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Repercussão da desnutrição infantil na família

Repercusión de la desnutrición infantil en la familia

Repercussion of child malnutrition in the family

Resumos

O estado nutricional infantil reflete o consumo alimentar e o estado de saúde, de modo que esses fatores dependem da disponibilidade de alimento no domicílio, da salubridade, do ambiente e do cuidado destinado à criança. Objetivou-se compreender como a família convive com a problemática da desnutrição infantil. Trata-se de estudo qualitativo em que se apresentam percepções e sentimentos obtidos mediante entrevistas semi-estruturadas e observações realizadas com 10 mães de crianças desnutridas, que residem na periferia de Fortaleza - Ceará, Brasil. As categorias temáticas emergidas no discurso transcrito foram desemprego e incerteza do alimento. A síntese das categorias analisadas evidenciou que o agravante da fome é caracterizado frente a uma incerteza da família. Assim, buscam opções de apoio, como o posto de saúde, familiares, igreja e comunidade. Conclui-se sobre a necessidade de priorizar um trabalho preventivo, mediante políticas públicas de saúde, objetivando medidas que perpassem o real mundo da promoção da saúde.

transtornos da nutrição infantil; família; enfermagem


El estado nutricional infantil refleja el consumo alimentar y el estado de salud, de modo que eses factores dependen de la disponibilidad de alimento en el domicilio, de la salubridad, del ambiente y del cuidado destinado al niño. El objetivo fue comprender como la familia convive con la problemática de la desnutrición infantil. Se trata de un estudio cualitativo en el que se presentan percepciones y sentimientos obtenidos mediante entrevistas semiestructuradas y observaciones realizadas con 10 madres de niños desnutridos, que residen en la periferia de Fortaleza-Ceará-Brasil. Las categorías temáticas emergidas en el discurso transcrito fueron desempleo e incertidumbre del alimento. La síntesis de las categorías analizadas evidenció que el agravante del hambre es caracterizado por la incertidumbre de la familia. Así, buscan opciones de apoyo, como el puesto de salud, familiares, iglesia y comunidad. Se concluyó que es necesario priorizar un trabajo preventivo, mediante políticas públicas de salud, con el objetivo de que sean tomadas medidas que consideren el mundo real de la promoción de salud.

trastornos de la nutrición del niño; familia; enfermería


Children's nutritional condition reflects both their food consumption and health condition. These factors depend on the food available at home, salubriousness, the environment and the care the child receives. This qualitative study presents perceptions and feelings in order to understand how families live with the problem of child malnutrition. Data were collected through semistructured interviews and observations, involving 10 mothers of undernourished children in the suburbs of Fortaleza-Ceará, Brazil. The transcriptions of their discourse revealed the theme categories unemployment and food insecurity. The synthesis of the categories under analysis evidenced that the hunger problem is characteristic by the family's insecurity. Thus, they search for support options, such as health centers, relatives, church and community. There is a need to prioritize preventive work, through public health policies, aimed at measures related to the real world of health promotion.

child nutrition disorders; family; nursing


ARTIGO ORIGINAL

Repercussão da desnutrição infantil na família1 1 Trabalho extraído da Tese de Doutorado

Repercussion of child malnutrition in the family

Repercusión de la desnutrición infantil en la familia

Mirna Albuquerque FrotaI; Maria Grasiela Teixeira BarrosoII

IEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade de Fortaleza - UNIFOR, e-mail: mirnafrota@unifor.br

