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As marcas da dupla exclusão: experiências da enfermagem com o psicótico infrator

Las marcas de la doble exclusión: experiencias de la enfermería con el infractor psicótico

The marks of double exclusion: nursing experiences with the pyschotic offender

Resumos

No século XXI a noção de periculosidade como símbolo da loucura se transformará em instrumento a ser usado pelos doutos da lei para exercerem o seu poder sobre a loucura. Culpado ou louco? Tal pergunta será colocada pela justiça e a psiquiatria nascente tentará responder a ela. Este estudo descreve as atitudes da equipe de enfermagem com o psicótico-infrator e identifica as conseqüências advindas delas no cuidado a essa clientela. Estudo qualitativo-descritivo do qual participaram 20 profissionais da equipe de enfermagem do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico no Município de Niterói, RJ. Os resultados apresentam três categorias: medo, limites nas definições sobre a loucura e crime e controle institucional. Conclui-se que a reformulação do sistema judiciário em relação ao psicótico-infrator precisa ser revista para que se redirecione um novo olhar da psiquiatria e da justiça sobre essa clientela, capacitando a equipe de enfermagem em direção à função próxima do cuidado humano.

Enfermagem psiquiátrica; Direito penal; Psiquiatria legal


En el siglo XXI, la noción de peligrosidad como símbolo de la locura, se transformará en instrumento a ser usado por los doctos de la leí para ejercer su poder sobre la locura. ¿Culpado o loco? Esa pregunta será colocada por la justicia, y, la naciente psiquiatría intentará responderla. El presente estudio, describe las actitudes del equipo de enfermería con el psicótico infractor e identifica las consecuencias derivadas de ellas en el cuidado a esa clientela. Estudio cualitativo descriptivo del cual participaron veinte profesionales del equipo de enfermería del Hospital de Custodiay Tratamiento Psiquiátrico del Municipio de Niterói, RJ. Los resultados obtenidos presentan tres categorías: miedo, limites en las definiciones sobre la locura y el crimen, y, control institucional. Seconcluyeque la reformulación del sistema judicial en relación al psicótico infractornecesita ser revisada para que se dirija una nueva mirada de la psiquiatría y la justicia en relación a esta clientela. Además, es necesario capacitar al equipo de enfermería para la función próxima del cuidado humano.

Enfermería psiquiátrica; Derecho criminal; Psiquiatría forense


In the 21st Century the notion of danger as a symbol of madness would transform itself into an instrument to be used by those who were well-learned in law in order to execute their power over insanity. Guilty orinsane? Such a question would be placed infront of the justice system, to which the budding psychiatrist would attempt to respond. This study describes the attitudes of the nursing team towards the psychotic offender and identifies the consequenceswhich result from the care offered such clientele.It is a qualitative-descriptive study with 20 nursing professionals from the nursing staff of the County Hospital for Pyschiatric Careand Treatment, Niterói, Rio de Janeiro, Brazil (Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico no Município de Niterói, RJ). The results presented three categories: fear, limits in the definitions of insanity and crime, and institutional control. We conclude that the reformulation of the judicial system with respect to psychotic offenders must be revised. This would permit a new psychiatric and judicial perspective to be redirected towards the clientele, as well as capacitate the nursing team towards a function based more closely on human care.

Psychiatric nursing; Criminal law; Forensic psychiatry


ARTIGOS ORIGINAIS

PESQUISA

As marcas da dupla exclusão: experiências da enfermagem com o psicótico infrator

The marks of double exclusion: nursing experiences with the pyschotic offender

Las marcas de la doble exclusión: experiencias de la enfermería con el infractor psicótico

Mauro Leonardo Salvador Caldeira dos SantosI; Fernanda Silva de SouzaII; Cláudia Verônica Salvador Caldeira dos SantosIII

IEnfermeiro. Doutor em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro, Brasil

IIEnfermeira no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo, em Niterói, RJ. Rio de Janeiro, Brasil

IIIAdvogada. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Professora da Universidade da Cidade, RJ. Rio de Janeiro, Brasil

Endereço Endereço: Mauro Leonardo Salvador Caldeira dos Santos R. Raimundo Correia, 41. Ap. 803 22 040-040 - Copacabana, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

No século XXI a noção de periculosidade como símbolo da loucura se transformará em instrumento a ser usado pelos doutos da lei para exercerem o seu poder sobre a loucura. Culpado ou louco? Tal pergunta será colocada pela justiça e a psiquiatria nascente tentará responder a ela. Este estudo descreve as atitudes da equipe de enfermagem com o psicótico-infrator e identifica as conseqüências advindas delas no cuidado a essa clientela. Estudo qualitativo-descritivo do qual participaram 20 profissionais da equipe de enfermagem do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico no Município de Niterói, RJ. Os resultados apresentam três categorias: medo, limites nas definições sobre a loucura e crime e controle institucional. Conclui-se que a reformulação do sistema judiciário em relação ao psicótico-infrator precisa ser revista para que se redirecione um novo olhar da psiquiatria e da justiça sobre essa clientela, capacitando a equipe de enfermagem em direção à função próxima do cuidado humano.

Palavras-chave: Enfermagem psiquiátrica. Direito penal. Psiquiatria legal.

