programa Cinema & Educação vinha enfrentando: “o de conseguirmos encontrar, conhecer e selecionar os filmes brasileiros que mais possam fazer sentido no contexto de nossas práticas pedagógicas, combinando-as de forma a potencializar seus efeitos éticos e estéticos” (Girardello, 2015Girardello, G. (2015). Encontrar, escolher e articular filmes brasileiros para crianças: notas a partir de uma curadoria. In A. Fresquet (Org.), Cinema e Educação: a Lei 13.006 – reflexões, perspectivas e propostas (pp. 187-195). Universo Produções., p. 187).

Esse desafio se mostra, então, tão elementar quanto complexo, e torna-se ainda mais complexo quando os objetivos pedagógicos não são individuais, de cada professor, mas coletivos, de uma rede de ensino com escolas em vários níveis e modalidades educativos.

Mônica Fantin também aponta a complexidade da tarefa de “pensar os critérios dos filmes que escolhemos para mostrar às crianças a partir de alguns pressupostos sobre as qualidades dos filmes em contextos formativos” (Fantin, 2015Fantin, M. (2015). Cinema e infância na escola: algumas questões sobre a escolha dos filmes para crianças. In A. Fresquet (Org.), Cinema e Educação: a Lei 13.006 – reflexões, perspectivas e propostas (pp. 178-186). Universo Produções., p. 181), listando-os:

  • Ampliar o repertório cultural, assegurando filmes que apresentem a diversidade de contextos socioculturais, de linguagens, de valores e estéticas;

  • Considerar que todo filme pode ser educativo a partir da relação que se estabelece com ele, mesmo considerando ‘qualidades inerentes’ que certos filmes possuem;

  • Considerar os níveis de desenvolvimento e o conhecimento que se tem das crianças: interesses, capacidades e preferências relacionadas ao capital cultural, às condições de infância, às capacidades reais e potenciais, idade, gênero, classe, etnia etc.;

  • Considerar o grau de abertura e incerteza que os filmes possuem, de forma a permitir interpretações diversas (Fantin, 2015Fantin, M. (2015). Cinema e infância na escola: algumas questões sobre a escolha dos filmes para crianças. In A. Fresquet (Org.), Cinema e Educação: a Lei 13.006 – reflexões, perspectivas e propostas (pp. 178-186). Universo Produções., p. 181).

Na busca de enfrentar essa importante e necessária tarefa, Girardello (2015)Girardello, G. (2015). Encontrar, escolher e articular filmes brasileiros para crianças: notas a partir de uma curadoria. In A. Fresquet (Org.), Cinema e Educação: a Lei 13.006 – reflexões, perspectivas e propostas (pp. 187-195). Universo Produções. irá apontar o quão importante é produzirmos alguma orientação “no delicado trabalho de curadoria artístico-cultural nas escolas” em meio a essa complexidade que é ainda maior quando nos lembramos que

[s]e por um lado a internet facilita a disponibilização de materiais audiovisuais, por outro lado sua forma torrencial e caótica pode embaralhar nossos esforços de curadoria, já que muitas vezes nos vemos desorientados em meio ao labirinto de links e opções, que demanda um tempo de pesquisa muitas vezes fora da realidade do cotidiano dos professores

(Girardello, 2015Girardello, G. (2015). Encontrar, escolher e articular filmes brasileiros para crianças: notas a partir de uma curadoria. In A. Fresquet (Org.), Cinema e Educação: a Lei 13.006 – reflexões, perspectivas e propostas (pp. 187-195). Universo Produções., p. 187).

No caso do Programa, o enfrentamento desse “desafio elementar” se deu no próprio labirinto da internet, tendo o conceito de coleção presente nas reflexões de Aline Dias (2015Dias, A. (2015). O melhor lugar é a memória. Um estudo sobre o papel da coleção nos museus de arte contemporânea [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. http://hdl.handle.net/10316/28850
http://hdl.handle.net/10316/28850...
, 2019)Dias, A. (2019). algumas notas em torno de colecionar e exibir filmes. In: Campinas. (2021). Entre telas: cinemas nas escolas. Secretaria Municipal de Educação. Disponível em: https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/educa.campinas.sp.gov.br/files/2022-05/Entre-Telas_Cinema.pdf
https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/e...
um guia tranquilizador, ao afirmar que “[o]s objetos da coleção são importantes … mas por um sentido que não lhe é intrínseco ou objetivo. Trata-se de um sentido próprio que o colecionador percebe/constrói e que não é compartilhável senão neste conjunto intrincado e misterioso que é a coleção” (Dias, 2015Dias, A. (2015). O melhor lugar é a memória. Um estudo sobre o papel da coleção nos museus de arte contemporânea [Tese de doutorado, Universidade de Coimbra]. http://hdl.handle.net/10316/28850
http://hdl.handle.net/10316/28850...
, p. 101) quando entendida como uma série estabelecida por uma prática nem sempre nítida para aqueles que efetivam uma coleção.

No entender do grupo de trabalho essa perspectiva ressaltava o potencial de se construir séries no interior de cada coleção e, ao mesmo tempo, apontava essas séries como estando sempre em contato com o “fora” dessa coleção, explicitando a (im)permanência de cada coleção específica como resultante das próprias séries criadas pelas relações entre os filmes que a compõem, permitindo um certo trânsito de objetos-filmes no interior dessas coleções caso a série inicial nela existente não viesse a atingir a efetividade esperada em suas relações com as escolas. Ou seja, essa perspectiva de impermanência e de mistério tranquilizava o grupo de trabalho em relação às suas reconhecidamente frágeis – iniciantes – escolhas curatoriais.

