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Avaliação dos percentis de crescimento de crianças com cardiopatias congênitas

Resumos

O propósito do presente estudo foi avaliar a correlação entre as medidas antropométricas de crianças com cardiopatias congênitas com os percentis que representam seus indicadores de crescimento. Foram realizadas 135 avaliações antropométricas de crianças com cardiopatias congênitas, internadas num hospital especializado em doenças cardíacas da cidade de Fortaleza / Ceará. Para avaliação do crescimento, foram calculados os percentis de altura por idade, peso por altura e peso por idade. A média de idade das crianças foi de 4,74 meses (+ 3,78) e 66,7% das crianças eram do sexo masculino. As medianas dos três percentis apresentaram valores abaixo do percentil 10, indicando grande proporção de valores na faixa considerada de risco. A prega subescapular esteve correlacionada de forma positiva com os três percentis. Os valores dos percentis estudados indicaram atraso de crescimento.

cardiopatias congênitas; antropometria; continuidade da assistência ao paciente


The purpose of this study was to evaluate the correlation between anthropometric measures of children with congenital heart disease with percentiles that represent their growth indicators. Anthropometric evaluations of 135 hospitalized children with congenital heart disease were performed in a hospital specialized in cardiac diseases in Fortaleza, CE, Brazil. For the growth evaluation, percentiles of height by age, weight by height and weight by age were calculated. Children's average age was 4.74 months (+ 3.78) and 66.7% of the children were male. The medians of the three percentiles presented values below percentile 10, indicating a high proportion of values considered of risk. The subscapular thickness presented positive correlation with the three percentiles. The values of percentiles studied indicated growth delay.

Heart defects, congenital; Anthropometry; Continuity of patient care


El propósito del presente estudio fue evaluar la correlación entre las medidas antropométricas de niños con cardiopatías congénitas con los percentiles que representan los indicadores de crecimiento. Se realizaron 135 evaluaciones antropométricas de niños con cardiopatías congénitas internados en un hospital especializado en enfermedades cardíacas de la ciudad de Fortaleza / Ceará. Para evaluar el crecimiento fueron calculados los percentiles de talla por edad, peso por talla y peso por edad. La media de edad de los niños fue de 4,74 meses (+ 3,78), siendo que 66,7% de los niños eran del sexo masculino. Las medianas de los tres percentiles presentaron valores por debajo del percentil 10, lo que indica una gran proporción de valores dentro del grupo considerado de riesgo. El pliegue subescapular estuvo correlacionado de forma positiva con los tres percentiles. Los valores de los percentiles estudiados indicaron retraso en el crecimiento.

cardiopatías congénitas; antropometría; continuidad en la atención al paciente


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação dos percentis de crescimento de crianças com cardiopatias congênitas1 1 Estudo desenvolvido com apoio financeiro do CNPQ - Processo no. 50639/03-5

Viviane Martins da SilvaI; Marcos Venícios de Oliveira LopesII; Thelma Leite de AraujoII

IEnfermeira, Doutoranda em Enfermagem, e-mail: vivianemartinsdasilva@hotmail.com

IIEnfermeiro, Doutor em Enfermagem, Docente, e-mail: marcos@ufc.br, thelmaaraujo2003@yahoo.com.br. Universidade Federal do Ceará

RESUMO

O propósito do presente estudo foi avaliar a correlação entre as medidas antropométricas de crianças com cardiopatias congênitas com os percentis que representam seus indicadores de crescimento. Foram realizadas 135 avaliações antropométricas de crianças com cardiopatias congênitas, internadas num hospital especializado em doenças cardíacas da cidade de Fortaleza / Ceará. Para avaliação do crescimento, foram calculados os percentis de altura por idade, peso por altura e peso por idade. A média de idade das crianças foi de 4,74 meses (+ 3,78) e 66,7% das crianças eram do sexo masculino. As medianas dos três percentis apresentaram valores abaixo do percentil 10, indicando grande proporção de valores na faixa considerada de risco. A prega subescapular esteve correlacionada de forma positiva com os três percentis. Os valores dos percentis estudados indicaram atraso de crescimento.

Descritores: cardiopatias congênitas; antropometria; continuidade da assistência ao paciente

INTRODUÇÃO

As medidas antropométricas são importantes indicadores de saúde na avaliação do crescimento das crianças. Para o Brasil, na avaliação do crescimento a partir dos percentis de peso por altura, peso por idade e idade por altura, consideram-se como padrão de normalidade valores acima do percentil 10, sendo considerados faixa de risco para o déficit de crescimento, aquelas crianças que apresentam valores entre os percentis 3 e 10(1). Em crianças portadoras de cardiopatia congênita, as alterações hemodinâmicas presentes provocam alterações nutricionais, déficit de crescimento e complicações relacionadas à sobrevida pós-cirúrgica(2).