ABSTRACT

In the 21st Century the notion of danger as a symbol of madness would transform itself into an instrument to be used by those who were well-learned in law in order to execute their power over insanity. Guilty orinsane? Such a question would be placed infront of the justice system, to which the budding psychiatrist would attempt to respond. This study describes the attitudes of the nursing team towards the psychotic offender and identifies the consequenceswhich result from the care offered such clientele.It is a qualitative-descriptive study with 20 nursing professionals from the nursing staff of the County Hospital for Pyschiatric Careand Treatment, Niterói, Rio de Janeiro, Brazil (Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico no Município de Niterói, RJ). The results presented three categories: fear, limits in the definitions of insanity and crime, and institutional control. We conclude that the reformulation of the judicial system with respect to psychotic offenders must be revised. This would permit a new psychiatric and judicial perspective to be redirected towards the clientele, as well as capacitate the nursing team towards a function based more closely on human care.

Keywords: Psychiatric nursing. Criminal law. Forensic psychiatry.

RESUMEN

En el siglo XXI, la noción de peligrosidad como símbolo de la locura, se transformará en instrumento a ser usado por los doctos de la leí para ejercer su poder sobre la locura. ¿Culpado o loco? Esa pregunta será colocada por la justicia, y, la naciente psiquiatría intentará responderla. El presente estudio, describe las actitudes del equipo de enfermería con el psicótico infractor e identifica las consecuencias derivadas de ellas en el cuidado a esa clientela. Estudio cualitativo descriptivo del cual participaron veinte profesionales del equipo de enfermería del Hospital de Custodiay Tratamiento Psiquiátrico del Municipio de Niterói, RJ. Los resultados obtenidos presentan tres categorías: miedo, limites en las definiciones sobre la locura y el crimen, y, control institucional. Seconcluyeque la reformulación del sistema judicial en relación al psicótico infractornecesita ser revisada para que se dirija una nueva mirada de la psiquiatría y la justicia en relación a esta clientela. Además, es necesario capacitar al equipo de enfermería para la función próxima del cuidado humano.

Palabras clave: Enfermería psiquiátrica. Derecho criminal. Psiquiatría forense.

INTRODUÇÃO

A evolução histórica mostra-nos que a doença mental sempre esteve cercada de misticismos, rituais, superstições, e que o doente mental sempre foi identificado à violência, ou seja, ser louco é ser violento representando uma ameaça à sociedade que deveria então afastá-lo de seu convívio, trancafiando-o em masmorras,abandonando-o nas florestas ou recolhendo-o em casas de religiosos, dependendo da sociedade em questão.

Abordaremos o doente mental hoje, no séc. XXI, mais especificamente uma de suas categoria – o psicótico-infrator – aquele que cometeu crime em decorrência da doença mental sua relação com a justiça e o tratamento da enfermagem.

As relações entre a psiquiatria e a Justiça penal têm sido, pelo menos desde o séc. XIX, bastante estreitas. Por um lado, a Justiça não dispunha de meios para dar conta de certo tipo de crime cujas características pareciam fugir completamente à razão. Culpado ou louco, eis a questão ao mesmo tempo deixada em aberto pela Justiça criminal e proposta pela psiquiatria nascente. Enquanto a Justiça só pode agir sobre o delito depois de cometido, a psiquiatria parece capaz de prevê-lo em função de critérios de periculosidade, definidos cientificamente.1

Nota-se a existência, desde então, de uma polaridade entre a justiça e a medicina, segundo a qual o saber médico tende a estabelecer meios de formalizar a loucura num estatuto cientifico e, por outro lado, a justiça procura determinar o ato criminoso e a sua sentença a partir de um juízo moral.

Impossível, pois, declarar alguém ao mesmo tempo culpado e louco; o diagnóstico de loucura, uma vez declarado, não pode ser integrado no Juízo, ele interrompe o processo e retira o poder da Justiça sobre o autor do ato.2

É nesse ambiente de novas definições que surge a medida de segurança, como proposta de proporcionar ao louco criminoso um destino diferente daquele dado ao criminoso comum. Nesse ínterim, as medidas de segurança têm caráter preventivo e terapêutico, e não punitivo, pois prescrevem tratamento.

O cárcere ou o asilo, tal será o destino de uma determinada categoria de indivíduos. Entretanto, na própria fronteira entre as duas instituições, haverá aqueles considerados excessivamente lúcidos para as casas de alienados e insuficientemente responsáveis para a prisão,1 o que suscita uma questão: se o louco-criminoso não pode ser simplesmente condenado à pena de prisão ou ser internado em manicômio comum, qual seria o local adequado a ele? Uma resposta a essa questão leva à adoção de medidas de segurança que trazem consigo a exigência de diversos estilos arquitetônicos e a existência de aparelhagem interna nos estabelecimentos penais destinados a sua execução.3

Assim, desenvolve-se o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), um hospital-prisão que visa a assegurar a custódia e o tratamento do internado. O HCTP, em sua essência, é ambivalente e ambíguo, já que agrupa não só características hospitalares como equipe de saúde, enfermarias, postos de enfermagem, salas de atendimento médico, oficinas terapêuticas, como também características de presídio, simbolizadas pelo sistema de segurança composto de equipe de guardas, muros altos com arame, portões de ferro, grades em portas, janelas e cadeados.4

Nesse contexto, encontramos o profissional de enfermagem tentando entender o seu papel, em que sua responsabilidade ética mescla-se aos preconceitos morais que estão enraizados na cultura, revolta, discriminação, aversão e medo, o que o leva a travar, muitas vezes, verdadeiras batalhas em seu íntimo no cuidado a esses pacientes, motivando, assim, atitudes diante do paciente psicótico infrator que trazem, com efeito, implicações para assistência.

