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Maria Rosa Sousa Pinheiro e a reconfiguração da enfermagem brasileira

Maria Rosa Sousa Pinheiro and the brazilian nursing reconfiguration

Maria Rosa Sousa Pinheiro y la reconfiguración de la enfermería brasileña

Resumos

Trata-se de estudo exploratório-descritivo, fundado no método histórico que objetivou identificar a participação feminina nas transformações sociais decorrentes da americanização no Brasil pós-1930. Para tanto, apresenta-se a trajetória de Maria Rosa Sousa Pinheiro. Os dados em análise foram obtidos através do material documental do Centro Histórico Cultural da Enfermagem Ibero-Americana. Esses dados permitiram reconhecer a personalidade em foco, que atuou de modo decisivo na reconfiguração da arte e ciência do cuidado no Brasil. Os resultados permitem afirmar que a enfermagem propagou ideais do American way of life na medida em que o modelo de formação e exercício profissional advinha de países como Estados Unidos e Canadá. As análises consideram que a atuação de Maria Rosa Sousa Pinheiro consubstancia a disseminação de uma nova representação do feminino na esfera social e do trabalho.

Mulheres; História da enfermagem; Escolas de enfermagem


This exploratory-descriptive study funded on historical method aimed at identifying female participation in the social transformations arising out of the Americanization process in Brazil, post-1930. For this purpose, Maria Rosa Sousa Pinheiro's trajectory is presented. Data used for analysis were collected through documents found in the archives of the Historical-Cultural Center for Iberian-American Nursing. Such data allowed for recognizing the person in focus who acted decisively towards the reconfiguration of the art and science of care in Brazil. The results permit us to affirm that nursing helped to disseminate the ideals of the American way of life as the model for professional education and practice from countries like Canada and the United States. This research suggests that the role of Maria Rosa Sousa Pinheiro embodies the spread of a new representation of women within social and labor spheres.

Women; Nursing history; Nursing schools


Se trata de un estudio exploratorio-descriptivo, basado en el método histórico, con el objetivo de identificar la participación femenina en las transformaciones sociales del proceso de americanización en Brasil después de 1930. Por ese motivo se estudia la trayectoria de Maria Rosa Sousa Pinheiro. Los datos se obtuvieron mediante el análisis de material documental encontrado en los archivos del Centro Histórico Cultural de la Enfermería Iberoamericana. Esos datos permitieron reconocer la personalidad en estudio, quien actuó de manera decisiva en la reconfiguración del arte y ciencia del cuidado en Brasil. Los resultados permiten afirmar que la enfermería ha ayudado a propagar los ideales del American way of life como modelo de formación y práctica profesional que surgió en países como Estados Unidos y Canadá. La investigación sugiere que la labor de Maria Rosa Sousa Pinheiro encarna la propagación de una nueva representación de lo femenino en la vida social y el trabajo.

Mujeres; Historia de la enfermería; Escuelas de enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Maria Rosa Sousa Pinheiro e a reconfiguração da enfermagem brasileira

Maria Rosa Sousa Pinheiro and the brazilian nursing reconfiguration

Maria Rosa Sousa Pinheiro y la reconfiguración de la enfermería brasileña

Taka OguissoI; Paulo Fernando de Souza CamposII; Emiliane Silva SantiagoIII

IDoutora em Enfermagem. Professor Titular do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem (EE) da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, Brasil. E-mail: takaoguisso@usp.br

IIDoutor em História. Pesquisador do Grupo de Pesquisa História e Legislação da Enfermagem - ENO/EEUSP/CNPq. Programa de Pós-Doutorado da Universidade de São Paulo ENO/EEUSP/FAPESP (2006-2009). São Paulo, Brasil. E-mail pfsouzacampos@usp.br

IIIMestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da EEUSP. Bolsista CAPES. São Paulo, Brasil. E-mail emilianesant@gmail.com

Correspondência Correspondência: Taka Oguisso Av. Dr. Enéias de Carvalho Aguiar, 419 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil E-mail: takaoguisso@usp.br

RESUMO

Trata-se de estudo exploratório-descritivo, fundado no método histórico que objetivou identificar a participação feminina nas transformações sociais decorrentes da americanização no Brasil pós-1930. Para tanto, apresenta-se a trajetória de Maria Rosa Sousa Pinheiro. Os dados em análise foram obtidos através do material documental do Centro Histórico Cultural da Enfermagem Ibero-Americana. Esses dados permitiram reconhecer a personalidade em foco, que atuou de modo decisivo na reconfiguração da arte e ciência do cuidado no Brasil. Os resultados permitem afirmar que a enfermagem propagou ideais do American way of life na medida em que o modelo de formação e exercício profissional advinha de países como Estados Unidos e Canadá. As análises consideram que a atuação de Maria Rosa Sousa Pinheiro consubstancia a disseminação de uma nova representação do feminino na esfera social e do trabalho.

Descritores: Mulheres. História da enfermagem. Escolas de enfermagem.

