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O conhecimento sobre diabetes mellitus no processo de autocuidado

Resumos

Estudo descritivo realizado no interior paulista, cujo objetivo foi verificar o conhecimento das pessoas com diabetes mellitus em relação à doença, causas e complicações advindas, destacando sua importância no autocuidado. Os dados foram coletados de 84 pessoas por meio de entrevista e analisadas mediante estatística descritiva. A média de idade foi 53,3±13 anos, tempo de doença 12,9±9 anos e 58% dos participantes tinham ensino fundamental incompleto. Verificou-se que apenas 28,6% incluíram-se na categoria correta sobre "o que é diabetes" e "quais suas causas"; 71% foram diagnosticados sem apresentar sintomas clássicos e 64% foram internados por alguma complicação aguda ou crônica. Indicou-se, aqui, aspectos que dificultam o processo de aprendizagem, pouco conhecimento em relação à doença, etiologia e sintomas, comprometendo a prevenção e diagnóstico precoce, além da predisposição para as complicações. Ressalta-se a interferência dos fatores biopsicossociais no processo de autocuidado.

enfermagem; diabetes mellitus; conhecimento e autocuidado


This descriptive study in the interior of São Paulo aimed to verify diabetes mellitus patients' knowledge about the disease, causes and complications, highlighting its importance in self care. Data were collected through interviews with 84 persons and analyzed through descriptive statistics. Average age was 53.3±13 years, time of disease 12.9±9 years and 58% of the participants did not finish basic education. Only 28.6% of the participants gave correct answers to "what is diabetes" and "what are its causes"; 71% were diagnosed without presenting classic symptoms and 64% had already been hospitalized due to an acute or chronic complication. We indicated aspects that turn the learning process more difficult; little knowledge about the disease, its causes and symptoms, thus affecting the prevention and early diagnosis and entailing predisposition towards complications. Furthermore, the interference of biopsychosocial factors in the self care process is highlighted.

nursing; diabetes mellitus; knowledge and self care


Estudio descriptivo realizado en el interior de São Paulo, cuyo objetivo fue verificar el conocimiento de las personas con diabetes mellitus en relación con la enfermedad, causas y complicaciones subsecuentes, destacando su importancia en el autocuidado. Los datos fueron recolectados en 84 personas por medio de entrevista y analizados mediante estadística descriptiva. La edad media fue de 53,3±13 años, tiempo de la enfermedad de 12,9±9 años y 58% de los participantes tenían primaria incompleta. Apenas 28,6% respondieron correctamente sobre "qué es diabetes" y "cuáles sus causas"; 71% fueron diagnosticados sin la presencia de los síntomas clásicos y, 64% ya habían sido internados por alguna complicación aguda o crónica. Se indicó aspectos que dificultan el proceso de aprendizaje, poco conocimiento en relación con la enfermedad, etiología y síntomas, comprometiendo la prevención y el diagnóstico precoz, predisponiéndolos a las complicaciones. Se resaltan la interferencia de los factores biopsicosociales en el proceso de autocuidado.

enfermería; diabetes mellitus; conocimiento y autocuidado


ARTIGO ORIGINAL

O conhecimento sobre diabetes mellitus no processo de autocuidado1 1 Trabalho extraído do Projeto Integrado CNPq 520309/98-7

Ana Emilia PaceI; Kattia Ochoa-VigoII; Maria Helena Larcher CaliriI; Ana Paula Morais FernandesI

IDocente da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, e-mail: aepace@eerp.usp.br, mhcaliri@eerp.usp.br, anapaula@eerp.usp.br

IIEnfermeira, Doutor, Professor da Faculdade de Enfermagem da Universidade Peruana Cayetano Heredia, e-mail: kvope@yahoo.es

RESUMO

Estudo descritivo realizado no interior paulista, cujo objetivo foi verificar o conhecimento das pessoas com diabetes mellitus em relação à doença, causas e complicações advindas, destacando sua importância no autocuidado. Os dados foram coletados de 84 pessoas por meio de entrevista e analisadas mediante estatística descritiva. A média de idade foi 53,3±13 anos, tempo de doença 12,9±9 anos e 58% dos participantes tinham ensino fundamental incompleto. Verificou-se que apenas 28,6% incluíram-se na categoria correta sobre "o que é diabetes" e "quais suas causas"; 71% foram diagnosticados sem apresentar sintomas clássicos e 64% foram internados por alguma complicação aguda ou crônica. Indicou-se, aqui, aspectos que dificultam o processo de aprendizagem, pouco conhecimento em relação à doença, etiologia e sintomas, comprometendo a prevenção e diagnóstico precoce, além da predisposição para as complicações. Ressalta-se a interferência dos fatores biopsicossociais no processo de autocuidado.