Um dos grandes desafios da enfermagem voltada para o cuidado nas situações de cárcere seria vencer o preconceito, a discriminação, a aversão e o medo, desempenhando seu verdadeiro papel no cuidado humano, que envolve o respeito à vida, à dignidade e aos direitos da pessoa em todo seu ciclo vital, sem discriminação de qualquer natureza.5 A pesquisa procurará então, descrever as atitudes dos profissionais de enfermagem no cuidado ao psicótico infrator, identificando as conseqüências dessas atitudes no cuidado de enfermagem.

A loucura e suas relações com a justiça

Ao longo da história, várias expressões foram usadas para designar a loucura. Em Roma, por exemplo, consta que o furiosos era o indivíduo que, entre as suas crises tinha intervalos lúcidos durante os quais deveria ser considerado plenamente imputável. Já a dementia seria a loucura plena, sem intervalos. Para a alienação da mente eram empregados os termos mente captus e mente alienatione. O imbecilitas era o incapaz para gerir os próprios bens.6

O Direito Romano preocupava-se com os aspectos civis, ou seja, com a capacidade do louco. Assim, a punição ao louco era inconcebível, pois a própria doença já se encarregava de fazê-lo. Se necessário fosse, medidas poderiam ser tomadas como contenção ou acorrentamento com a finalidade apenas de preservar a segurança e integridade das pessoas.

As ordenações do Reino (Filipinas), de 11 de janeiro de 1603, não se referem especificamente ao louco, mas incluem o desenvolvimento mental incompleto (menoridade) no capítulo da responsabilidade penal.

O código penal do Império do Brasil, de 16 de dezembro de 1824, no artigo 10, parece ter-se inclinado no sentido de excluir o crime, quando fosse cometido por um louco de todo o gênero, salvo em intervalo lúcido.6

Os loucos que cometessem fatos tipificados como crimes eram recolhidos às casas especialmente destinadas ou entregues às suas famílias, como parecesse mais conveniente ao juiz, conforme artigo 12.6

O código penal dos Estados Unidos do Brasil, de 1890, também parece ter colocado a saúde mental como pressuposto para a configuração de crime. Não eram considerados criminosos os menores de 9 anos, os maiores de 9 e os maiores de 14 que não tinham discernimento, os portadores de imbecilidade nativa, enfraquecimento senil, os privados totalmente dos sentidos e da inteligência e os surdosmudos sem discernimento, artigo 26.6

Aqui, o destino do louco criminoso continua a ser determinado pelo juiz, mas com uma significativa mudança, a internação passou a exigir fundamentação com base na doença mental, na periculosidade do agente e na garantia da ordem pública.

O código penal de 1940 trouxe algumas novidades como, por exemplo, a definição de responsabilidade penal em contraposição aos pressupostos da existência do crime.

Pela primeira vez surge a medida de segurança, sucessora da primitiva internação para segurança do público, introduzida pelo código republicano de 1890 (art.29). A medida de segurança tinha como fundamento o grau de perigo que determinados delinqüentes representavam para a sociedade (periculosidade).

Surge o inovador código penal de 1969, que revogado na voccacio legis, nunca entrou em vigor. Na versão original, o código mantinha a maioridade penal nos 18 anos. Porém, excepcionalmente, se o menor entre 16 e 18 anos demonstrasse suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato a governar a sua conduta, poderia o juiz declará-lo imputável, artigo 33.6

O grande avanço trazido pelo código de 1969 foi à possibilidade de não internação do louco, se não houvesse periculosidade. Junto com a sentença, o juiz deveria declarar o grau de periculosidade do condenado, artigo 51.6

Em tema de inimputabilidade penal, doença mental é toda manifestação nosológica, de cunho orgânico, funcional ou psíquico, episódico ou crônico, que pode, eventualmente, ter como efeito a situação de incapacidade psicológica do agente de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, conforme artigo 26 do Código Penal.3

O surgimento do manicômio judiciário

A questão do surgimento do Manicômio Judiciário pode ser entendida por dois paradigmas: "a partir de que relações significativas entre representações e práticas que se ocupam da transgressão às normas e valores sociais foi possível surgir a figura do louco-criminoso e a instituição que dele se ocupa?".7:36

As questões levantadas colocam em foco o que se julgou fundamental para a compreensão do surgimento do Manicômio Judiciário, ou seja, a maneira como se constituiu o significado social do crime ou da transgressão, a partir de diversos discursos e práticas que os tomaram enquanto objetos de reflexão e de intervenção, particularmente no discurso e na prática da medicina mental.

