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Socialização profissional: estudantes tornando-se enfermeiros

Resumos

Habitualmente, as faculdades são avaliadas pela qualidade do conhecimento e treinamento técnico propiciados ao estudante e pouca atenção é dada à aquisição dos valores, comportamentos e atitudes necessários para assumir seu papel profissional. Este estudo exploratório tem o objetivo de aumentar a compreensão do processo de socialização profissional que ocorre nas faculdades de enfermagem e dos resultados obtidos através da socialização dos valores e normas profissionais. A experiência educacional vivenciada pelos estudantes de enfermagem envolve mais do que um corpo de conhecimentos científicos e a aquisição de habilidades para cuidar do paciente. Uma amostra de 278 estudantes de duas faculdades públicas de enfermagem no estado de São Paulo preencheu questionários, 164 da faculdade A e 114 da faculdade B. Os resultados indicam que alguns valores, normas e comportamentos profissionais são influenciados pelo tempo de permanência na escola, e que estudar durante quatro anos em uma faculdade de Enfermagem leva a diferenças de valores, normas e comportamentos profissionais.

instituições de ensino superior; valores sociais; educação em enfermagem; escolas de enfermagem; estudantes de enfermagem; papel do profissional de enfermagem


Usually colleges are evaluated by the quality of the knowledge and technical training offered to the students. Little attention is given to the acquisition of the values, behaviors and attitudes necessary to assume their professional role. This exploratory study aims to increase understanding of the professional socialization process that occurs at nursing schools and the results obtained through the socialization of professional values and standards. The educational experience of nursing students involves more than a body of scientific knowledge and the acquisition of abilities to provide care to patients. Questionnaires were filled out by 278 students of two public Nursing Schools in São Paulo state, 164 in school A and 114 in school B. The results indicated that some professional values, norms and behaviors are influenced by College years, studying at a College of Nursing during four years leads to a difference in values, norms and professional behavior.

higher education institutions; social values; education; schools; students; nurse's role


Habitualmente, las facultades son evaluadas por la calidad del conocimiento y capacitación técnica ofrecidos a los alumnos, y se da poca atención a la adquisición de los valores, comportamientos y actitudes necesarios para asumir su papel profesional. La finalidad de este estudio exploratorio es aumentar la comprensión acerca del proceso de socialización profesional que ocurre en facultades de enfermería y de los resultados alcanzados a través de la socialización de valores y normas profesionales. La experiencia educacional abarca más que un cuerpo de conocimientos científicos y la adquisición de habilidades de les cuidar a los pacientes. Cuestionarios fueron llenados por una muestra de 278 estudiantes de dos Facultades Públicas de Enfermería en el Estado de São Paulo, 164 en la Facultad A y 114 en la B. Los resultados indican que algunos valores, normas y comportamientos profesionales son influenciados por el tiempo de permanencia en la facultad, y que estudiar en una Facultad de Enfermería durante cuatro años lleva a diferencias de valores, normas y comportamientos profesionales.

instituciones de enseñanza superior; valores sociales; educación en enfermería; escuelas de enfermería; estudiantes de enfermería; rol de la enfermera


ARTIGO ORIGINAL

Socialização profissional: estudantes tornando-se enfermeiros

Gilberto Tadeu ShinyashikiI; Isabel Amélia Costa MendesII; Maria Auxiliadora TrevizanII; René A DayIII

IPsicólogo, Professor Doutor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, email: gtshinya@usp.br

IIEnfermeira, Professor Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para o desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem. Pesquisador 1A do CNPq, e-mail: trevizan@eerp.usp.br, iamendes@eerp.usp.br

IIIEnfermeira, Doutor, Faculdade de Enfermagem da Universidade de Alberta, Canadá