A própria coleção de coleções, com seus objetivos pedagógicos que escapam dos sentidos de cada coleção específica, funcionaria como um fora, uma força que atravessa constantemente a membrana na direção do interior de cada uma das doze coleções, uma vez que são esses objetivos pedagógicos o liame principal que estabelece as relações entre as doze coleções, tornando-as uma série, aquela que constitui a coleção de coleções como uma coleção de diferenças. Diferenças essas que, por sua vez, são constituídas por uma série de filmes que mantêm entre si uma certa semelhança interna, potencialmente interessante para realizar algum dos objetivos pedagógicos a que se propõe esse acervo, que se pretende comum ao coletivo de profissionais da educação da rede municipal de ensino de Campinas.

Foi nesta esteira conceitual que a composição do acervo on-line – uma coleção de coleções – foi realizada ao longo do ano de 2017, não tendo o intuito de se apresentar como um modelo para os educadores, mas sim buscando se colocar como um gesto generoso e crítico para auxiliar os profissionais da educação municipal a estabelecerem relações interessantes entre cinema e escola, entre vários tipos de cinema e as variadas escolas.

Por isso, se por um lado, cada coleção foi pensada tendo como ponto de partida de um objeto/objetivo específico selecionado para se configurar como uma série: um conjunto de filmes; por outro, cada coleção procurou ser uma abertura, buscando não apenas articular semelhanças, mas comportar estranhezas, insuficiências e vazios que incentivassem os próprios profissionais da educação a dar continuidade à série que ela, apenas, inicia.

Nesse sentido, podemos dizer que os processos curatoriais e as próprias 12 coleções se constituíram, propositalmente, como “discursos frágeis”, atravessados por muitas dúvidas e inseguranças, os quais, paradoxalmente, buscam dar existência à coleção de coleções como um “forte discurso” de incentivo à criação de outras coleções específicas, bem como de produção de variação nas próprias 12 coleções previamente curadas.

Curadorias e coleções

O foco mais geral para curar esta coleção inicial do Programa – a coleção de coleções – foi a produção cinematográfica nacional que não tem circulação comercial ou é de difícil acesso. Desta forma, o grupo de trabalho para a constituição do acervo analisou o conteúdo disponível na internet de algumas mostras e festivais de cinema, de algumas plataformas temáticas e de coletivos organizados e escolheram algumas delas como acervos interessantes de serem mobilizados pelo Programa, de serem suas coleções iniciais.

Só então foram efetivados contatos com pessoas convidadas para realizar, digamos, a curadoria interna a estes acervos previamente indicados. Para o grupo de trabalho era importante que estes curadores tivessem alguma relação com o cinema, mas era ainda mais necessário que eles pertencessem ao contexto no qual cada coleção estava inserida, que tivessem um olhar detido àquele objeto/objetivo específico.

Ao refletir sobre a definição de curadoria, Bruno (2008)Bruno, M. C. O. (2008). Definição de curadoria: os caminhos do enquadramento, tratamento e extroversão da herança patrimonial. Caderno de diretrizes museológicas, 2. destaca ser fundamental esse exercício do olhar, considerando que “a curadoria é a somatória de distintas operações que entrelaçam intenções, reflexões e ações” (Bruno, 2008Bruno, M. C. O. (2008). Definição de curadoria: os caminhos do enquadramento, tratamento e extroversão da herança patrimonial. Caderno de diretrizes museológicas, 2., p. 9) e apontando que, desde suas origens, as ações curatoriais carregam “em sua essência as atitudes de observar, coletar, tratar e guardar que, ao mesmo tempo, implicam em procedimentos de controlar, organizar e administrar” (Bruno, 2008Bruno, M. C. O. (2008). Definição de curadoria: os caminhos do enquadramento, tratamento e extroversão da herança patrimonial. Caderno de diretrizes museológicas, 2., p. 3).

Era preciso, portanto, escolher pessoas que realizassem essas ações curatoriais com o máximo de proximidade com o objeto/objetivo específico de cada coleção. Foi a particularidade de cada coleção que orientou a escolha de seu curador, considerando o fato de que a proximidade com a área de Educação, em especial com a educação escolar e com o próprio Programa Cinema & Educação, aproximaria esses curadores e curadoras dos objetivos pedagógicos da coleção de coleções, favorecendo não somente a ampliação de repertórios, mas sobretudo o exercício de mediação cultural característico de educadores que se assumem como curadores (Girardello, 2015Girardello, G. (2015). Encontrar, escolher e articular filmes brasileiros para crianças: notas a partir de uma curadoria. In A. Fresquet (Org.), Cinema e Educação: a Lei 13.006 – reflexões, perspectivas e propostas (pp. 187-195). Universo Produções.; Martins, 2006Martins, M. C. (2006). Curadoria educativa: inventando conversas. Reflexão e Ação, 14(1), 9-27.) ao ativar culturalmente as obras que selecionam para compor suas atividades educativas.

Foi nessa perspectiva que as coleções Porta Curtas11 11 Recuperado de http://portacurtas.org.br/ , Anima Mundi12 12 Recuperado de https://www.youtube.com/user/animamundifestival. Esta é a única coleção em que há também filmes estrangeiros. Todas as demais foram compostas exclusivamente por filmes brasileiros. e Mostra Norte e Nordeste13 13 Esta coleção foi curada a partir de acesso a diferentes sites de Mostras que aconteceram no Norte e no Nordeste, não havendo, portanto, um único site específico, mas sim diversos sites onde estão disponibilizados filmes destas regiões brasileiras. foram curadas pelo conjunto de integrantes da própria coordenação do Programa.

