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Conceição em O Quinze: uma abordagem feminista e decolonial

Conceição in O Quinze: a feminist and decolonial approach

Conceição em O Quinze: um enfoque feminista y decolonial

Resumo:

Em 1930, Rachel de Queiroz publica a obra O Quinze e descortina uma personagem que rompe com os padrões da mulher sertaneja. Nesse contexto, esta pesquisa tem como objetivo investigar, sob o método da Análise do Discurso de Linha Francesa, da Ecocrítica e do Ecofeminismo, a abordagem feminista e a decolonialidade que estão presentes nos discursos da personagem Conceição em analogia com discursos coloniais, proferidos por outras personagens femininas da trama. Sendo assim, a ideologia dos discursos da personagem Conceição perpassa a representação da luta da mulher pelo seu espaço na sociedade, norteada pelo respeito à autonomia feminina. Por conseguinte, a Ecocrítica caracteriza-se como uma esfera interdisciplinar que se lança ao desvelamento das relações entre a mulher e o ambiente sociocultural em que vive.

Palavras-chave:
feminismo; literatura; ecocrítica

Abstract:

In 1930, Rachel de Queiroz publishes the work O Quinze and unveils a character who breaks with the patterns of the woman from sertão. In this context, this research aims to investigate, under the method of Discourse Analysis of the French Line, of the Ecocriticism and of the Ecofeminism, the feminist approach and decoloniality that are present in the discourses of the character Conceição in analogy with colonial speeches, given by other female characters in the plot. Thus, the ideology of the speeches of the character Conceição permeates the representation of women's struggle for their space in society, guided by respect for female autonomy. Consequently, Ecocritique is characterized as an interdisciplinary sphere that launches itself into unveiling the relationships between women and the sociocultural environment in which they live.

Keywords:
Feminism; Literature; Ecocriticism

Resumen:

En 1930, Rachel de Queiroz publica la obra O Quinze y desvela un personaje que rompe con los patrones de la mujer de sertão. En este contexto, esta investigación tiene como objetivo indagar, bajo el método de Análisis del Discurso de la Línea Francesa, la Ecocrítica y el Ecofeminismo, el enfoque feminista y la descolonialidad que están presentes en los discursos de la personaje Conceição en analogía con los discursos coloniales, pronunciados por demás personajes femeninos de la trama. Así, la ideología de los discursos del personaje Conceição impregna la representación de la lucha de las mujeres por su espacio en la sociedad, guiada por el respeto a la autonomía femenina. Por tanto, Ecocritique se caracteriza por ser un ámbito interdisciplinario que se lanza a desvelar las relaciones entre las mujeres y el entorno sociocultural en el que viven.

Palabras clave:
feminismo; literatura; ecocrítica

Introdução

Em primeira instância, cabe destacar que, consoante Alpina Begossi (1993BEGOSSI, Alpina. “Ecologia Humana: um enfoque das relações homem-ambiente”. Revista Interciência, Caracas, v. 18, n. 3, p. 121-123, 1993.), a origem do termo Ecologia provém da Biologia, mas com inúmeros desdobramentos, surgindo, assim, outras perspectivas, como, por exemplo, Ecologia Humana, Ecologia Social, Ecocrítica. Essas ramificações decorrem das interfaces que a Ecologia mantém com diversas ciências, como Antropologia, Sociologia, Filosofia e Literatura, assumindo, dessa maneira, um caráter efetivamente interdisciplinar e transdisciplinar.

Nesse panorama de imbricações científicas, vale mencionar que, no final da década de 1970, mediante os trabalhos do norte-americano William Rueckert (1996RUECKERT, Willian. “Literature and ecology: un experiment in Ecocriticism”. In: GLOTFELTY, Cheryll; FROMM, Harold (Eds.). The ecocristicism reader: landmarks in literary ecology. Athens / London: The University of Georgia Press, 1996. p. 105-23.), que se notabilizou no cenário da Literatura americana, despontaram-se os primeiros estudos sobre a inter-relação Artes-Ecologia. A partir daí, passou-se, então, a discutir a necessidade de assinalar a manifestação artística como forte propulsora de conhecimentos, mais especificamente a Literatura, através de obras que representam a realidade humana na imbricação com o ambiente, com a sociedade e a cultura.

Dessarte, tendo em vista estabelecer uma relação entre as Artes e a Ecologia, emergiu, no ambiente acadêmico, o termo Ecocrítica, com a finalidade de abranger esses estudos. Outrossim, em 1978, foi publicado, nessa área do conhecimento, o primeiro artigo intitulado “Literature and ecology: An Experiment Ecocriticism”, de William Rueckert.

Todavia, esse campo de investigação só passou a ser essencialmente considerado a partir de 1989, quando Cheryll Glotfelty, participando do Encontro da Associação de Literatura do Oeste dos Estados Unidos, incitou o seu uso na esfera da crítica literária. Isso posto, Glotfelty (1996) aponta que a Ecocrítica aborda os estudos literários focados na relação do(a) humano(a) com o ambiente. Desse modo, as obras literárias fazem a ponte entre o homem, a mulher, o ambiente, a sociedade, a história e a cultura.

Greg Garrard (2006)GARRARD, Greg. Ecocrítica. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2006. merece destaque, quando pondera que a Ecocrítica suscita estudos interdisciplinares. Dessa maneira, para esta pesquisa, a Ecocrítica sinaliza uma análise menos reducionista, uma vez que congrega diversos conhecimentos que se intercruzam, permitindo, assim, a abrangência de visões, na imbricação do(a) humano(a) com o ambiente, com a sociedade e a cultura, que estão latentes na obra moderna O Quinze, publicada por Rachel de Queiroz, em 1930.

Sublinha-se que, consoante Glotfelty (1996GLOTFELTY, Cheryll. “Introduction-literary studies in an age of environmental crisis”. In: GLOTFELTY, Cheryll; FROMM, Harold (Eds.). The ecocristicism reader: landmarks in literary ecology. Athens / London: The University of Georgia Press, 1996. p. XV-XXXVII.), em paralelo ao interesse feminista na vida das autoras, a ecocrítica estuda as condições ambientais da existência de determinada escritora, como, por exemplo, a influência do lugar na imaginação e a interferência do espaço físico onde cresceu, percorreu e escreveu na compreensão de sua obra. Nessa esteira, a ecocrítica torna-se insuficiente para a proposta do presente artigo, sendo mais pertinente a ecocrítica feminista ou o ecofeminismo, tendo em vista que a ecocrítica, por si só, não problematiza as questões de gênero que a abordagem deste manuscrito envolve.