IIProfessora Emérito da Universidade Federal do Ceará - UFC

RESUMO

O estado nutricional infantil reflete o consumo alimentar e o estado de saúde, de modo que esses fatores dependem da disponibilidade de alimento no domicílio, da salubridade, do ambiente e do cuidado destinado à criança. Objetivou-se compreender como a família convive com a problemática da desnutrição infantil. Trata-se de estudo qualitativo em que se apresentam percepções e sentimentos obtidos mediante entrevistas semi-estruturadas e observações realizadas com 10 mães de crianças desnutridas, que residem na periferia de Fortaleza - Ceará, Brasil. As categorias temáticas emergidas no discurso transcrito foram desemprego e incerteza do alimento. A síntese das categorias analisadas evidenciou que o agravante da fome é caracterizado frente a uma incerteza da família. Assim, buscam opções de apoio, como o posto de saúde, familiares, igreja e comunidade. Conclui-se sobre a necessidade de priorizar um trabalho preventivo, mediante políticas públicas de saúde, objetivando medidas que perpassem o real mundo da promoção da saúde.

Descritores: transtornos da nutrição infantil; família; enfermagem

ABSTRACT

Children's nutritional condition reflects both their food consumption and health condition. These factors depend on the food available at home, salubriousness, the environment and the care the child receives. This qualitative study presents perceptions and feelings in order to understand how families live with the problem of child malnutrition. Data were collected through semistructured interviews and observations, involving 10 mothers of undernourished children in the suburbs of Fortaleza-Ceará, Brazil. The transcriptions of their discourse revealed the theme categories unemployment and food insecurity. The synthesis of the categories under analysis evidenced that the hunger problem is characteristic by the family's insecurity. Thus, they search for support options, such as health centers, relatives, church and community. There is a need to prioritize preventive work, through public health policies, aimed at measures related to the real world of health promotion.

Descriptors: child nutrition disorders; family; nursing

RESUMEN

El estado nutricional infantil refleja el consumo alimentar y el estado de salud, de modo que eses factores dependen de la disponibilidad de alimento en el domicilio, de la salubridad, del ambiente y del cuidado destinado al niño. El objetivo fue comprender como la familia convive con la problemática de la desnutrición infantil. Se trata de un estudio cualitativo en el que se presentan percepciones y sentimientos obtenidos mediante entrevistas semiestructuradas y observaciones realizadas con 10 madres de niños desnutridos, que residen en la periferia de Fortaleza-Ceará-Brasil. Las categorías temáticas emergidas en el discurso transcrito fueron desempleo e incertidumbre del alimento. La síntesis de las categorías analizadas evidenció que el agravante del hambre es caracterizado por la incertidumbre de la familia. Así, buscan opciones de apoyo, como el puesto de salud, familiares, iglesia y comunidad. Se concluyó que es necesario priorizar un trabajo preventivo, mediante políticas públicas de salud, con el objetivo de que sean tomadas medidas que consideren el mundo real de la promoción de salud.

Descriptores: trastornos de la nutrición del niño; familia; enfermería

INTRODUÇÃO

A desnutrição é uma das causas mais freqüentes da mortalidade infantil, ainda que algumas vezes esteja mascarada por patologias daí decorrentes. A realidade do Brasil, por ser um país em fase de desenvolvimento, caracteriza-se por inúmeros problemas, no que diz respeito à saúde de seu povo. O que há é um número crescente de famílias enfrentando uma subvida, durante a qual se luta por qualquer alimento, objetivando como meta única a sobrevivência. Assim, torna-se cada vez mais inaceitável o descompromisso dos governantes em atender as necessidades das populações carentes, prioritariamente nas áreas de educação, saúde e moradia. Observa-se, porém, investimento significante em tecnologia hospitalar, enquanto paradoxalmente cresce o índice de mortalidade infantil. Diante dessa problemática de saúde pública, a desnutrição infantil tem como um de seus multifatores o desmame precoce, sendo fortemente enraizado pela inversão de valores culturais relacionados ao aleitamento materno. O cuidado do filho apresenta uma diversidade de significados, fazendo com que cada família os vivencie, de acordo com os seus valores e sua visão de mundo(1).

O estado nutricional infantil reflete basicamente o consumo alimentar e o estado de saúde da criança. Esses fatores dependem da disponibilidade de alimento no domicílio, da salubridade do ambiente e do cuidado destinado à criança(2). Essa situação requer da família uma sobrecarga de responsabilidade que, na maioria das vezes, não está ao seu alcance, pois se relaciona principalmente com a renda familiar e a necessidade de serviços públicos de saúde comprometidos com a clientela, o que no Brasil ainda é utopia.