Nesse âmbito, uma adequada assistência de enfermagem à criança portadora de cardiopatia congênita é necessária nos períodos pré, trans e pós-cirúrgicos. Ênfase especial é dada aos cuidados de enfermagem que compõem a primeira parte do tratamento das cardiopatias, direcionados à detecção precoce de sinais de descompensação e à manutenção de condições ótimas para a cirurgia. O processo de enfermagem aplicado ao cuidado de crianças com cardiopatias congênitas auxilia na identificação dos diagnósticos de enfermagem, estabelecimento de metas e de um plano assistencial para resolução dos problemas levantados, implementação e avaliação da eficácia do plano(3).

Entre os possíveis diagnósticos de enfermagem que podem ser identificados em crianças com cardiopatias congênitas internadas em unidades clínicas e cirúrgicas, destacam-se: nutrição desequilibrada, risco para infecção, desobstrução ineficaz das vias aéreas, troca de gases prejudicada, hipertermia, dor aguda, crescimento e desenvolvimento retardados, padrão de sono perturbado, risco de constipação e integridade da pele prejudicada(3-4).

Notadamente, os diagnósticos de enfermagem relacionados à nutrição e ao crescimento e desenvolvimento apresentam elevadas proporções e associações clínica e estatística importantes. Ademais, a investigação de problemas colaborativos apresentados por essas crianças tem demonstrado uma forte associação estatística entre a complicação potencial: pneumonia e o diagnóstico de enfermagem "crescimento e desenvolvimento retardados"(4).

Acrescente-se, ainda, que muitas crianças com cardiopatias congênitas apresentam dificuldades com a nutrição no primeiro ano de vida, sendo o vômito um dos problemas mais comuns(5).

Com isso, a morbidade e mortalidade em transplantes cardíacos são aumentadas em crianças com cardiopatia congênita, por causa do estado nutricional pobre e o conseqüente prejuízo final do órgão(6).

Nesse âmbito, as medidas antropométricas são importantes indicadores do estado de saúde na avaliação nutricional e do crescimento e desenvolvimento dessas crianças, pois auxiliam no diagnóstico de alterações nutricionais, na avaliação das características morfológicas individuais e na determinação do prognóstico dos defeitos de base e suas complicações. No Brasil, os indicadores usualmente utilizados incluem o cálculo de percentis de altura por idade, peso por altura e peso por idade, além das medidas dos perímetros cefálico, torácico e abdominal, e das pregas cutâneas subescapular e tricipital(1).

Apesar de uma influência global no tratamento de crianças com cardiopatias congênitas, a relação exata entre crescimento e dificuldades alimentares ainda não está bem elucidada(2). É necessário acrescentar que existem poucos estudos que avaliam a relação entre as medidas antropométricas e os indicadores de crescimento nessa população. Além disso, o processo de hospitalização é relatado como fator agravante do desenvolvimento infantil(7). Por tudo isso, o propósito do presente estudo foi avaliar a correlação entre as medidas antropométricas de crianças com cardiopatia congênita com os percentis que representam os indicadores de crescimento. Especificamente, buscou-se descrever seus indicadores de crescimento, dados antropométricos, bem como suas diferenças por sexo e tipo de cardiopatia.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo transversal de 135 avaliações antropométricas seriadas de crianças com cardiopatias congênitas internadas num hospital especializado em doenças cardíacas da cidade de Fortaleza / Ceará. Trata-se de estudo censitário das crianças internadas no período de junho a dezembro de 2004 que apresentaram os seguintes critérios para inclusão: idade até 12 meses; diagnóstico médico confirmado de cardiopatia congênita acianótica ou cianótica; e o fato de não ter sido submetida à correção cirúrgica cardíaca definitiva ou paliativa. Como critérios de exclusão, foram definidos: saída da criança da unidade lócus do estudo por alta ou transferência, e acompanhamento da criança por pessoa incapaz de fornecer os dados necessários. O período foi delimitado com base na disponibilidade dos autores para a coleta dos dados.

A coleta de dados foi realizada mediante um protocolo estandadizado em que se coletaram, além do sexo, idade (meses), tipo de cardiopatia (0 - acianótica, 1 - cianótica), peso ao nascer (kg) e comprimento ao nascer (cm), medidas antropométricas e indicadores de crescimento.

