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Epidemiologia dos acidentes e violências entre menores de 15 anos em município da região sul do Brasil

Epidemiología de los accidentes y violencias entre menores de 15 años en un municipio de la región sur de Brasil

Epidemiology of accidents and violence against children in a city of southern Brazil

Resumos

Objetivo: analisar as características epidemiológicas dos acidentes e violências em menores de 15 anos, residentes em Londrina, Paraná, em 2001. Os dados de morbidade foram obtidos em prontuários dos hospitais gerais da cidade e, os de mortalidade, no Núcleo de Informação em Mortalidade. Foram estudadas 8854 crianças, representando incidência de 74,8/1000 crianças. As taxas de internação e de letalidade foram, respectivamente, de 4,2 e de 0,2%. A incidência foi maior nas crianças de dois anos de idade (109,0/1000), com predomínio do sexo masculino (60,7%). Prevaleceram as outras causas externas de traumatismos acidentais (61%), seguidas pelos eventos de intenção indeterminada (30,6%) e pelos acidentes de transporte (7,5%). A região corpórea mais afetada foi a cabeça (34,9%) e traumatismo superficial foi o tipo de lesão mais freqüente (32,4%). Os resultados contribuem para fornecer subsídios para o planejamento de ações de controle e prevenção desses agravos.

criança; acidentes; violência; prevenção de acidentes


El objetivo del estudio fue analizar las características de los accidentes y violencias en menores de quince años que viven en Londrina, Brasil, en 2001. Se obtuvo los datos de morbilidad en prontuarios de los hospitales generales de la ciudad y los de mortalidad en el Núcleo de Información de Mortalidad. Se estudió a 8.854 niños, representando una incidencia de 74,8/1000 niños. Los porcentajes de internación y letalidad fueron, respectivamente, del 4,2% y del 0,2%. La incidencia fue mayor en los niños de dos años (109,0/1000), predominando en los de sexo masculino (60,7%). Las otras causas externas de traumatismos accidentales predominaron (61,0%), seguidas por los eventos con intensión indeterminada (30,6%) y por los accidentes de transporte (7,5%). La región corporal más afectada fue la cabeza (34,9%) y el traumatismo superficial fue el tipo de lesión más frecuente (32,4%). Los resultados contribuyen para el planeo de acciones de control y prevención de esos agravios.

niño; accidentes; violencia; prevención de accidentes


This study aimed to analyze the epidemiological characteristics of accidents and violence against children under 15 years old who lived in Londrina, a city in the South of Brazil, in 2001. Morbidity data were collected from general hospitals records and mortality data were obtained from the Municipal Mortality Information Center. A total of 8,854 children were studied, which corresponded to an incidence rate of 74.8/1,000 children. Admission and fatality rates were 4.2% and 0.2%, respectively. The incidence rate was higher among two-year olds (109/1,000) and male victims prevailed (60.7%). Other causes of injuries were the main subtype of external cause (61.0%), followed by events of undetermined intention (30.6%) and by transport-related injuries (7.5%). The head was the most affected body part (34.9%) and superficial injuries were the most frequent kind of trauma (32.4%). The results contribute to the planning of injury control and prevention actions.

child; accidents; violence; accident prevention


ARTIGO ORIGINAL

Epidemiologia dos acidentes e violências entre menores de 15 anos em município da região sul do Brasil1 1 Trabalho extraído da dissertação de mestrado apresentada à Universidade Estadual de Londrina. Agradecemos a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, pelo auxílio financeiro para coleta e sistematização de dados (recursos PROAP), Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e à Universidade Estadual de Londrina (Coordenadoria de Pós-Graduação), pela concessão de bolsas de iniciação científica

Epidemiology of accidents and violence against children in a city of southern Brazil

Epidemiología de los accidentes y violencias entre menores de 15 años en un municipio de la región sur de Brasil