A desnutrição infantil, portanto, deve ser vista de forma ampla, observando todo o contexto familiar no qual a criança está inserida, sendo a família diretamente ligada à criança desnutrida, participando e compartilhando dos sofrimentos, das doenças e da dor, sendo a figura materna a mais envolvida. É válido ressaltar que os aspectos culturais entrelaçados na visão de mundo de cada família demonstra a necessidade de adentrar o cotidiano e deparar com o modo de cuidar da criança desnutrida. É o grupo familiar algo de muita diversidade, haja vista a sua diversa representatividade que pode variar de acordo com a pessoa, o local onde vive, o nível socioeconômico, político, a formação religiosa e, ainda, a questão cultural.

A estrutura familiar e os papéis mudam de acordo com a idade, geração, estado civil e situação socioeconômica, necessitando cada pessoa repensar suas crenças e modos de vida, individualmente. O conceito de família é descrito como duas ou mais pessoas emocionalmente envolvidas, podendo ou não viverem juntas. Considera-se como âmbito familiar o lugar onde acontecem e se administram os cuidados básicos com a saúde, ocupando, portanto, papel central na formação e preservação biológica dos indivíduos(3-4). Ressalta-se que as famílias de crianças desnutridas são muitas vezes numerosas, existindo mais de um caso de desnutrição. Em sua maioria, a mãe é quem assume a responsabilidade dos filhos, pois nem sempre pode contar com o apoio do pai da criança.

Nas várias sociedades, a mulher absorve maior responsabilidade com as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos. Responsável pelo dia-a-dia do lar, é a dona-de-casa quem convive mais de perto com as precárias condições de vida da família, mesmo quando é forçada a trabalhar fora para complementar a renda. Nesse caso, a complexidade do problema pode tornar-se mais um agravante quando estudos relacionam o trabalho da mãe como fator predisponente da desnutrição da criança(5). A vida diária da família não é isolada, mas inserida na dinâmica política e econômica da sociedade como um todo. As famílias, principalmente as de classes menos favorecidas, demonstram, muitas vezes, um conformismo frente às relações de dominação presentes em nossa sociedade.

Para que se consiga penetrar a complexidade que cerca a desnutrição infantil e sua repercussão nos diversos aspectos, deve ser considerada a perspectiva da família, ou seja, sua visão de mundo, sua compreensão do binômio saúde-doença, sua afetividade, além da relação do seu cotidiano e contexto cultural.

A luta pela sobrevivência retira dessas famílias a perspectiva de futuro promissor, de sorte que é preciso que sejam instituídas medidas que apóiem as famílias em suas lutas para vencerem o limiar de pobreza que ameaça o vínculo. Ao desenvolver um trabalho com ações educativas, é importante que se utilize uma educação libertadora, da qual a família participe, discutindo sua visão de mundo, manifestada implícita ou explicitamente nas suas sugestões(6-7).

Então, pode-se considerar de fundamental importância o sistema familiar como suporte de ajustamento e amadurecimento de todos os que dele fazem parte. Com isso, a criança, principalmente desnutrida, que já possui inúmeras carências, se beneficiaria com toda essa estrutura e organização familiar. Desse modo, acredita-se que estudos envolvendo família tornam-se importantes nessa perspectiva, e devem estar estritamente ligados à cultura da sociedade.

Neste estudo, objetivou-se compreender como a família em seu cotidiano convive com a problemática da desnutrição infantil.