Para avaliação antropométrica da criança, determinou-se a mensuração de peso (kg), comprimento (cm), perímetro cefálico (cm), perímetro torácico (cm), perímetro abdominal (cm), prega tricipital (mm) e prega subescapular (mm). Para minimizar o viés de aferição, procederam medidas triplicatas para cada uma dessas variáveis, calculando-se as respectivas médias. Foram utilizados, como instrumentos de medida, balança Filizola® BP baby com capacidade máxima de 15 kg e divisões de 5g, adipômetro Sanny® com escala graduada de medição em décimos de milímetro, fita métrica não distensível com escala graduada em milímetros e antropômetro científico. Para as medidas de peso e comprimento, adotaram-se as técnicas de medição antropométricas em crianças de zero a 23 meses(1). As medidas dos perímetros e pregas cutâneas seguiram procedimentos descritos na literatura especializada(1-8).

Para avaliação do crescimento, foram calculados os percentis de altura por idade, peso por altura e peso por idade, conforme as recomendações da Organização Mundial de Saúde, com base numa versão normalizada das curvas de referência de crescimento do National Center for Health Statistics (NCHS) de 1977(8). O ponto de corte recomendado para avaliação do déficit de crescimento é o percentil 3, o qual foi adotado nesta pesquisa. Valores situados entre o percentil 3 e o 10 foram considerados como situados em faixa de risco(1).

Os dados foram analisados mediante o pacote SPSS versão 13.0©. Optou-se pelo software NutStat© para cálculo dos percentis. Para a análise descritiva, foram consideradas as freqüências absolutas e percentuais. Para comparar os percentis com o sexo e o tipo de cardiopatia, os dados foram ordenados em postos para posterior cálculo de suas médias, considerando-se que os percentis tendem a apresentar distribuições assimétricas, o que dificulta a comparação direta de suas médias. Para as variáveis numéricas, foram apresentadas medidas de tendência central, dispersão e separatrizes. Para análise de correlação, utilizou-se coeficiente de correlação de Spearman (Rho).

O projeto foi encaminhado à Diretoria da Instituição, para autorização da coleta de dados, e ao seu Comitê de Ética, buscando atender aos aspectos contidos na resolução 196/96 sobre pesquisa com seres humanos do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa/Ministério da Saúde, recebendo, então, parecer favorável(9). A coleta foi realizada após a plena conscientização do sigilo sobre as informações e identidades, bem como a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos pais / responsáveis das crianças.

RESULTADOS

A média de idade das crianças foi de 4,74 meses (DP ±3,78), com 25% delas apresentando idade de até 1 mês, e 75%, até 8 meses. Houve, no entanto, maior freqüência na faixa de idade de até 3 meses (46,7%). Do total, 66,7% das crianças eram do sexo masculino, numa razão de dois meninos para uma menina. Ressalta-se que essa proporção pode ser maior, chegando à razão de quatro meninos para uma menina, se forem considerados os extremos dos intervalos de confiança, onde o menor percentual de crianças do sexo feminino seria de 20%, e o maior para o sexo masculino, de 80%.

Entre os diagnósticos médicos identificados, as cardiopatias congênitas de maior freqüência foram as seguintes: comunicação interventricular (53,3%), comunicação interatrial (42,2%), persistência do canal arterial (26,7%), coarctação da aorta (17,8%), Tetralogia de Fallot (13,3%), estenose pulmonar (13,3%) e drenagem anômala total de veias pulmonares (11,1%).

A média de comprimento ao nascer foi de 48,6 cm. (DP ±2,34 cm), e a média de peso ao nascer foi de 3,11 kg (DP ±0,63 kg). Embora a média de comprimento atual possa ser considerada adequada para a idade média da amostra (57 cm, DP ±7,87), a média de peso atual é notadamente baixa (4,46 kg, DP ±1,49) se se considerar um ganho médio de peso de somente 1 kg para uma idade média de quase 5 meses. As médias entre os três perímetros avaliados estiveram muito próximas entre si com um valor próximo de 38,51 cm e desvio-padrão entre 3,2 e 3,8. Os valores médios das pregas cutâneas também estiveram próximos entre si, sendo a do tríceps de 3,69 mm (DP ±1,57), e da prega subescapular de 3,22 mm (DP ±1,34) (Tabela 1).