Vale esclarecer, ainda, que, como pondera Greta Gaard (2017GAARD, Greta. “Novos rumos para o ecofeminismo: em busca de uma ecocrítica mais ecofeminista”. Tradução de Izabel Brandão e Marina Verçosa de Andrade. In: BRANDÃO, Izabel; CAVALCANTI, Ildney; DE LIMA COSTA, Claudia; ACIOLI LIMA, Ana Cecília. (Orgs.). Traduções da cultura: perspectivas críticas feministas (1970-2010). Florianópolis: Mulheres; Editora da Universidade Federal de Alagoas, Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2017. p. 783-818.), somente o uso teórico da ecocrítica para discutir as intersecções entre Literatura e Ecologia, mediadas pelas questões de gênero, representa um recurso limitado, posto que é mais abrangente o universo epistêmico da ecocrítica feminista ou do ecofeminismo. Dessa forma, consoante a autora, o conceito de ecofeminismo pode ser intercambiado com ecocrítica feminista.

Entretanto, adotou-se, para este artigo, o termo Ecofeminismo, tendo em vista o diálogo com as latentes questões da colonialidade de gênero e da decolonialidade que permeiam a obra literária O Quinze, de Rachel de Queiroz. Nesse panorama, destaca-se que, segundo Glotfelty (1996GLOTFELTY, Cheryll. “Introduction-literary studies in an age of environmental crisis”. In: GLOTFELTY, Cheryll; FROMM, Harold (Eds.). The ecocristicism reader: landmarks in literary ecology. Athens / London: The University of Georgia Press, 1996. p. XV-XXXVII.), o Ecofeminismo corresponde a um discurso teórico, cujo tema é o elo entre a opressão das mulheres e a dominação da natureza, trazendo à tona uma construção simbólica de gênero.

Partindo desses pressupostos e guiados pelas relações estabelecidas com diversas ciências, a Ecocrítica e o Ecofeminismo atrelam-se à Literatura, à História, à Filosofia, à Sociologia, à Antropologia, discorrendo apenas sobre algumas das áreas no vasto campo de conhecimentos em que estão inseridos, sendo, pois, ricas perspectivas no universo de possibilidades acadêmico-científicas.

Nesse ínterim, considerando as imbricações entre a Literatura e a perspectiva da decolonialidade no âmbito da abordagem feminista, pode-se afirmar que os(as) personagens da ficção literária representam seres reais, verossímeis, que traduzem o ser e o estar no mundo na relação com a história, com a sociedade e com a cultura, um vez que, segundo Antonio Candido (2009CANDIDO, Antonio. A Personagem de Ficção. São Paulo: Perspectiva, 2009.), importante crítico da Literatura brasileira, o objeto literário não existe sem a personagem de ficção e esta tem a vida traçada conforme certas condições do espaço que influenciam diretamente a sua trajetória na trama.

Dessa forma, a personagem Conceição, da obra em exame, dialoga com o feminismo decolonial e do sul, via América Latina, uma vez que se configura, conforme Luciana Ballestrin (2017BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. “Feminismos Subalternos”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 25, p. 1035-1054, set./dez. 2017.), como um feminismo subalterno, em face da Geopolítica do Conhecimento, que divide o mundo entre as Epistemologias e Teorias do Sul e as Epistemologias e Teorias do Norte, impregnando-se, assim, de um colonialismo acadêmico e de um imperialismo intelectual.

Nessa esteira, conforme Ballestrin (2017BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. “Feminismos Subalternos”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 25, p. 1035-1054, set./dez. 2017.) que reverbera as considerações de Gayatri Spivak (2010SPIVAK, Gayatri. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2010.), o feminismo subalterno refere-se à subalternidade no interior do próprio feminismo. Outrossim, a personagem Conceição, embora subversiva, estava imersa numa geografia cultural de invisibilização, integrando-se a uma América Latina colonial e, portanto, vulnerável à dominação e à opressão.

Posto isso, sublinha-se que Conceição, ainda que represente um feminismo subalterno, rompe com a estrutura sociocultural do início do século XX, que apresentava um contexto essencialmente conservador e patriarcalista, subjugando o papel da mulher na família e na sociedade. Nesse sentido, no cenário global contemporâneo, Conceição continua sendo um símbolo do feminismo subalterno por retratar a tentativa de emancipação de uma mulher do Nordeste brasileiro, latino-americana e que se insere na Geopolítica do Sul, inferiorizada pela visão eurocêntrica, que exerce a colonização do poder, do saber e do ser.

Partindo dessa premissa, faz-se necessária uma postura (teórica e prática) que refute essa neocolonização que vem sendo replicada na sociedade contemporânea, uma vez que a subjugação dos povos colonizados não foi extinta após a emancipação política de suas respectivas nações, deixando, assim, um legado de subalternidade. De acordo com Thaís Colaço (2012COLAÇO, Thaís Luzia. Novas perspectivas para a antropologia jurídica na América Latina: o direito e o pensamento decolonial. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012.), o decolonial é uma luta contínua, o que implica a necessidade de um discurso e de uma prática permanente de resistência às forças hegemônicas.

Nessa perspectiva, na obra O Quinze, da escritora cearense Rachel de Queiroz, a protagonista Conceição renuncia ao casamento, objetivo-fim das mulheres da época, e decide por sua liberdade, lendo seus livros, ministrando suas aulas (como professora), criando sozinha o seu afilhado e realizando trabalhos voluntários de assistência social, desempenhando, assim, outro papel, que, para a sociedade do início do século XX, era revolucionário e passível de discriminação.

Sob esse viés, a partir de um quadro artístico de segregação, começa a saga de uma mulher escritora que se lança no universo ficcional, resistindo aos preconceitos de uma sociedade conservadora, presa aos conceitos de uma mulher unicamente cuidadora, seja do marido, seja dos filhos, cujo protagonismo intelectual lhe era negado. Contudo, tal era a força de seu talento que o livro despertou imediata atenção da crítica.

Entretanto, consoante Edmílson Caminha (2010CAMINHA, Edmílson. Rachel de Queiroz: a Senhora do não me deixes. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2010.), Graciliano Ramos e outros intelectuais renomados do século XX duvidaram que a autora de O Quinze fosse uma mulher. Tal descrença decorre do fato de que havia, na época, um reduzido número de escritoras que, por sua vez, produziam, no máximo, poesias. Daí, a estranheza de uma jovem escrever um romance de substancial valor literário.

Nessa perspectiva, a historiadora Miridan Falci (2004FALCI, Miridan Britto Knox. “Mulheres do sertão nordestino”. In: PRIORE, Mary Del (Org.). Histórias das mulheres do Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. p. 202-231.) declara, no livro História das mulheres no Brasil, mais especificamente no capítulo “Mulheres do sertão nordestino”, que, no final do século XIX e início do XX, a visão daquela época previa que a mulher, excessivamente letrada e independente, seria uma ameaça ao lar tradicional. Essa mentalidade retrógrada dificultou, pois, a ascensão feminina no cenário da autoria literária e, para Rachel de Queiroz, não foi diferente, visto que teve de enfrentar um ambiente intelectual preconceituoso, onde a mulher estava galgando os primeiros e lentos passos.