Outras coleções foram curadas pela integrante dessa mesma coordenação com maior vínculo com o objeto/objetivo específico – assuntos, ações ou movimentos – relacionado às obras daquela Mostra ou plataforma. Ao final, as curadoras foram as seguintes:

  • Coleção Mostra Luta14 14 Esta coleção é composta por filmes que participaram de alguma edição da Mostra Luta, que nasceu em 2008 por iniciativa de um grupo preocupado em reafirmar um dos mais básicos direitos humanos: o direito à comunicação. Desde então, a Mostra vem sendo organizada a cada ano com a contribuição de diversos coletivos de comunicação, em parceria com o MIS de Campinas e outros espaços de cultura da cidade. foi curada pela coordenadora Sônia Oliveira, que esteve envolvida no processo de organização desta mostra durante os últimos 10 anos;

  • Coleção da plataforma Afroflix15 15 Recuperado de http://www.afroflix.com.br/ foi curada pela professora Damaris Guedes, mulher negra atuante nos movimentos negros de Campinas e região e que atua no Programa;

  • Coleção da Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis16 16 Recuperado de https://www.mostradecinemainfantil.com.br/ foi curada pela coordenadora Joice Ribeiro Souza Coimbra, professora de educação infantil que atua no Programa;

  • Coleção Primeiros filmes17 17 Nesta coleção estão reunidas algumas das primeiras obras dos Irmãos Lumière e outros filmes do século XIX. foi curada pela coordenadora Renata Lanza, que realiza oficinas de Minuto Lumière com alunos da rede;

  • Coleção da II Mostra Kino de Campinas, foi curada pela própria organização da mostra, a qual saiu de uma parceria do Programa com a Rede Kino.

Para além destas curadorias realizadas desde dentro do Programa, outras ocorreram fora dele. Procurar curadores remeteu a equipe ao encontro com pessoas diretamente relacionadas com o audiovisual na cidade de Campinas. A aproximação com estes profissionais e amadores do cinema e do cineclube foi importante não somente para a composição deste acervo, mas para que o Programa se relacionasse, principalmente, com produções e produtores de filmes de Campinas. Ressalta-se o contato com o cineasta fundador do Núcleo de Animação de Campinas, Maurício Squarisi, e com o historiador e funcionário do MIS, Orestes Toledo18 18 Esta aproximação foi extremamente relevante, pois os curadores contextualizaram as obras que selecionaram e difundiram toda uma sabedoria em torno do cinema que pode ser notada nos filmes presentes em ambas as coleções. Este envolvimento foi disparador para novas ações do Programa, como a organização de cursos e oficinas de Cinema nas escolas de Campinas. . Eles foram responsáveis, respectivamente, pela curadoria das coleções Núcleo de Animação de Campinas19 19 Esta coleção é composta por curtas de animação autorais ou produzidos nas oficinas coordenadas por este Núcleo, que são mais de 300 filmes, o que o situa como um importante e dos mais atuantes polos de produção no segmento no país. Ao longo dos anos, o Núcleo tornou-se especializado no desenvolvimento de oficinas de cinema de animação, especialmente com crianças. Nestas atividades, o grupo de crianças é autor do filme. Desenvolvem a criação, roteiro, grafismo, animação e trilha sonora, sob orientação dos artistas do Núcleo, principalmente Wilson Lazaretti e Mauricio Squarisi. e Filmes Antigos de Campinas20 20 Esta coleção reúne películas organizadas por produtores campineiros na década de 1950 e 1960 e é a única em que há também filmes de média duração. Todas as demais foram compostas exclusivamente por filmes de curta metragem. .

A necessidade e a pertinência de um olhar especial diante das especificidades do curador na sua relação com o acervo prévio e a coleção a ser curada para o Programa foi reconhecida até mesmo pelos curadores convidados envolvidos neste processo. Um bom exemplo disso foi que, no momento de contato com um dos organizadores da Mostra da Semana do Audiovisual de Campinas (Seda), João Augusto Neves, ele apontou que a curadoria da coleção Seda21 21 Esta coleção é composta por filmes que participaram de alguma edição da Seda. Esta é um festival de audiovisual e multimídias que normalmente acontece de forma integrada com aproximadamente 100 SEDAS espalhadas por cidades do Brasil e América Latina. É por princípio um festival alternativo e independente, um evento comunitário, inclusivo, descentralizado e plural, que incentiva e estimula a produção e a discussão de obras audiovisuais nacionais no micro e no macro, numa perspectiva de incidir como tecnologia social para organização, formação e participação de grupos, coletivos e movimentos de cada cidade nas temáticas selecionadas. A Seda Campinas tem sido organizada principalmente pelo Coletivo Moinho e o Cineclube Catavento. não poderia ser realizada senão pelo coletivo que organiza a Seda. Cabe dizer que a escolha pela curadoria coletiva remete à perspectiva de curadoria que as várias edições da Seda tiveram.

