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Familiares visitantes e acompanhantes de adultos e idosos hospitalizados: análise da experiência na perspectiva do processo de trabalho em enfermagem

Resumos

Trata-se de estudo qualitativo, utilizando-se como referencial metodológico a Grounded Theory e como referencial teórico o Processo de Trabalho em Enfermagem, para compreender o papel assumido pelo enfermeiro perante as normas e rotinas hospitalares, relativas aos familiares visitantes e acompanhantes de adultos e idosos internados em um Hospital Universitário. A análise dos dados permitiu a identificação do tema: definindo-se a modalidade de apoio familiar durante a hospitalização, que reúne duas categorias principais: tornando-se familiar visitante e tornando-se familiar acompanhante. Por meio da análise, pôde-se aprofundar a compreensão do quanto as regras estabelecidas, com o objetivo de disciplinar e tornar eficiente o trabalho desenvolvido no hospital, podem explicitar o desprovimento de autonomia no processo de trabalho, para modificar as relações nesse contexto e o quanto a apropriação do familiar como parte da equipe de saúde, está distante de ser pensada no concreto das instituições.

enfermagem; enfermagem familiar; relações profissional-família; adulto; idoso; trabalho


This is a qualitative study using Grounded Theory as the methodological reference and the Process of Work in Nursing as the theoretical reference in order to understand the role assumed by nurses regarding hospital norms and routines applied to family visitors and companions of adult and elderly patients in a teaching hospital. Data analysis identified the theme: defining the modality of family support during hospitalization. This theme aggregates two main categories: becoming the family visitor and becoming the family companion. Through the analysis, it could be observed how established rules, which aims at disciplining and developing an efficient work in the hospital, can expose the lack of autonomy in the work process to modify relations in this context and how the familiar appropriation, as part of the health team, is far from being considered in the institutions.

nursing; family nursing; professional-family relations; adult; aged; work


Se trata de un estudio cualitativo que utiliza como referencial metodológico la Grounded Theory y como referencial teórico el Proceso de Trabajo en Enfermería para comprender el rol asumido por el enfermero frente a las normas y rutinas hospitalarias, de los familiares visitantes y de los acompañantes de adultos y ancianos internados en un hospital universitario. El análisis de los datos permitió la identificación del tema: definiéndose la modalidad de apoyo familiar durante la hospitalización, que reúne dos categorías principales: tornándose un familiar visitante y tornándose un familiar acompañante. Por medio del análisis, se puede profundizar la comprensión acerca de las reglas establecidas que, con el objetivo de disciplinar y hacer eficiente el trabajo desarrollado en el hospital, permite explicar la ausencia de autonomía en el proceso de trabajo, para de esta forma, modificar las relaciones en este contexto y resaltar la integración a la institución del familiar como parte del equipo de salud.

enfermería; enfermería de la familia; relaciones profesional-familia; adulto; anciano; trabajo


ARTIGO ORIGINAL

Familiares visitantes e acompanhantes de adultos e idosos hospitalizados: análise da experiência na perspectiva do processo de trabalho em enfermagem1 1 Trabalho extraído de estudo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo 01/13273-8, Apresentado no 56º Congresso Brasileiro de Enfermagem - Gramado,RS - 2004;

Silvia Cristina Mangini BocchiI; Lucía SilvaII; Carmen Maria Caquel Monti JulianiI; Wilza Carla SpiriI

IProfessor Doutor da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", e-mail: sbocchi@fmb.unesp.br, cjuliani@fmb.unesp.br, wilza@fmb.unesp.br

IIEnfermeira, Mestranda Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, e-mail: lusilva@eerp.usp.br

RESUMO

Trata-se de estudo qualitativo, utilizando-se como referencial metodológico a Grounded Theory e como referencial teórico o Processo de Trabalho em Enfermagem, para compreender o papel assumido pelo enfermeiro perante as normas e rotinas hospitalares, relativas aos familiares visitantes e acompanhantes de adultos e idosos internados em um Hospital Universitário. A análise dos dados permitiu a identificação do tema: definindo-se a modalidade de apoio familiar durante a hospitalização, que reúne duas categorias principais: tornando-se familiar visitante e tornando-se familiar acompanhante. Por meio da análise, pôde-se aprofundar a compreensão do quanto as regras estabelecidas, com o objetivo de disciplinar e tornar eficiente o trabalho desenvolvido no hospital, podem explicitar o desprovimento de autonomia no processo de trabalho, para modificar as relações nesse contexto e o quanto a apropriação do familiar como parte da equipe de saúde, está distante de ser pensada no concreto das instituições.