Nesses termos, salienta-se que Rachel de Queiroz conquistou a façanha de se tornar, em 1977, a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras que, de acordo com Caminha (2010CAMINHA, Edmílson. Rachel de Queiroz: a Senhora do não me deixes. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2010.), foi fundada em 1897, mas a instituição resistia, obstinadamente, a acolher mulheres. Entretanto, a autora quebra esse tabu de exatos 80 anos. Esse pioneirismo buscou explicitar, desde a publicação de sua primeira obra O Quinze, quando utilizou características marcantes na caracterização da personagem feminina Conceição, levando ao público-leitor, uma reflexão sobre as múltiplas funções da mulher na sociedade.

Levando em consideração as minúcias da vida e obra de Rachel de Queiroz, pode-se afirmar que o livro O Quinze evidencia um enredo vanguardista, e a autora inaugura, portanto, um estilo vibrante, fazendo uma estreia primorosa na Literatura brasileira. Evadindo-se do anonimato e despontando, já na sua primeira obra publicada, para a seara de renomados escritores de sua época, desperta, assim, a atenção de críticos literários e intelectuais diversos, além, é claro, de aguçar o senso crítico dos leitores e das leitoras que apreciam um caráter dramático, inovador e permeado de reflexões sobre o ser e o estar no mundo.

Segundo Júlio César Cattapan (2012CATTAPAN, Júlio César Rodrigues. “O quinze: contrastes e tensões”. Revista Diadorim, Rio de Janeiro, v. 7, Dossiê Rachel de Queiroz, p. 99-114, abr./jun. 2012.), na década de 1930, época da publicação da primeira edição de O Quinze, tornou-se evidente, considerando as tragédias humanas do período, a incapacidade do capitalismo liberal de solucionar as mazelas sociais. Nessa conjuntura, disseminaram-se diversas ideologias, com o intuito de servirem como alternativas ao capitalismo liberal, tais como: fascismo, nazismo, comunismo, socialismo. No Brasil, esses conflitos políticos também se fizeram presentes e os(as) artistas passaram a produzir uma literatura socialmente engajada, enfocando os problemas do país e, enquadrados nessa tônica, estão os(as) romancistas da década de 30, como Rachel de Queiroz.

Ainda de acordo com Cattapan (2012CATTAPAN, Júlio César Rodrigues. “O quinze: contrastes e tensões”. Revista Diadorim, Rio de Janeiro, v. 7, Dossiê Rachel de Queiroz, p. 99-114, abr./jun. 2012.), os romancistas de 30, como Rachel de Queiroz, propunham o engajamento social e político da literatura, bem como advogavam a necessidade de um posicionamento ideológico. Por conseguinte, para a geração de 30, conforme é narrado na obra regionalista O Quinze, o contexto do país era desastroso e pouco promissor. Ademais, quanto à linguagem, os autores, vinculados a essa vertente, buscaram transpor, para a literatura, a língua falada cotidianamente pelo povo. Desse modo, a linguagem era simples, apresentando uma narração enxuta, direta e sintética, a fim de alcançar proximidade com o público e um maior poder de penetração de sua mensagem.

Diante do exposto, este estudo tem como objetivo analisar a abordagem feminista e a decolonialidade que estão presentes nas colocações e decisões da personagem Conceição, em analogia com discursos coloniais, proferidos por diversas personagens femininas da trama. Salienta-se, também, que esta investigação parte da hipótese de que o discurso feminista e decolonial de Conceição é o caso mais explícito na narrativa da obra, uma vez que algumas mulheres do início do século XX tinham um perfil submisso às normas familiares e sociais, enquanto que outras, buscavam formas sutis de rebeldia, conforme esclarece Vânia Vasconcelos (2019VASCONCELOS, Vânia Nara Pereira. “Entre a norma e a rebeldia: rastros de feminismos no sertão baiano”. Sæculum - Revista de História, v. 24, n. 41, p. 204-216, jul./dez. 2019.).

Considerando esses elementos contextuais, reitera-se que a presente pesquisa está calcada na obra O Quinze (2012) (1930), de Rachel de Queiroz, que reúne breves 26 (vinte e seis) capítulos, dos quais foram selecionados os fragmentos literários que discorreram sobre a abordagem feminista e a perspectiva decolonial da personagem Conceição em contraponto com os demais discursos femininos, expostos no referido romance.

Com vistas a realizar esta investigação, foram adotadas as reflexões de Eni Orlandi (2012ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes/UNICAMP, 2012.), autora que corrobora a Análise do Discurso de Linha Francesa, que tem Michel Pêcheux (2006PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 2006.) como um de seus maiores expoentes, cuja contribuição teórica perpassa pela ponderação de que não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia. Isso posto, o indivíduo é questionado em sujeito pela ideologia e é, assim, que a língua faz sentido.

Dessarte, Orlandi (2012ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes/UNICAMP, 2012.) considera as condições de produção em que a obra foi escrita, o contexto histórico-social do país e a história de vida do(a) autor(a), destacando, pois, essas três características como muito relevantes para a análise deste estudo, visto que é através dessas ferramentas que será realizada a análise do discurso na obra em questão. Ademais, na concepção de Orlandi (2012), há de se levar em conta os fatores histórico-sociais que envolveram a produção do discurso e também os sentidos implícitos e explícitos do texto.

Vale apontar, ainda, que, na análise do discurso, consoante Orlandi (2012)ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes/UNICAMP, 2012., procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico na relação do homem com a sua história e com as construções sociais, norteado pela capacidade de significar e significar-se, validando, assim, tais sentidos no discurso do(a) autor(a) através das considerações de suas condições de produção, as quais compreendem, principalmente, o sujeito e a situação (contexto imediato e contexto amplo).

Nesse sentido, salienta-se que, para compreender as condições de produção no que tange ao sujeito que enuncia - Rachel de Queiroz - e a situação, foi realizada pesquisa bibliográfica relacionada à autora e ao período histórico em que se insere a obra O Quinze, além de ter sido considerada a ideologia intrínseca ao discurso produzido pelo sujeito que fala no texto, consoante os estudos de Pêcheux (2006PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 2006.).

Ademais, é válido destacar que foram adotados a Ecocrítica e o Ecofeminismo como mecanismos de análise, tendo em vista que, conforme Glotfelty (1996GLOTFELTY, Cheryll. “Introduction-literary studies in an age of environmental crisis”. In: GLOTFELTY, Cheryll; FROMM, Harold (Eds.). The ecocristicism reader: landmarks in literary ecology. Athens / London: The University of Georgia Press, 1996. p. XV-XXXVII.), as interlocuções entre Literatura e Ecologia são bastante relevantes para uma criteriosa e abrangente investigação em torno das relações de gênero e o ambiente, considerando o universo interdisciplinar que permeia a dinâmica da vida em sociedade na imbricação com a cultura e a natureza.