ABSTRACT

This exploratory-descriptive study funded on historical method aimed at identifying female participation in the social transformations arising out of the Americanization process in Brazil, post-1930. For this purpose, Maria Rosa Sousa Pinheiro's trajectory is presented. Data used for analysis were collected through documents found in the archives of the Historical-Cultural Center for Iberian-American Nursing. Such data allowed for recognizing the person in focus who acted decisively towards the reconfiguration of the art and science of care in Brazil. The results permit us to affirm that nursing helped to disseminate the ideals of the American way of life as the model for professional education and practice from countries like Canada and the United States. This research suggests that the role of Maria Rosa Sousa Pinheiro embodies the spread of a new representation of women within social and labor spheres.

Descriptors: Women. Nursing history. Nursing schools.

RESUMEN

Se trata de un estudio exploratorio-descriptivo, basado en el método histórico, con el objetivo de identificar la participación femenina en las transformaciones sociales del proceso de americanización en Brasil después de 1930. Por ese motivo se estudia la trayectoria de Maria Rosa Sousa Pinheiro. Los datos se obtuvieron mediante el análisis de material documental encontrado en los archivos del Centro Histórico Cultural de la Enfermería Iberoamericana. Esos datos permitieron reconocer la personalidad en estudio, quien actuó de manera decisiva en la reconfiguración del arte y ciencia del cuidado en Brasil. Los resultados permiten afirmar que la enfermería ha ayudado a propagar los ideales del American way of life como modelo de formación y práctica profesional que surgió en países como Estados Unidos y Canadá. La investigación sugiere que la labor de Maria Rosa Sousa Pinheiro encarna la propagación de una nueva representación de lo femenino en la vida social y el trabajo.

Descriptores: Mujeres. Historia de la enfermería. Escuelas de enfermería.

INTRODUÇÃO: AMERICANIZAÇÃO E MULHER BRASILEIRA

No pós-1930, vicissitudes da vida moderna possibilitaram às brasileiras o alcance a uma nova condição feminina. Como eleitoras e trabalhadoras, as mulheres construíram redes de sociabilidades, anteriormente consideradas impróprias e abjetas do ponto de vista social, possibilitando que atingissem um novo patamar no que diz respeito ao processo de emancipação da tutela masculina a qual estavam secularmente submetidas, cujos dogmas impunham os recônditos do lar.

Mulheres modernas não mais vinculavam suas existências aos preceitos do matrimônio (fidelidade conjugal, maternidade), tampouco aos desígnios da fragilidade (prendada, submissa, dócil), que determinavam a subalternidade frente à dominação masculina. No rol das transformações sociais, a modernização da sociedade brasileira propiciou, singularmente, uma radical mudança na representação do feminino. O status social alcançado incluiu o gênero em espaços sociais e de trabalho voltados tradicionalmente para homens, pois assumiram cargos diretivos e administrativos, com poderes legalmente instituídos, redimensionando as representações imputadas.1

Este processo pode ser observado no estudo da História da Enfermagem, que se destaca por ser uma das vias de inserção da mulher na vida pública. Como profissionais qualificadas, deveriam ser consultadas e ouvidas, condição diametralmente oposta ao que suas antecessoras estavam acostumadas, pois marcadas pela subalternidade, eram silenciadas e desprestigiadas. Em oposição, as principais personagens da arte e ciência do cuidado deveriam compor o quadro profissional-intelectual imperioso ao bem estar das populações, por esse motivo, deveriam ser escutadas e valorizadas por instituições de saúde no que se refere à elaboração de programas de ensino e formação profissional, adequação de normas, procedimentos e insumos relativos aos serviços de assistência médico-hospitalar.2

Manter a saúde da população era prioridade à modernização do Brasil, estigmatizado pela história das doenças locais (malária, tuberculose, hanseníase, febre amarela), que vinculava o país a um local impuro, vicioso e degenerado pela mistura racial.3 Na década de 1930, a americanização do Brasil afastou o antigo modelo de referência sócio-civilizatório (o mundo europeu) e impôs às pessoas o estilo de vida americano, influenciando o pensar e agir dos brasileiros.4

Não por acaso, a política da boa vizinhança, instaurada no governo de Getulio Vargas, (1930-1945), foi vivenciada por parcela significativa das enfermeiras brasileiras, suas grandes disseminadoras. Desde a primeira Reforma Sanitária Brasileira efetivada em 1920, por Carlos Chagas, com a fundação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), a enfermagem americana compunha o modelo por excelência à formação profissional. Nos anos 1940, mesmo redimensionado, o paradigma americano respondia às demandas do ensino e pesquisa na área, cuja permanência possibilita considerá-lo como grande inspiração ao exercício da enfermagem no Brasil.