Descritores: enfermagem; diabetes mellitus; conhecimento e autocuidado

INTRODUÇÃO

Condições crônicas de saúde são responsáveis por 60% de todo o ônus decorrente de doenças no mundo. Nos países em desenvolvimento, a adesão ao tratamento chega a ser apenas de 20%, levando a estatísticas negativas na área da saúde, ocasionado encargos elevados para a família, sociedade e governo(1).

Entre as condições crônicas de saúde, destaca-se o diabetes mellitus pela alta taxa de morbimortalidade, bem como pela crescente tendência à prevalência. O diabetes mellitus requer cuidado clínico e educação contínua para a prevenção das complicações agudas e crônicas(2).

Ambigüidades e incertezas provocadas pelo diabetes mellitus formam a base para as demandas/necessidades das pessoas que apresentam essa doença, as quais podem ser de natureza imediata ou de longo prazo. As demandas/necessidades originárias do diabetes foram categorizadas em psicossociais, de autocuidado e aquelas relacionadas ao conhecimento e habilidades(3).

Dessa forma, o cuidado integral à pessoa com diabetes deve compreender aspectos psicossociais e culturais. A educação terapêutica é fundamental para informar, motivar e fortalecer a pessoa e família, para conviver com a condição crônica, onde, a cada atendimento, deve ser reforçada a percepção de risco à saúde, o desenvolvimento de habilidades e a motivação para superar esse risco(4).

Tem sido descrito que atenção à saúde, que fornece informação oportuna, apoio e monitoramento, pode melhorar a adesão, o que reduzirá o ônus das condições crônicas e proporcionará melhor qualidade de vida às pessoas com diabetes(1). Nesse sentido, a habilidade para detectar e agir mediante sinais de prontidão que a pessoa apresenta em relação às mudanças de comportamento e estilo de vida é importante(3).

Para subsidiar o cuidado à pessoa com diabetes mellitus e, identificar prováveis fatores intervenientes nesse processo, realizou-se o presente estudo com o objetivo de verificar o conhecimento que essa pessoa possui sobre a doença, causas e complicações advindas do diabetes, destacando sua importância no autocuidado.

METODOLOGIA

Estudo descritivo, tipo transversal, desenvolvido no Ambulatório de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), entre abril de 2000 e abril de 2001. Nesse período, foram atendidas 659 pessoas com diagnóstico de diabetes mellitus, com idade superior a 20 anos e de ambos os sexos. Desse total, 84 pessoas participaram voluntariamente do estudo.

A seleção dos participantes foi realizada por meio dos prontuários destinados ao atendimento ambulatorial e, no momento em que compareciam à consulta, foram convidados a participar do estudo. Para os concordantes, foi apresentado o termo de consentimento para ciência e assinatura.

A coleta de dados foi realizada mediante entrevista, em sala privativa, utilizando-se instrumento semi-estruturado aplicado pelo pesquisador e/ou assistente, antes ou após a consulta médica. A duração média das entrevistas foi de 45 minutos.

O instrumento foi previamente submetido à avaliação aparente e de conteúdo por profissionais que trabalham na área e testados durante o estudo piloto. A partir das sugestões e dificuldades/limitações identificadas realizaram-se as modificações necessárias. A primeira parte desse instrumento incluiu dados demográficos, sobre tabagismo e sedentarismo; a segunda, dados referentes ao conhecimento da doença tais como: o que é diabetes e suas causas, exames laboratoriais para o diagnóstico e controle e, adicionalmente, complicações agudas e crônicas.