Sendo assim, para construir o marco teórico deste artigo, foram acessadas 32 (trinta e duas) publicações, como artigos científicos, localizados em periódicos on-line e em anais de eventos disponíveis eletronicamente, que remontam às primeiras décadas dos anos 2000, além de e-books e livros de críticos literários brasileiros e teses de doutorado, cuja totalidade do referencial teórico data de 1989 até consultas que foram realizadas em sites da internet no primeiro semestre de 2021.

Tensões socioculturais em Conceição, de O Quinze

A Literatura, como arte da palavra, apresenta múltiplas funções, dentre elas a de crítica social, que tem o propósito de denunciar as problemáticas que permeiam as relações humanas numa dada época. Conforme o crítico literário Alfredo Bosi (2006BOSI, Alfredo. História Concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.), a segunda fase do Modernismo (1930-1945), da qual Rachel de Queiroz faz parte, concedeu à Literatura brasileira um regionalismo fixo na realidade. Seguindo essa linha de pensamento, pode-se afirmar que o texto literário aguça a reflexão acerca das diversas dinâmicas do mundo, sejam elas históricas, políticas, intelectuais ou socioculturais.

Nessa esteira, o livro O Quinze apresenta uma diversidade de temas reflexivos, dentre eles, um destaque singular ao papel da mulher na sociedade mediante o relevo da personagem Conceição, suscitando análises em torno do feminismo e da decolonialidade como formas de superar o paternalismo e o conservadorismo que vem oprimindo, historicamente, as identidades femininas, imprimindo, assim, a colonização de gênero, que coloca o homem num patamar de superioridade. Nesse ínterim, a obra em epígrafe desponta-se, no cenário literário, como uma rica fonte de debates frente a essas questões.

Vale realçar que, segundo Edilaine Freitas et al. (2019FREITAS, Edilaine da Silva et al. “Memórias: aspecto marcante na obra O Quinze, de Rachel de Queiroz”. Revista Philologus, Rio de Janeiro, v. 25, n. 75, p. 1876-1893, set./dez. 2019.), a escolha do nome da referida personagem se deve ao fato de que a autora, em 1920, por uma exigência da avó, matricula-se no Colégio Conceição, o que, certamente, marcou a vida da escritora e, por isso, o motivo da definição desse nome como a protagonista da obra. Nesse panorama, a personagem Conceição, que compõe o presente enredo, é autobiográfica, uma vez que a autora traz à tona elementos que lhe eram peculiares, como, por exemplo, a sensibilidade, a inteligência, a reflexão e, acima de tudo, a vontade própria, que realiza escolhas com seriedade, ousadia e determinação, sendo avessa a qualquer forma de subjugação, suscitando, pois, o empoderamento da mulher, com vistas a protagonizar a sua própria história, ainda que fosse um feminismo subalterno na concepção etnocêntrica colonial, que reproduz as visões dicotômicas superior/inferior.

É importante destacar que, embora Serge Doubrovsky (2005DOUBROVSKY, Serge. “L’autofiction selon Doubrovsky”. In: VILAIN, Philippe. Défense de Narcisse. Paris: Grasset, 2005.) tenha lançado ao campo literário o termo ‘autoficção’ como um neologismo que dialoga com o léxico autobiografia, segundo Patrick Saveau (2011SAVEAU, Patrick. Serge Doubrovsky ou l’écriture d’une survie. Dijon: EUD, 2011.), apesar da superexposição daquele vocábulo, que poderia desencadear um maior esclarecimento sobre ele, o que se observa é o seu obscurecimento, visto que não há consenso entre os estudiosos quanto ao seu conceito e respectivas especificidades. Outrossim, optou-se por utilizar, neste manuscrito, a expressão autobiografia por considerá-la mais pertinente ao contexto que se encerra na obra em exame, uma vez que, conforme Philippe Lejeune (2013LEJEUNE, Philippe. “Da autobiografia ao diário, da Universidade à associação: itinerários de uma pesquisa”. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 48, n. 4, p. 537-544, out./dez. 2013.), o texto autobiográfico não é um jogo de adivinhação, pelo contrário, há marcas explícitas da inter-relação entre personagem e autor (a) como se verifica no romance em estudo.

Nesse viés, há evidências geográficas da possível correlação vida-obra (Rachel de Queiroz-Conceição), quando se observa o eixo espacial Fazenda Logradouro-Quixadá-Fortaleza-Logradouro na personagem Conceição, numa oscilação campo-cidade, conforme o trecho a seguir: “Todos os anos, nas férias da escola, Conceição vinha passar uns meses com a avó, no Logradouro, a velha fazenda da família, perto do Quixadá” (Rachel de QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 13). De modo semelhante, verifica-se essa constante alteração espacial, vivida por Rachel de Queiroz. Segundo Ylsy Câmara, Yzy Câmara e Melina Soutullo (2015CÂMARA, Ylsy Rabelo; CÂMARA, Yzy Maria Rabelo; SOUTULLO, Melina Raja. “O Quinze: revisitando a importância de Rachel de Queiroz para a cultura cearense, a literatura brasileira e o feminismo no Brasil do século XX”. Revista Entrelaces, Fortaleza, n. 6, p. 116-130, jul./dez. 2015.), a escritora passava seis meses em seu apartamento, no Rio de Janeiro, e seis meses em sua fazenda “Não Me Deixes”, em Quixadá-CE.

Reiterando essas constatações, Glotfelty (1996GLOTFELTY, Cheryll. “Introduction-literary studies in an age of environmental crisis”. In: GLOTFELTY, Cheryll; FROMM, Harold (Eds.). The ecocristicism reader: landmarks in literary ecology. Athens / London: The University of Georgia Press, 1996. p. XV-XXXVII.) afirma que a Ecocrítica busca investigar a influência do espaço físico (“Logradouro”/“Não Me Deixes”) na imaginação de determinada escritora (“Rachel de Queiroz”), como, por exemplo, neste caso, a fazenda fictícia / fazenda real que a autora representa no discurso literário, emergindo, assim, as suas reminiscências do lugar onde cresceu, percorreu e escreveu as suas memórias e vivências cotidianas.