Deste modo, por adotar o modelo sistematizado originalmente por Florence Nightingale (1820-1910), calcado na feminização do cuidado, a História da Enfermagem tornou-se campo fértil para o estudo da história das mulheres, como permite considerar a trajetória de vida da segunda Diretora da Escola de Enfermagem (EE), da Universidade de São Paulo (USP), Maria Rosa Sousa Pinheiro. Nascida em Araraquara, interior do Estado de São Paulo, fez seus primeiros estudos na capital como aluna da Escola Estadual Caetano de Campos, posteriormente, do Curso de Educadores Sanitários oferecido pela Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP, graduando-se como Bacharel em Letras Estrangeiras pela Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras, da mesma instituição. Sua vida profissional foi exponencial em experiências voltadas para o magistério e administração dos serviços de enfermagem. Como professora, lecionou em Espírito Santo do Pinhal (1929-1930) e como Educadora Sanitária do Instituto de Higiene da USP, (1934-1939), no qual assumiu o cargo de Educadora-Chefe, cujas funções foram interrompidas no final de 1940, ano em que se mudou para o Canadá, graduando-se em Enfermagem.2,5

Como atesta a historiografia, a institucionalização das ciências aplicadas no Brasil recupera intervenções político-sanitárias intermediadas pela Fundação Rockefeller. Propulsora do progresso das ciências biomédicas, com ênfase na área da educação, a agência americana, desde 1913, investiu na capacitação de profissionais da saúde, principalmente nas áreas da Saúde Pública, tanto nos Estados Unidos, quanto na América Latina. Exemplarmente, incentivou a criação da Faculdade de Medicina de São Paulo, de novas disciplinas nas áreas de patologia, anatomia, histologia e microbiologia, além de campanhas sanitárias em diferentes partes do mundo. No caso latino-americano, teve projeção na criação e manutenção de escolas profissionalizantes no campo da saúde pública, bem como na concessão de bolsas de estudos para jovens universitários promissores nas áreas de medicina, engenharia sanitária e enfermagem.6

O Instituto de Higiene de São Paulo, segunda instituição a receber auxílio da Fundação Rockefeller, precedido apenas pela Universidade Johns Hopkins, seguiu as orientações quanto à pedagogia e dedicação integral de professores encarregados de disciplinas básicas, redução do número de vagas para estudantes, ênfase na pesquisa e publicação, definição de padrões técnicos para a enfermagem hospitalar e de saúde pública, bem como a operacionalização de campanhas sanitárias, prioritariamente nas regiões norte e nordeste.6

No caso de concessão de bolsas de estudo, havia critérios universalistas, como cartas de recomendação, porém, candidatos eram escolhidos levando-se em consideração a indicação de médicos proeminentes, como professores de instituições com as quais a Fundação Rockefeller mantinha parceria. Para candidatar-se a uma bolsa, era necessário ser graduado, trabalhar em universidades, governo ou institutos de pesquisa na área biomédica. As bolsas objetivavam investir em jovens que se destacavam frente à nova ideologia de pesquisa empírica, visando à disseminação de fundamentos teórico-metodológico americanos no campo da saúde pública. Como permite entrever a história, o modelo europeu de vida e trabalho cedeu lugar, ainda que resistente, aos propósitos do American way of life, os quais remodelaram a cultura e a sociedade brasileira, em específico, as relações comportamentais e de trabalho.4

A Fundação Rockefeller acreditava ser necessária a formação de líderes, exemplos a serem seguidos como vetores da disseminação do novo padrão de comportamento científico, político e social. Neste processo, a convite de Geraldo Horácio de Paula Souza, Diretor do Instituto de Higiene da USP, Maria Rosa Sousa Pinheiro foi contemplada com uma bolsa de estudos para os cursos de Enfermagem Geral e Enfermagem em Saúde Publica I e II, na Escola de Enfermagem, da Universidade de Toronto, Canadá, país no qual permaneceu de setembro de 1940 a novembro de 1943.

Mesmo com as dificuldades enfrentadas ao imigrar sozinha para um país estranho, com diferenças de língua, alimentação e costumes, Maria Rosa, que até o momento não havia se ausentado do Brasil, assumiu o life style americano. Contemplada novamente com uma bolsa de estudos, oferecida pelo Instituto de Assuntos Inter-Americanos (IAIA), em 1947, viajou para os Estados Unidos onde concluiu o Curso de Pós-Graduação em Administração de Ensino de Enfermagem, no Teachers'College, da Universidade de Columbia, em New York, retornando ao Brasil com o grau de Master of Arts.4,7

Como consequência do envolvimento dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial- IIGM, (1942-1945), houve uma reorientação da política externa norte-americana para a América Latina. No Brasil, a Fundação Rockefeller liderou iniciativas no sentido de aproximar os dois países em termos políticos e culturais. Entre as instituições criadas com a finalidade de promover a saúde no mundo latino-americano e brasileiro, o IAIA institui programas de cooperação e apoio a políticas públicas de saúde e saneamento, principalmente, através da concessão de bolsas de estudos oferecidas à formação profissional em saúde.8

A historiografia compulsada aponta que em março de 1942, na cidade de Washington, Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt assinaram um acordo bilateral que ampliou o splendid drunken years. No conjunto de trinta tratados de cooperação técnica, econômica e militar, o qual confirmou a coalizão do Exército Brasileiro aos aliados americanos na IIGM, havia uma cláusula que estipulava o apoio à política de saúde e saneamento, exigindo a fundação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP).