Efetivamente, parece ter sido a Inglaterra o primeiro país a erigir um estabelecimento especial para os delinqüentes alienados, a prisão especial de Broadmoon em 1870. Antes dela, tanto a França quanto os Estados Unidos, havia, apenas designado anexos especiais a alguns presídios para a reclusão e tratamento dos delinqüentes loucos ou dos condenados que enlouqueceram nas prisões.7

O direito brasileiro, através da lei de execução penal, vem regulamentar como deve ser a estrutura do Hospital de Custódia e Tratamento através de seu art.99. "O Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no artigo 26 e em seu parágrafo único do Código Penal".3:55

As situações se misturam e se tornam confusas num Manicômio Judiciário. A dicotomia custodiar/tratar encontra-se veementemente exacerbada em todos os momentos. De um lado, tem-se a equipe terapêutica, sempre buscando criar um ambiente que proporcione tratamento, realizando trabalhos como oficina de argila, oficina da terra, musicoterapia, debates, palestras, saídas terapêuticas, entre outros. De outro lado, encontra-se a equipe de segurança, composta por guardas, os quais sabem de sua importância na instituição e que sem eles o caos se instalaria, procurando manter a ordem e a disciplina com rigor, deixando bem claro o caráter prisional do estabelecimento.

Porém, parece-nos que conflitos não são privilégios apenas das equipes internas do Manicômio Judiciário, "pois ainda estes desentendimentos já vêm de instâncias superiores: frente à legislação, o primeiro ponto a ser descrito é o que se refere à própria posição do perito psiquiátrico e a relação entre o seu papel e o que é desempenhado pelo juiz. [...] não se pode deixar de perceber o conflito de competência que subjaz à superfície ordenada das disposições legais e como, através delas, a autoridade jurídica se protege, impondo limites ao poder de intervenção dos psiquiatras em matéria penal".7:88

Por conseguinte, o cumprimento da medida de segurança no manicômio judiciário invoca o seguinte dilema: tratamento ou punição? O HCTP é uma instituição vinculada à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado e é uma instituição protetora da sociedade retendo aqueles que, em decorrência de transtorno mental, violaram as leis de sociabilidade civil, ou seja, desviaram-se e cometeram crimes. Esse tipo de criminoso, o direito penal trata de maneira diferente do criminoso comum, baseando-se na noção de culpabilidade. O criminoso psicótico é isento de pena por ter praticado o ato em estado de não-responsabilidade jurídico-legal.

À luz do direito, as medidas de segurança não têm caráter repressivo e muito menos penal. São medidas preventivas e terapêuticas, pois prescrevem tratamento. Entretanto, os Manicômios Judiciários jamais cumpriram essa finalidade, funcionando como instituição entre a saúde e a justiça, entre o tratamento e a penitência.

O destino do louco-criminoso sofreu mudanças no decorrer do tempo que, a princípio, o louco-criminoso era tratado como criminoso comum, não sendo levado em consideração seu estado mental alterado. Porém, à medida que o Estado se organiza, surgem leis que vão estabelecer um novo olhar sobre o louco-criminoso, pois, se loucura é sinônimo de falta ou deficiência das faculdades mentais, incapacidade de compreensão do que é certo ou errado, o loucocriminoso é uma particularidade, devendo ser tratado de forma diferente. Sendo o agente incapaz de conter os impulsos criminosos determinados por sua anomalia psíquica, a sistemática crime/castigo é inútil e imoral. Não é válido, portanto, dispensar tratamento idêntico ao mentalmente sadio e ao psiquicamente incapaz, ou seja, que teria a pena quando a manifestação mental patológica impede que o agente aprenda com a conseqüência dos seus erros?8

A pena comum, prisão/punição, é aplicada aos imputáveis, àqueles que têm condições mentais mínimas de responder penalmente pelo ato criminoso que praticou. Ela é um dos elementos da culpabilidade, do juízo de reprovação social da conduta. Dessa maneira imputabilidade se traduz na capacidade psíquica abstrata de alguém ser responsabilizado por infração penal.

A partir do direito penal o louco-criminoso passa a ser denominado inimputável, ou seja, agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, é, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento.9

Entendendo os doutos da lei a singularidade do louco-criminoso, passa a ser necessário dar outro destino, que não a pena/prisão ao louco-criminoso. Surge, assim, a medida de segurança como solução a essa problemática. As medidas de segurança variam de acordo com o estado do praticante e de acordo com o delito, sendo de dois tipos: internação e tratamento ambulatorial, centrado numa dupla finalidade: proteger a sociedade dos loucos-criminosos e tratá-los até que cesse a periculosidade.8

As medidas de segurança são também sanções penais, à semelhança das penas. Diferem, porém, destas, principalmente pela natureza e fundamento. Enquanto as penas têm caráter retributivo-preventivo e se baseiam na culpabilidade, as medidas de segurança têm natureza apenas preventiva e encontram fundamento na periculosidade do sujeito.3

A medida de segurança artigo 97 §1º do Código Penal assinala que a internação e/ou tratamento ambulatorial serão por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de um a três anos. Por outro lado, a cessação de periculosidade se dá findo o prazo mínimo de duração da internação ou da submissão a tratamento ambulatorial. A verificação do estado de periculosidade do agente por meio de perícia médica determinará a cessação da execução da medida de segurança.3

METODOLOGIA

Estudo de natureza qualitativa, descritiva que buscou descrever as atitudes dos profissionais de enfermagem no cuidado ao psicótico infrator, identificando as conseqüências dessas atitudes no cuidado de enfermagem.