Por último, mas não menos importante, destaca-se a curadoria realizada para a coleção Vídeo nas Aldeias22 22 Recuperado de http://www.videonasaldeias.org.br/2009/vna.php . Esta plataforma, criada em 1987, funciona como divulgação do projeto homônimo que tem sido uma escola de cinema para os povos indígenas brasileiros. O contato com estes filmes foi estreitado principalmente após a equipe da coordenação do Programa participar da 12ª Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP), a qual teve como tema “Emergências Ameríndias”. Durante a Mostra a coordenação formalizou o pedido para a disponibilização dos filmes como uma das coleções do acervo do Programa, tendo o aceite dos responsáveis pela plataforma e pelo Projeto Vídeo nas Aldeias. A curadoria desta coleção foi feita pelo próprio grupo de trabalho, selecionando filmes que apresentam uma visão singular da realidade indígena brasileira através do ponto de vista dos próprios cineastas indígenas.

Cabe dizer que, antes de realizar as curadorias, a equipe da coordenação do Programa havia decidido conjuntamente o nome de cada coleção e só então foi em busca de um curador para cada uma delas, interna e externamente à própria coordenação, como explicitado anteriormente. Estes nomes estavam diretamente relacionados aos acervos prévios (maiores) que tinham sido definidos e onde se iria buscar e selecionar filmes de curta-metragem para constituir as coleções (menores) a serem disponibilizadas no portal Educação Conectada e ofertar à Rede Municipal de Ensino uma variedade de coleções. Para nomear as coleções decidiu-se manter o nome do acervo prévio, de modo a dar visibilidade a eles na Rede Municipal de Ensino, à exceção das coleções Primeiros filmes, Filmes Antigos de Campinas e Mostra Norte e Nordeste.

Estes acervos prévios haviam sido escolhidos devido a engajamentos diversos tanto da coordenação do Programa quanto de alguns de seus integrantes específicos e eles estão refletidos nas coleções.

Disponibilizar as 12 coleções ao mesmo tempo foi uma opção política e educativa importante, uma vez que a diversidade delas aponta não só para as várias temáticas e questões focadas pelos filmes, mas também aponta para a possibilidade de acrescentar a estas coleções iniciais uma infinidade de outras, uma vez que a própria diversidade de coleções proposta, aparentemente sem uma diretriz precisa, expressa exatamente o desejo de proliferação infinita, e em direções variadas, da coleção de coleções curada pelo Programa. Proliferação de filmes outros tanto no interior das próprias doze coleções iniciais quanto na proposição-curadoria de outras coleções.

Em nosso entender, apesar das miríades de possibilidades que se abrem em uma coleção que se prolifera, que se deseja uma série infinita, há sim um objetivo pedagógico claro no acervo, que reafirma a primeira meta do Programa:

promover experiências estéticas e subjetivas com o cinema na escola, incrementando aquelas que são mobilizadas nas práticas sociais cotidianas e que já se dão na vida de nossos educadores, educandos e demais membros da comunidade, buscando avançar, por essa perspectiva, nas relações que o cinema instaura entre o sujeito e a realidade social, a arte em geral, o conhecimento e a cultura

(Campinas, 2015Campinas. (2015). Cineclube em Rede: a experiência do cinema na escola de educação básica municipal (Projeto). Secretaria Municipal de Educação., p. 4).

Antes de apresentarmos o quadro geral da coleção de coleções, nos parece importante dizer que o percurso de curadoria de cada coleção dentro de seus acervos prévios não foi linear, pois foi atravessado por muitas escolhas, dúvidas e possibilidades de cada curador (algumas delas estão expressas logo a seguir), uma vez que a coleção de coleções visava, sobretudo, dar expressão política ao que se pretendia com o acervo do Programa.

Tendo em vista que os acervos prévios são compostos por uma quantidade muito grande de filmes, o processo de curadoria se deu por aproximações um tanto aleatórias, como, por exemplo, a visualização de trailers de alguns filmes. Isto ocorreu, por exemplo, no caso das coleções Mostra Norte e Nordeste e Mostra de cinema Infantil de Florianópolis. Uma vez que o trailer afetasse as curadoras, assistia-se ao curta inteiro e, caso ele continuasse sendo interessante, entrava-se em contato com o detentor dos direitos autorais.

O processo descrito aponta que os movimentos de curadoria não foram semelhantes – e nem se desejava que fossem –, tendo seguido por caminhos tortuosos, num processo repleto de idas e vindas e de aprendizagens de várias ordens, conforme se pode notar nos relatos, a seguir, de quatro das curadoras, todas integrantes da equipe da Coordenação do Programa.

Participei da Curadoria das Coleções do Programa Cinema & Educação enquanto membra da equipe do programa. Este envolvimento deu-se de maneira distinta em cada coleção e neste momento falarei especificamente da coleção 12. Juntamente com o restante da equipe envolvida nesta ação, elencamos o Núcleo de Animação de Campinas e desde o começo do trabalho procuramos um contato com um de seus fundadores: o cineasta Maurício Squarizzi.

A colaboração de Maurício não se restringiu apenas no que se refere a esta coleção. No início do trabalho muitas de nós não sabíamos como funcionava a questão de direitos autorais e o acesso a alguns filmes, e sua contribuição foi fundamental para trilhar caminhos que percorremos posteriormente.

Maurício nos apresentou grande parte do trabalho do Núcleo de Animação de Campinas, desenvolvido desde sua fundação, no ano de 1975. Tratava-se de um catálogo de quase 150 filmes que segundo ele estava desatualizado. Maurício sugeriu que um dos participantes do núcleo e também colaborador do programa, Lucas Vega, participasse como curador dos filmes para esta coleção. No contato com o Lucas e diante do acervo do Núcleo na plataforma Vimeo, foi sugerido que eu mesma fizesse esta curadoria, pois já havia tido contato com o catálogo, estava assistindo aos filmes e os demais estavam envolvidos em outras atividades.

