RESENHA DE LIVRO
Viagem psiquiátrica
Elaine Aparecida Soi
Mestranda da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
Por MANZOLLI, MARIA CECÍLIA. Enfermagem psiquiátrica: da enfermagem psiquiátrica à saúde mental. São Paulo: Guanabara Koogan S.A., 1996. R$ 23,20
Ao se empreender essa viagem ao mundo encantado da área de Enfermagem Psiquiátrica, em que o próprio leitor é transformado em guia, é necessário que o viajante muna-se de curiosidade, intuição e que deixe falar um espírito ávido de descobrir coisas novas e, sobretudo, de duvidar.
Maria Cecília Manzolli e seus co-prefaciadores não oferecem apenas em pequeno e tradicional manual introdutório e construído para um público iniciante nos domínios da Enfermagem Psiquiátrica, mas para que possamos refletir naquilo que pensamos sobre ciência, apoiando-se na pesquisa científica e na medida que ela se modifica, as concepções a seu respeito mudam, assim como as respostas.
Usando recursos de veiculação de relatos de pesquisa cujos problemas foram gerados pela prática cotidiana dos profissionais envolvidos e a noção do que é o conhecimento sobre o outro e sobre si mesmo, mostra o que é contribuir para uma prova científica, os caminhos básicos de uma argumentação, proporcionando assistência e apoio sócio-emocional aos pacientes e família, e também conhecimentos à Enfermagem. Tudo é pincelado em cores vivas que se entremeiam aos diálogos e se estendem aos roteiros bibliográficos que encerram cada capítulo.
Mas não se deve enganar, com a didática e com a simplicidade da exposição buscada por Manzolli e seus co-autores, pois os caminhos são árduos, por mais ricos e agradáveis que sejam, porque em nenhum momento a explanação resvala para o fácil e simplificado. Neles se percorrerá as análises situacionais apresentadas, propostas de atuação realistas em termos éticos e teóricos e a integração entre a pesquisa, o ensino e a prática clínica.
Tudo isto é transmitido em doses graduais, numa linguagem rica em comparações do certo e duvidoso; de como se deve interagir; a vivência dos grupos e as representações sociais, onde se perceberão os fenômenos psicológicos e psiquiátricos do ponto de vista cultural, social e outros.
O primeiro capítulo "Grupalidade em Enfermagem Psiquiátrica", desvenda algumas questões do mundo que se esconde atrás da palavra grupal idade, de como é constituída a dificuldade de se trabalhar em grupo, a diferença de grupalidade e de um amontoamento.
Freud (1920) propôs chaves para explicar os fenômenos de grupo, influenciado por trabalhos antropológicos que explicam a transformação da família e grupo, tal trabalho simboliza a igualdade e solidariedade, referindo também em relação aos tabus (moral).
O modelo de grupo de Pichon estuda o mundo interno e o interjogo do mundo interno e externo e que para tornar-se interacional precisa de integração espaço, tempo e sujeitos que se percebam mutuamente e com vocabulários específicos. Desenvolve-se em três momentos: abertura, desenvolvimento e encerramento. Além desse atendimento ao paciente, sentiu-se a necessidade de se trabalhar com os familiares, formando-se grupos de espera para atendê-los, podendo assim orientar e informar melhor as funções das famílias e seus problemas.
Este estudo no segundo capítulo, com o respaldo teórico necessário contido no capítulo anterior foi descrita a trajetória da pesquisa com grupos de espera em ambulatório psiquiátrico, com o objetivo de observar, vivenciar e analisar a dinâmica destes grupos. Tiveram a base teórica nos grupos Pichonianos, registrados por um observador. A análise dos resultados foi feita através da composição dos grupos, arrolamento dos termos técnicos de Pichon e critérios de análise do discurso dos familiares.
A importância dada a esta pesquisa serviu como reflexão para que possamos permitir e compreender melhor a vida familiar. No terceiro capítulo, foram vistas algumas considerações da atuação de Enfermagem com camadas populares.