Patrocinado pelo IAIA, o SESP obteve autonomia financeira, organizacional e política perante o DNSP, iniciando um movimento interno de recuperação de áreas sociais degradadas, bem como a profilaxia de doenças infecto-contagiosas, redimensionando políticas públicas, assim como a qualificação profissional no âmbito da saúde. Norteado por essas preocupações, em julho de 1942, o SESP foi estabelecido com estatuto jurídico especial e autonomia em relação ao Ministério da Educação e Saúde.4-5

Desde sua origem, o SESP voltava seus interesses para o Vale do Rio Doce e Amazonas, com o intuito de tornar viável a produção de borracha para o mercado americano. Como também, articular espaços viáveis do ponto de vista sanitário para instalação de bases militares, na medida em que a região favorecia, geograficamente, a defesa aérea americana no contexto da IIGM.

Como destacado, o SESP redimensionou o exercício profissional da enfermagem brasileira, com a criação e manutenção de escolas, e envio de enfermeiras consultoras norte-americanas, as quais atuavam na melhoria da qualidade e ampliação do ensino oferecido no Brasil. A criação da Escola de Enfermagem, pertencente à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), nasceu do acordo bilateral entre os dois países, constituindo-se em uma das maiores realizações do SESP.3

Carmem Miranda, com sua The South American Way, rumba que interpretava como samba para atingir o público adulto, bem como a criação do personagem Zé Carioca, papagaio brasileiro da Walt Disney incumbido de iniciar as crianças na cultura americana, transformavam as redes de relacionamento e convívio social no Brasil. Contudo, a americanização e o Estado Liberal da política de Getulio Vargas, nas décadas de 1930 e 1940, não foram aceitos passivamente, como demonstram as músicas de Lamartine Babo "Canção para Inglês Ver",* * Ai love iú / Forget islaine maine Itaipu / Forget faive ander uda ai shel / No bonde silva manuel (money well) / [...] Ai, Jesus! / Abacaxi, whiskey of chuchu / Malacacheta independencin day / No strit flash me estrepei (step away) / Delícias do inhame / Elixir de inhame / Reclame de andaime / Mon Paris, je teme / Oh! Yea! Mai veri gud nait [...] que criticava a entrada de estrangeirismos na língua portuguesa, assim como Noel Rosa, com sua música "Não Tem Tradução".** ** O cinema falado / É o grande culpado da transformação / [...] Se eu fizer uma falseta / A Risoleta / Desiste logo do francês / E do inglês / [...] Depois o malandro deixou de sambar / Dando o pinote / Na gafieira a dançar / O fox trot / [...] Da exibição / Não se lembra que o samba / Não tem tradução / No idioma francês. / Tudo aquilo / Que o malandro pronuncia / Com voz macia / É brasileiro: Já passou de português / Amor lá no morro é amor pra chuchu. / E as rimas do samba não são I love You / E esse negócio de alô / Alô boy, alô Jone, / Só pode ser conversa de telefone Mesmo sedutor, o processo evidenciado permite avaliar imposições culturais que remodelaram a vida dos brasileiros, inclusive, o exercício da enfermagem profissional.4

OBJETIVOS

Identificar a participação feminina nas transformações sociais decorrentes da americanização no Brasil pós-1930, por intermédio da trajetória histórica de Maria Rosa Sousa Pinheiro (1908-2002), segunda Diretora da EEUSP.

METODOLOGIA

Estudo exploratório descritivo fundado no método histórico, pautado na análise do material documental (Relatórios Anuais, Atas, Boletim do SESP, fotografias) pertencente ao Acervo do Centro Histórico Cultural da Enfermagem Ibero-Americana da EE e Biblioteca da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, cujo acesso permitiu reconhecer a personalidade em foco.9

RESULTADOS

Reconfiguração da enfermagem brasileira

Para viabilizar interesses econômicos e militares no Brasil, garantir o bem estar de soldados americanos que viriam para a região do Vale do Rio Doce e da Amazônia, bem como aumentar a produtividade de borracha, usada pela indústria bélica americana, era necessário desenvolver campanhas de combate a doenças tropicais como malária, febre amarela, febre tifóide, entre outras medidas preventivas que incluíam construção de hospitais, clínicas, postos de saúde, redes de esgotos e água tratada. Coube ao governo americano desenvolver projetos de educação sanitária e treinamento de médicos, enfermeiras e agentes sanitários para os fins desejados.4

O Boletim do SESP, publicado em julho de 1947, permite entrever a inserção do organismo nos estados brasileiros. Artigos publicados, como o que trazia a manchete - O SESP e a campanha contra a lepra no Brasil, desvelam ações empreendidas, assim como o artigo intitulado - Mais 37 Enfermeiras Diplomadas pela Escola de Enfermagem de São Paulo, em referência à segunda turma da Escola de São Paulo, de 1947 cujo conteúdo indicava que as diplomadas estavam "[...] prontas para servir à enfermagem no Brasil".10:6 Indicativos seguros, no que concerne ao poder de inserção de práticas americanas de cuidado e assistência médico-hospitalar, bem como dos resultados que o efeito demonstração estabeleceu no interior do país.