Outro aspecto autobiográfico, de acordo com Freitas et al. (2019FREITAS, Edilaine da Silva et al. “Memórias: aspecto marcante na obra O Quinze, de Rachel de Queiroz”. Revista Philologus, Rio de Janeiro, v. 25, n. 75, p. 1876-1893, set./dez. 2019.), é o fato de que a autora Rachel de Queiroz, juntamente com suas tias, realizava na capital Fortaleza, obras de caridade nos campos de concentração que serviam de depósito de “lixo humano”, onde se aglomeravam milhares de retirantes na época de estiagens prolongadas no Ceará. Analogamente, a personagem Conceição desenvolvia, também, trabalhos voluntários e de solidariedade nos chamados “currais do governo”, uma vez que os flagelados da seca eram tratados de forma deplorável e, portanto, indigna, inclusive, para os animais ditos irracionais.

Posto isso, entre personagem e autora, há uma identificação projetiva. Em outras palavras, observa-se, explicitamente, uma conjunção ficção-realidade na obra O Quinze, de Rachel de Queiroz. Desse modo, consoante Marina Ribeiro (2016RIBEIRO, Marina F. da R. “Uma reflexão conceitual entre identificação projetiva e enactment. O analista implicado”. Revista Cadernos de psicanálise, Rio de Janeiro, v. 38, n. 35, p. 1-18, dez. 2016.), o conceito de identificação projetiva foi postulado por Melanie Klein, em 1946, no texto "Notas sobre alguns mecanismos esquizoides", um clássico da literatura psicanalítica. Para a autora, a identificação projetiva pode ser compreendida como uma fantasia inconsciente entre analista e analisando e, de modo análogo, entre autor(a) e personagem, podendo ter um caráter mais agressivo, expulsivo e, portanto, defensivo ou um caráter mais comunicativo, sendo que os mecanismos de cisão e projeção, em intensidades diversas, estão sempre implicados. Sendo assim, autores, autoras e personagens estão imbricados numa relação identitária, uma vez que os(as) personagens de um escritor(a) são as projeções dos desejos autorais.

Uma questão divergente e curiosa entre a autora e a personagem é o fato de que Rachel se casa duas vezes e tem filhos, porém Conceição não contrai o matrimônio e não deixa descendentes, apenas cria, com muito amor, um afilhado. Dessa forma, infere-se que a protagonista tenha realizado um recôndito desejo da escritora - não ter se casado, uma vez que sofrera profundas angústias decorrentes dos enlaces matrimoniais ao longo da vida, inclusive o falecimento de sua primeira filha, conforme divulgam Freitas et al. (2019FREITAS, Edilaine da Silva et al. “Memórias: aspecto marcante na obra O Quinze, de Rachel de Queiroz”. Revista Philologus, Rio de Janeiro, v. 25, n. 75, p. 1876-1893, set./dez. 2019.) ao pontuarem que, no primeiro casamento da autora, Rachel perde uma filha. Esse acontecimento a abala profundamente, gerando, em seguida, a separação conjugal.

No tocante às minúcias da obra em exame, destaca-se que, no primeiro capítulo, verifica-se a profunda religiosidade de Mãe Nácia, que tudo espera do campo sagrado e simbólico; em contrapartida, observam-se a racionalidade e a intelectualidade de Conceição, que busca evidências e explicações concretas para a realidade cotidiana, como se pode corroborar nos excertos a seguir:

- E nem chove, hein, Mãe Nácia?; Dona Inácia levantou os olhos confiantes: - Tenho fé em São José que ainda chove!; - Eh! A lua limpa, sem lagoa! Chove não!; Foi à estante. Procurou um livro. Escolheu uns quatro ou cinco, que pôs na mesa, junto ao farol. Aqueles livros - uns cem, no máximo - eram velhos companheiros que ela escolhia ao acaso, para lhes saborear um pedaço aqui, outro além, no decorrer da noite (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 12).

Com base nos fragmentos anteriores, ressalta-se que Conceição, personagem autobiográfica, tem um comportamento bem inovador para o seu tempo, início do século XX. Desse modo, pode-se afirmar que ela é uma personagem vanguardista, que antecipa a luta feminista pelo reconhecimento de sua intelectualidade, já que poucas, nessa época, tinham acesso à escolarização, posto que a instrução era dirigida, predominantemente, aos homens.

Nesse panorama, conforme Maria Aparecida Ribeiro (2013RIBEIRO, Maria Aparecida. “A sertaneja que não quis ser traduzida: Rachel de Queiroz e a Livros do Brasil”. Revista Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 53, p. 13-26, jan./jun. 2013.), com O Quinze, Rachel de Queiroz estabeleceu-se como uma pioneira da Literatura feminista no Brasil. Sendo assim, o Ecofeminismo, segundo Alba Feldman (2015FELDMAN, Alba Krishna Topan. “Animais na poética indígena norte-americana - duas perspectivas”. In: BRAGA, Elda Firmo; LIBANORI, Evely Vânia; DIOGO, Rita de Cássia Miranda (Orgs.). Representação animal na literatura. Rio de Janeiro: Oficina da Leitura, 2015.), discute a relação entre dominação masculina sobre a mulher e sobre a natureza. Sob tal aspecto, essa obra traz contributos à compreensão da luta feminista, mediada por uma força decolonial, a fim de que esse quadro de opressão seja subvertido.

Retomando o excerto acima, assim como Conceição, a autora não era uma criatura de muita religiosidade conforme atestam Freitas et al. (2019FREITAS, Edilaine da Silva et al. “Memórias: aspecto marcante na obra O Quinze, de Rachel de Queiroz”. Revista Philologus, Rio de Janeiro, v. 25, n. 75, p. 1876-1893, set./dez. 2019.), quando afirmam que essa característica da autora foi revelada em um programa da TV Câmara, dirigido por Ana Maria Lopes, para a série “Memória Política”, gravado em 2001, dois anos antes do falecimento da escritora. Nessa entrevista, Rachel apregoa que os anos estudando no Colégio Conceição, convivendo com as freiras e com todos os momentos de fé daquela instituição, não foram suficientes para eliminar a sua descrença. Ela comentara, no referido programa, que nunca se configurou como uma mulher de fé, nem mesmo já idosa.

Outra constatação que se abstrai do discurso dessa personagem feminina vanguardista e decolonial é a aversão ao casamento, contrariando, assim, um padrão social de sua geração à qual a mulher estava vinculada como se pode observar nas seguintes passagens: “Conceição tinha vinte e dois anos e não falava em casar. Dizia alegremente que nascera solteirona”; “Ouvindo isso, a avó encolhia os ombros e sentenciava que mulher que não casa é um aleijão” (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 13).

Outrossim, percebe-se, explicitamente, o preconceito voltado às mulheres que não contraíam o matrimônio, sendo caracterizadas como uma aberração aos padrões sociais da época. Nesse ínterim, segundo Yuderkys Espinosa-Miñoso (2014), a colonialidade do poder, do saber e do saber também era perpassada para a colonialidade de gênero, emergindo a noção de seres superiores e inferiores, necessitando, pois, de um movimento decolonial para superar tal dicotomia.