RESUMO

Habitualmente, as faculdades são avaliadas pela qualidade do conhecimento e treinamento técnico propiciados ao estudante e pouca atenção é dada à aquisição dos valores, comportamentos e atitudes necessários para assumir seu papel profissional. Este estudo exploratório tem o objetivo de aumentar a compreensão do processo de socialização profissional que ocorre nas faculdades de enfermagem e dos resultados obtidos através da socialização dos valores e normas profissionais. A experiência educacional vivenciada pelos estudantes de enfermagem envolve mais do que um corpo de conhecimentos científicos e a aquisição de habilidades para cuidar do paciente. Uma amostra de 278 estudantes de duas faculdades públicas de enfermagem no estado de São Paulo preencheu questionários, 164 da faculdade A e 114 da faculdade B. Os resultados indicam que alguns valores, normas e comportamentos profissionais são influenciados pelo tempo de permanência na escola, e que estudar durante quatro anos em uma faculdade de Enfermagem leva a diferenças de valores, normas e comportamentos profissionais.

Descritores: instituições de ensino superior; valores sociais; educação em enfermagem; escolas de enfermagem; estudantes de enfermagem; papel do profissional de enfermagem

INTRODUÇÃO

Esse projeto tem o objetivo de contribuir para aumentar a compreensão dos processos de socialização profissional que ocorrem nas faculdades de enfermagem e dos resultados conseguidos na socialização dos valores e normas da profissão.

Este assunto é relevante para compreender o processo de socialização que irá ocorrer quando estes graduados entrarem em uma organização, pois os valores, atitudes e comportamentos socializados na faculdade serão avaliados na seleção e na integração dos graduados na organização. O ajustamento que vier a ocorrer irá influenciar a estabilidade e o comprometimento organizacionais, a satisfação, o sentimento de aceitação mútua, o envolvimento com o trabalho e a motivação interna(1-2).

A socialização profissional é um processo pelo qual as pessoas aprendem, durante sua educação e treinamento, as habilidades, conhecimentos, valores, comportamentos e atitudes necessárias para assumirem seu papel profissional(3-6).

A enfermagem, como todas as outras profissões, dedica muito tempo e recursos para a preparação educacional dos enfermeiros(7). Estudo sobre a socialização de enfermeiros recém-graduados conclui que o estabelecimento da enfermagem como profissão é determinado pelo modo como os enfermeiros são socializados(8). A obra clássica de Kramer registra que a socialização inadequada está associada com turnover e pedido de dispensa entre os enfermeiros de hospitais gerais(9). O gerenciamento descuidado das primeiras experiências profissionais pode levar a baixa motivação, baixa produtividade, desmoralização e diminuição do cuidado com o paciente(8).

A experiência educacional vivenciada pelos estudantes de enfermagem envolve mais do que um corpo de conhecimentos científicos e aquisição de habilidades para cuidar do paciente; os estudantes de enfermagem aprendem como se relacionar com o paciente e consigo mesmo enquanto enfermeiros, ou seja, construir uma identidade como profissional. Portanto, há benefícios se o processo de socialização ocorre e sérias conseqüências se este processo não ocorre(10).

CONCEITO DE SOCIALIZAÇÃO PROFISSIONAL

Vários autores propuseram definições para o termo socialização profissional:

"o processo pelo qual as pessoas seletivamente adquirem valores e atitudes, interesses, habilidades e conhecimentos - em resumo, a cultura - corrente em grupos nos quais elas estão ou buscam se tornar membros. Refere-se ao aprendizado de papéis sociais"(3).

"envolve a aquisição das habilidades e conhecimentos necessários e também o senso de identidade ocupacional e internalização das normas ocupacionais típicas de um profissional completamente qualificado"(4).

"o processo de aprender a abandonar os velhos papéis e auto conceitos e adquirir novos.., socialização profissional refere-se tanto as conseqüências planejadas como as não planejadas do programa educacional"(5).

"processo complexo pelo qual a pessoa adquire conhecimento, habilidades e senso de identidade ocupacional que são característicos dos membros daquela profissão. Envolve a internalização de valores e normas do grupo no comportamento e auto conceito da própria pessoa. No decorrer do processo, a pessoa abre mão dos estereótipos sociais existentes anteriormente em nossa cultura e assume aqueles adotados pelos membros daquela profissão"(6).