A edição do periódico de março de 1948 evidenciou em manchete - A Eficiência da Escola de Enfermagem de São Paulo: o povo paulista começa a colher os frutos daquela magnifica realização. O artigo referia-se ao surto epidêmico de meningite cérebro-espinhal, no interior de São Paulo, em que professoras, estudantes, e a consultora americana da Escola de Enfermagem de São Paulo, Miss Ella Hansejaeger "[...] se dedicaram com grandes dificuldades e escassez de recursos [...]",11:1 para organizar serviços de assistência à população atingida. Ao término, o artigo afirmava: "Como sabem os leitores, o SESP e o Institute of Inter-American Affairs contribuíram substancialmente para que a construção da Escola de Enfermagem de São Paulo se tornasse uma realidade".11:1

A Resenha das Realizações do Serviço Especial de Saúde Pública, publicada em março de 1948, relata várias construções de Postos de Higiene realizadas na Amazônia, dos hospitais de Breves e Santarém-PA, e no Acre. Contudo, a foto panorâmica da EEUSP indicava ser esta sua grande realização. "Na cidade de São Paulo, o SESP planejou e financiou em cerca de 55%, um edifício para a alojar a Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. O edifício possui área construída de 5.570 metros quadrados, e completas instalações para a morada da Diretora, das instrutoras e 182 alunas. A parte do novo e imponente edifício dedicada à Escola propriamente dita, compõe-se de grande e confortável auditório e biblioteca".12:25-6

Outra referência à EEUSP, encontrada no periódico do SESP, publicado em setembro de 1947, reitera a magnífica realização. Com o título " A Escola de Enfermagem de São Paulo, o artigo caracterizava a construção da nova escola, assim como o potencial de formação profissional que sucedeu à sua fundação, reiterando: "[...] A Escola de Enfermagem de São Paulo constitue um marco da saúde pública nacional e é também um magnífico exemplo do quanto pode a cooperação entre países amigos. [...] (EEUSP) anexa à Faculdade de Medicina, veio atender a uma imperiosa necessidade nos meios médicos e científicos do país. Organizada nos moldes e padrões das mais modernas escolas dos Estados Unidos e Canadá, a nossa escola de enfermagem entrou na vida cultural e científica de São Paulo que, possuindo já uma universidade admirada no Brasil todo, ainda não incluía nela uma escola de enfermeiras [...]".13:3

Com o final da IIGM, em 1945, o SESP continuou atuando na formação de uma ampla rede sanitária no Brasil, pois os acordos assinados em 1943 se estenderam até 1948. Vinculado aos interesses americanos, o SESP se manteve graças à política desenvolvimentista atrelada aos conflitos da Guerra Fria, demonstrando a superioridade dos países capitalistas na área. Desenvolvimentismo e política externa asseguraram sobrevida ao SESP, cuja atuação avança à década de 1980.

É correto afirmar que o SESP participou ativamente do clima de euforia do pós-guerra no campo da saúde e permitiu a construção de imagens e representações em torno da aludida erradicação de doenças, como as que debilitavam trabalhadores em países pobres. Em um clima de tensão permanente, em 1947, o IAIA, cujos programas de saúde e saneamento foram apontados como modelo, manteve o acordo bilateral e a permanência do órgão governamental em território brasileiro.

Em abril de 1960, com a extinção do IAIA nos Estados Unidos, o SESP foi transformado em Fundação. "As pressões sociais, no Brasil, para o prosseguimento de suas ações foram muito fortes, sobretudo na região Amazônica, onde o SESP tivera atuação muito positiva entre a população mais pobre. Mas com a mudança de estatuto e sua subordinação ao Ministério da Saúde, a instituição perdeu em autonomia e gestão de recursos, sem contar as ingerências político-partidárias em sua diretoria. Em 1990 o órgão foi extinto e seus quadros, aproveitados pela Superintendência de Campanhas, que foi integrada à Fundação Nacional de Saúde".8:1428 Era o final de uma importante experiência de saúde pública no Brasil.

EEUSP: o novo modelo da enfermagem brasileira

Como unidade autônoma, instalada em um novo e moderno prédio, com orçamento próprio e dirigida por enfermeira, a EEUSP estimulou a especialização de seu corpo docente em universidades norte-americanas. Entre outros aspectos, modernizou o ensino de enfermagem com cursos de Pós-Graduação e "sistema de filiação", programa que aceitava alunas de outras escolas em disciplinas e estágios avançados, inexistentes nos currículos profissionalizantes de outras escolas do país.2

Em 1954, o Conselho Administrativo da EEUSP autorizou a implantação do programa de Pós-Graduação, porém, o mesmo dependia de recursos financeiros. O empenho de Maria Rosa possibilitou o convênio com a Fundação Kellogg, pelo qual foram contratadas novas docentes, assim como melhorias necessárias no espaço físico da biblioteca, aquisição de livros e recursos didáticos. A Fundação Kellogg demonstrou grande interesse na implantação de cursos pós-graduados em enfermagem, pois garantiriam melhor preparo às bolsistas no exterior, acelerando a profissionalização e assistência à saúde na América do Sul.2