MATERIAL E MÉTODO

Com suas particularidades, assim como a singularidade do objeto de estudo, utilizou-se uma abordagem qualitativa, que parte do pressuposto de que as pessoas agem em função de suas crenças, percepções, sentimentos e valores, e que seu comportamento tem sempre um sentido, um significado que não se dá a conhecer de modo imediato, precisando ser desvelado(8). O cenário do estudo foi uma comunidade, situada na periferia da cidade de Fortaleza - Ceará, Brasil. A coleta de dados foi realizada na casa da participante e utilizou o Modelo OPR (Observação-Participação e Reflexão)(9). O processo investigativo fez-se por meio de entrevistas semi-estruturadas, com 10 (dez) mães de crianças desnutridas, e o critério utilizado para considerar a desnutrição foi que estivessem sendo acompanhadas pelo programa do desnutrido e esse acompanhamento registrado no cartão de vacinação da criança. Após terem dado o consentimento livre e esclarecido, as entrevistas foram gravadas e transcritas. Os dados foram analisados e organizados, tendo como base a etnoenfermagem, da qual fazem parte as seguintes fases: descrição e documentação das falas, identificação e categorização, descoberta da saturação de idéias, síntese e interpretação dos dados.

O rigor ético esteve presente em todo o processo do estudo, em consonância com a Resolução do CNS 196/96, conforme termo de consentimento, o qual constou o objeto de estudo, o objetivo da pesquisa, a estratégia de implementação e o modo de inserção dos sujeitos no estudo, ficando ainda assegurado o direito à desistência, a qualquer tempo e motivo. A pesquisa incorporou os referenciais básicos da bioética - consoante sugere a Res.nº 196/96, do CNS - MS - autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça.

RESULTADOS

Mediante a descrição e documentação das falas das informantes, foram identificados os significados contextuais e culturais, surgindo assim as categorias: desemprego e a incerteza do alimento.

O desemprego e a vontade de trabalhar mostram-se como constantes em suas vidas. Como barreiras demonstradas pelas famílias podem ser consideradas: não terem com quem deixar os filhos, a vinda de uma nova gravidez, ou mesmo a falta e a dificuldade de se conseguir emprego. Considerando o momento de crise no País, ou mesmo parte do cotidiano dessas famílias, a situação as conduz a terem como renda os biscates, as vendas e trocas de objetos pessoais; utilizam, também, o leite recebido no posto de saúde, destinado à criança desnutrida, como forma de venda ou troca, em busca da subsistência, caracterizando a dificuldade financeira que perpassa o convívio com a problemática da desnutrição.

Eu vou dar o menino, porque não tem condição eu criar, sem pai, sem nada, mais um nas minhas costas, sem trabalhar, vou ficar de novo dentro de casa, cuidando de um menino.

Ele tá esperando ser chamado ainda...a coisa tá feia, ele tá doidinho pra arranjar um emprego e nada dessa firma chamar, a luz tá com dois meses atrasada...

A sociedade apresenta uma divisão bastante rígida de atividades entre homens e mulheres e, em geral, as tarefas de prover alimento e matérias-primas pesam mais sobre um sexo do que sobre o outro(10). Sabe-se, portanto, que esses fatores econômicos atualmente tendem a ser contrabalanceados e que o trabalho é fugaz, concentrando uma economia da qual participam as mães, as crianças, e até os vizinhos.

Aqui e acolá ele trabalha, agora tá parado, mais tá comprometido com um serviço aí... Ele sempre dá um jeito, fica tentando, vai atrás de qualquer coisa... eu trabalhei quando eu tive a minha primeira menina, depois não trabalhei, porque ele tava trabalhando, eu tenho vontade de voltar a trabalhar.

Penso em terminar meus estudos, ao menos eu arranjo um emprego, eu parei porque fiquei com vergonha de ir grávida, o pessoal é falador, o pai dela que fez eu deixar o colégio, agora fui procurar trabalho, mas tá difícil.

A situação de miséria retratada nessas entrelinhas desperta uma reflexão para muitos que não imaginam que possa existir essa subvida, que se encontra, muitas vezes, mascarada por falsos índices, falsos relatos etc.