Christine Baccarat de Godoy MartinsI; Selma Maffei de AndradeII

IMestre em Enfermagem, e-mail: leocris2001@aol.com

IIDoutor em Saúde Pública, e-mail: semaffei@sercomtel.com.br. Docentes da Universidade Estadual de Londrina

RESUMO

Objetivo: analisar as características epidemiológicas dos acidentes e violências em menores de 15 anos, residentes em Londrina, Paraná, em 2001. Os dados de morbidade foram obtidos em prontuários dos hospitais gerais da cidade e, os de mortalidade, no Núcleo de Informação em Mortalidade. Foram estudadas 8854 crianças, representando incidência de 74,8/1000 crianças. As taxas de internação e de letalidade foram, respectivamente, de 4,2 e de 0,2%. A incidência foi maior nas crianças de dois anos de idade (109,0/1000), com predomínio do sexo masculino (60,7%). Prevaleceram as outras causas externas de traumatismos acidentais (61%), seguidas pelos eventos de intenção indeterminada (30,6%) e pelos acidentes de transporte (7,5%). A região corpórea mais afetada foi a cabeça (34,9%) e traumatismo superficial foi o tipo de lesão mais freqüente (32,4%). Os resultados contribuem para fornecer subsídios para o planejamento de ações de controle e prevenção desses agravos.

Descritores: criança; acidentes; violência; prevenção de acidentes

ABSTRACT

This study aimed to analyze the epidemiological characteristics of accidents and violence against children under 15 years old who lived in Londrina, a city in the South of Brazil, in 2001. Morbidity data were collected from general hospitals records and mortality data were obtained from the Municipal Mortality Information Center. A total of 8,854 children were studied, which corresponded to an incidence rate of 74.8/1,000 children. Admission and fatality rates were 4.2% and 0.2%, respectively. The incidence rate was higher among two-year olds (109/1,000) and male victims prevailed (60.7%). Other causes of injuries were the main subtype of external cause (61.0%), followed by events of undetermined intention (30.6%) and by transport-related injuries (7.5%). The head was the most affected body part (34.9%) and superficial injuries were the most frequent kind of trauma (32.4%). The results contribute to the planning of injury control and prevention actions.

Descriptors: child; accidents; violence; accident prevention

RESUMEN

El objetivo del estudio fue analizar las características de los accidentes y violencias en menores de quince años que viven en Londrina, Brasil, en 2001. Se obtuvo los datos de morbilidad en prontuarios de los hospitales generales de la ciudad y los de mortalidad en el Núcleo de Información de Mortalidad. Se estudió a 8.854 niños, representando una incidencia de 74,8/1000 niños. Los porcentajes de internación y letalidad fueron, respectivamente, del 4,2% y del 0,2%. La incidencia fue mayor en los niños de dos años (109,0/1000), predominando en los de sexo masculino (60,7%). Las otras causas externas de traumatismos accidentales predominaron (61,0%), seguidas por los eventos con intensión indeterminada (30,6%) y por los accidentes de transporte (7,5%). La región corporal más afectada fue la cabeza (34,9%) y el traumatismo superficial fue el tipo de lesión más frecuente (32,4%). Los resultados contribuyen para el planeo de acciones de control y prevención de esos agravios.

Descriptores: niño; accidentes; violencia; prevención de accidentes

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, os acidentes e violências (causas externas de morbimortalidade) converteram-se em importante problema de saúde pública. Atualmente, ocupam lugar de destaque nas estatísticas de saúde na maioria dos países, acarretando custos significativos, além de seqüelas e mortes, com perda de mais anos potenciais de vida (APVP) do que qualquer outra doença. Mundialmente, os acidentes estão entre as cinco principais causas de mortalidade, ocupando em quase todos os países a segunda ou terceira colocação(1).

O deslocamento das causas externas para faixas etárias cada vez mais jovens tem despertado em todo o mundo a necessidade de estudos sobre esses eventos na população infanto-juvenil. Além dos custos sociais, econômicos e emocionais, os acidentes e violências na infância são responsáveis não só por grande parte das mortes, mas também por traumatismos não fatais e seqüelas que exercem grande impacto a longo prazo, repercutindo na família e na sociedade e penalizando crianças e adolescentes em plena fase de crescimento e desenvolvimento(2-3).