O acordo garantiu um orçamento de US$ 35,000.00 (Trinta e cinco mil dólares), utilizados de maneira gradativa e decrescente durante os anos de 1959 até 1962. Os dois primeiros cursos destinavam-se ao preparo de docentes para escolas de enfermagem, denominados Pedagogia e Didática Aplicada à Enfermagem e Administração de Unidades de Enfermagem Hospitalar, com um ano de duração e limite de vagas para profissionais brasileiros. Em 1960, a EEUSP recebeu alunas estrangeiras oriundas da Colômbia, Bolívia, Peru, Argentina, Chile, Uruguai, entre outros países da América Latina. As especialidades evidenciavam disciplinas como Fundamentos da Enfermagem, Enfermagem Médica, Enfermagem Cirúrgica, Enfermagem Psiquiátrica e Enfermagem em Centro Cirúrgico.2

Docentes da EEUSP e outras unidades da USP auxiliaram na implantação da Pós-Graduação como Faculdade de Saúde Pública, Faculdade de Educação, Faculdade de Psicologia e Faculdade de Sociologia, demonstração imperiosa do valor assumido pela interdisciplinaridade na construção do conhecimento em enfermagem. Como Diretora da EEUSP, Maria Rosa, ministrou a disciplina Problemática da Enfermagem no Brasil. No intuito de atender à crescente demanda, em 1962 ocorreu a primeira ampliação do Programa, com a introdução do curso de Administração de Ensino de Enfermagem e em 1967, Administração de Serviço de Enfermagem.

O Parecer do Conselho Federal de Educação Nº 977/65 definiu os cursos de pós-graduação e a escola teve seus cursos classificados na modalidade Especialização. Todavia, com o Decreto Estadual Nº 52.326/69, que aprovou o Estatuto da Universidade de São Paulo, instituiu-se os cursos de Mestrado e Doutorado em Enfermagem, iniciados em 1972, extinguindo-se, assim, os anteriormente mencionados. Durante o período de 1959 a 1970, os cursos de Pós-Graduação diplomaram 491 profissionais, em sua imensa maioria mulheres, inclusive, religiosas; projetos e conquistas nos quais Maria Rosa atuou de modo preponderante.2

Por ser anexa à Faculdade de Medicina, a EEUSP não possuía Congregação, como exigido pela Lei Nº 775/49, que dispunha sobre o ensino de enfermagem. Por esse motivo, em 1956, deu-se inicio às gestões de desanexação. Apesar do Conselho Administrativo da Escola, Conselho Técnico e Administrativo da Faculdade de Medicina e Conselho Universitário terem se pronunciado a favor da desanexação no final de 1962, o fato somente se efetivou em dezembro de 1963, oficializado pelo Decreto Estadual Nº 42.809/63, porém, a Congregação só foi implantada após 12 anos, em 1975. Somente em 1964 se instalou o Conselho Técnico Administrativo da EEUSP sob presidência de Maria Rosa Sousa Pinheiro, grande mentora do processo de desanexação.2

Como uma das líderes da moderna enfermagem brasileira, Maria Rosa participou de eventos de natureza científica, nacionais e internacionais, como os patrocinados pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) da Organização Mundial da Saúde (OMS), da qual foi membro da Comissão de Peritos em Enfermagem, de 1951 a 1968, e como tal participou de reuniões realizadas em Genebra (1951 e 1968) e Londres (1954) nas quais elevou o prestígio da arte e ciência do cuidado brasileira, consequentemente, da enfermagem paulistana, exemplarmente a representada pela EEUSP. Em 1966 exerceu assessoria, através da OPAS/OMS junto ao Ministério de Saúde de Portugal, no planejamento de cursos de pós-graduação para enfermeiros, bem como analisou cursos de pós-graduação em Enfermagem existentes na América Latina, cujos resultados foram expostos em Washington, no ano de 1973. Do mesmo modo, colaborou com entidades governamentais, principalmente com os Ministérios da Educação e Saúde, presidindo comissões destinadas ao estudo de problemas relacionados ao ensino de enfermagem e exercício da profissão no País.2,5

Interessada na qualificação do exercício e ensino da enfermagem no Brasil, Maria Rosa exerceu liderança em movimentos reivindicatórios junto a entidades de classe principalmente nas áreas de educação e legislação de enfermagem. Neste contexto, foi presidente da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) em dois biênios (1954-1956 e 1956-1958), além de colaboradora, redatora-chefe, diretora-secretária, editora e diretora responsável da Revista Brasileira de Enfermagem.14

Em 1947 participou ativamente da organização do I Congresso Nacional de Enfermagem, coordenando a Comissão Financeira e do X Congresso Quadrienal do Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE), realizado no Rio de Janeiro no ano de 1953. Durante a gestão de seu segundo mandato, como Presidente da ABEn, realizou o " Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil, estudo que propiciou o desenvolvimento de pesquisas em enfermagem, cujo relatório abrangeu cinco áreas, a saber: enfermeiros em atividade e inativos; enfermagem hospitalar; enfermagem em saúde pública; escola de enfermagem e escolas de auxiliar de enfermagem.