Foi muito gratificante participar da curadoria destes filmes. Ao todo assisti aproximadamente 100 filmes, dos quais a maioria não conhecia. Para minha escolha privilegiei os filmes produzidos nas oficinas com educadores, alunos, ou membros de diferentes comunidades. Pensei na formidável experiência estética que as pessoas que tivessem acesso teriam e também no fato de poder ser um grande estímulo para futuras produções nas escolas (Joice Ribeiro Souza Coimbra).

Escolher apenas 10 entre os mais de 200 filmes que compunham o acervo da Mostra Luta, com nove edições até então, não foi fácil. A diversidade temática e a representatividade dos quatro cantos do país foram aspectos que sempre me encantaram na Mostra. Conhecer outras culturas, ouvir histórias contadas por gente de lugares e experiências que eu jamais imaginara existir, revelou-me um Brasil ignorado, que, a meu ver, merecia ser descoberto por todos os brasileiros. Despertou-me, também, a certeza de que “qualquer pessoa” podia fazer filmes e não só “cineastas famosos” do circuito comercial. Esses aspectos tinham que estar presentes em minha curadoria. Como primeiro critério tomei as temáticas e tentei ser intuitiva, escolhi filmes que me sensibilizaram de modo especial e que talvez pudessem também sensibilizar professores e estudantes. Trouxe narrativas dos movimentos sociais pela terra, pelo respeito à diversidade sexual, pelo direito à cidade e à mobilidade, pelo direito a produzir e usufruir do próprio cinema e outras manifestações culturais, contra a impunidade nos crimes cometidos pela polícia, contra o racismo e contra a imposição de padrões de beleza que de modo tão brutal se faz em nossa sociedade.

Esta é uma Mostra comprometida com a denúncia contra o autoritarismo da mídia hegemônica e com a luta pela democratização dos meios de comunicação. Então, dois filmes foram selecionados por contribuírem de modo substancial para com esse debate.

Por fim, um terceiro critério utilizado foi o olhar para a própria produção do audiovisual, para os meandros de sua feitura, a delicadeza que é a escolha do ponto de observação, a criação do “clima” ou “tensão” que o filme vai provocar em quem assiste, e do quanto vai sensibilizar para determinadas relações entre espaço, tempo e sujeitos e elementos do contexto, sob um viés ou recorte que nunca se tinha pensado antes. Por certo, todos os filmes, quando paramos para analisá-los, podem nos deslocar para o lugar do que produziu a imagem e ou escolheu o modo de conduzir a narrativa. Porém, alguns são mais potentes para essa vivência, suscitando, inclusive, a percepção de que algumas vezes a produção e a edição da imagem pode ser um processo invasivo e violento sobre o outro. Questões que merecem ser discutidas na escola, a meu ver

(Sônia Oliveira).

A Afroflix, é uma plataforma digital que abriga conteúdos audiovisuais produzidos, dirigidos, protagonizados ou escritos por pessoas negras. Há também a participação de pessoas não negras nesses trabalhos, mas o critério primordial para que a obra faça parte da plataforma é ter pessoas negras envolvidas diretamente no trabalho.

Para compor a coleção que faria parte do acervo do Programa Cinema e Educação, levei em consideração alguns critérios para escolher as obras. Do que está disponível na plataforma, busquei conteúdos que traziam de maneira mais evidente alguns assuntos necessários para a desconstrução do racismo tão presente em nossa sociedade. Pensando que este acervo tem como público-alvo profissionais da educação não podia deixar de instigar a discussão da formação da identidade das crianças e jovens negros que passam pelo ambiente escolar. Desta maneira, as obras escolhidas tratam de temas como: cabelo (diretamente ligado a autoestima), imigrantes (com a chegada de muitos haitianos na cidade de Campinas, modifica a comunidade escolar), o genocídio da juventude negra nas periferias (a qual, muitas vezes é vitimada pela violência policial). Mas nem tudo é pesar, temos também o retrato da infância vivida nas comunidades, onde apesar dos desafios, tem espaço para o brincar, a amizade e a alegria.

Para além dos temas tratados nos filmes, foi considerado também a construção das imagens, dispositivos utilizados, formatos e maneiras de fazer cinema. Temos então filmes de poesia, documentário, entrevista, narrativas e ficção. Trazer essa diversidade que o cinema proporciona para a discussão com os profissionais e alunos, tem como objetivo ampliar o papel do audiovisual na escola, para sair do lugar de ser apenas ilustrativo de conteúdo

(Damaris Guedes)

A coleção Primeiros filmes do Programa de Cinema & Educação apresenta as experiências dos Irmãos Lumière, que consistem em filmagens de um plano de 60 segundos, com a câmera parada, sem utilização de zoom, em preto e branco, sem som, feitas com o cinematógrafo. Esses filmes do acervo, hoje sob Domínio Público, foram selecionados, nos canais do YouTube, pelo registro que fazem de cidades, paisagens, homens, mulheres, crianças, trabalho, jogos e pela beleza luminosa e potente da vida em movimento.

Dessa forma, o acervo é composto por filmes que capturam uma grande variedade de motivos e possibilitam criar um dispositivo de reprodução e produção nas escolas, levando em consideração a proposta de ver, fazer e discutir cinema. O instante breve de um minuto é imensamente potente para gerar a busca e a espera da luz e do movimento expressivos (Renata Lanza).