Três temas surgem das definições citadas. Um deles está ligado aos valores e normas que tornam os valores concretos, pois independentemente de o novato já trazer para a faculdade um conjunto de valores, estes podem mudar durante o processo de socialização para refletir os valores da profissão. O segundo tema é o comportamento, pois quando os valores mudam, o comportamento altera coerentemente. O terceiro tema, que se extrai das definições, está relacionado ao nível sócio-psicológico da socialização profissional, o qual ocorre dentro do indivíduo, mudando seu auto conceito de tal forma que a identidade da profissão se desenvolve(11).

Como a socialização profissional é um aspecto crítico do desenvolvimento do estudante de enfermagem ela ocorre tanto no contexto educacional como no contexto clínico(10). A socialização profissional para graduados acontece em duas etapas: primeiro ocorre a socialização pela educação e treinamento que é determinante do conteúdo do papel, depois vem a socialização pelo ambiente de trabalho e seus agentes. Alguns aspectos da primeira socialização podem ser descartados agora, para que o profissional atue de modo profissional e alguns outros serão mantidos, dependendo do jogo de forças, escolhas profissionais e restrições situacionais(12).

PAPEL DO ENFERMEIRO

Papéis definem o modo como os indivíduos agem, internalizando certos valores e normas e participação na ação social entre outros papéis de referência. A aquisição de um novo papel inicia o indivíduo em um grupo social em particular. A assunção de um papel e o processo de socialização ocorrem essencialmente durante o curso de graduação, tanto no contexto educacional quanto no clínico. As pessoas que assumem o papel de enfermeiro não somente assimilam novos fatos e aprendem novas habilidades, mas imergem em uma nova cultura com expectativas de valores e normas. Isto simultaneamente desenvolve uma identidade, auto estima, interação com os modelos de papéis e julgamento das reações dos outros ao papel(13).

Um tema crítico é o modo como os valores e idéias sobre enfermagem que os estudantes trazem com ele (que são resultados da socialização por antecipação) entram em conflito com os objetivos da organização que vai treiná-los. A socialização profissional envolve mudar atitudes, valores, crenças e auto imagens das pessoas, assim como proporcionar habilidades e conhecimentos. Toda profissão tem uma idéia clara das atitudes e valores que seus futuros membros devem desenvolver e qual é o produto final esperado. Por outro lado os estudantes podem trazer concepções variadas das exigências do trabalho, interesses e objetivos que podem ou não ser compatíveis com os objetivos do programa. Estes dois fatores - objetivos do programa e orientações que os estudantes trazem - combinam para criar uma variedade de problemas e conflitos no processo de socialização.

Estudo sobre estudantes de enfermagem, sugere que a socialização profissional envolve uma seqüência de fases. Primeiro, existe uma mudança de objetivos amplos e sociais que levaram o estudante à escolha da profissão, para a proficiência e domínio de tarefas específicas do trabalho. Depois, um grupo de referência se desenvolve a partir de outros significativos do ambiente de trabalho. Finalmente, os valores do grupo ocupacional são internalizados e o novato assume atitudes, valores e comportamentos que o grupo prescreve(14). Mas há consenso na literatura sobre a importância e necessidade de se trabalhar valores durante sua permanência na escola(15)

METODOLOGIA

A pesquisa teve a finalidade de investigar os padrões e mudanças dos valores profissionais em função do processo de socialização profissional desenvolvido na faculdade durante o período da graduação (quatro anos). A abordagem "cross sectional" foi escolhida por ser mais barata e rápida, pois a passagem do tempo (duração da graduação) é eliminada pela amostragem de diferentes amostras de estudantes dos diversos anos acadêmicos(16).

O método longitudinal permitiria uma identificação mais precisa da variação das mudanças em função do processo de socialização, mas em função do longo período de tempo que exigiria a continuidade do pessoal técnico e do suporte financeiro e também do problema de amostragem, pelo número limitado de sujeitos que poderiam ser acompanhados durante quatro anos, optamos pelo estudo transversal.

O controle de uma grande quantidade de variáveis demográficas permitiu verificar se a variação dos valores profissionais se deu em função das variáveis demográficas ou do tempo que o estudante permanece na faculdade.