Descritores: enfermagem; enfermagem familiar; relações profissional-família; adulto; idoso; trabalho

INTRODUÇÃO

Este artigo emerge da necessidade de aprofundar a compreensão da experiência de familiares acompanhantes e visitantes de adultos e idosos hospitalizados, na perspectiva do processo de trabalho em enfermagem.

Durante vivência como enfermeira, houve reflexão sobre a situação de doentes hospitalizados, na maioria das vezes desacompanhados de seus familiares, recebendo a visita em horários previamente determinados pela Instituição, enquanto a poucos é concedida a oportunidade de se tornarem acompanhantes. Considera-se acompanhante a pessoa que permanece em tempo integral com o idoso.

Essa condição é amparada pela legislação, conforme o artigo 16 do Estatuto do Idoso(1) e 26, da Lei Estadual dos Direitos do Paciente, ao conferir o direito ao idoso de ter acompanhante, submetendo a relação paciente-família ao poder de controle da Instituição, ao declarar "o direito a acompanhante, se desejar, tanto nas consultas, como nas internações, as visitas de parentes e amigos devem ser disciplinadas em horários compatíveis, desde que não comprometam as atividades médico-sanitárias"(2) .

A partir dessa primeira observação, desenvolveu-se estudo anterior a este, visando a compreensão da experiência interacional de familiares visitantes e acompanhantes durante a hospitalização de adultos e idosos, na perspectiva teórico-metodológica do Interacionismo Simbólico e da Grounded Theory.

A análise demonstrou que, quando há o estabelecimento de relacionamento mais próximo e terapêutico com a equipe de enfermagem, os familiares acompanhantes passam a ver e a agir em solidariedade às dificuldades impostas pela própria instituição ao processo de trabalho da enfermagem(3).

Por outro lado, a experiência do familiar visitante mostra-o percebendo o enfermeiro assumindo o papel de controle e relegando a oportunidade de se deixar aproximar de seu ente hospitalizado em defesa do cumprimento de normas da instituição. Ele não consegue ter uma compreensão mais ampla dos desafios enfrentados pelo enfermeiro e sua equipe na execução do processo de trabalho(3).

A pesquisa demonstrou que a família passa a entender a equipe de enfermagem, liderada pelo enfermeiro como ser simbólico e central no processo de interação paciente-enfermagem-família, revestido do poder legítimo e normativo institucional, como barreira ao exercício da autonomia da família ao livre movimento entre os papéis de familiar visitante e de acompanhante(3).

Entendendo que os resultados apresentados em estudo anterior guardam estreita relação com o processo de trabalho em enfermagem na instituição hospitalar, julgou-se pertinente o desenvolvimento deste estudo considerando a análise sob tal perspectiva.

Sentiu-se a necessidade de compreender o papel do enfermeiro no que diz respeito às normas e rotinas hospitalares, reconhecido pelos familiares visitantes e acompanhantes de adultos e idosos hospitalizados.

Compreendeu-se, também, mos o processo de trabalho como o modo que o homem produz e reproduz sua existência, sendo que ao fazê-lo, estabelece relações sociais e objetiva a sua subjetividade(4).

Na saúde, o processo de trabalho ganha dimensões complexas, pois se trata de trabalho essencial para a vida humana e é parte do setor de serviços, ou seja, está na esfera da produção não material, e se completa no ato de sua realização. O produto é indissociável do processo que o produz, é a própria realização da atividade(5).