Ao fazer a seleção, os curadores escolheram para o que dizer sim e para o que dizer não. Conforme Martins (2006)Martins, M. C. (2006). Curadoria educativa: inventando conversas. Reflexão e Ação, 14(1), 9-27. expõe, curadoria é combinação e “combinação é recorte” e todo recorte é comprometido com um ponto de vista que se elege, exercendo a força de uma ideia, de um desejo de explorar uma das séries possíveis dentro do acervo maior onde cada coleção foi curada para desencadear um trabalho junto aos profissionais e estudantes da rede municipal.

O Quadro 1 apresenta as 12 coleções que compõem a coleção do acervo digital do Programa, com uma breve descrição de cada uma delas, a quantidade de filmes que possui e o nome dos responsáveis pela sua curadoria. Optamos por não listar os filmes, tendo em vista que o mais importante nos parecem ser, por um lado, indicar as séries que eles criam em cada coleção – as quais são facilmente acessíveis no site do Programa Cinema & Educação – e, por outro, capturar o leitor para que ele queira compor com elas.

Quadro 1
As doze coleções que compõem o acervo digital do Programa Cinema & Educação

Diante da intensa produção de curtas metragens que temos acompanhado mundo afora, um acervo como o que se apresenta, com pouco mais de cem filmes, parece diminuto e com grande potencial para a expansão. Sobre isso temos pensado desde que encerramos a composição da coleção de coleções. Mais uma vez nos deparamos com questões importantes sobre as quais temos nos debruçado: essa expansão deve ser grande? As coleções devem entrar e sair do acervo disponibilizado (de acordo com as políticas educativas de cada época ou região da cidade)? Afinal, criar uma grande dispersão pode vir a ser um modo de (não) fazer política e talvez (não) seja a mais interessante.

Enfim, a aposta de que todos estão emancipados e são capazes de se relacionar crítica e sensivelmente com as imagens, inclusive produzindo-as, foi primordial para nos tranquilizar diante desta preocupação, uma vez que a intenção em constituir um acervo não era “organizar o mundo à feição do criador, mas criar aberturas para que o mundo entre com suas forças e formas, surpreendendo o próprio artista” (Migliorin, 2015Migliorin, C. (2015). Inevitavelmente cinema: educação, política e mafuá. Beco do Azougue., p. 16).

Conclusões

Ao tomarmos a iniciativa de constituir um acervo próprio do Programa Cinema & Educação conforme previsto na legislação municipal vigente (Campinas, 2016Campinas. (2016). Caderno Curricular Temático Arte, música e educação: tudo é coisa musical… (versão preliminar I). Secretaria Municipal de Educação.), nossa ideia foi apontar caminhos, indicar pistas sobre os princípios que embasam o Programa e, nesse sentido, assumir tanto a coleção quanto cada uma das coleções como instauradoras de um discurso educativo: se olharmos para os filmes selecionados, veremos que não correspondem ao que comercialmente temos acesso, às estéticas que comumente ligamos à infância, à cultura e raça negras, aos povos indígenas etc. Nesse sentido, não estamos atuando somente na formação de público, mas também na proliferação de outras sensibilidades para o cinema e para a infância, às culturas afro-brasileiras, aos povos indígenas etc.

Nos cursos anteriores e posteriores à composição do acervo digital, seguimos na direção de não povoar a educação com discurso do cinema, nem de povoar o cinema com discurso da educação. Nestes momentos de formação, a proposta foi de “encontrar, nas linhas de fronteira entre cinema e educação, espaços possíveis de encontro e de produção de novos enredos, de novas potências, de novos começos” (Leite & Christofoletti, 2015Leite, C. D. P., & Christofoletti, R. (2015). Pra que cinema? O que pode o cinema na educação e a educação no cinema? Fronteira de encontros. In A. Fresquet (Org.), Cinema e Educação: a lei 13.006 – reflexões, perspectivas e propostas (pp. 40-50). Universo Produções., p. 50).

Nossa intenção foi apresentar aos educadores possibilidades de acesso a obras e sensibilidades desconhecidas do grande público de cinema (do qual fazemos parte) e remetê-los a produções pouco ou nada conhecidas, para que eles próprios constituam seus acervos e o de suas escolas, para que eles constituam sua coleção e suas coleções.

Talvez a ideia tenha sido construir um entrelugar que não correspondesse à atribuição de crivar produções como adequadas ou não, como por (des)ventura se esperasse de uma Secretaria de Educação, mas que tampouco esta se calasse, abdicando de seu papel de indutora de políticas públicas.

Neste momento, seguimos pensando na alocação no acervo de outras coleções, mas pensamos atualmente em coleções que aloquem as produções que estão sendo realizadas nas/pelas escolas da Rede23 23 O projeto inicial já propunha a criação de um acervo para o Programa, mas não cogitava um acervo do próprio cinema produzido na rede municipal. Ou seja, uma nova questão foi colocada para a criação de um acervo ao estabelecer a centralidade da produção de filmes nas escolas: como curar os filmes produzidos nas escolas – por estudantes e profissionais da educação municipal – e constituir um acervo da produção agenciada pelo próprio Programa? O deslocamento conceitual que estabeleceu a centralidade do “produzir” na relação entre cinema e escola gerou o vínculo do Programa com a Mostra Kino Campinas e a reativação da Mostra Estudantil de Cinema, ampliando as possibilidades (e as dificuldades) de montar um acervo para o Programa, uma vez que não seria um acervo só externo, mas também interno. No entanto, como buscou apontar este artigo, esta é uma questão que permanece em aberto, uma vez que se decidiu inicialmente focar na ampliação cultural dos profissionais da Rede Municipal através da criação de um acervo que diversificasse o acesso deles ao cinema nacional ao curar coleções com diferentes tipos de filmes. A única forma de ingresso da produção interna à Rede Municipal no acervo tem sido indireta, através da seleção realizada para a Mostra Kino Campinas, uma vez que ela foi estabelecida como uma das coleções que compõem o acervo do Programa. , tendo em vista a grande e diversa produção que, inclusive, vem sendo enviada e apresentada em algumas mostras de cinema do Brasil.