Nesse contexto, estudar as causas e circunstâncias desses agravos na população infanto-juvenil torna-se essencial, a fim de possibilitar a elaboração de um diagnóstico que contribua para a implementação, execução e avaliação de estratégias específicas de controle e prevenção. Frente à alta incidência de acidentes e violências na infância, tornam-se relevantes estudos sobre o tema para que os profissionais de saúde, que atuam tanto na atenção básica como na hospitalar, possam conhecer a realidade desses eventos e procurem exercer sua co-participação na tentativa de diminuir esse importante agravo contra a sociedade.

OBJETIVO

Analisar as características epidemiológicas dos acidentes e violências entre vítimas menores de 15 anos, residentes em Londrina (PR), atendidas em serviços de emergência/urgência ou internação do Município no ano de 2001, ou que morreram antes de receber atendimento.

MÉTODOS

A pesquisa constituiu-se em estudo transversal e a população de estudo foi composta por menores de 15 anos de idade residentes no município de Londrina, Paraná - Brasil, vítimas de acidente ou violência atendidas em serviços de emergência/urgência ou internação no período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2001 ou, ainda, que morreram sem assistência médica nesse ano, ou em prazo de até um ano após o acidente ou ato violento ocorrido em 2001, conforme preconiza a Organização Mundial de Saúde(4).

Os dados sobre morbidade (atendimentos de emergência/urgência e de internação) foram obtidos por meio de investigação em prontuários em todos os cinco hospitais gerais do Município que prestam atendimento a menores de 15 anos, utilizando-se de formulário previamente testado, composto por 4 partes e 21 questões fechadas (parte I - dados de identificação, parte II - dados referentes ao acidente ou violência, parte III - dados referentes ao atendimento, parte IV - conseqüências do acidente ou violência).

Além dos dados sobre morbidade, foi coletada informação sobre óbitos por essas causas no Núcleo de Informação em Mortalidade (NIM) da Prefeitura de Londrina, considerando que o óbito poderia ter ocorrido sem que o atendimento houvesse sido prestado por serviço de saúde. Os óbitos ocorridos em 2002 foram levantados apenas com o intuito de verificar se o acidente ou violência não tinha ocorrido no ano de 2001, porém, nenhum caso foi observado. Também não se observou óbito ocorrido em 2001, cujo acidente ou violência houvesse ocorrido no ano anterior.

Foram considerados como acidentes ou violências os eventos classificáveis nos códigos do capítulo XX (causas externas de morbidade e de mortalidade) da Classificação Internacional de Doenças, décima revisão (CID-10)(4).

Os dados de morbidade foram processados eletronicamente por meio do programa de domínio público Epi Info - versão 6.0d(5), programa de domínio público, excluindo-se os atendimentos duplicados referentes a um mesmo acidente ou violência. Os óbitos que ocorreram sem assistência foram incluídos com vistas a formar um único banco de dados de morbimortalidade.

O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina, sendo aprovado em 21 de outubro de 2002. Os dados foram coletados de outubro de 2002 a abril de 2003, por uma equipe de alunos do curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina, devidamente treinados e supervisionados pela autora principal deste trabalho.

RESULTADOS

Após exclusão de fichas duplicadas referentes a um mesmo atendimento e inclusão dos óbitos sem assistência médica, foram estudados 8854 casos de menores de 15 anos vítimas de acidentes ou violências no ano de 2001, o que representou taxa de incidência de 74,8 por mil crianças. A taxa de internação foi de 4,2% (371 casos) e a taxa de letalidade de 0,2% (18 óbitos).

Grande parte das vítimas foi atendida pelo Sistema Único de Saúde (85,2%). Os atendimentos convênios de saúde representaram 13,6% e os particulares 0,2%.