Notadamente, a mediana dos três percentis mostra valores abaixo do percentil 10, indicando grande proporção de valores na faixa considerada de risco. No percentil de idade por Altura, quase a metade das avaliações realizadas apresentaram valores considerados indicativos de baixo crescimento (46,7%). Esse valor chega a 71,1% do total, se for acrescentado às crianças na faixa de risco com mediana próxima ao percentil 4. Os dados são semelhantes para o percentil de Peso por Altura, dos quais 35,6% dos valores estavam abaixo do percentil 3, e o total acumulado de valores até o percentil 10 era de 70,4%. O pior indicador foi o percentil de Peso por Idade, com 71,9% dos valores abaixo do percentil 3, com um percentual acumulado de 82,2% de avaliações com valores abaixo do percentil 10 e mediana abaixo do percentil 1 (Tabela 1). Particularmente, os percentis de Idade por Altura e Peso por Idade apresentaram maior média de postos para o sexo masculino, porém o tipo de cardiopatia mostrou diferenças discretas por sexo (Tabela 2).

Na análise de correlação não paramétrica, observou-se que a prega subescapular esteve correlacionada de forma positiva aos três percentis. A melhor correlação se deu com o percentil de Peso por Idade (R = 0,321). Este percentil foi também o que se mostrou mais correlacionado com quase todas as medidas antropométricas, excetuando-se a prega do tríceps. A correlação negativa dos percentis com os perímetros mostra que os indicadores de crescimento não estão se desenvolvendo a contento à medida que as estruturas e órgãos da criança crescem. Assim, enquanto os perímetros cefálico, torácico e abdominal aumentam pelo crescimento dos órgãos internos, as relações entre os indicadores de crescimento se deterioram (Vide Tabela 3).

DISCUSSÃO

Em um estudo epidemiológico de crianças e adolescentes com defeitos cardíacos congênitos, as faixas de idade mais freqüentemente encontradas foram a neonatal e o período de lactância, correspondendo a 71,5% do total de participantes com defeito(10). Estudo anterior desenvolvido junto a lactentes com cardiopatias congênitas identificou perfil semelhante aos apresentados neste estudo quanto à idade e ao sexo(4). Apesar da maior proporção de crianças do sexo masculino no presente estudo, a prevalência das cardiopatias congênitas é diferente nos vários tipos de defeitos diagnosticados. Alguns desses defeitos podem, inclusive, apresentar proporções maiores em crianças do sexo feminino(10).

Entre as medidas usualmente utilizadas na avaliação infantil, o peso e comprimento são aquelas que apresentam maior velocidade de crescimento, principalmente do período de nascimento até os dois primeiros anos de vida. Entretanto, a descompensação das cardiopatias congênitas pode diminuir ou interromper a velocidade de crescimento. Ressalta-se que, após o nascimento, as crianças com cardiopatias congênitas apresentam perfis semelhantes ao das crianças deste estudo, cujos valores de peso e comprimento ao nascer encontram-se próximos ou mesmo na faixa de normalidade, e os escores da escala de Apgar são geralmente altos(11).

Considerando as medidas dos perímetros de forma isolada, suas médias encontram-se na faixa de normalidade. Especificamente, o perímetro cefálico avalia diretamente o crescimento da cabeça e, indiretamente, o desenvolvimento do cérebro(1). Seu valor em recém-nascido a termo é de 32-35 cm, podendo ser menor em virtude do cavalgamento das suturas. Seu crescimento é maior nos primeiros meses de vida: corresponde a 2 cm por mês no primeiro trimestre e diminui nos demais meses(8). Ao se calcular o valor do perímetro cefálico para uma idade de 5 meses, obtém-se um valor que se aproxima da média encontrada na amostra estudada. Fato semelhante ocorre com os demais perímetros.

Ao nascimento, o perímetro torácico é aproximadamente 2 cm menor que o perímetro cefálico, igualando-se em torno dos 6 meses de vida e assumindo maiores proporções a partir do primeiro ano de vida(8). Ao nascer, o perímetro abdominal é cerca de 2-3 cm menor que o perímetro cefálico, guardando proporção semelhante de velocidade de crescimento com o perímetro torácico. As medidas encontradas neste estudo, entre os três perímetros, mostraram valores semelhantes entre si, possivelmente em virtude da presença de deformidades torácicas e contorno distendido do abdome apresentados por crianças com doenças cardíacas congênitas.

As medidas que sofrem maior perda entre crianças com cardiopatias congênitas são o comprimento e o peso atual. Espera-se um aumento de comprimento de 15 cm no primeiro semestre e mais 10 cm no segundo semestre. A criança cresce cerca de 3 cm no primeiro mês de vida e 1 a 2 cm nos demais meses(12). Com relação ao peso, até o terceiro mês de vida, a avaliação ponderal da criança é feita pelo ganho de peso em gramas por dia, mantendo uma razão de 25 a 30 g/dia. A partir do segundo trimestre, o ganho diário cai progressivamente, chegando a 10 g/dia nos últimos três meses(13). As médias de peso e comprimento mostraram uma diminuição dos valores esperados para uma idade média de 5 meses nas crianças com cardiopatias congênitas avaliadas.