De outra parte, em se tratando da maternidade, a personagem Conceição não era tão avessa, visto que criou o afilhado como se seu filho fosse, o que alegrara o coração de sua avó, D. Inácia, como se corrobora neste trecho: “- Ah, menina! Quando acaba, você diz que não é boa para casar!” (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 60), uma vez que guardava a esperança de que ela se casasse, mas isso não se concretizou no enredo da obra. Entretanto, o desejo de ser mãe a angustiava e, então, refletia:

Sentia no seu coração o vácuo da maternidade impreenchida; À vista do menino, adoçou a amargura no coração da moça. Passou-lhe, suavemente, a mão pela cabeça; e pensou nas suas noites de vigília, quando Duquinha, moribundo, arquejava, e ela lhe servia de mãe. Recordou seus cuidados infinitos, sua dedicação, seu carinho e, consolada, murmurou: - Afinal, também posso dizer que criei um filho (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 81).

A partir dessas inquietações e constatações da personagem Conceição, infere-se que ela sugere que a maternidade não ocorre apenas de forma natural, mas pode ser construída através da educação diária de uma criança. Em contrapartida, observando o discurso acima da avó de Conceição, percebe-se, claramente, que a idosa representa o pensamento dominante, no qual considera que a mulher foi feita para casar e, quando isso não ocorre, tal fato é caracterizado como uma anomalia da natureza feminina.

Diante disso, de acordo com Freitas et al. (2019FREITAS, Edilaine da Silva et al. “Memórias: aspecto marcante na obra O Quinze, de Rachel de Queiroz”. Revista Philologus, Rio de Janeiro, v. 25, n. 75, p. 1876-1893, set./dez. 2019.), tanto os movimentos feministas quanto os anticoloniais como, por exemplo, os decoloniais precisaram questionar as ideias dominantes de história e representação assim como fez a personagem feminista da obra em apreço, uma vez que a cultura é vista como um campo de conflito entre opressores e oprimidos, no qual a linguagem pode ser uma ferramenta de dominação ou libertação.

Consoante Câmara, Câmara e Soutullo (2015CÂMARA, Ylsy Rabelo; CÂMARA, Yzy Maria Rabelo; SOUTULLO, Melina Raja. “O Quinze: revisitando a importância de Rachel de Queiroz para a cultura cearense, a literatura brasileira e o feminismo no Brasil do século XX”. Revista Entrelaces, Fortaleza, n. 6, p. 116-130, jul./dez. 2015.), a personagem Conceição se abstém de um relacionamento no qual seria apenas uma esposa submissa, uma mãe devotada e uma prendada dona de casa e opta por uma vida de cunho revolucionário para o seu tempo, exercendo a função de professora, cujo salário a sustentava, além de criar, sozinha, um afilhado e desenvolver o voluntariado em trabalhos de assistência social, engajando-se na luta pela igualdade e dignidade humana, praticando, dessa maneira, nas labutas diárias, as leituras socialistas nas quais se debruçava. Ademais, Conceição se lançava em outros estudos subversivos, como estão descritos nos seguintes trechos: “Ante aquela ouvinte inesperada, tentou fazer uma síntese do tema da obra, procurando ingenuamente encaminhar a avó para suas tais ideias: - Trata da questão feminina, da situação da mulher na sociedade, dos direitos maternais” (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 69).

Sob esse viés, segundo Carlos Magno Gomes (2010GOMES, Carlos Magno. “A aula de alteridade em O quinze”. Revista Diadorim, Rio de Janeiro, v. 7, Dossiê Rachel de Queiroz, p. 45-56, jul./ set. 2010.), Rachel de Queiroz dissemina, na obra em questão, os seus contributos para debater a formação intelectual da mulher, sem, contudo, abrir mão de sua função social, mediante gestos de solidariedade e cumplicidade, como pode ser atestado nos excertos a seguir, quando Conceição resolve adotar o seu afilhado, que estava muito debilitado: “- Que é que se é de fazer? O menino cada dia é mais doente... A madrinha quer carregar pra tratar, botar ele bom, fazer dele gente” (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 58). Tais valores e virtudes, próprios da personalidade da referida protagonista, são imprescindíveis ao desenvolvimento humano e ao crescimento do país, especialmente, quando se está mergulhado num caos social, tal qual ocorreu na obra O Quinze que, primordialmente, narrou a grande seca de 1915, que acometeu o sertão cearense.

Ressalta-se que, caracterizada como uma leitora voraz, Conceição se instruía a partir dos mais diversos livros, sendo, pois, uma intelectual versátil, afeita a uma formação plural e bastante atualizada, o que era discrepante em se tratando de outras mulheres da obra, como Lourdinha e Mariinha, cujas famílias tinham, também, uma razoável condição socioeconômica, mas não desfrutavam do gosto pela leitura e pelo conhecimento; voltavam-se apenas ao sonho de casar-se:

- Que Mariinha! Eu logo vi o que vocês queriam! Então você acha, Lourdinha, que no fim de uma seca eu posso andar cuidando em casamento? Como foi que essa moça pensou nisso?; - Pois, Cente, veja lá, eu já estou comprometida com o Clóvis, e ele nem pensa em seca (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 74).

Nesse sentido, observa-se que o desejo geral das moças, personagens de O Quinze, era o matrimônio, revelando, assim, um comportamento submisso aos ditames de uma tradição paternalista, que ansiava controlar o destino da mulher. Como pondera Feldman (2015FELDMAN, Alba Krishna Topan. “Animais na poética indígena norte-americana - duas perspectivas”. In: BRAGA, Elda Firmo; LIBANORI, Evely Vânia; DIOGO, Rita de Cássia Miranda (Orgs.). Representação animal na literatura. Rio de Janeiro: Oficina da Leitura, 2015.), essa ideologia que autoriza a opressão com base no gênero é tema central do Ecofeminismo, que visa descortinar os implícitos do discurso literário acerca da dominação do homem sobre a mulher e a consequente necessidade de subversão.

Na tentativa de fomentar o rompimento com o espaço limitado que era imposto à mulher do início do século XX, Rachel de Queiroz lança a personagem Conceição ao imaginário da sociedade leitora que, com ousadia e obstinação, inspira outras moças a se libertarem das “amarras da ignorância”, conforme atestam os trechos a seguir:

- Esta menina tem umas ideias!; De fato, Conceição talvez tivesse umas ideias; escrevia um livro sobre pedagogia, rabiscara dois sonetos; Chegara até a se arriscar em leituras socialistas, e justamente dessas leituras é que lhe saíam as piores das tais ideias, estranhas e absurdas à avó (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 13).