O panorama social mostrado neste capítulo nos faz pensar em alguns requisitos essenciais para o desenvolvimento da assistência e da pesquisa. O contexto social e o estado de privação cultural influenciam no desenvolvimento e crescimento psicológico do infante e a necessidade de orientação e apoio aos pais, importantíssimos em se tratando do nível de vida vivenciado por este país. As autoras deste trabalho têm verificado que "A privação cultural ora é entendida como um atraso intelectual, ora como uma distorção, ora como um aspecto emocional provocados por ambientes com estimulação pobre, excessiva ou desorganizada" (p. 47).
Iniciou-se então, no quarto capítulo uma pesquisa com mães carentes em ambulatórios porque a classe "marginalizada" e "carenciada" na visão dos autores se beneficiariam com maior número de creches e parques infantis onde houvesse uma atenção maior à nutrição, estimulação e necessidades afetivas. No desenvolvimento desses grupos, surgiram as dificuldades das mães com os seus filhos, devido a falta de informações desses grupos carenciados. Já em outra etapa da pesquisa pode-se notar que as mães "privadas culturalmente" revelaram-se outras mulheres, mais conscientes, autodirigidas reflexivas e menos passivas. Tornou-se importante esta pesquisa, pois abre caminho para desenvolvimento de funções para as pessoas mentalmente perturbadas e também grupos de pessoas sadias; escolas; creches; empresas; ambulatórios e centros de saúde. Valendo-se desta pesquisa, iniciou-se no quinto capítulo a abordagem do Relacionamento Interpessoal. Os doentes mentais são antes de tudo pessoas que necessitam de ajuda, são sensíveis e percebem com rapidez o que se passa com a equipe que lhes presta serviço ou cuidados.
Peplau (1952), Travelbee (1972) e Bernard (1977), observam que o relacionamento interpessoal desenvolve-se em diferentes fases: pré-interação, introdução ou orientação, identidade emergente e término, e, que se pode terminar em qualquer dessas fases e/ou por várias razões. Devemos aceitar o paciente como ele é, sem perder a objetividade e antes disso aceitarmo-nos a nós mesmos. No sexto capítulo apresenta-se a vivência interpessoal em unidade de interação, onde foram apresentados dois casos estudados na tese de mestrado intitulada "O Relacionamento de Pessoa a Pessoa".
O sétimo capítulo descreve as "Certezas, Dúvidas e a Realização Profissional", onde o próprio amadurecimento da enfermeira, tanto na parte profissional como emocional depende das certezas e dúvidas e que este trânsito se completa, pois como chegarmos a uma certeza se não tivermos as dúvidas?
São importantes as mudanças, atitudes, hábitos e pensamentos, para que possamos incorporar com as propostas de educação contínua. Algumas perguntas foram feitas para que possamos refletir e compreender melhor o que realmente queremos, "o que sei?, o que sou?, o que sabemos? Não importa termos o conhecimento do mundo sem antes termos o conhecimento de nós mesmos".
O oitavo capítulo mostra o cotidiano hospitalar do enfermeiro psiquiátrico enfocando o certo e o duvidoso e que as atividades exercidas são entrelaçadas com certezas e dúvidas, desde a instituição que trabalhamos até a educação acadêmica. O aprimoramento profissional do enfermeiro é de grande importância para troca de experiência conforme citado com a pesquisa realizada neste capítulo.
No nono capítulo foi enfocado as Representações Sociais das Emoções de Epiléticos e frisa o estudo das representações sociais, importantíssimas para a compreensão da dinâmica do comportamento humano.
Estas representações sociais na epilepsia têm uma predominância psicossocial com uma estrutura de rejeição, preconceitos, discriminações e superproteção conforme foi descrito na pesquisa.
Este livro atende a iniciantes e a especialistas, não é possível dele se aproximar somente àquele que espera encontrar nas ciências certezas estáveis e duradouras. Muna-se de "curiosidade, razão e imaginação" e faça esta viagem porque ela vale à pena e como já dizia o poeta "a alma não é pequena". Um vocabulário crítico e bem proporcional guiará ainda melhor seus passos.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
12 Jun 2006 -
Data do Fascículo
Jul 1996