Houve predomínio do sexo masculino (60,7%) e a idade que apresentou risco mais elevado foi a de dois anos, com coeficiente igual a 109 por 1000 crianças, seguida pela idade de um ano (coeficiente de 108,8 por 1000 crianças) e de três anos, com um coeficiente de 96,9 por 1000 crianças. O coeficiente no sexo masculino só não foi mais elevado nos menores de um ano, idade em que o coeficiente feminino (39,6 por 1000 crianças) superou o masculino, de 36 por 1000 crianças.

Dentre os tipos de acidente ou violência (causas externas de lesões e envenenamentos, segundo a CID-10(4)), o agrupamento das outras causas externas de traumatismos acidentais predominou (61%), seguido pelos eventos de intenção indeterminada e pelos acidentes de transporte (Tabela 1).

Dentre os 5400 acidentes classificados como outras causas externas de traumatismos acidentais, conforme consta na Figura 1, houve predomínio de quedas (55,4%), seguidas de acidentes por exposição a forças mecânicas inanimadas (25,4%) - especialmente causados por penetração de corpo estranho em orifício natural ou através da pele -, por acidentes devido a forças mecânicas animadas (6,3%) - principalmente causados por mordedura de cão -, e por envenenamentos (5,3%). Os ciclistas predominaram como tipo de vítima de acidente de transporte (65,8%), seguidos pelos pedestres (19,6%) (Figura 2).



A Figura 3 apresenta os coeficientes de incidência dos principais tipos de acidentes ou violências, segundo a faixa etária, sendo excluídas da análise as causas externas de intenção indeterminada. A faixa etária dos quatro aos seis anos foi a que apresentou maior risco de sofrer acidente de transporte (7 por mil crianças). As crianças de um a três anos foram as que apresentaram maior risco de sofrer quedas e acidentes por exposição a forças mecânicas inanimadas (penetração de corpo estranho em orifício natural ou através da pele, principalmente). Com relação aos acidentes por exposição a forças mecânicas animadas, maior risco foi observado entre crianças de quatro e seis anos, especialmente por mordedura de cão.


As lesões autoprovocadas tiveram maior incidência na faixa etária de 10 a 14 anos de idade (0,3 por 1000 crianças), enquanto as agressões apresentaram coeficientes mais elevados nas idades de um a três anos (0,7 por 1000 crianças) e de 10 a 14 anos (0,6 por 1000). As complicações de assistência médica, todas decorrentes de reação vacinal, tiveram maior incidência entre os menores de um ano (Figura 3).

As regiões corpóreas mais afetadas entre as crianças vítimas de acidentes ou violências foram cabeça (34,9%), membros superiores (24,3%) e membros inferiores (21,2%). O traumatismo de múltiplas regiões representou 3,2%, e a região composta por tórax, abdômen, dorso, coluna e pelve, 2,5%. As regiões não especificadas tiveram freqüência de 13,9%.

Os traumatismos superficiais (32,4%), os ferimentos (28,7%) e as fraturas (8,4%) foram os principais tipos de lesões decorrentes de acidente ou violência (Tabela 2).

Embora com menor freqüência, foram observadas lesões graves, como traumatismo intracraniano (0,3%), esmagamento (0,2%) e amputação traumática (0,1%), entre outras.

DISCUSSÃO

O presente estudo foi desenhado com o objetivo de fornecer dados pioneiros sobre a morbidade hospitalar e a mortalidade por acidentes e violências em menores de 15 anos no Município de Londrina (Paraná), pois envolveu todos os hospitais gerais da cidade que atendem crianças. Faz-se necessário destacar, porém, que abrange apenas as crianças atendidas em pronto-socorro ou que foram internadas ou que morreram, tratando-se, portanto, de incidência mínima, referente apenas àquela parcela que chega aos serviços de atendimento de emergência/urgência ou que morre sem assistência. Não obstante essa ressalva, é incontestável que a incidência de 74,9 por mil crianças, observada no período de um ano, é extremamente elevada, considerando que corresponde a, aproximadamente, uma criança lesionada em cada grupo de 13 que demanda atenção hospitalar ou que morre devido a essas causas anualmente. A inexistência de outros estudos brasileiros que analisassem toda a demanda hospitalar por crianças vítimas de acidentes ou violências, contudo, limitou as comparações.