Nesses termos, reafirma-se o caráter revolucionário e decolonial da personagem sublinhada, uma vez que ela era detentora de ideias avançadas para a sua época, sempre buscando ampliar a sua intelectualidade e autoria. Consoante Ballestrin (2017BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. “Feminismos Subalternos”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 25, p. 1035-1054, set./dez. 2017.), a decolonialidade atua como elemento de superação do par modernidade/colonialidade e tudo o que ele representa, imprimindo um padrão mundial de poder, inclusive em estudos de gênero.

Desse modo, com vistas a reforçar a rebeldia de Conceição para o seu tempo, cabe assinalar os seguintes fragmentos:

- Mãe Nácia, quando a gente renuncia a certas obrigações, casa, filhos, família, tem que arranjar outras coisas com que se preocupe, senão a vida fica vazia demais. - E para que você torceu sua natureza? Por que não se casa? Conceição olhou a avó de revés, maliciosa: - Nunca achei quem valesse a pena (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 69).

A partir desse diálogo, observa-se que Mãe Nácia tem uma visão tradicional e colonialista acerca da mulher, postulando que é da natureza feminina a submissão ao casamento. Em contrapartida, Conceição coloca-se aberta a outras possibilidades e a novas experiências num tom subversivo à época.

Vale pontuar que Conceição possuía uma visão política oposta à vigente até então, suscitando um discurso impactante àqueles que a ouviam, demonstrando, assim, um engajamento social e político, com o intuito de transformar a realidade opressora por que passava o país e, mais especificamente, a dos(as) sertanejos(as), com a qual mantinha forte ligação. De acordo com André Luiz Scoville (2011SCOVILLE, André L. M. L. de. “Literatura das Secas: Ficção e História”. 2011. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Letras) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.), a obra O Quinze incorpora uma forte preocupação social e um sentido político, muitas vezes, vinculado aos preceitos do marxismo, principalmente nas reflexões da personagem central da obra.

Sendo assim, Conceição, “acostumada a pensar por si” (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 13), não se sujeitava à colonialidade do poder, indo de encontro ao sistema político em voga, que aprofundava, cada vez mais, o abismo social, tratando os(as) retirantes como “lixo humano”, sendo, pois, depositados(as) nos chamados “Campos de Concentração ou Currais do Governo” numa situação deplorável e, portanto, indigna a qualquer pessoa.

Diante dessa trágica cena, Conceição, em conjunto com outras senhoras, tentava, com trabalho de assistência social, mitigar a miséria desses flagelados da seca, conforme se denota no trecho a seguir: “- Olhe, todo dia, você ou a comadre apareçam por aqui, e o que nós juntarmos, em vez de se dar aos outros, guarda-se só pra vocês. Eu vou ver se arranjo alguma coisa que lhe sirva” (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 55).

Nessa tônica, Conceição representa uma figura decolonial. Segundo Catherine Walsh (2019WALSH, Catherine. “Interculturalidade e decolonialidade do poder: um pensamento e posicionamento ‘outro’ a partir da diferença colonial”. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas-RS, v. 5, n. 1, p. 6-39, jan./jul. 2019.), o processo decolonial estabelece-se em oposição a um movimento opressor, gerado pela colonialidade do poder, e, portanto, configura-se como uma luta anti-hegemônica e transformadora, com vistas a uma ruptura epistêmica que incite a emancipação de grupos humanos que foram dominados e invisibilizados durante séculos de exploração, cujas práticas ainda se mantêm por meio das neocolonizações.

Com o propósito de reiterar o exposto acima, cabe destacar os fragmentos que se seguem: “- Ela faz parte do grupo de senhoras que distribuem comida e roupa aos flagelados” (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 44); “Conceição passava quase o dia inteiro no Campo de Concentração, ajudando a tratar, vendo morrer às centenas as criancinhas lazarentas que as retirantes atiravam no chão, entre montes de trapos, como um lixo humano” (QUEIROZ, 2012, p. 70). Sendo assim, fica evidente a deletéria situação a que os(as) retirantes eram submetidos(as).

Considerando tal panorama, essa dramática narração sensibilizou a escritora Rachel de Queiroz que, através da personagem autobiográfica Conceição, denunciou a condição decrepitante a que os(as) retirantes estavam imersos(as) e, ao mesmo tempo que expôs essa crítica social, conclamou, implicitamente, as autoridades constituídas e a sociedade civil organizada para a responsabilidade social de mitigar as realidades caóticas em que os(as) sertanejos(as) se encontravam numa atitude plenamente decolonial que resiste à colonialidade do poder, a qual fomenta, explicitamente, as exclusões, dividindo grupos humanos em privilegiados e oprimidos.

Para o sociólogo porto-riquenho Ramón Grosfoguel (2008GROSFOGUEL, Ramón. “Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global”. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 80, p. 115-147, mar. 2008.), que leciona na University of California, Berkeley, EUA, a expressão colonialidade do poder designa um processo fundamental de estruturação do sistema-mundo moderno/colonial, que articula os lugares periféricos da divisão internacional do trabalho com a hierarquia étnico-racial global e com a inscrição de migrantes do Terceiro Mundo na hierarquia étnico-racial das cidades metropolitanas globais. No caso da obra O Quinze e, portanto, numa perspectiva regional (Nordeste/Ceará/Sertão/capital), o “lugar periférico” é o sertão, cujos migrantes (retirantes) foram estigmatizados como “lixo humano”, em face da visão de superioridade da capital, que buscou, através de medidas governamentais, distanciar o grupo de flagelados da elite fortalezense.

Vale ponderar, também, que, segundo Ballestrin (2017BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. “Feminismos Subalternos”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 25, p. 1035-1054, set./dez. 2017.), as tentativas de mobilização e resistência, por meio da decolonialidade e do Sul, não deixam de ser uma decolonialidade subalterna, uma vez que, para Grosfoguel (2008GROSFOGUEL, Ramón. “Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global”. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 80, p. 115-147, mar. 2008.), as nações periféricas e os povos não-europeus vivem hoje sob o regime da colonialidade global, imposto pelos Estados Unidos, através do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, do Pentágono e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Nesse sentido, as zonas periféricas se mantêm numa situação de subserviência e dominação, ainda que já não estejam sujeitas a uma administração colonial.

Conforme o pesquisador argentino Walter Mignolo (2010MIGNOLO, Walter D. “Aiesthesis Decolonial”. Calle 14, v. 4, n. 4, p. 10-25, enero/junio 2010.), que leciona na Duke University, EUA, o conceito de colonialidade foi estendido para outros âmbitos que não só o do poder, sugerindo, assim, uma estrutura complexa de níveis entrelaçados, como, por exemplo, uma colonialidade abrangente que contempla o controle da economia, da autoridade, da natureza e de seus recursos, do gênero e da sexualidade, bem como da subjetividade e do conhecimento. Nessa ótica, os povos e as nações do Sul gozam de uma “liberdade cerceada”. Esse paradoxo pode ser compreendido, quando se constata que os grupos do Norte, hierarquicamente superiores na divisão do Globo, comandam todas as esferas, sejam elas políticas, econômicas, ambientais, epistemológicas ou comportamentais.