Sujeitos da pesquisa

Os sujeitos do estudo foram a equipe de enfermagem em todas as suas categorias, ou seja, sete enfermeiros, cinco técnicos e vinte e cinco auxiliares, contabilizando um total de trinta e sete profissionais. Desse total vinte participaram da pesquisa sendo: três enfermeiros, quatro técnicos e treze auxiliares de enfermagem, os quais trabalham em regime de plantão, em escalas diferentes. Os enfermeiros cumprem escala de 12/60, os técnicos e auxiliares, a escala de 24/120, sendo o início do plantão às 8:00h e o término às 8:00h do dia seguinte.

As atividades de enfermagem desempenhadas pelos enfermeiros na instituição podem ser agrupadas em: recebimento de plantão, checagem da escala de pessoal, supervisão das atividades técnicas e auxiliares, controle e reposição do material, realização de relatório de enfermagem e atuação nas intercorrências clínica e psiquiátrica junto à equipe. Os técnicos e auxiliares desempenham atividades próprias, porém sem distinção entre ambos, como contagem de medicamentos, relatórios de enfermagem, separação e administração de medicamentos, encaminhamento ao banho, encaminhamento à barbearia, corte de unhas, acompanhamento e supervisão da alimentação, auxílio dos técnicos (terapeuta ocupacional, psicólogo, serviço social, médico) no atendimento aos internos e atuação nas intercorrências junto com enfermeiros e guardas da instituição.

É importante ressaltar que nenhum profissional de enfermagem participa das reuniões da equipe multiprofissional ou de qualquer outra atividade a eles relacionada.

Instrumento de coleta de dados

A coleta de dados foi realizada através da aplicação de questionário, do qual constavam seis perguntas abertas, que versavam sobre a articulação do transtorno mental, crime e a enfermagem. O questionário foi entregue pessoalmente aos profissionais, o que proporcionou a oportunidade de explicar os motivos e objetivos do estudo e, ainda, a elucidação de eventuais dúvidas sobre alguma questão.

Cada participante recebeu uma folha de questionário e outra do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, as quais deveriam ser entregues no prazo de uma semana devidamente preenchidas e assinadas, garantindo-se o anonimato. Os participantes tiveram a autonomia de participar ou não da pesquisa, respeitando os aspectos éticos da pesquisa dispostos na Resolução Nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.10 Além da autorização 050/04 do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, tivemos o aceite do responsável do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo para o desenvolvimento da pesquisa. O critério de exclusão usado foi o da não aceitação por parte do profissional em participar do estudo, no qual alguns se encontravam de licença no período.

Findo o prazo, recolheu-se o material, ou seja, os questionários e consentimentos, dando-se início à leitura atenta e apurada das respostas e a classificação dos dados. Das seis questões que constituíam o questionário, emergiram três classes, que passaram a ser categorizadas segundo análise de conteúdo.

Cenário da pesquisa

Foi escolhido como campo para o desenvolvimento da pesquisa o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo, em Niterói, RJ que se destina a custodiar e tratar pessoas do sexo masculino, com capacidade para 150 internos, que cometeram delitos em decorrência de doença mental, e de dependência química. Oriundos de delegacias, presídios e outros hospitais, permanecem internados por determinação judicial para cumprirem medida de segurança conforme o artigo 26 do Código Penal, sobre tratamento.3

O HR é uma instituição fechada, muros altos, grades, caracterizando uma instituição total, "são instituições simbolizadas pela barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes são incluídas no esquema físico, normas, doutrinas e tarefas a serem cumpridas".4:52

No que diz respeito a seu espaço físico, é dividido em dois prédios, pátio interno e externo. Um dos prédios é dividido em alas. Na ala A (primeiro andar), permanecem os pacientes predominantemente crônicos, e as alas B e C (segundo andar) abrigam pacientes agudos e dependentes químicos. Existem também as enfermarias especiais, chamadas de "tranca", para onde são encaminhados pacientes que descumpriram as regras disciplinares, internos novos ou pacientes em surtos psicóticos. No outro prédio, funciona o serviço administrativo, e encontram-se o auditório e o arquivo de unidade. O tratamento terapêutico é feito pelos profissionais técnicos e abrange psiquiatria, enfermagem, terapia ocupacional, psicologia, serviço social, clínico geral, cardiologia e ainda assistência jurídica.

Por ser uma instituição prisional, possui um sistema de segurança composto por agentes penitenciários responsáveis por manter a disciplina e a ordem na instituição.

As patologias mais freqüentes encontradas são a esquizofrenias, transtorno bipolar e transtorno anti-social. Os delitos mais usuais foram cometidos contra familiares.

RESULTADOS

Três categorias foram levantadas a partir das respostas dos depoentes, isto é, dos profissionais de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem), os quais se pronunciaram como a relação enfermagem-psicótico-infrator determina conflitos que geram muitos impasses na assistência.