Quanto à taxa de internação e de letalidade, observa-se outros trabalhos com achados semelhantes, com 2 a 4% de internação e 0,1 a 0,2% de óbitos decorrentes de causas externas em crianças de 0 a 15 anos(2-3). Os achados demonstram que grande parte dos acidentes ou violências é de baixa complexidade, porém é importante ressaltar que a maioria dos atendimentos em pronto-socorro poderia ser evitada através da adoção de medidas preventivas, reduzindo os gastos hospitalares com esses eventos e as situações de estresse vividas pela criança e sua família. A alta proporção de traumatismos superficiais atendida em setores de emergência/urgência hospitalares pode indicar, também, a necessidade de reorganização ou implementação de serviços de atenção a esses eventos de forma descentralizada, como, por exemplo, a implementação de procedimentos, como sutura, em todas as unidades básicas de saúde do Município.

Na presente investigação, observou-se elevada freqüência de atendimentos pelo SUS (85,2%), maior do que a verificada em outro estudo, sobre as internações gerais no município de Maringá, PR(6), em que a proporção de internações pelo SUS foi de 73,8%, com 11,3% de atendimentos particulares e 14,9% por convênio de saúde. Esse fato pode estar relacionado ao agravamento, nos últimos anos, da situação socioeconômica da população brasileira, o que pode ter desviado parte da clientela de convênios de saúde para o atendimento público. Apesar da alta freqüência de atendimentos pelo setor público, não é possível afirmar que os acidentes e violências se concentram nas classes sociais mais desfavorecidas, pois não foram calculados os coeficientes de incidência, devido à dificuldade de obtenção dos denominadores.

O predomínio do sexo masculino entre as vítimas de acidentes ou violências tem sido constantemente relatado(1-3). Na infância, a preponderância do sexo masculino entre as vítimas desses eventos justifica-se, provavelmente, pelos diferentes comportamentos de cada sexo e por fatores culturais, que determinam maior liberdade aos meninos e, em contrapartida, maior vigilância sobre as meninas. Na adolescência e vida adulta, a maior exposição masculina a agressões, no trânsito e em trabalhos de risco pode explicar, em parte, o fato de os homens serem as principais vítimas desses eventos. O coeficiente masculino foi menor que o feminino somente entre menores de um ano, o que possivelmente ocorra pelo fato de os meninos andarem e falarem mais tardiamente do que as meninas(7).

Em relação à idade, a inexistência de outros trabalhos brasileiros com estimativas da taxa de incidência dificultou a comparação. As investigações existentes não se referem à população total, restringindo-se a instituições específicas e apresentando dados referentes a amostras de menor tamanho. Alguns trabalhos colocam a faixa etária de um a três anos como a segunda principal, precedida pela de 7 a 12 anos(3). Há que se destacar, no entanto, que os intervalos de classes são diferentes (o intervalo na faixa etária de sete a doze anos é o dobro da faixa etária de um a três anos). O presente estudo, ao detectar uma incidência maior de acidentes ou violências nas idades de um a três anos, busca explicação nas características do desenvolvimento da criança, cuja curiosidade, imaturidade e incoordenação motora a colocam em situações de perigo, fatores associados também com a supervisão inadequada.

Relativamente aos tipos de causas externas, resultados semelhantes aos aqui apresentados foram encontrados por outros autores(2,8), que identificaram maior freqüência de outras causas externas de traumatismos acidentais (quedas, queimaduras, corpos estranhos e intoxicações, entre outras), principalmente nas idades de um a cinco anos. A freqüência desses eventos, ocorridos amiúde no ambiente doméstico, está diretamente relacionada com a etapa de desenvolvimento da criança nessa faixa etária, cuja curiosidade e imaturidade, associadas às condições do ambiente, contribui para sua ocorrência.