Finalizamos dizendo que, para além das ações já desencadeadas a respeito do acervo digital on-line, caminhamos agora para a constituição de um acervo material. A ideia é a de constituir um grupo de trabalho composto por educadores da Rede, pesquisadores, coordenadores do Programa Cinema & Educação, para discutir desde a viabilidade deste acervo material, sua possível constituição/curadoria, até formas de distribuição que potencializem a entrada do cinema como arte na escola.

As dúvidas e questões que se colocam já são muitas: a mídia será padronizada ou haverá possibilidade de composição de filmes em mídias diversas? Por se tratar de curtas-metragens, se fará a opção de adquirir os direitos autorais dos arquivos digitais ou serão comprados DVDs já prontos de curtas-metragens?

Uma outra dúvida, menos técnica e mais conceitual, também se coloca: a ideia das coleções será mantida? Recorremos ao diálogo com Aline Dias, quem nos apontou a potencialidade da ideia de coleção, para darmos uma resposta tranquilizadora a esta pergunta: talvez sim, talvez não.

Essa tranquilidade nos chega do alerta desta autora de que “pensar a coleção nos termos de um processo [de busca e montagem] implica inserir a componente temporal e não restringi-la apenas à presença física ou objetual dos itens que a compõem” (Dias, 2019Dias, A. (2019). algumas notas em torno de colecionar e exibir filmes. In: Campinas. (2021). Entre telas: cinemas nas escolas. Secretaria Municipal de Educação. Disponível em: https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/educa.campinas.sp.gov.br/files/2022-05/Entre-Telas_Cinema.pdf
https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/e...
, p. 137), pois cada item colecionado interfere no que é colecionável e o processo de recolha e de investimento se faz a médio ou longo prazo, envolvendo um conjunto de atores que vão desde as demandas docentes e as indicações da coordenação do Programa até as transformações conceituais e artísticas do cinema, passando pelas equipes curatoriais e os novos estudos da área de educação e cinema.

Com as ponderações desdobradas do diálogo acima damos continuidade ao nosso pensamento e às nossas ações relativas ao que, desejamos, venham a ser um futuro acervo material – uma outra coleção ou uma extensão desta primeira? Esperamos tratar dele em outro artigo, no qual contaremos a história de como nossas coleções seguiram compondo e problematizando nossa coleção maior, o acervo de filmes do Programa Cinema & Educação, como uma membrana que ao mesmo tempo separa e conecta o mundo da escola com o mundo do cinema.