Às vezes ele arruma serviço, aí as coisa melhora um pouquinho, ele é pedreiro, o que aparecer ele arruma pra trabalhar, pra ele não tem isso, ele consertou a porta de um rapaz, aí ele deu cinco reais, ele comprou 2kg de arroz e 1 de feijão, merenda dos meninos, massa e açúcar, pronto só o que dar pra hoje e amanhã.

Na segunda categoria, a incerteza do alimento foi retratada de forma a mostrar a freqüente necessidade porquê passam essas famílias na constante busca do alimento. Assim sendo, inúmeras são as tentativas para garantirem o sustento familiar. Infelizmente, foi relatada também como constrangedora a necessidade de muitas vezes passarem como pedintes, para conseguirem alimentar os filhos.

Às vezes quando dar pra mim dar um jeito eu dou, mas quando não tem, às vezes a gente pede, mas ficam falando, o pessoal fica chamando a gente de esmoler, aí eu fico com vergonha de pedir, aí eu prefiro ficar dentro de casa com paciência enquanto ele chega com alguma coisa.

Percebe-se que a família mostra maior preocupação com o leite dos filhos menores, assim como foi relatado, com muita dor e choro, o sofrimento de uma mãe quando seus filhos pedem pão ao acordarem e almoço ao meio-dia.

Diante dos relatos das mães, foi possível perceber que o agravante da fome é superado frente a uma incerteza por parte dessas famílias. Assim sendo, essas buscam inúmeras opções de apoio, como o posto de saúde, familiares, igreja e comunidade. Mesmo com toda a dificuldade que passam para conseguirem o acesso aos serviços de saúde, como conseqüência de uma grande demanda que madruga nas filas na tentativa de serem atendidas, as famílias ainda continuam buscando o leite distribuído nos postos de saúde como alternativa para o sustento do filho desnutrido. Essa compreensão é identificada em falas como:

A bichinha só tem o mingau porque eu recebo o leite no posto.

A minha felicidade é por causa do leite,... tem dia aqui que não tem nem um pão pra eles avalia eu criar esse menino.

Compreende-se, contudo, também, que o leite distribuído pelo Governo é vinculado a programas que podem ser extintos, sem qualquer conhecimento prévio, ou mesmo a demanda ser maior do que a oferta, o que é muito freqüente em se tratando de famílias que vivem em um cotidiano de miséria.

... ela não recebeu ainda esse mês porque ainda não chegou, tá faltando.

Também é comum nessas famílias, pela própria necessidade, as mães dividirem o leite recebido no posto com todos os membros familiares.

Ainda bem que nós recebe o leite, porque ele aqui toma o mesmo leite sabe, que eu dou, já butei ele no mesmo leite, já esse outro pra beber um copo de leite é um Deus nos acuda.

Falta porque ele dá só 4 pacote, quando chega assim com uns dez dias fica faltando porque eu recebo só 4, eu dou a tudim.

Uma análise da educação como questão de vida remete-nos às concepções de Paulo Freire(11), para quem a educação faz parte da vivência do dia-a-dia e deve constituir-se em instrumento de transformação, de forma que possa ajudar as pessoas a se descobrirem e a desenvolverem suas potencialidades de crescimento individual e como sujeito coletivo. Assim concebida, a educação implica uma busca por parte daquela pessoa que se descobre sujeito e essa busca não se dá de forma isolada, na individualidade de cada qual, pois se realiza na relação com outras pessoas que têm objetivos comuns(7-11). Nas descrições, foram relatados sobre a ajuda que provém da família, contudo, também relatam que muitos deles já lutam pela própria subsistência, tornando-se assim difícil disporem de qualquer recurso para compartilhar com outros membros da família.

Ele deu um jeito de ir na mãe dele trouxe comida feita de lá, quando foi de noite as crianças comeram e pronto.

Minha mãe ajuda, a família dele também,..... minha mãe compra, meu padastro compra, quando o pai dela tem ele compra, ele não deixa faltar, ele trabalha de servente quando chamam.