Os resultados também permitem concluir que as quedas, apontadas por outros trabalhos(2-3) como a principal causa de atendimento em pronto-socorro e de internações não fatais, constituem a causa mais freqüente dos acidentes infantis, especialmente de um a três anos de idade, havendo necessidade de estudos que determinem as suas circunstâncias para cada faixa etária e orientem medidas efetivas de prevenção. A penetração de corpo estranho em orifício natural, classificada entre os acidentes por exposição a forças mecânicas inanimadas, também é apontada por outros autores(3) como o acidente mais freqüente nas idades de um a seis anos, alertando para o perigo que constituem os objetos pequenos que a criança possa introduzir nas fossas nasais, no conduto auditivo ou, até mesmo, ingerir. Os objetos perfurocortantes, com penetração através da pele, também chamam a atenção e alertam para a necessidade de manter as crianças calçadas e esses objetos fora de seu alcance. A mordedura por animais, classificada entre os acidentes por exposição a forças mecânicas animadas, também foi identificada em outros estudos(2-3,9) como acidente freqüente entre crianças, mostrando que são necessárias medidas preventivas em relação ao animal como, por exemplo, mantê-lo em local seguro, evitar a criação de raças consideradas perigosas, além de educar a criança para os perigos potenciais aos quais ela se expõe ao brincar ou provocá-lo.

Os acidentes de transporte, na maioria compostos por acidentes com bicicletas ou por atropelamentos, e responsáveis por 7,5% de todos os atendimentos, também têm sido apontados por outros estudiosos como importante causa de mortalidade e trauma(1-2,10-12). A reeducação no trânsito, a implementação de medidas rigorosas de vigilância da circulação de veículos e punição de infratores, a supervisão adequada de crianças pequenas e o estímulo à adoção de comportamentos preventivos tornam-se prementes diante dessa realidade. Discutir amplamente e intersetorialmente as questões específicas de trânsito pode contribuir para a redução de mortes por tais causas e lesões totalmente evitáveis.

Embora relativamente baixa, a incidência das lesões autoprovocadas, especialmente na faixa dos 10 aos 14 anos, pode ser explicada pela intensa fase de conflito pela qual o adolescente passa. A sua constante busca por identidade, os diversos conflitos familiares decorrentes da sua mudança de comportamento e a intensa instabilidade emocional acabam por induzir o adolescente, muitas vezes, à auto-agressão, freqüentemente apenas para chamar a atenção da família. Apoio psicológico e familiar nessa fase é o caminho para que o adolescente descubra suas aptidões e oportunidades. Tratamentos específicos devem ser considerados para aqueles que experimentam a depressão nessa fase do crescimento. A escola, a comunidade e a família devem estar atentas nesse sentido.

Quanto às agressões, não obstante este estudo tenha detectado apenas 53 casos (0,6% de todos os atendimentos), há que se ressaltar a alta subnotificação desse tipo de causa externa, em geral camuflada entre os eventos de intenção indeterminada ou entre outros tipos de "acidentes" e praticada por familiares ou outras pessoas próximas(13-14). Em geral, a agressão por força corporal é a mais empregada contra crianças, embora outros meios, inclusive a agressão sexual, também sejam relatados(14). O complexo contexto da violência tem mobilizado estudiosos no sentido de definir seus fatores e visualizar caminhos para reduzir essa importante causa da morbimortalidade infanto-juvenil(14-15).