Ao analisar o processo de trabalho de enfermagem em realidades concretas pode-se apreender as contradições e dinâmicas da prática e contribuir com estratégias de mudança da realidade, visto que é possível a melhor compreensão das razões sociais desse trabalho, das suas possibilidades e limitações(4).

É importante que se aprofunde e que se especifique mais as análises de estudos acerca do processo de trabalho em enfermagem, para compreender melhor as razões sociais desse trabalho e articulações com o setor saúde, em microespaços institucionais concretos e nas suas especificidades(4).

As mesmas autoras referem a gerência como instrumento de trabalho, ou como atividade-meio, cuja ação central está posta na articulação e integração, e que, ao mesmo tempo em que possibilita a transformação do processo de trabalho, é também passível de transformação mediante as determinações que se fazem presentes no cotidiano das organizações de saúde.

No trabalho da enfermagem, a ação gerencial é imprescindível e necessita ser repensada em suas dimensões para proporcionar atividade que tenha a perspectiva de emancipação de sujeitos sociais, quer sejam eles os agentes presentes no processo de trabalho ou clientes que se utilizam dos serviços de saúde(4).

Nesse contexto, ainda é importante lembrar que cuidar e gerenciar são indissociáveis e são dimensões do cuidado humano, se se considerar que o paciente é o foco para o qual as ações são dirigidas, em qualquer uma dessas situações(6).

O objetivo do estudo foi analisar o fenômeno de apoio familiar durante a hospitalização sob a perspectiva do processo de trabalho em enfermagem.

TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Trata-se de estudo qualitativo, realizado com nove sujeitos identificados como familiares visitantes ou acompanhantes de adultos ou idosos internados em unidades clínicas e cirúrgicas de um hospital universitário público de grande porte, do interior paulista, há mais de sete dias, sendo cinco visitantes e quatro acompanhantes. O número de sujeitos foi definido após a saturação teórica que se deu com a nona entrevista.

Ocorre a saturação quando nenhum novo ou relevante dado emerge e quando a história ou a teoria está completa(7).

Dos nove sujeitos, oito deles eram do sexo feminino e um masculino. Tinham entre 26 e 52 anos de idade e um período de sete dias a três meses como familiar visitante ou acompanhante. O grau de parentesco se distribuiu entre uma esposa, um filho, cinco filhas, uma prima e uma sobrinha, sendo quatro donas-de-casa, uma professora aposentada, uma balconista, uma operadora de máquina, uma auxiliar administrativa e um ajudante de produção.

Os dados foram colhidos no segundo semestre de 2002, por meio de gravações de entrevistas não estruturadas do tipo focalizada, tendo como questão norteadora: — como tem sido a sua experiência como familiar visitante ou acompanhante de pessoa hospitalizada?

Ressalta-se que este estudo foi avaliado e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa e todos os familiares que concordaram em participar do mesmo receberam explicação detalhada sobre sua finalidade e objetivo, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Participação em Estudo Científico.

Para o registro dos dados, foram feitas anotações durante os eventos ou, quando o local não se mostrava apropriado, era realizado imediatamente após.

A análise dos dados ocorreu de acordo com o referencial metodológico da Grounded Theory, conforme as estratégias básicas apresentadas para a formação de categorias(8).

Categorias, segundo as autoras, são abstrações do fenômeno observado nos dados e formam a principal unidade de análise da Grounded Theory. A teoria se desenvolve por meio do trabalho realizado com as categorias, que faz emergir a categoria central, sendo geralmente um processo, como conseqüência da análise(8).

As fases da análise dos dados são: descobrindo categorias, ligando categorias, desenvolvimento de memorandos e identificação do processo(8).