ERRATA

  • No artigo “Coleção de coleções: breve relato da constituição do acervo digital online do Programa Cinema & Educação”, DOI: https://doi.org/10.1590/1980-6248-2020-0134, publicado na Revista Pro-Posições, Vol. 34 2023, e-location ID e20200134, página 01, por solicitação da Pro-Posições:
    Onde se lia:
    (ii) Secretaria Municipal de Educação de Campinas – Departamento Pedagógico - Coordenadoria Setorial de Formação, Campinas, SP, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-7105-4220, luciane.palma@educa.campinas.gov.br
    Leia-se:
    (ii) Secretaria Municipal de Educação de Campinas – Departamento Pedagógico - Coordenadoria Setorial de Formação, Campinas, SP, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-7105-4220, luciane.palma@educa.campinas.sp.gov.br
  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Ailton Carneiro da Silva Junior (Tikinet) <revisao@tikinet.com.br>
  • 3
    Atualmente é constituída por 161 Escolas de Educação Infantil, 41 Escolas de Ensino Fundamental e 4 Centros de Educação de Jovens e Adultos, totalizando, em 2020, 35.445 alunos de Educação Infantil; 21.952 alunos de Ensino Fundamental e EJA; aproximadamente 2.800 professores e 1.700 monitores/agentes de Educação Infantil.
  • 4
    Por exemplo, o Programa Pedagogia da Imagem, vinculado ao Museu da Imagem e do Sol de Campinas (MIS Campinas), ofereceu formações aos professores da Rede Municipal de Campinas já na primeira década dos anos 2000, cujo objetivo era discutir e promover a democratização do uso dos meios de comunicação e informação e incentivar a apropriação das linguagens (áudio)visuais nas escolas.
  • 5
    Na Rede Municipal de Campinas, coordenadores pedagógicos são profissionais que atuam centralmente junto ao Departamento Pedagógico da Secretaria de Educação na proposição, organização e implementação de políticas públicas para a educação municipal.
  • 6
    Esta plataforma foi desativada pelo Governo Federal em 2016.
  • 7
    Subjacente a ela uma outra emergia: como lidar com os direitos autorais dos filmes? Como ela não será foco desse artigo, destacamos apenas que a questão dos direitos autorais dependeu muito da coleção, tendo havido negociações e soluções bastante diversas. Por exemplo, para algumas plataformas, como Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis e Mostra Norte e Nordeste, fizemos o contato individual com o produtor e os direitos nos foram cedidos[7]. Outras, como Mostra Luta e Núcleo de Animação de Campinas, o curador detinha estes direitos e os cedeu para a Prefeitura Municipal de Campinas.
  • 8
  • 9
  • 10
    Posteriormente, Aline Dias (2019)Dias, A. (2019). algumas notas em torno de colecionar e exibir filmes. In: Campinas. (2021). Entre telas: cinemas nas escolas. Secretaria Municipal de Educação. Disponível em: https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/educa.campinas.sp.gov.br/files/2022-05/Entre-Telas_Cinema.pdf
    https://educa.campinas.sp.gov.br/sites/e...
    enviou o texto escrito a partir da sua fala no evento, o qual foi publicado no livro digital Entre telas: cinemas nas escolas sob o título “Algumas notas em torno de colecionar e exibir filmes”.
  • 11
  • 12
    Recuperado de https://www.youtube.com/user/animamundifestival. Esta é a única coleção em que há também filmes estrangeiros. Todas as demais foram compostas exclusivamente por filmes brasileiros.
  • 13
    Esta coleção foi curada a partir de acesso a diferentes sites de Mostras que aconteceram no Norte e no Nordeste, não havendo, portanto, um único site específico, mas sim diversos sites onde estão disponibilizados filmes destas regiões brasileiras.
  • 14
    Esta coleção é composta por filmes que participaram de alguma edição da Mostra Luta, que nasceu em 2008 por iniciativa de um grupo preocupado em reafirmar um dos mais básicos direitos humanos: o direito à comunicação. Desde então, a Mostra vem sendo organizada a cada ano com a contribuição de diversos coletivos de comunicação, em parceria com o MIS de Campinas e outros espaços de cultura da cidade.
  • 15
  • 16
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    Nesta coleção estão reunidas algumas das primeiras obras dos Irmãos Lumière e outros filmes do século XIX.
  • 18
    Esta aproximação foi extremamente relevante, pois os curadores contextualizaram as obras que selecionaram e difundiram toda uma sabedoria em torno do cinema que pode ser notada nos filmes presentes em ambas as coleções. Este envolvimento foi disparador para novas ações do Programa, como a organização de cursos e oficinas de Cinema nas escolas de Campinas.
  • 19
    Esta coleção é composta por curtas de animação autorais ou produzidos nas oficinas coordenadas por este Núcleo, que são mais de 300 filmes, o que o situa como um importante e dos mais atuantes polos de produção no segmento no país. Ao longo dos anos, o Núcleo tornou-se especializado no desenvolvimento de oficinas de cinema de animação, especialmente com crianças. Nestas atividades, o grupo de crianças é autor do filme. Desenvolvem a criação, roteiro, grafismo, animação e trilha sonora, sob orientação dos artistas do Núcleo, principalmente Wilson Lazaretti e Mauricio Squarisi.
  • 20
    Esta coleção reúne películas organizadas por produtores campineiros na década de 1950 e 1960 e é a única em que há também filmes de média duração. Todas as demais foram compostas exclusivamente por filmes de curta metragem.
  • 21
    Esta coleção é composta por filmes que participaram de alguma edição da Seda. Esta é um festival de audiovisual e multimídias que normalmente acontece de forma integrada com aproximadamente 100 SEDAS espalhadas por cidades do Brasil e América Latina. É por princípio um festival alternativo e independente, um evento comunitário, inclusivo, descentralizado e plural, que incentiva e estimula a produção e a discussão de obras audiovisuais nacionais no micro e no macro, numa perspectiva de incidir como tecnologia social para organização, formação e participação de grupos, coletivos e movimentos de cada cidade nas temáticas selecionadas. A Seda Campinas tem sido organizada principalmente pelo Coletivo Moinho e o Cineclube Catavento.
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  • 23
    O projeto inicial já propunha a criação de um acervo para o Programa, mas não cogitava um acervo do próprio cinema produzido na rede municipal. Ou seja, uma nova questão foi colocada para a criação de um acervo ao estabelecer a centralidade da produção de filmes nas escolas: como curar os filmes produzidos nas escolas – por estudantes e profissionais da educação municipal – e constituir um acervo da produção agenciada pelo próprio Programa? O deslocamento conceitual que estabeleceu a centralidade do “produzir” na relação entre cinema e escola gerou o vínculo do Programa com a Mostra Kino Campinas e a reativação da Mostra Estudantil de Cinema, ampliando as possibilidades (e as dificuldades) de montar um acervo para o Programa, uma vez que não seria um acervo só externo, mas também interno. No entanto, como buscou apontar este artigo, esta é uma questão que permanece em aberto, uma vez que se decidiu inicialmente focar na ampliação cultural dos profissionais da Rede Municipal através da criação de um acervo que diversificasse o acesso deles ao cinema nacional ao curar coleções com diferentes tipos de filmes. A única forma de ingresso da produção interna à Rede Municipal no acervo tem sido indireta, através da seleção realizada para a Mostra Kino Campinas, uma vez que ela foi estabelecida como uma das coleções que compõem o acervo do Programa.

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1
Editor responsável: César Donizetti Pereira Leite <https://orcid.org/0000-0001-8889-750X>

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2020
  • Revisado
    09 Jun 2021
  • Aceito
    19 Dez 2022
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