Medo

Podemos observar que o medo, referido pelos profissionais, explica-se, em princípio, pela própria natureza humana, já que a necessidade de sobrevivência quando o indivíduo é submetido a situações em que todos os personagens são esconhecidos e, ainda capaz de alguma forma ameaçá-lo passa a ser o principal propósito. Em se tratando de psicóticoinfrator num Manicômio Judiciário, essa ameaça se configura em agressividade, violência, hostilidade, ambiente de tensão entre outros, que, real ou imaginária, condiciona o comportamento do sujeito.

A fala deixa bem claro, o que gera esse medo: a princípio tive medo, pois não sabia como lidar com o paciente psiquiátrico e com a agravante de ter cometido delito (Funcionário três).

O que se observa através dessa fala é que o contato com o psicótico-infrator se deu de forma inadequada e traumatizante, pois não houve uma preparação formal desse profissional, através de cursos, visitação, treinamentos, palestras sobre as patologias mais freqüentes, e orientação de como lidar com esse cliente, tão atípico para a equipe naquele momento. Essa falta de preparação e esse contato inadequado só veio reforçar a tensão que o medo do desconhecido gerou em cada componente da equipe.

O medo do momento de lidar com os pacientes não surgia da imaginação, ao contrário era real, quase palpável, era de um quadro que se revelava diante de seus olhos como um ambiente hostil, composto de grandes galerias, grades por todos os lados, correntes e muitos cadeados, além disso, havia ainda olhares enigmáticos dos internos, olhares de curiosidade, boas vidas e ameaça. A ameaça que eles representavam para a equipe estava em sua própria história de vida, história de sua doença e de seu delito, enfim, estava no mito que a loucura lhes impunha.

Este medo quase palpável está na possibilidade de ser agredido, ser refém, receber ofensas verbais ou sofrer violência sexual, e, concernente à última questão, nas mulheres esse medo era mais intenso, pois a população abrigada na instituição era, em sua totalidade, composta por homens aos quais não se permitiam visitas íntimas, portanto, muitos não tinham relações heterossexuais há muitos anos. A fragilidade e a inferioridade física eram fatores concretos que as levavam a sentirem-se assim, vulneráveis, medo da violência sexual era uma constante.

Doentes x criminosos

A segunda categoria se caracteriza pela questão que situa a relação do trabalho no Manicômio Judiciário no limite entre a loucura e a justiça, no qual o binômio doente x criminoso evidenciou três eixos de argumentação dos depoentes.

- Primeiro eixo: os apenas doentes.

- Segundo eixo: os doentes criminosos.

- Terceiro eixo: apenas os criminosos.

Primeira argumentação: os apenas doentes

Analisando as falas dos depoentes, pode-se observar claramente a confusão de definições existentes na equipe de enfermagem com relação à clientela sob seus cuidados. Vinte e cinco por cento dos entrevistados classificam os internos como apenas doentes, que ali estão para serem tratados e não punidos, visto que só cometeram o crime porque eram portadores de transtorno mental e que, provavelmente, no momento do delito estavam sem o tratamento médico adequado, ou seja, acreditam que, se o interno estivesse "medicado", não cometeria o delito, como se transcreve a seguir. São pessoas que cometeram o delito devido à sua doença, tanto que muitos com o tratamento apresentam melhora e provavelmente não cometeriam o crime, se estivessem em tratamento (Funcionário um).

Ou seja, esses profissionais conseguem romper a barreira histórica que o mito impõe ao loucocriminoso e olhar esses indivíduos como seres humanos, que, não têm culpa de sua doença. E que a maioria dos internos do Manicômio Judiciário constitui um grupo à margem, que em sua quase totalidade provém de famílias carentes, que não teve acesso a uma boa alimentação, à educação, emprego, amor e oportunidade de reconhecimento como pessoas que realmente precisavam de ajuda. E, em seu infortúnio, praticaram ato bárbaro, muitos deles contra seus próprios entes queridos.8

Segunda argumentação: doentes x criminosos

Outros quarenta e cinco por cento disseram que não conseguem separar as duas realidades, ou seja, são doentes e criminosos ao mesmo tempo, como está claro no relato a seguir: são pacientes porque são doentes e criminosos porque cometeram delito e foram julgados pelo Juiz (Funcionário dois).

A partir dessa fala fica explícito que os papéis não são de definição tão simples, aí se configura a chamada zona fronteiriça, na qual crime e loucura se confundem.7

São doentes, quando se apresentam debilitados, deprimidos ou em surto psicótico, despertando na equipe compaixão, desejo de cuidar, etc. E criminosos, quando se colocam de forma ameaçadora e representam algum tipo de perigo iminente à vida de alguém da equipe.

Nesse ínterim, a postura assumida pelo profissional ficará a cargo dos próprios indivíduos sob seus cuidados, ora tratando-os como doentes, ora como criminosos.

Terceira argumentação: apenas criminoso

O restante, ou seja, trinta por cento classificam apenas como criminosos que fingem uma doença para se beneficiarem. Relatam também que o fato de existirem psicóticos e dependentes químicos (lúcidos) num mesmo ambiente dificulta o trabalho das equipes. No que tange a esta questão, observam-se tipos de comportamentos diferentes das equipes que atuam com essa clientela.