Em Recife, no ano de 1958, durante o XI Congresso Brasileiro de Enfermagem, apresentou os dados principais do estudo com 46 recomendações dirigidas aos Ministérios da Educação e Saúde, às universidades e legisladores, aos serviços de enfermagem em unidades sanitárias e hospitalares, à Confederação dos Religiosos do Brasil e às instituições mantenedoras de escolas de enfermagem e auxiliares de enfermagem, bem como à ABEn. A repercussão deste trabalho foi significativa e alcançou prestigio nacional e internacional.2,5

A década de 1970 evidencia a fundação do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) e assinala os trabalhos da primeira diretoria, cujos componentes foram nomeados pelo Ministro do Trabalho, Arnaldo Prieto, a partir de uma lista de 27 nomes encaminhada pela ABEn, ainda em 1973. A posse dos membros do COFEN ocorreu em 23 de abril de 1975, e foi eleita Maria Rosa de Sousa Pinheiro, pelos pares, como primeira Presidente. Sua atuação junto a esse órgão de classe marcou a implantação dos primeiros 22 Conselhos Regionais de Enfermagem (CORENs), entidade disciplinadora do exercício profissional em âmbito estadual.

Maria Rosa integrou o Conselho Técnico da Delegação Brasileira junto à 62º Conferência Internacional do Trabalho, reunida em Genebra-Suíça, ocasião na qual participou da Comissão de Enfermagem, que aprovou a Convenção 149, sobre as condições de vida e trabalho do pessoal de enfermagem.15

Ao aposentar-se, no final de 1978, após 50 anos de serviço público, 38 dedicados à enfermagem, continuou ativa na profissão em Comissões da Associação Brasileira de Educação em Enfermagem (ABEE) e colaboradora no Conselho Editorial da Revista da EEUSP. Em 10 de outubro de 1979, Maria Rosa Souza Pinheiro foi homenageada pela Congregação da EEUSP e na ocasião, Carlos da Silva Lacaz, Diretor da Faculdade de Medicina, da Universidade de São Paulo, enalteceu a trajetória da ilustre enfermeira "[...] cuja vida, feita de árduas lutas, mas gratificantes recompensas, devem servir de exemplo às gerações futuras, na austera beleza de sua vida exemplar". 2:92

Em comemoração ao seu aniversário de 80 anos, Maria Rosa foi presenteada com um livro de depoimentos organizado por Victoria Secaf, docente da EEUSP e amiga. Tratava-se de uma coletânea em que pessoas próximas (enfermeiros, ex-alunos, familiares) apontavam lembranças de uma convivência singular. A solicitação exigia um depoimento sobre o convívio com Maria Rosa, acerca de sua personalidade marcante, como destaca o depoimento da enfermeira Yolanda Linderberg Lima, que a descreveu como uma mulher de "[...] fácil relacionamento, sensível, inteligente e observadora, feminina, discreta, cujos princípios e valores fazem-na uma pessoa diferenciada [...]",16:24 além de ótima dançarina de tango, ou ainda como "[...] viva inteligência, ampla visão ousados, mas bem refletidos conceitos de enfermagem no que de bem específico e essencial a nossa profissão pode contribuir para a saúde, bem estar e qualidade de vida das populações me impressionaram profundamente[...]",16:1 como desvela o depoimento da enfermeira portuguesa Fernanda Alves Diniz.

Os depoimentos permitem considerar que Maria Rosa manteve boas relações com quem dela se aproximava. Do mesmo modo, sabia e disseminava suas posições às mulheres em seu entorno, em sua maioria enfermeiras. A leitura dos registros revela quão significativas foram as referências à inteligência, disciplina, retidão, generosidade e modéstia, que fizeram de Maria Rosa um exemplo seguido por muitos admiradores. Entre os relatos é possível destacar uma passagem narrada por Yolanda Leite, que permite observar dimensões distintas de uma personalidade acentuadamente moderna, na qual revela: "[...] na medida do possível, passei a imitá-la até no meu único vício: o cigarro!".16:10 O ato de fumar cigarros e apreciar um bom whisk, costume disseminado pelo cinema hollywoodiano como símbolo da mulher independente, integrava a personalidade marcante de Maria Rosa Sousa Pinheiro.

Maria Rosa Sousa Pinheiro: expressão da modernidade

A história de vida de Maria Rosa Sousa Pinheiro permite considerá-la como uma mulher cosmopolita e extremamente interessada nos assuntos que envolviam a enfermagem; motivo que a fez retornar no início dos anos 1960 aos Estados Unidos e ao Canadá para observar escolas de enfermagem e hospitais universitários visando à incorporação de novas tecnologias à enfermagem brasileira e formação profissional, sobretudo, a oferecida pela EEUSP.