O processo se consolidou com a descoberta da categoria central "movendo-se perante a sinalização do enfermeiro entre os papéis de familiar visitante e familiar acompanhante: compartilhando uma experiência de poucos prazeres em solidariedade ao adulto e ao idoso hospitalizados". Para isso, inter-relacionou-se os dois fenômenos: VIVENDO A EXPECTATIVA PELA INTERNAÇÃO NO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO e ASSUMINDO O PAPEL DE FAMILIAR VISITANTE OU DE FAMILIAR ACOMPANHANTE, buscando compará-los e analisá-los para compreender como se dava à interação entre seus componentes. Essa estratégia permitiu identificar as categorias e subcategorias chaves que evidenciassem o movimento da família durante a hospitalização de um ente(3).

Para o atual estudo, trabalhou-se com o tema que constituiu o segundo fenômeno: DEFININDO-SE A MODALIDADE DE APOIO FAMILIAR DURANTE A HOSPITALIZAÇÃO.

A escolha deste tema para análise deu-se pela importância do mesmo no processo de trabalho em enfermagem, em especial ao subprocesso: gerenciar em enfermagem.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O tema reúne duas categorias principais: tornando-se familiar visitante e tornando-se familiar acompanhante, que, por sua vez, congregam subcategorias que serão citadas a seguir e discutidas à luz do processo de trabalho em enfermagem.

Tornando-se familiar visitante

É a primeira modalidade de suporte oferecida pela família ao doente adulto e idoso hospitalizado, em situações em que a mesma não consegue romper as barreiras normativas de visita, bem como naquelas experiências em que não podem deixar as suas atividades para assumir o papel de acompanhante, ou quando o cliente não exterioriza a necessidade de um suporte familiar constante, para preservar a sua própria família do sofrimento.

- Não conseguindo romper a austeridade normativa para se tornar acompanhante

Significa que, ao demonstrar disponibilidade de permanecer como acompanhante do cliente, a família encontra barreiras nas normas hospitalares impondo restrições pelo fato da mesma não preencher os requisitos para se tornar acompanhante. Assim, ela se move para transgredir as regras e acaba sendo coibida pela equipe de enfermagem, que é responsável pelo controle das normas. Isso desperta nos familiares um sentimento desacolhedor da equipe de saúde da instituição.

O dia inteiro seria melhor (para a visita), mas também não é possível...eu digo assim porque quem mora fora não é possível vir todos os dias...digo mais para quem tem dificuldade de transporte e quem mora fora... (5).

Na concepção do processo de trabalho, esse pode ser decomposto em três elementos: o objeto do trabalho, aquilo sobre o que incide a atividade e que será transformado no decorrer do processo, constituindo-se em produto, os meios e instrumentos do trabalho e a atividade adequada a um fim, o trabalho propriamente dito(9).

Se se considerar os constituintes históricos da profissão de enfermagem, entende-se que desde o início de sua organização, no século XIX, sofreram inúmeras transformações. Porém, a transformação que ainda hoje não parece ter sido completamente assimilada, talvez porque o sofrimento humano ainda cause estranheza, redundou em distanciamento entre profissional e cliente e, por extensão, a seus familiares, gerando uma relação autoritária entre esses. Assim, "o doente foi substituído pela doença e o foco do trabalho foi subtraído dos sujeitos envolvidos no processo terapêutico para localizar-se na estrutura de assistência. As rotinas e métodos se tornaram mais importantes que o sujeito possuidor da carência que originou o trabalho, ou mais importante que o próprio trabalhador"(5).

Por outro lado, a rotina é o meio pelo qual é possível responder às ocorrências do cotidiano e faz parte da experiência normativa de uma Instituição, ou seja, as ações realizadas pela equipe visam a manutenção da ordem(10).

Sob essa perspectiva, a rotina precisa ser considerada como instrumento do processo de trabalho e não como finalidade desse.

- Deparando-se com as regras para se tornar acompanhante

Significa que, ao fazer as primeiras visitas, os familiares começam a conhecer as regras para se tornarem acompanhantes, por meio de avisos dispostos em portas de acessos principais das unidades de internação. Eles percebem que uma das condições para se obter a condição de acompanhante é o cliente possuir uma idade acima de 60 anos.

Quando a gente chega, já vê: autorização... entrar somente... é a regra. Lá na porta está escrito assim, acho para pessoas acima de 65 anos e o outro eu não lembro...(8).