Tá ruim que só, a gente tá se virando, assim às vezes a minha família me dá as coisas.

Ficam evidentes no discurso dos participantes o valor da família e a necessidade de se estabelecer uma relação de ajuda, porém, revelando as angústias da família. A auto-organização da vida como pressuposto para a compreensão da morte infantil reforça a noção de que as redes sociais de intercâmbio e de ajuda mútua estão incluídas nessa categoria ampliada de família. Essas redes são construídas mediante laços de parentescos, vizinhança e amizade e representam, principalmente para os núcleos de mais baixa renda, um insubstituível recurso no momento de crise(12-13).

Outro aspecto importante observado é que algumas famílias não aceitam a desnutrição do filho, passando a ver o desnutrido como um estigma e, muitas vezes, em virtude da relação da fome com a pobreza, passam a omitir. Outra vertente observada foi em relação ao regime de nutrir, engordar, pois as famílias, para não serem rotuladas como mães de crianças desnutridas, deixam de aleitar precocemente por acreditarem no mingau feito com massas. Mesmo com muitos trabalhos realizados com o intuito de incentivar o aleitamento materno, ainda existem mães que caracterizam uma boa alimentação como sendo aquela na qual acreditam.

Ela come bem, tá bem gordinha, não deixo nada faltar, dou almocinho, dou sopinha, suco, banana. Eu quero dar pra esse (referindo-se ao outro filho que estava com 10 dias de nascido) é o leite Ninho, porque é mais forte, minha mãe disse que acha mais forte, a minha primeira filha, com cinco dias, a mãe botou mingau pra ela, eu vou botar duas colherzinha pra 150 gramas de mingau e uma colher de Arrozina.

A educação foi salientada de forma intrínseca, pois as famílias, pela própria falta de conhecimento (afinal, as informantes possuem restrições e limitações quanto ao conhecimento da problemática da desnutrição), não consideram a desnutrição como algo que possa comprometer o crescimento e o desenvolvimento do filho. Essa restrição pode ter como uma das principais causas o próprio nível de escolaridade da mãe, que está relacionado ao abandono da escola na adolescência, ou à falta de perspectiva de emprego(14).

DISCUSSÃO

O problema da fome é extremamente complexo, porém é inevitável a relação da fome com a pobreza. O faminto é o pobre e a esse faltam recursos para satisfazer a condição da sobrevivência imediata: a alimentação(15). A guerra contra a pobreza deu lugar à luta contra suas vítimas. A desnutrição infantil está seguramente relacionada à difícil condição em que vivem as famílias pobres, e advém de fatores muitas vezes obscuros, tanto para essas famílias como para a própria sociedade, tornando-se não só restrita às áreas rurais como também atinge principalmente a periferia das grandes cidades, marcadas pelos elevados níveis de desigualdades sociais que possibilitam a formação da pobreza.

A partir dos aspectos essenciais transmitidos pelos informantes, mostra-se a importância da contextualização da realidade vivenciada por famílias de crianças desnutridas por profissionais de saúde envolvidos no cuidar. Portanto, se faz necessário que estratégias educativas sejam elaboradas com a participação de profissionais que possuam maior aproximação com o contexto existente em torno de problemas específicos de saúde-doença, evitando assim um atendimento centrado apenas no biológico, realizado de forma simplista e característico das práticas dominantes, cujas conseqüências são as recidivas de crianças desnutridas e os índices de mortalidade infantil.

Outra reflexão possível é a necessidade de envolvimento, por parte dos profissionais, de forma crítica e consciente, na promoção da saúde, tornando-se educadores capazes até mesmo de guerrear pelo interesse sagrado da vida humana, pelos marginalizados e excluídos da sociedade.

Recebido em: 1º.10.2004

Aprovado em: 2.9.2005

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  • 1
    Trabalho extraído da Tese de Doutorado
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      02 Set 2005
    • Recebido
      01 Out 2004
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