Em vista do discutido, as questões importantes que surgem são:

- Qual é a influência da socialização profissional realizada nas escolas de enfermagem para a aquisição dos valores da profissão pelos estudantes?

- Quais são as mudanças em relação aos valores, no decorrer da socialização profissional?

- Como os fatores demográficos influenciam na aquisição dos valores da profissão?

O questionário foi elaborado a partir de questionários utilizados previamente e cujos resultados apontavam algumas variáveis que influenciavam o processo de socialização profissional. Os questionários são adaptações de estudos já validados por diversos autores. A utilização de questionários já utilizados por outros autores visa reduzir a margem de erro por causa do método(17) e tornar possível o estudo comparativo intercultural.

O questionário está composto de seis partes:

- Dados demográficos: idade, estado civil, cidade onde foi criado, semestre matriculado, religião e faculdade.

- Dados Vocacionais: Incluía a idade quando fez a escolha da carreira de enfermagem, se a enfermagem foi sua primeira escolha de carreira e desejo de mudar de carreira,

- Dados sócios econômicos: Nível educacional dos pais e status sócio econômico.da família

- Socialização Profissional(10): O questionário utilizou 18 questões de uma escala de 54 itens desenvolvido pela autora que consiste em afirmações sobre o sujeito e a enfermagem. Os itens utilizam uma escala de 5 pontos de Likert. Os itens abrangiam 4 dimensões: a) Valores da carreira; b) Características de Personalidades; c) Competências Profissionais e d) Valores Profissionais. Estas dimensões foram extraídas utilizando uma análise fatorial. O coeficiente-Alpha é 0,8365 que significa que a escala pode ser considerada de confiável.

- Nurses Professional Values(18): O NPVS (Nurses Professional Values Scale) mede os valores. Tem 44 itens em formato de escala Likert de 5 pontos. Para cada item, o respondente indica a importância da afirmação do valor para cada prática da enfermagem. O NPVS é baseado nos 11 princípios encontrados no código de ética da American Nurses Association. Os itens englobam 11 dimensões: Respeito à vida, Privacidade/Confidencialidade, Advogar, Responsabilidade pela verdade, Conhecimento-Competência, Tomar Decisões/Pensamento Crítico, Desenvolvimento de Conhecimento, Cuidados de Qualidade/ Excelência em enfermagem, Justiça/Igualdade, Imagem de Integridade Profissional e Altruísmo/Ativismo. O coeficiente-Alpha é 0,9451.

- Socialização nas profissões de Saúde(19): A escala lida com as transformações de atitudes ocorridas em estudantes de odontologia durante as várias etapas de formação profissional. A escala foi adaptada para estudantes de Enfermagem. Os respondentes apontavam em uma escala de 5 pontos sua importância para 15 traços diferentes da prática de enfermagem. Os itens englobavam 3 componentes: a) Orientação para pessoa; b) orientação para Ciência, e c) Orientação para Status. O coeficiente-Alpha é 0,8365.

A amostra do estudo constituiu-se de estudantes de duas faculdades públicas de enfermagem na região sudeste do Brasil. Estudantes matriculados nos quatros anos do curso de enfermagem foram informados em sala de aula sobre o estudo e aqueles que concordam em participar preencheram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e preencheram o questionário. O tempo médio de preenchimento foi torno de 20 minutos. Foram preenchidos 278 questionários nas duas escolas, sendo 164 destes da escola A e 114 da escola B.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados obtidos mostram que 22,7% dos alunos que responderam os questionários estão no segundo semestre do curso, 32,4% estão no quarto semestre, 25,9% no sexto semestre, e 19,1% dos alunos estão no oitavo semestre.

A média de idade dos respondentes é 21,58 anos com uma amplitude de 17 a 45 anos. O gênero feminino corresponde 96% do grupo, sendo que 96,4% são solteiros e 67,3% nunca trabalharam; 29% passaram a maior parte de sua infância em cidades com número de habitantes entre 100 e 500 mil; 21% em cidades entre 20 e 50 mil habitantes e 18% em cidades com mais de 500 mil habitantes. Metade da amostra pertence à Classe Média na classificação econômica (Critério de Classificação Econômica do Brasil) desenvolvida pela ANEP -Associação Nacional de Empresas de Pesquisa - Dez.2002)(20).

