Acessibilidade / Reportar erro

Borrelia theileri: observação em carrapatos do gênero Boophilus microplus no município de Guaíba, RS, Brasil

Borrelia theileri: observation on Boophilus microplus ticks in Guaiba, RS, Brazil

Resumos

Espiroquetas da espécie Borrelia theileri identificadas em uma estirpe de carrapatos Boophilus microplus provenientes do município de Guaíba, RS. A observação ocorreu no exame de hemolinfa de fêmeas adultas com 10 dias pós-repleçâo, corada por Giemsa. Não foram observadas espiroquetas em ovos provenientes de teleóginas infectadas. A detecção da estirpe infectada sugere a presença de borreliose em rebanhos bovinos, fato que eventualmente pode interferir em resultados de diagnóstico ou tornar-se motivo de preocupação em produtos derivados de sangue bovino tais como vacinas vivas contra anaplasmose e babesiose bovina.

espiroquetas; borreliose; bovinos


Spirochetes of species Borrelia theileri were identifica in afield-strain of the caule tick Boophilus microplus, in Guaíba, RS, Brazil. Hemolymph smears from females 10 days post-repletion were collected by gentty section of the tarsal-metatarsaijoint, and dropped onto a microscope slide, and stained by Giemsa. No spirochetes were observed in eggs squashed and stained by Giemsa from the same infected strain. The detection of B. microplus adult females infected with Borrelia theileri suggesfs the likely presence of borreliosis in bovine heras what might eventually interfere with the interpretation of diagnosis results or become cause for concern in blood products such as anaplasmosis and babesiosis live vaccines.

spirochetes; borreliosis; bovine


Borrelia theileri: OBSERVAÇÃO EM CARRAPATOS DO GÊNERO Boophilus microplus NO MUNICÍPIO DE GUAÍBA, RS, BRASIL

Borrelia theileri: OBSERVATION ON Boophilus microplus TICKS IN GUAÍBA, RS, BRAZIL

João Ricardo Martins1 1 Médico Veterinário, MsC., FEPAGRO - Centro de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, Caixa Postal 47, 92990-000 - Eldorado do Sul, RS. Autor para correspondência. Victor Hermes Ceresér2 1 Médico Veterinário, MsC., FEPAGRO - Centro de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, Caixa Postal 47, 92990-000 - Eldorado do Sul, RS. Autor para correspondência. Bartolomeu Lima Corrêa3 1 Médico Veterinário, MsC., FEPAGRO - Centro de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, Caixa Postal 47, 92990-000 - Eldorado do Sul, RS. Autor para correspondência. Ronald D. Smith4 1 Médico Veterinário, MsC., FEPAGRO - Centro de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, Caixa Postal 47, 92990-000 - Eldorado do Sul, RS. Autor para correspondência.

RESUMO

Espiroquetas da espécie Borrelia theileri identificadas em uma estirpe de carrapatos Boophilus microplus provenientes do município de Guaíba, RS. A observação ocorreu no exame de hemolinfa de fêmeas adultas com 10 dias pós-repleçâo, corada por Giemsa. Não foram observadas espiroquetas em ovos provenientes de teleóginas infectadas. A detecção da estirpe infectada sugere a presença de borreliose em rebanhos bovinos, fato que eventualmente pode interferir em resultados de diagnóstico ou tornar-se motivo de preocupação em produtos derivados de sangue bovino tais como vacinas vivas contra anaplasmose e babesiose bovina.

Palavras-chave: espiroquetas, borreliose, bovinos.

SUMMARY

Spirochetes of species Borrelia theileri were identifica in afield-strain of the caule tick Boophilus microplus, in Guaíba, RS, Brazil. Hemolymph smears from females 10 days post-repletion were collected by gentty section of the tarsal-metatarsaijoint, and dropped onto a microscope slide, and stained by Giemsa. No spirochetes were observed in eggs squashed and stained by Giemsa from the same infected strain. The detection of B. microplus adult females infected with Borrelia theileri suggesfs the likely presence of borreliosis in bovine heras what might eventually interfere with the interpretation of diagnosis results or become cause for concern in blood products such as anaplasmosis and babesiosis live vaccines.

Key words: spirochetes, borreliosis, bovine.

INTRODUÇÃO

A presença de microorganismos espiralados no plasma sanguíneo de bovinos foi inicialmente detectadada na África do Sul por THEILER, em 1904, sendo a espiroqueta denominada Spirillum theileri. Posteriormente, BERGEY et al. (1939) incluíram este organismo dentro do gênero Borrelia sp. e no Brasil, BRUMPT, em 1919, apud por NEITZ (1956), registrou a presença de Borrelia theileri em bovinos e a transmissão através de espécies de carrapatos. Borrelia recurrentis, o microorganismo responsável pela febre recorrente humana, é a única espécie transmitida pelos piolhos Pediculus humanus corporis e P. humanus capitis (NEVEU-LEMAIRE.1943).