Respostas referentes ao conhecimento e causas do diabetes foram classificadas nas seguintes categorias: correta, parcialmente correta, errada e não sabe. Para a categoria correta, considerou-se, no mínimo, a menção de duas respostas estabelecidas como corretas e para a categoria parcialmente correta, apenas uma dessas respostas; a categoria errada estabeleceu-se para as respostas incorretas e para àquelas que não se relacionavam com a pergunta; a categoria não sabe, a pessoa expressou essa frase.

Análise de dados foi realizada mediante categorização e transcritos para banco de dados estruturado, utilizando-se o programa Excel, e depois processados no EPIINFO, por meio da estatística descritiva.

O desenvolvimento deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCFMRP-USP, mediante o Processo HCRP Nº 7720/99.

RESULTADOS

A idade média da população do estudo foi de 53,3±13,4 anos, 58,5% com escolaridade menor que oito anos e 38,1% na categoria de viúvo/solteiro. O tempo médio de doença referido foi de 12,5±8,5 anos, conforme Tabela 1.

Na Tabela 2, apresentam-se as categorias das respostas sobre o que é diabetes e quais suas causas. As respostas foram cruzadas para destacar o conhecimento dos participantes.

Quando questionados sobre o valor normal da glicose sangüínea, somente 24(8,6%) incluíram-se na resposta correta, entre 70-110mg/dl, enquanto que 21(25%) apenas expressaram um desses valores. As respostas de 22(26,2%) pessoas foram consideradas incorretas porque não se enquadravam nesta faixa e 17(20,2%) não souberam responder.

Considerando a importância do reconhecimento dos sinais e sintomas da doença e do diagnóstico precoce, os quais podem motivar a pessoa a procurar o atendimento profissional da saúde, indagou-se aos participantes sobre as principais queixas que o levaram ao diagnóstico do diabetes (Tabela 3).

Verificou-se, também, se os participantes estavam cientes de que o diabetes mal controlado pode causar outros problemas de saúde, 81(96,4%) responderam afirmativamente e, dentre os problemas, foram apontadas as complicações agudas e crônicas. Na Tabela 4 apresentam-se as 276 respostas obtidas.

DISCUSSÃO

No estudo, observou-se uma população adulta, relativamente jovem, com maior freqüência de mulheres (56%), aposentada ou do lar (73,8%), com ensino fundamental incompleto (58,3%); com tempo médio da doença maior que 10 anos, sendo 85,7% com diabetes mellitus tipo 2.

Em estudo recente(5), realizado entre pacientes com diabetes tipo 2 de longa duração, com a finalidade de descrever os fatores clínicos, psicológicos e sociais que interferem no conhecimento, identificou-se conhecimento insatisfatório sobre a doença, o qual esteve altamente influenciado pela idade, anos de escolaridade, tempo de tratamento, função cognitiva, sexo e nível de depressão.

Outro estudo realizado entre pessoas com diabetes(6), cujos objetivos foram avaliar o conhecimento e manejo da doença e a relação desse conhecimento com o controle do diabetes, mostrou que o nível de conhecimento adequado não estava relacionado com o controle glicêmico. Vê-se, nesse estudo, ainda, que o conhecimento é apenas uma das variáveis que pode influenciar no controle metabólico e que o estilo de vida e as crenças podem também ter grande impacto no comportamento das pessoas.

O baixo nível de escolaridade, certamente, pode limitar o acesso às informações, devido ao possível comprometimento das habilidades de leitura, escrita, compreensão ou mesmo da fala(7). Essa condição pode reduzir o acesso às oportunidades de aprendizagem relacionadas ao cuidado à saúde, especialmente ao reconhecer que, de modo geral, as pessoas adultas desenvolvem seus próprios cuidados diários.

Pessoas com esse nível de escolaridade parecem, também, não valorizar as ações preventivas de doenças e, habitualmente, retardam a procura de assistência médica, o que repercute em grande impacto e demanda de recursos financeiros destinados à assistência à saúde da população(7). Adicionalmente, essa demora pode propiciar o agravo da doença.

Nesse sentido, destaca-se a educação da pessoa com diabetes, como um aspecto fundamental do cuidado na obtenção do controle da doença e, assim, prevenir ou retardar o desencadeamento de complicações agudas e crônicas, ajudando-os na promoção da qualidade de vida.