Aproximadamente metade dos alunos que responderam o questionário escolheu a carreira de enfermagem entre 18 e 22 anos de idade; 39,9% tinham a enfermagem como primeira opção de carreira. Quanto a carreira, 32,8% dos entrevistados escolheriam outra carreira que não a enfermagem se tivesse condições. A maioria (60,8%) dos sujeitos é católica, enquanto 20,9% são espíritas, 10,8% são evangélicos e o restante (8,5%) professam nenhuma religião ou classificaram como outras.

Quanto a escolaridade do pai, os pais de 24,5% dos alunos questionados têm ensino fundamental; 37% ensino médio; 31,9% ensino superior; e 6,6% dos alunos têm pai com pós-graduação.Em relação a escolaridade da mãe, 21,3% dos respondentes tem mãe com ensino fundamental; 40,1% ensino médio; 33,9% ensino superior; e 4,7% responderam que tem mãe com pós-graduação.

Apesar de serem semelhantes na grande maioria das estatísticas realizadas (Tabela 1), os dois grupos (escola A e B) mostram diferenças em alguns itens. Nota-se pelo resultado do teste que há diferenças significativas entre os participantes das escolas A e B, nos itens: semestre de matrícula, idade da escolha da carreira de enfermagem, e escolha de outra carreira que não a enfermagem.

Na escola A, 34,8% dos alunos participantes estão no segundo semestre, 28% no quarto semestre, 16,5% no sexto semestre, e 20,75% estão no oitavo semestre. Já na escola B, apenas 5,35% dos alunos estão no segundo semestre, 38,6% estão no quarto semestre, 39,5% estão no sexto semestre, e 16,7% dos alunos estão no oitavo semestre.

Quanto à idade de escolha da carreira de enfermagem, a escola A tem média de idade (em anos) maior do que a da escola B. Quanto ao item escolha de outra carreira que não a enfermagem, na escola A 42,6% dos respondentes faria outra opção de carreira se tivesse condição, enquanto que na escola B apenas 18,8% o fariam.

Calcularam-se também as estatísticas das variáveis de orientação (pessoa, ciência e status), socialização (profissional, personalidade, orgulho de carreira e vocação), e valores (altruísmo/ativismo, advocacia, tomada de decisões/pensamento critico, justiça/equidade, competência em conhecimento, desenvolvimento de conhecimento, privacidade/confidencialidade, imagem profissional/integridade, qualidade do cuidado, respeito à vida, e responsabilidade/responder pela verdade). Desta forma, pode-se visualizar pela Tabela 2 os números de respondentes, as médias, os desvios padrão, e os valores mínimos e máximos de cada variável de orientação, socialização e valor.

Foram realizados os testes de Kruskal Wallis e de Mann Whitney para medir as diferenças entre as médias das variáveis demográficas e as médias dos valores. Como se pode verificar na Tabela 3, foram encontrados resultados significativos estatisticamente entre as seguintes variáveis demográficas e vocacionais e os valores.

O tempo que o estudante está na faculdade aponta para uma diferença significativa dos valores assumidos, reforçando a hipótese de que a permanência na faculdade e a própria faculdade têm relação com mudanças de valores. Entretanto observa-se que outras variáveis têm uma influencia importante, em particular, as vocacionais e a escolaridade da mãe.

Na tentativa de identificar em qual ano do curso de enfermagem destas duas faculdades ocorrem diferenças entre as médias das variáveis de orientação, recompensa, socialização e valores, realizou-se o teste de Mann Whitney para a comparação dos seguintes anos: 1x2, 1x3, 1x4, 2x3, 2x4 e 3x4.