Essa dificuldade de assistir se configura no ato de que "o lúcido, o vagabundo", aquele que intimida, ameaça, não obedecendo às ordens, não cooperando com a equipe, simula todo tempo, posando de bonzinhos, quando quer algo. Esse tipo de interno desperta o mais variado tipo de sentimentos como: aversão, afastamento, ansiedade e medo, o que leva a que o tratamento dispensado seja distante, indiferente e realizado o mais breve possível. Não se estabelece um diálogo entre interno e o profissional, pois se presume que o próprio contato com esse indivíduo é uma forma de contaminação.

Nesse ambiente de tensão, o profissional é obrigado a estar alerta a todo o tempo, nunca se descuidando na realização de um procedimento qualquer, a fim de que o interno não tenha contato com objetos que possam servir, ou ser usados, como arma contra sua própria pessoa, contra a equipe ou os demais internos. Além de atuar com profissional da saúde na promoção do bem estar dos internos, ele se coloca como guardião de sua vida e dos seus colegas de trabalho.

Quanto ao psicótico, o "doentinho", aquele que "não apresenta perigo", não dificulta o trabalho da equipe, que, em sua maioria, atende às ordens, ingere os remédios, não sendo "abusado", cooperando, no nível de sua capacidade mental com a equipe no seu próprio cuidado, o atendimento leva em consideração suas limitações cognitivas, e suas queixas são valorizadas: eles não simulam, não se queixam sem realmente terem um motivo (Funcionário 4).

Controle institucional

A última categoria emergida das falas dos depoentes foi o controle institucional, como papel exercido pelo profissional de enfermagem no Manicômio Judiciário.

Esse controle é evidenciado através da seguinte fala: nos vemos apenas como profissionais que têm como único dever manter os loucos sobre controle, sem que importe que haja uma melhora real no seu quadro psíquico (Funcionário 2).

Essa forma de atuação do profissional de enfermagem no Manicômio Judiciário pode ser desvelada através do seu próprio processo de formação, pois a enfermagem psiquiátrica nasceu no hospício, não como coadjuvante no tratamento, como uma prática que iria atender às necessidades daquele indivíduo, mas como repressão, manipulação e poder controlador e disciplinador, cujas ações legitimam o saber médico.

Toda a violência e a agressividade do hospício são descontadas na conta do desempenho violento e agressivo do enfermeiro, a quem cabe, por herança secular, o serviço sujo das pequenas e cotidianas atrocidades do espaço asilar. Amarrar, conter, gritar, ofender impor-se pela robustez física, aplicar as medicações terapêuticas psiquiátricas prescritas, tudo em nome da pseudo-ordem do hospital.11

O controle institucional exercido sobre o psicótico infrator revela-se de forma ainda mais perversa, visto que ele, além da loucura, traz o estigma de seu delito, portanto, sua ficha criminal se sobrepõe à história de sua doença, e isso irá determinar, na maioria das vezes, a assistência a ser prestada.

Sendo o profissional de enfermagem o único a passar as 24h do dia em contato com o interno, ele faz que esse contato seja simbolizado através da relação de poder, e da vigilância exercidas sobre aquele que está sob seus cuidados, reduzindo-o à condição de obediência e submissão.

Os métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade/utilidade, disciplinando-o. E é esse exercício que fabrica assim corpos submissos ou exercitados, corpos dóceis,11 como comprova a fala sobre a assistência de enfermagem prestada a esses internos. Deveria ser humanizado, mas nosso papel na realidade é mecânico (Funcionário 4).

A assistência mecanizada manipula, ordena e domestica os corpos, forjando práticas institucionalizadas, para as quais não é preciso conhecimento cientifico, ou algum treinamento especifico, são apenas práticas domésticas, aplicadas no espaço institucional com o objetivo de legitimar e consolidar um poder sobre corpos e mentes doentes.

CONCLUSÃO

A pesquisa não pretendeu julgar, condenar ou defender a posição ou ponto de vista da equipe de enfermagem, contudo é uma tentativa de entender a atitude e o comportamento deste profissional frente aos conflitos vividos no seu dia-a-dia no Manicômio Judiciário, tendo como agente do seu cuidar o psicótico-infrator.

Confirmou-se, dessa forma, que o Manicômio Judiciário é uma instituição de caráter ambíguo, pois tem a finalidade de custodiar/tratar, e encerra uma clientela marcada pela dupla exclusão: a secular imposta pela doença mental e a do delito praticado, configurando o seu grau de periculosidade. Esta problemática aponta desde logo para a polaridade do estatuto médico-legal dos chamados loucos criminosos, habitantes de uma região estranha, onde culpa e inocência parecem se defrontar com igualdade de forças.7

Identificou-se que a relação entre a justiça e a psiquiatria são marcadas por diferenças de poderes, pois, quando a justiça incide sobre o louco–criminoso, ela determina o destino a ser dado a ele. Por outro lado, o juiz solicita o parecer do perito psiquiátrico, ao qual caberá a palavra final, com efeito, a relação entre delito e doença transita entre punir e cuidar.

Essa natureza ambígua existente no Manicômio Judiciário e do próprio psicótico-infrator faz com que se crie uma confusão de conceitos e atitudes por parte dos profissionais que ali atuam, em especial, na equipe de enfermagem, que permanece maior tempo com esses indivíduos.