Mais recentemente, a presença de espiroquetas do gênero Borrelia em carrapatos Boophilus microplus tem sido observada na Argentina (GUGLIELMONE et al., 1987), México (SMITH et al., 1978), Austrália e África do Sul (CALLOW, 1967). Relatos de bovinos infectados com microorganismos do gênero Borrelia também foram efetuados na Austrália (CALLOW & HOYTE, 1961), África (TREES, 1978), Holanda (SHILLHORN VAN VEEN & LEYENDEKKERS, 1971) e Argentina (HADANI et al., 1985). O isolamento de B. theileri de B. microplus e a transmissão para bovinos esplenectomizados foi realizada por SMITH et al. (1985) sendo que TREES (1978) observou a transmissão de B. theileri por B. annulatus. Uma relação simbiótica entre o carrapato vetor e B. theileri tem sido descrita, sendo que este agente é considerado relativamente não patogênico para o bovino (SMITH et al., 1978). Os mamíferos são usualmente hospedeiros acidentais que podem servir como portadores para a preservação e disseminação deste agente, sem demonstrarem sintomatologia clínica, embora KIPTOON et al. (1979), tenham associado borreliose bovina com anemia. O presente trabalho descreve a ocorrência de B. theileri em carrapatos do gênero B. microplus e discute as implicações deste achado no contexto das doenças transmitidas por ixodídeos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Os carrapatos utilizados nestas observações originaram-se de uma estirpe de campo, coletada no município de Guaíba, Estado do Rio Grande do Sul. Uma amostragem (20 teleóginas) foi mantida em estufa a 27°C e umidade relativa acima de 70%. As teleóginas foram dorsalmente fixadas com fita adesiva sobre uma placa de vidro e identificadas individualmente. O exame da hemolinfa ocorreu diariamente entre os dias 4 e 12 pós-repleção, sendo que a mesma foi obtida através de secção dos segmentos locomotores do artrópode e distensão sobre lâmina microscópica, fixada em metanol, corada por Giemsa e examinada em óleo de imersão (x 1000).

RESULTADOS

Espiroquetas identificadas como pertencentes a espécie B. theileri foram detectadas na hemolinfa de uma fêmea de B. microplus (Figura 1), aos 10 dias pós-repleção. Uma média inferior a l espiroqueta por campo microscópico foi observada. As mensurações médias obtidas ao acaso sobre 10 espiroquetas variaram entre 10 e 19 μm no comprimento. Não se observou espiroquetas em macerado de ovos provenientes de teleóginas infectadas. A postura realizada por esta teleógina foi semelhante as demais expostas às mesmas condições, não revelando qualquer alteração na viabilidade e massa da mesma.


DISCUSSÃO

A infecção de alguns carrapatos vetores tais como Rhipicephalus evertsi, B. decoloratus, B. annulatus e o B. microplus por espiroquetas do gênero Borrelia foi descrita na Austrália (CALLOW & HOYTE, 1961), África do Sul (NEITZ, 1956), México (SMITH et al., 1978), Argentina (GUGLIELMONE et al., 1987) e Estados Unidos (SMITH et al., 1985). SMITH et al. (1978) embora tenham encontrado Borrelia em vários tecidos de fêmeas adultas de B. microplus, não consideram este microorganismo capaz de determinar efeito patogênico sobre o vetor, pois nenhum dano sobre o desempenho reprodutivo foi observado. CALLOW (1967) referindo-se ao bovino, ocasionalmente considera a presença de borreliose associada com febre, hemoglobinúria e anemia.

A distinção de Borrelia sp. de outras espiroquetas tem sido feita através do número de filamentos axiais (15 a 20 flagelos). Outras espiroquetas, como por exemplo Treponema, apresentam de 5 a 7 flagelos e a Leptospira, 1 a 2 flagelos (TURNER, 1976). A maioria dos autores que descreveram espiroquetas do gênero Borrelia nos bovinos, considerou como sendo Borrelia theileri. Entretanto, HADANI et al. (1985) enfatizaram que não há diferenciação. bioquímica entre as espécies de Borrelia e as identificações sorológicas são difíceis devido a variação antigênica. A identificação das espécies de Borrelia baseia-se no vetor específico, os hospedeiros e a infectividade para animais de laboratório. Seguindo os achados de alguns autores e levando em conta o carrapato vetor e as características morfológicas das espiroquetas encontradas, os autores optaram por diagnosticar como Borrelia theileri os microorganismos espiralados descritos.

Possivelmente, este achado tenha implicações relacionadas ao diagnóstico sorológico de algumas espiroquetas, como as citadas acima. Reações sorológicas cruzadas entre microorganismos de um mesmo género não podem ser desconsideradas e uma avaliação clínica sempre deve acompanhar o resultado de um exame sorológico.