É importante ressaltar que as medidas antropométricas isoladas são vazias de significados para avaliação do crescimento infantil. Por isso, é necessária a associação com sexo, idade ou outras variáveis antropométricas e a construção de indicadores. Ao se considerar o índice de peso por altura, a literatura aponta que, em crianças com cardiopatias congênitas, ele cai rapidamente diante de situações adversas, principalmente na presença de cardiopatias cianóticas(1,11), fato que corrobora os presentes achados. Além disso, as crianças avaliadas tiveram os índices de peso e comprimento por idade próximos aos pontos de corte inferior. Percebeu-se, também, nessas crianças, dificuldade no desempenho de atividades psicomotoras próprias da faixa etária em estudo.

Entretanto, a influência do tipo de cardiopatia sobre o crescimento da criança ainda não foi elucidada. Um estudo anterior(14) não encontrou diferença dos valores dos indicadores antropométricos entre os grupos de crianças com cardiopatia cianótica e acianótica. É importante esclarecer que, de forma semelhante, não foi encontrada tal diferença no presente estudo.

Alguns dos achados do presente estudo são corroborados por outro estudo, desenvolvido com crianças australianas, onde se concluiu que quase todas as crianças avaliadas (98%) apresentaram um peso para idade menor que o 3º centil, e 41%, uma altura para idade menor que esse ponto de corte(15). Ademais, outra investigação apontou que crianças com cardiopatias congênitas tendem a piorar na relação peso por altura, especialmente entre 6 e 12 meses de idade(9).

De forma paralela a esses dados, um estudo desenvolvido com crianças belgas mostrou um aumento na freqüência e severidade da má nutrição aguda e crônica após o nascimento, que foi mais intenso nas crianças com múltiplos defeitos (p=0,03). A má nutrição crônica foi encontrada com maior freqüência em crianças com insuficiência cardíaca, cianose ou uma combinação de ambos (p=0,01). A prevalência de má nutrição não foi influenciada por sexo, nem pelo motivo do internamento, porém suas conseqüências no crescimento das crianças foram perceptíveis(11). Diferentemente, neste estudo, diferenças por sexo foram identificadas nos percentis de idade por altura e peso por idade.

Lamentavelmente, não foram encontrados estudos que correlacionassem perímetros e pregas cutâneas com percentis de crescimento utilizados no presente estudo. Um ponto importante a ser destacado, entretanto, é a correlação negativa dos perímetros cefálico e torácico com os percentis de peso por altura e peso por idade, mostrando a tendência ao desenvolvimento dos órgãos internos, notadamente o cérebro e as estruturas cardíacas e a débil progressão dos indicadores de crescimento, principalmente aqueles relacionados ao peso. Embora as pregas mantenham uma correlação positiva, principalmente a subescapular, sua influência se mostrou débil sobre os indicadores de crescimento.

É importante destacar que o presente estudo mostra algumas limitações que devem ser consideradas em sua aplicação. Em primeiro lugar, o uso de percentis para análise de crescimento e desenvolvimento de crianças, apesar de comum no Brasil, dificulta a comparação com dados internacionais que comumente utilizam os escores Z. Além disso, é necessário ressaltar que os dados aqui apresentados não foram comparados com um grupo controle de crianças sem cardiopatias, impossibilitando avaliar a eficácia da utilização prática dos percentis. O fato de o estudo ter sido desenvolvido com crianças de uma região mais carente economicamente do país pode ter influenciado nos baixos índices identificados. Ademais, a multiplicidade de alterações hemodinâmicas, provocadas pelos vários defeitos cardíacos, é um fator que deve ser considerado na análise da ausência de diferença entre os percentis estudados.

É importante destacar que, em relação à prática de enfermagem, o cuidado direcionado a crianças com cardiopatias congênitas foi pouco estudado em nosso país. As enfermeiras brasileiras necessitam de informações mais acuradas para avaliar a progressão e o estágio do comprometimento cardíaco, com vistas a identificar as respostas humanas e fatores relacionados à nutrição e ao crescimento e desenvolvimento dessa população. Essa área carece de estudos que permitam uma descrição mais profunda de tais respostas e, sobretudo, de pesquisas que envolvam intervenções direcionadas especificamente à melhoria dos seus indicadores nutricionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 20.3.2006

Aprovado em: 3.8.2006

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    Estudo desenvolvido com apoio financeiro do CNPQ - Processo no. 50639/03-5
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      03 Ago 2006
    • Recebido
      20 Mar 2006
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