O desenvolvimento precoce e a história natural da doença devem ser compreendidos suficientemente bem, para identificar parâmetros de medidas na progressão da doença. Mesmo que os estudos demonstrem forte relação entre incidência do diabetes com estado hiperglicêmico em jejum e intolerância à glicose, outros fatores, independentemente associados ao desenvolvimento da doença, tais como idade, história familiar, razão cintura-quadril, índice de massa corporal, pressão arterial e níveis de lipídios também devem ser considerados(2).

A compreensão desses fatores de risco, de forma isolada ou associada, deve estar presente na população geral, para proporcionar ações direcionadas à prevenção primária, as quais poderiam ser inseridas no comportamento cotidiano. Nos dados apresentados na Tabela 2, observou-se fragilidade nesse aspecto, uma vez que somente 24(28,6%) pessoas incluíram-se na categoria correta, sobre o que é diabetes e quais suas causas.

Pôde-se também observar entre os familiares da população estudada(8) escasso conhecimento em relação às mesmas questões, o que representa mais um fator dificultador no manejo do diabetes, uma vez que o familiar é considerado o suporte mais próximo das pessoas com doença crônica.

Outro aspecto relevante constitui o conhecimento dos parâmetros desejáveis de normalidade da glicemia, que foi identificado em 24(28,6%) pessoas. Acredita-se que o conhecimento desses valores poderá estimular o envolvimento da pessoa no seu autocuidado por saber que sua taxa glicêmica poderá variar dentro de uma determinada faixa e assim auxiliar no monitoramento da glicemia no dia-a-dia.

Por um lado, identificou-se escasso conhecimento, associado ao tempo de doença, à idade e escolaridade e, por outro, tem-se o complexo processo de apreensão de informações e de conhecimentos relacionados à patogenia do diabetes, bem como sua incorporação no cuidado, caracterizando, na população estudada, problemática que merece destaque e que reforça a necessidade de buscar estratégias inovadoras para promover adesão dessa população ao tratamento instituído, bem como conseguir maior participação nos programas educativos.

É possível que as pessoas com diabetes, durante o longo período da doença, tenham recebido algum tipo de informação relacionada à patogenia do diabetes, no entanto, fatores intervenientes no processo de aquisição dessas informações podem ter limitado/impedido sua incorporação. Nesse sentido, os fatores socioeconômicos e culturais constituem elementos facilitadores/dificultadores para o conhecimento, aos quais se associam, também, os aspectos pessoais (suporte social/familiar, aspectos psicológicos e percepção da doença) e o acesso aos serviços de saúde.

Uma forma para abordar aspectos relevantes do cuidado no diabetes, constitui os grupos de orientação sistematizada ou programas educativos. Entretanto, é importante que esses programas considerem as características da população aos quais estão dirigidos, o qual os conduzirá a procurar estratégias que sejam úteis para cada grupo, considerando idade, grau cognitivo, habilidades, limitações, disponibilidade e interesses.

No estudo, 20(23,8%) pessoas informaram ter participado, ou ainda participam, de algum grupo de orientação (dados não mostrados). Estudo realizado na mesma unidade ambulatorial, objetivando analisar as dificuldades relatadas por essas pessoas para participar em grupos de educação, encontrou também baixa participação e as causas relacionadas foram: falta de interesse, horário inadequado, dificuldades no transporte e mais de 40% das pessoas não sabiam da existência do grupo(9).

Dessa forma, ao transmitir informações à pessoa, para favorecer a incorporação de conhecimentos, deve-se considerar os fatores acima descritos visando adequado seguimento ao tratamento, o qual deve ser proposto em parceria entre a pessoa com diabetes e o profissional de saúde, conforme as necessidades individuais. É importante também difundir de forma apropriada e contínua a programação dos grupos educativos, disponibilizando os horários das reuniões, na perspectiva de obter melhor acolhimento da população alvo.