O número crescente de casos humanos com a Doença de Lyme (ANDERSON et al, 1991), causada pela espiroqueta Borrelia burgdorferi, transmitida principalmente por carrapatos do gênero Ixodes dammini, e secundariamente por Amblyomma americanum e Dermacentor variabilis, tem sido observado nos EUA, sul do Canadá, Europa e Austrália, com justificada preocupação médica. O desenvolvimento de testes sorológicos para identificar indivíduos humanos portadores de Borrelia sp., deve considerar a possibilidade de infecções por outras espiroquetas, possivelmente não patogênicas. As circunstâncias casuais em que se enquadra o presente relato, evidencia o relacionamento benigno entre esta espiroqueta e o carrapato vetor, uma vez que aparentemente nenhum prejuízo ao desenvolvimento do ixodídeo foi observado.

2 Médico Veterinário, MsC., FEPAGRO - Centro de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor.

3 Médico Veterinário, FEPAGRO-CPVDF, Eldorado do Sul, RS.

4 Médico Veterinário, PhD, College of Veterinary Medicine, University of Illinois, Urbana, IL, USA.

Recebido para publicação em 29.05.96. Aprovado em 10.07.96.

  • ANDERSON, J.F., MINTZ, E.D., GADBAW, J.J., et al Babesia microti, human babesiosis and Borrelia burgdorferi in Connecticut (USA). Journal of Clinical Microbiology, v. 29, n. 12, p. 2779-2783, 1991.
  • BERGEY, D.H., BREED, R.S., MURRAY, E.G., et al Bergey's Manual of Determinative Bacteriology 5th. Ed. Williams & Wilkins Co. Baltimore, 1032 pp., 1939.
  • CALLOW, L.L., HOYTE, H.M.D. Transmission experiments using Babesia bigemina, Theileria mutans, Borrelia sp and the cattie tick Boophilus microplus Australian Veterinary Journal, v. 37, p.381-390, 1961.
  • CALLOW, L.L. Observations on tick-transmitted spirochaetes of cattle in Australia and South Africa. British Veterinary Journal, v. 123, p. 492-496, 1967.
  • GUGLIELMONE, A.A., AGUIRRE, D.H., MANGOLD, A..J., et al Borrelia sp en Boophilus microplus, la garrapata comun del ganado vacuno, en Tucuman, Argentina. Veterinária Argentina, v. 4, n. 33, p. 248-249, 1987.
  • HADANI, A., GUGLIELMONE, A.A., BERMÚDEZ, A.C., et al Deteccion de espiroquetas del genero Borrelia en bovinos de la provincia de Salta, Argentina. Revista de Medicina Veterinária Argentina, v. 66, n. 5, p. 292-294, 296, 1985.
  • KIPTOON, J.C., MARIBEL, J.M., KAMAU, L.J. et al Bovine borreliosis in Kenya: Borrelia theileri associated with bovine anaemia. Kenya Veterinary, v. 3, n. l, p. 11-12, 1979.
  • NEITZ, W.O. A consolidation of our knowledge of the transmission of tick-bome diseases. Onderstepoort Journal of Veterinary Research, v. 27, n.2, p. 115-163, 1956.
  • NEVEU-LEMAIRE, M. Traité de Protozoologie Médicale et Vétérinaire, Vigot Frères ed.. Paris, 844 pp., 1943.
  • SCHILLHORN VAN VEEN, T.W. & LEYENDEKKERS, G.J. Borrelia theileri (Laveran, 1903) in cattle in the Netherlands. Tijdschrft voor Diergeneeskunde, v. 96, p. 1028-1031, 1971.
  • SMITH, R.D., BRENER, J., OSORNO, M. & RISTIC, M. Pathobiology of Borrelia theileri in the tropical cattle tick, Boophilus microplus Journal of Invertebrate Pathology, v. 32, p.182-190, 1978.
  • SMITH, R.D., MIRANPURI, G.S., ADAMS, J.H. et al Borrelia theileri isolation from ticks (Boophilus microplus) and tick-bome transmission between splenectomized calves. American Journal of Veterinary Research, v. 46, n. 6, p. 1396-1398, 1985.
  • THEILER, A. Spirillosis of cattle. Journal of Comparative Pathology and Therapy, v. 17, p. 47-55, 1904.
  • TREES, A.J. The transmission of Borrelia theileri by Boophilus annulatus (Say, 1821). Tropical Animal Health, v. 10, p. 93-94, 1978.
  • TURNER, L.H. Classification of spirochaetes in general and of the genus Leptospira in particular. In: Johnson, R.C., ed. The biology of parasitic spirochetes New York: Academic Press Inc, 1976, p. 95-103.
  • 1
    Médico Veterinário, MsC., FEPAGRO - Centro de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, Caixa Postal 47, 92990-000 - Eldorado do Sul, RS. Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 1996

    Histórico

    • Aceito
      10 Jul 1996
    • Recebido
      29 Maio 1996
    Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais , 97105-900 Santa Maria RS Brazil , Tel.: +55 55 3220-8698 , Fax: +55 55 3220-8695 - Santa Maria - RS - Brazil
    E-mail: cienciarural@mail.ufsm.br