Em uma época de transição política, de guerra, no qual a mulher foi conclamada a intensificar o mercado de trabalho, Maria Rosa, não como uma exceção, trabalhou não por necessidade, mas por ser independente e moderna, cuja liberdade moral e financeira foi admirada por muitas mulheres. Incansável, com vivacidade e capacidade de produção, trabalhava aos sábados e domingos em viagens como diretora da Divisão de Enfermagem do SESP. Em uma destas viagens, o relato de Anyta Alvarenga evoca a seguinte memória: "[...] quando surgia um telegrama do Rio avisando que Maria Rosa chegaria no final de semana, já sabia que iria enfrentar trabalho duro, sem pensar em pausa para sequer uma pequena distração domingueira. [...] Somente ali residia nossa divergência. [...] sempre pronta a ajudar-nos a crescer e batalhar pela enfermagem".16:18

O merecido reconhecimento por seu trabalho foi verificado na grande imprensa. Em um dos excertos do livro de depoimentos, é possível avaliar a dimensão da visibilidade de Maria Rosa na passagem narrada por uma de suas admiradoras, Yolanda Leite: "[...] um dia, estando eu em Roma, na década de 60, li nos jornais que Maria Rosa havia recebido o honrosíssimo prêmio de 'Enfermeira do Ano'[...]",16:22 minúcias da vida de uma mulher brasileira cujo prestígio internacional foi público e notório.

O elogio da ex-funcionária da EEUSP, Maria Anita Teles Valverde, permite considerar do mesmo modo, a extensão de sua personalidade ao considerar que "[...] sua gestão administrativa foi admirável, humana, compreensiva, justa, criteriosa sem deslizes, inspirando dos mais graduados aos mais simples funcionários, confiança, respeito e consideração. E na perfeita orientação, distribui harmonia, bondade, paz dentro do reenlaçamento e da ordem, por vezes eu, impetuosa, discordava de suas idéias para em seguida, refletindo, reconhecer suas poderosas decisões [...]".16:22

A vida de Maria Rosa evoca duas profissões tradicionalmente femininas, professora e enfermeira, ambas portadoras de estereótipos que reproduziam a imagem da mulher passiva, subserviente, abnegada e maternal. Historicamente, as mulheres foram submetidas a um processo de socialização e educação marcado por desigualdades de gênero, cujo acesso a bens e serviços era inferior se comparados aos homens. Contrapondo a visão determinista, Maria Rosa foi exemplo de mulher que alcançou destaque e relevo sócio-profissional, inclusive, por desconsiderar a noção geral atribuída às mulheres de seu tempo, identificadas como frágeis e casadoiras.17

No caso específico da enfermagem, não é raro encontrar definições que apresentam a profissão como função de cumprimento e respeito às ordens médicas. O Código de Ética para a Profissão de Enfermagem, publicado em 1949, pela Associação Americana de Hospitais e Liga Nacional do Ensino de Enfermagem, assim caracterizava a profissional: "[...] a enfermeira deve exercer as atividades e cumprir as ordens e instruções profissionais com meticuloso cuidado, com generosidade e com fidelidade àqueles a quem serve. Probidade, compreensão, brandura e paciência devem caracterizar todos os atos da enfermagem [...] é sua obrigação cumprir as ordens com raciocínio e inteligência. Cabe à enfermeira evitar qualquer crítica ao médico, na presença de outra pessoa [...]".17:15

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Maria Rosa sabia respeitar, mas exigia respeito. Como mulher, se fez ouvir entre os professores titulares da Faculdade de Medicina, como na defesa do processo de desanexação da EEUSP da FMUSP. Sua firmeza e posição permitiram a liberdade política de atuação, simbolizada pelo empoderamento profissional. Sua vida e obra contribuíram significativamente para elevar o status da profissão, rompendo o ideário duplamente estigmatizante de enfermeira e professora ao tornar-se uma mulher bem sucedida profissionalmente, independente, defensora de seus argumentos e sua condição de mulher. Apreciadora de boas bebidas e anedotas, mas ordeira ao extremo, era incapaz de calar-se diante das injustiças de gênero. Convicta, discutia com precisão sobre os mais variados assuntos, características que fizeram de Maria Rosa Sousa Pinheiro uma verdadeira American girl.

Não raro, assumir os desafios da profissão dificultava a caracterização da mulher de respeito (que sempre foi) na medida em que o exercício profissional exigia plantões hospitalares no período noturno, contato direto com a exposição do corpo e uma vida fora do ambiente familiar, pois trabalhar e não ser casada era considerado recusas bastante ousadas para as mulheres de seu tempo. Em uma época de inseguranças, constante vigilância e repressão contra qualquer atitude suspeita, Maria Rosa Souza Pinheiro destacou-se por se fazer ouvir em espaços sociais e de trabalho extremamente machistas e dogmáticos.

Recebido em: 5 de março de 2009

Aprovação final: 4 de novembro de 2009

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  • Correspondência:

    Taka Oguisso
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      05 Mar 2009
    • Aceito
      04 Nov 2009
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