Ao serem questionados sobre quais exames laboratoriais foram utilizados para diagnosticar o diabetes, 41(48,8%) participantes consideraram o de sangue e 28(33,3%) sangue e urina. Em relação aos exames para o controle do diabetes, ao longo do tempo, 72(85,7%) consideram os exames de sangue e urina e sete(8,3%) apenas o de sangue (dados não mostrados). Outros exames, tais como dosagem de colesterol (HDL, LDL), triglicérides e creatinina, constituem parâmetros importantes na avaliação do controle metabólico, porém, pouco enfatizados no cuidado da pessoa com diabetes.

Outro aspecto pouco enfatizado refere-se ao controle da pressão arterial, considerando que a hipertensão arterial é uma co-morbidade comum do diabetes(2). Estudo prospectivo clínico randomizado(10), incluindo, aproximadamente, 7000 pessoas com diabetes tipo 2, recentemente diagnosticadas, mostrou associação significante entre a incidência de complicações macro e microvasculares e elevação da pressão arterial sistólica. Cada redução de 10 mmHg na média da pressão sistólica foi associada à diminuição do risco em 12% para qualquer complicação relacionada ao diabetes.

Ressalta-se que dados referentes às complicações crônicas micro e macrovasculares da população do presente estudo foram discutidas em artigo prévio(11).

Entre os sintomas clássicos que levaram a pessoa a buscar assistência à saúde, identificou-se polidipsia e poliúria, em baixa proporção (Tabela 3), porém, verificou-se, entre a maioria das pessoas, que o diagnóstico do diabetes ocorreu em conseqüência de outros problemas de saúde.

Sabe-se que a duração do tempo entre o início da hiperglicemia e o diagnóstico do diabetes mellitus tipo 2 é de 9 a 12 anos, pelo fato da concentração glicêmica não ser o suficientemente elevada para o aparecimento dos sintomas clássicos(12), aumentando o risco para o desenvolvimento de complicações micro e macrovasculares(2,13-14).

Quanto à presença de complicações agudas e crônicas que o diabetes pode causar, observa-se na Tabela 4, hiperglicemia, problemas oftálmicos, problemas nos pés e hipoglicemia, sugerindo que existe informação sobre gravidade da doença entre a população estudada.

Em dados não mostrados, identificou-se que 54(64,3%) participantes já foram internados por alguma dessas complicações, com média de 3,1/dias de hospitalização. Observa-se que os problemas mais freqüentes, considerando respostas múltiplas, foram hiperglicemia (63%), coma (14,8%), hipoglicemia (13%) e problemas nos pés (11,1%), dados que podem estar relacionados com a duração e mau controle do diabetes, sinalizando uma população de risco para as complicações.

Aproximadamente 33% das pessoas com diabetes são hospitalizadas durante os primeiros anos da doença por complicações agudas, passíveis de serem prevenidas com bom controle glicêmico, sendo que as condições de hiperglicemia, hipoglicemia e cetoacedose diabética representam 24% das intercorrências no serviço de emergência(14).

Em síntese, os dados do presente estudo conduzem à percepção da fragilidade das ações preventivas, em virtude dos escassos conhecimentos básicos sobre a doença, causas, sinais/sintomas, manejo e prevenção de complicações agudas e crônicas.

Os conteúdos investigados neste estudo geralmente são incluídos nos programas de educação em diabetes. No entanto, a participação das pessoas é reduzida, possivelmente pela dificuldade no acesso, disponibilidade e motivação pessoal.

Algumas das razões para a baixa participação nesses grupos podem ser atribuídas ao fato dessas pessoas procurarem por assistência médica apenas em situações agudas. Por outro lado, ainda não se dispõe de número suficiente de profissionais de saúde para se dedicarem, exclusivamente, às atividades educativas e preventivas. Além do reduzido número, pode-se acrescentar aspectos relacionados com a formação profissional, que prioriza ações curativas em detrimento das preventivas.

Profissionais dedicados às ações preventivas/educativas devem estar familiarizados com estratégias educativas, que lhes permitam adequar-se às necessidades e limitações dos adultos participantes, entendendo que, de modo geral, esse grupo de pessoas possui baixa escolaridade e pode não ter interesse por esse tipo de atendimento. Nesse sentido, é necessário que o conteúdo das informações seja transferido de forma simplificada, porém, que tenha impacto na população alvo, motivando-os a aprender sobre a doença e a assumir, de forma ativa, seu papel no tratamento e cuidado, integrando sua estrutura pessoal, crenças e estado psicossocial.