A grande proporção de causas externas de intenção indeterminada, como a observada no presente trabalho, vem sendo estudada(16) e nos alerta para a necessidade de melhoria da qualidade da informação e registro. Muitas vezes a preocupação com a lesão acaba por suprimir questionamentos sobre as circunstâncias em que ocorreu. Determinar a intenção e as especificidades do evento na ocasião do atendimento é fundamental para subsidiar intervenções. Porém, muitas vezes o profissional, devido à grande demanda, falta de uma rotina estabelecida, entre outros fatores, acaba por perder essa importante informação, que não será recuperada mais e que pode estar ocultando casos de violência e maus tratos contra crianças. Nesse sentido, há que se estimular a implantação de mecanismos que visem a melhoria da qualidade dessa informação, tais como a implantação de protocolos nos prontos-socorros e o treinamento de profissionais que atendem nos setores de emergência/urgência.

Quanto às complicações de assistência médica, proporções bem mais elevadas foram encontradas na análise das internações por causas externas no Brasil(17), ocupando a oitava colocação (1,4%) entre as internações por essas causas em menores de 15 anos. A baixa proporção observada no presente trabalho pode ser decorrente da existência de um serviço especializado ambulatorial (o CRIE - Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais) da Universidade Estadual de Londrina, que atende toda a região norte do Paraná. Considerando que a vacinação é a medida preventiva mais bem-sucedida em relação às doenças transmissíveis da infância e considerando, ainda, que a reação vacinal representou apenas 0,1% dessa população de estudo, acredita-se que a vacinação não deva ser desestimulada. O controle de qualidade dos laboratórios fabricantes de imunobiológicos deve, sim, ser rigoroso e a conservação das vacinas durante o transporte e o armazenamento nas unidades básicas de saúde também são itens importantes, bem como o treinamento adequado do pessoal responsável pela aplicação de vacinas a fim de se evitar erros, tanto de dosagem como de identificação das vacinas.

Quanto à região corpórea mais atingida, outros autores também chamam a atenção para a alta freqüência de traumatismo de cabeça entre crianças acidentadas(2,7), que, devido ao seu desenvolvimento, ainda são incapazes de proteger a região cefálica em caso de quedas e impactos. Esse fato é preocupante, considerando que o traumatismo cefálico tem sido apontado como importante causa de internação e óbito(10). Já na faixa etária de 10 a 14 anos predominam os traumatismos de membros, provavelmente porque, além de já terem desenvolvido o reflexo de proteção da cabeça, nessa fase predominam atividades como prática de esportes, passeio com bicicleta, uso de patins, jogos de bola, entre outros, que expõem mais os membros a essas lesões.

Com relação ao tipo de lesão, resultados similares ao nosso estudo são encontrados em alguns trabalhos que informam os ferimentos e as fraturas como sendo as lesões mais freqüentes nas crianças em virtude dos acidentes(3,18). A alta freqüência de traumas superficiais e de ferimentos revela a baixa gravidade das lesões decorrentes de causas externas em crianças. No entanto, são lesões que geram atendimentos nos serviços de urgência e emergência, gerando gastos hospitalares e estresse para a criança e sua família. É importante ressaltar que os achados deste estudo se referem às lesões que chegaram aos serviços hospitalares, o que subestima, sem dúvida, a ocorrência de traumatismos superficiais na população infantil.

CONCLUSÃO

Os resultados aqui apresentados mostram a importância dos acidentes e violências como demanda de atenção hospitalar e de mortalidade entre menores de 15 anos. Diante da abrangência e magnitude das causas externas no perfil de morbimortalidade infantil, sugere-se a realização de novos estudos que venham complementar lacunas do conhecimento e contribuir para melhorar a qualidade de vida das crianças. A análise das diferenças no padrão de ocorrência desses agravos pode melhor direcionar as ações de prevenção e controle desse importante agravo contra a sociedade.

Recebido em: 19.2.2004

Aprovado em: 9.5.2005

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    Trabalho extraído da dissertação de mestrado apresentada à Universidade Estadual de Londrina. Agradecemos a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, pelo auxílio financeiro para coleta e sistematização de dados (recursos PROAP), Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e à Universidade Estadual de Londrina (Coordenadoria de Pós-Graduação), pela concessão de bolsas de iniciação científica
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      09 Maio 2005
    • Recebido
      19 Fev 2004
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