Nessa perspectiva, a personagem Conceição, por mais que seja um símbolo feminino revolucionário para a época, revela ainda um feminismo subalterno por representar a cultura do Sul, sendo, pois, uma nordestina do semiárido brasileiro e latino-americana. Dessa forma, consoante Ballestrin (2017BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. “Feminismos Subalternos”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 25, p. 1035-1054, set./dez. 2017.), a cultura do Norte, historicamente hegemônica, imprime dominância sobre a do Sul, externando, assim, um discurso de poder e subjugação dos povos colonizados. Não obstante, é inegável que os campos do conhecimento e da literatura são terrenos férteis à resistência dessa opressão à mulher colonizada, subalterna por excelência. Daí a grande importância de personagens decoloniais que suscitem análises feministas, preocupadas com a invisibilidade, o silenciamento e a subalternidade, estes produzidos pelo patriarcado e pelo colonialismo.

Outrossim, como já se podia esperar, levando em conta o caráter subversivo que lhe era peculiar, a personagem Conceição toma uma atitude incomum, tendo em vista o perfil da maioria das mulheres do início do século XX, muito afeitas ao casamento. Desse modo, na direção oposta à colonialidade de gênero, Conceição optara por sua independência devido à incompatibilidade entre ela (letrada e da cidade) e o pretendente (Vicente), um homem rude e do campo. Essa percepção pode ser coadunada com os trechos:

Num relevo mais forte, tão forte quanto nunca o sentira, foi-lhe aparecendo a diferença que havia entre ambos, de gosto, de tendências, de vida; Pensou no esquisito casal que seria o deles, quando à noite, nos serões da fazenda, ela sublinhasse num livro um pensamento. Talvez Vicente levantasse a vista e lhe murmurasse um “é”. Mas naturalmente a que distância e com quanta indiferença (QUEIROZ, 2012QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012., p. 47).

Destarte, fica patente a decisão racional tomada por Conceição. Esse procedimento da personagem revela o gosto pela sua liberdade, abrindo, assim, novas possibilidades à mulher de seu tempo e, quiçá, também a da contemporaneidade. Nesse sentido, segundo Norma Telles (2004TELLES, Norma. “Escritoras, escritas, escrituras”. In: PRIORE, Mary Del (Org.). Histórias das mulheres do Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. p. 336-370.), as mulheres do século XIX e início do século XX eram excluídas de uma efetiva participação na sociedade, da probabilidade de ocuparem cargos públicos, de assegurarem dignamente sua própria sobrevivência e, até mesmo, não tinham acesso à educação superior. Sendo assim, Rachel de Queiroz, na obra O Quinze, a partir das memórias autobiográficas contidas em Conceição, descortinou uma nova mulher: autodidata e de sólida formação intelectual, engajada social e politicamente, e emancipada financeiramente.

Relativamente a esse quadro, pode-se afirmar que a Literatura brasileira, a partir de Rachel de Queiroz, concede uma grande contribuição aos estudos feministas. Vale ponderar que a referida autora desenvolveu o hábito da leitura, em face do incentivo de outra mulher vanguardista, a sua mãe, que, de acordo com Caminha (2010CAMINHA, Edmílson. Rachel de Queiroz: a Senhora do não me deixes. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2010.), a progenitora da escritora, mesmo morando em Quixadá, no interior do Ceará, encomendava livros para atualizar o universo imaginário da filha, uma vez que era, também, amante da Literatura e, assim, Rachel foi se inspirando nas boas leituras a que tinha acesso desde a infância, deixando, portanto, um indelével legado à posteridade.

Considerações finais

Reitera-se que a abordagem feminista e a decolonialidade estão fortemente presentes nos discursos da personagem autobiográfica Conceição que, assim como a autora, transcendeu as expectativas que seu tempo acreditava ser possível para uma mulher, destacando-se, no cenário intelectual, político e social, representando, dessa maneira, uma inspiração a outras mulheres, com vistas a superarem os estigmas sociais a elas impostos historicamente e, assim, construírem novas experiências e novos papéis na sociedade, ultrapassando, portanto, as tradicionais funções que estavam limitadas ao casamento e à maternidade.

Nesse contexto, a personagem Conceição pode ser caracterizada como decolonial, visto que, no enredo da obra em apreço, mostrou-se resistente à colonialidade de gênero, negando, com suas ações e opções, as possibilidades de subjugação da mulher, mantendo-se, pois, firme em seus propósitos intelectuais, profissionais e sociais. Entretanto, esse feminismo da protagonista configura-se como subalterno, em face da visão etnocêntrica que vigora no mundo, dividindo (Norte/Sul) os povos e as nações mediante classificações dicotômicas (superiores e inferiores).

Sob esse viés, a personagem Conceição, por ser do nordeste brasileiro e latino-americana, agrega para si o rótulo da inferioridade do Sul e, assim, desenvolve, na trama, um feminismo que consideramos subalterno.

Em contrapartida, a imagem revolucionária da protagonista não deixa de ser impactante para o cenário feminista, decolonial e do Sul, despertando, por conseguinte, outras percepções em torno da mulher, sinalizando a uma resistência aos padrões opressores voltados ao gênero feminino, simbolizando, desse modo, um ícone de liberdade, autonomia e identidade feminina que pode e deve discrepar dos estereótipos histórico-sociais.

Seguindo essa linha de pensamento, a obra O Quinze, de Rachel de Queiroz, desempenha, primordialmente, o papel de denúncia da realidade, típico do Modernismo e com um caráter regional-universalista ao qual a segunda fase (1930-1945) se integrou, revelando, pois, a subjugação da mulher (em personagens como Mãe Nácia, Mariinha, Lourdinha) e, por outro lado, o espírito subversivo de Conceição, que se opõe aos estigmas impostos à mulher, sendo, assim, uma figura feminista, a qual resiste às intensas pressões do colonialismo de gênero.

Por fim, mediante a abordagem feminista e a decolonialidade, é possível corroborar o caráter interdisciplinar e transdisciplinar da Ecocrítica e do Ecofeminismo, possibilitando, assim, uma análise mais abrangente e profunda da relação da mulher com os aspectos históricos, políticos, sociais, culturais, intelectuais e afetivos, sendo, pois, um estudo inspirador à emancipação feminina e ao seu consequente reconhecimento social.

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  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    SARMENTO, Elisângela Campos Damasceno; MOURA, Geraldo Jorge Barbosa de. “Conceição em O Quinze: uma abordagem feminista e decolonial”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 2, e85691, 2023.
  • Financiamento:

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    Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2022
  • Revisado
    12 Ago 2022
  • Aceito
    14 Set 2022
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