Algumas estratégias para esse tipo de população, incluem as teorias de modelo de crenças em saúde, auto-eficácia, lócus de controle, dissonância cognitiva, difusão, estágios de aprendizagem e, finalmente, a teoria de adultos(7).

Cada uma dessas teorias requer amplo conhecimento e prática, conforme o entendimento do profissional e da população alvo. Essas estratégias de inter-relação entre participantes e profissionais podem ajudar no aprendizado dos participantes e, conseqüentemente, os mesmos terão melhor seguimento ao tratamento, destacando a pessoa como protagonista no cuidado de sua doença.

Salienta-se que o fornecimento de informações entre os aprendizados deve incluir informações significativas para as pessoas, caso contrário, as mesmas não serão integradas a seu stock de conhecimentos e habilidades. Dessa forma, conhecer os interesses e conhecimentos prévios dos participantes é fase importante do processo educativo(6). Nesse marco, as atividades devem ser programadas de acordo as necessidades identificadas e conforme cada contexto situacional, incluindo o grau de risco para complicações.

O conhecimento sobre o diabetes e a importância no processo de autocuidado permite valorizar a necessidade de sensibilizar a população acerca dos fatores de risco para o desenvolvimento do diabetes, bem como de suas complicações crônicas entre os diagnosticados. Tais aspectos devem ser contemplados nos programas educativos e nas campanhas de rastreamento do diabetes mellitus para despertar motivação e interesse.

CONCLUSÕES

No estudo foram apontados aspectos que dificultam o processo de aprendizagem, tais como idade (média de 53,3±13 anos), tempo de doença (média de 12,9±9 anos) e baixo nível de escolaridade (58% tinha ensino fundamental incompleto), condições que podem limitar a incorporação de informações nessa população e, conseqüentemente, comprometer a prevenção e diagnóstico precoce, além da predisposição para as complicações.

No estudo também foram apontados outros aspectos que interferem no processo de aprendizagem tais como os fatores biopsicossociais e o acesso aos serviços de saúde.

Em relação ao conhecimento sobre "o que é diabetes" e "quais suas causas", verificou-se que apenas 24(28,6%) da população estudada incluíram-se na categoria correta e outras 24(28,6%) incluíram-se na categoria errada ou não sabiam.

Considerando respostas múltiplas, 71% da população estudada foi diagnosticada sem apresentar os sintomas clássicos do diabetes e 64% foi internada por alguma complicação aguda ou crônica tais como hiperglicemia (63%), coma (14,8%), hipoglicemia (13%) e problemas nos pés 11%).

Os resultados do estudo mostraram fragilidade do conhecimento sobre diabetes, causas e complicações para o manejo da doença entre os participantes, que podem estar relacionados com fatores intrínsecos às pessoas e ao sistema de saúde, dificultando o acesso às informações fundamentais, sinalizando aos profissionais a necessidade de redirecionar as estratégias para o atendimento da pessoa com diabetes, considerando os fatores biopsicossociais e recursos existentes na unidade de saúde.

AGRADECIMENTOS

Este artigo é decorrente do Projeto Integrado do CNPq - Conselho Nacional de Pesquisa, 520309/98-7 intitulado "O enfermeiro na prevenção e detecção precoce das complicações em extremidades dos membros inferiores das pessoas portadoras de diabetes mellitus"; vigente no período de março 1999 a fevereiro 2001.

Ao Prof. Dr. Moacyr Lobo da Costa Júnior, pela assessoria na estruturação dos instrumentos de coleta de dados. À enfermeira Andréa Mathes Faustino, pela sua colaboração na coleta de dados enquanto estudante da graduação e à Dra. Miyeko Hayashida, enfermeira especialista em laboratório da EERP-USP, pelo apoio estatístico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 2.3.2005

Aprovado em: 11.7.2006

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  • 1
    Trabalho extraído do Projeto Integrado CNPq 520309/98-7
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Aceito
      11 Jul 2006
    • Recebido
      02 Mar 2005
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