O estudo identificou que as atitudes dos profissionais, frente ao psicótico-infrator, dependerá da definição que o profissional fará da clientela que está sob seus cuidados e que a assistência de enfermagem prestada será de acordo com tal definição.

Constatou-se, assim, que o trabalho desenvolvido pela equipe de enfermagem no Manicômio Judiciário é composto de práticas morais e domésticas para as quais não se justifica um saber com bases no conhecimento científico.

A relação de poder exercida pela enfermagem sobre o psicótico-infrator está na herança da enfermagem e nas características da instituição custodial. Assim sendo, reconhecemos que é necessária uma revisão do papel e da conduta do profissional de enfermagem, no Manicômio Judiciário, para que se consiga olhar o psicótico–infrator como alguém portador de uma patologia real, a qual não teve como evitar e sobre a qual, muitas vezes não tem controle.

Nos últimos anos, observam-se sinais de mudanças neste papel. A aproximação da enfermagem com as ciências humanas e sociais trouxe contribuições no sentido de adoção de uma nova atitude para o ensino e a prática de enfermagem.12

O profissional de enfermagem deve assumir seu lugar na equipe multiprofissional como agente de um saber subsidiado pelas ciências sociais e humanas para garantir um lugar importante na construção de um novo paradigma assistencial acerca de uma clientela colocada à margem e excluída.

REFERÊNCIAS

1 Pereira CR. Os carreiristas da indisciplina: um estudo sobre a psiquiatria e seus anti-sociais. Rio de Janeiro (RJ): Achiamé; 1979.

2 Foucault M. Vigiar e punir. 16a ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 1997.

3 Mirabete F. Execução penal. 9a ed. São Paulo (SP): Atlas; 2000.

4 Goffman I. Manicômios, prisões e conventos. 7a. ed. São Paulo (SP): Perspectiva; 2001.

5 Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução COFEN No 240 de 30 de agosto de 2000: dispõe dos princípios fundamentais, aprova o código de ética dos profissionais de enfermagem e dá outras providências [acesso em 2004 Nov 09]. Disponível em:

http://www.portalcofen.gov.br/2004/matérias.asp?ArticleID=706987&sectionID=34

6 Pereira AL. Homicídios praticados por mulheres portadoras de distúrbio mental [monografia]. Curitiba (PR): UFPR/Pós-Graduação em Modalidades de Tratamento Penal e Gestão Prisional; 2003.

7 Carrara SL. O crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século. Rio de Janeiro (RJ): EdUERJ/São Paulo (SP):EdUSP; 1998.

8 Figueiredo VC. O psicótico infrator no Instituto Raul Soares: intervenções clínicas possíveis [monografia]. Belo Horizonte (MG): Centro Universitário Newton Paiva/Pós-Graduação em Psicologia Jurídica; 2000.

9 Delmanto C. Código penal comentado. 6a. ed. Rio de Janeiro (RJ): Renovar; 2002.

10 Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (BR). Resolução No 196, de 10 de outubro de 1996: dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília (DF): MS; 1996.

11 Loyola CM. O parentesco imaginário. Rio de Janeiro (RJ): Cortez; 1994.

12 Tavares CMM. A interdisciplinaridade como requisito para a formação da enfermeira psiquiátrica na perspectiva da atenção psicossocial. Texto Contexto Enferm. 2005 Jul-Set; 14 (3): 403-10.

Aprovação final: 11/05/2007

Recebido em: 01/11/2006

  • 1 Pereira CR. Os carreiristas da indisciplina: um estudo sobre a psiquiatria e seus anti-sociais. Rio de Janeiro (RJ): Achiamé; 1979.
  • 2 Foucault M. Vigiar e punir. 16a ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 1997.
  • 3 Mirabete F. Execução penal. 9a ed. São Paulo (SP): Atlas; 2000.
  • 4 Goffman I. Manicômios, prisões e conventos. 7a. ed. São Paulo (SP): Perspectiva; 2001.
  • 6 Pereira AL. Homicídios praticados por mulheres portadoras de distúrbio mental [monografia]. Curitiba (PR): UFPR/Pós-Graduação em Modalidades de Tratamento Penal e Gestão Prisional; 2003.
  • 7 Carrara SL. O crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século. Rio de Janeiro (RJ): EdUERJ/São Paulo (SP):EdUSP; 1998.
  • 8 Figueiredo VC. O psicótico infrator no Instituto Raul Soares: intervenções clínicas possíveis [monografia]. Belo Horizonte (MG): Centro Universitário Newton Paiva/Pós-Graduação em Psicologia Jurídica; 2000.
  • 9 Delmanto C. Código penal comentado. 6a. ed. Rio de Janeiro (RJ): Renovar; 2002.
  • 10 Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (BR). Resolução No 196, de 10 de outubro de 1996: dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília (DF): MS; 1996.
  • 11 Loyola CM. O parentesco imaginário. Rio de Janeiro (RJ): Cortez; 1994.
  • 12 Tavares CMM. A interdisciplinaridade como requisito para a formação da enfermeira psiquiátrica na perspectiva da atenção psicossocial. Texto Contexto Enferm. 2005 Jul-Set; 14 (3): 403-10.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Aceito
      11 Jan 2006
    • Recebido
      11 Maio 2007
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