Os resultados significativos foram:

- entre o primeiro e o segundo ano de curso há diferenças em valor de carreira;

- entre o primeiro e o terceiro ano, em orientação para status, valor de carreira, desenvolvimento de conhecimento, cuidados de qualidade e respeito à vida;

- entre o primeiro e o quarto ano, em orientação para status, respeito à vida, e imagem profissional/integridade;

- entre o segundo e o terceiro ano há diferenças entre orientação para ciência, desenvolvimento de conhecimento, cuidados de qualidade, respeito à vida e responsabilidade pela verdade;

- entre o segundo e o quarto anos, em socialização profissional, personalidade, vocação, imagem profissional/integridade e respeito à vida; e

- entre o terceiro e o quarto anos em vocação.

Pode-se identificar que a passagem do segundo para o terceiro ano é o momento que ocorrem mais mudanças.

Os resultados sugerem algumas conclusões sobre o processo de socialização que ocorre durante o curso de graduação:

O ano de matrícula é um fator influente para alguns valores

Pode-se identificar que o ano de matrícula na faculdade faz diferença nas mudanças dos valores profissionais socializados. Com certeza é preciso considerar que outras variáveis demográficas podem melhorar a previsão de mudanças.

Cabe destacar que a faculdade em si influencia os valores: a orientação para status, valores da carreira e os valores Profissionais (vocação), o desenvolvimento de conhecimento e a qualidade do cuidado.

A escolha vocacional faz diferença para alguns valores

Em quase metade dos valores, as variáveis vocacionais aparecem relacionadas as diferenças de valores. As orientações para status e pessoa, incorporar as competências profissionais, os valores da carreira e o desenvolvimento do conhecimento são os fatores que têm relação com a escolha vocacional, sinalizando que é um fator importante pois caso a escolha vocacional seja equivocada, faculdade tem um impacto menor na socialização desses valores.

O ano de matrícula não faz diferença

Para alguns valores, a variável de socialização, o ano de matrícula, não tem relação, o que significa que não contribui para a mudança dos seguintes valores: Orientação para pessoa, competências profissional, valores de justiça/equidade e competência do conhecimento. Os valores da vocação têm relação com gênero e valores de justiça/equidade e competências profissionais têm relação com a escolaridade da mãe.

Não temos informação do que influencia

Para alguns valores como: Altruismo/Ativismo, Tomada de decisão/Pensamento Crítico, Privacidade/Confidencialidade, Imagem Profissional/Integridade e Verdade/Responsabilidade não conseguimos identificar alguma variável que ajudasse a explicar a diferença.

CONSIDERAÇÕES

O controle de uma ampla quantidade de variáveis demográficas nos permitiu verificar se a variação dos valores profissionais era devido as variáveis demográficas ou se ao tempo de permanência na faculdade.

Os dados disponíveis permitem algumas reflexões preliminares. A identificação das mudanças nos valores no decorrer do tempo de permanência na faculdade indica a importância da faculdade na socialização dos valores profissionais.

Estudar em uma faculdade de Enfermagem durante 4 anos leva para uma diferença nos valores, normas e comportamentos profissionais. Há alguma ênfase no currículo destas duas faculdades, durante o segundo e terceiro anos, que leva a variação em alguns valores. Ainda pode-se ressaltar que a Faculdade tem alguma característica que é forte o suficiente para influenciar alguns valores.

Entretanto, não se pode subestimar a influencia de variáveis demográficas e vocacionais, alguns valores são internalizados antes que os estudantes vivenciem a Faculdade e mudanças dependem da socialização anterior.

Finalmente para alguns valores, não se conseguiu identificar qualquer relação.

LIMITAÇÕES

Um dos fatores que trazem alguma dificuldade para o estudo é a diferença existente na amostra estudada; uma das escolas tem uma participação menor de alunos do ultimo ano, fazendo com que as diferenças atribuídas à faculdade possam ser influenciadas pela diferença existente no perfil dos grupos estudados.

O estudo dos currículos poderia contribuir para entender o que mudanças acontecem nas disciplinas e atividades realizadas nos segundos e terceiros anos para identificar as transformações que ocorrem nesse período.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 3.1.2006

Aprovado em: 26.5.2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2006
  • Data do Fascículo
    Ago 2006

Histórico

  • Aceito
    26 Maio 2006
  • Recebido
    03 Jan 2006
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