Quando eu vinha como visitante, já via ali aquelas regras... (8).

O Estatuto do Idoso(1) assegura a permanência e isso não pode ser controlado pela equipe de saúde.

Historicamente, o sistema de saúde brasileiro, hospitalocêntrico, não foi estruturado pensando no acompanhante, sendo essa discussão e garantia relativamente recentes. O cuidado institucionalizado, fragmentado e extorquido de subjetividades de certa forma vem sustentando um modelo de atenção à saúde injusto e desigual e voltado aos interesses capitalistas(11).

Esse contexto contribui para que as regras estabelecidas alienem ou obscureçam o direito de se tornar acompanhante.

- Sentindo-se coibido pelas regras para se tornar acompanhante

Os familiares se sentem reprimidos em tomar a iniciativa de solicitar permissão à enfermeira para se tornar acompanhante, quando o seu caso não preenche as condições impostas pelas regras expressas nos avisos.

Eu estava com receio porque quando a gente chega já vê (as regras)... a gente fica assim: eu posso ou não posso ficar... eu não sei se ela (enfermeira) não falasse se eu ia perguntar... (8).

O que rege, ainda, a "conduta ética" da enfermeira em sua atuação gerencial é a busca da eficiência em consonância com as normas institucionais(12).

O seguimento rígido das normas e dos regimentos pode impedir soluções rápidas e eficientes, representando uma disfunção da burocracia(13). Outro fator que afeta negativamente a tomada de decisão da enfermagem é a tensão ocasionada pela falta de tempo que envolve seu trabalho, porém, isso pode ser minimizado através da determinação de prioridades durante o dia(10).

Argumenta-se em prol de nova lógica do cuidar, onde se exercite o auxílio que, sendo poder, tanto subjuga, como emancipa. Assumir a politicidade do cuidado como referência analítica e proposição indutora de mudança significa apostar numa ajuda que priorize a libertação de fazeres, desconstruindo as amarras que o aprisionam e potencializando enfrentamentos de situações opressoras(14).

A enfermeira na gerência coordena o trabalho coletivo, que, na enfermagem, continua com poder decisório pequeno e dependente das regras de funcionamento da instituição, delimitando assim, as possibilidades de ação(15).

Estudo inglês sobre a satisfação no trabalho entre enfermeiras, que prestam assistência em instituições hospitalares, aponta que o bom relacionamento da enfermagem, tanto com a instituição como com a equipe médica e outros profissionais, além de ampliar as possibilidades de ação, também consiste em um dos mais significativos fatores que permeiam a satisfação e o crescimento pessoal no trabalho em enfermagem(16).

- Percebendo as variações das normas de visita de acordo com o local

Significa que, ao vivenciar a experiência de familiar visitante, durante o processo de internação de um ente, a família é exposta às regras norteadoras da modalidade de apoio que irá oferecer, anexada às portas de acessos principais das unidades de internação. Ao lê-las, ela percebe que à família não é dada a liberdade de escolha quanto ao horário e número de pessoas e que as regras são mais rígidas em unidades de internação ao paciente em estado crítico, quando comparadas às unidades de internação clínicas e cirúrgicas.

Eu fiquei muito contente da minha mãe vir para cá (enfermaria)... porque que lá no CTI a gente vinha uma hora, sentava rapidinho, você chegava e já tinha que ir embora (7).

Não podia ficar de jeito nenhum (CTI)... não podia dormir lá no banco em hipótese alguma no CTI... (9).

A saúde institucionalizada estabelece relações hierárquicas nas quais o sujeito-enfermo e, por conseqüência, sua família, vai perdendo sua dimensão de subjetividade com pouca autonomia para pleitear sua presença pela subordinação às regras institucionais, que, no caso da complexidade assistencial, dificultam a discussão e reflexão sobre a importância de sua presença para que outras dimensões possam ser abrangidas.

A dimensão de subjetividade da saúde pode ser relacionada ao conceito que classifica o cuidado à saúde como humanitário e afetuoso, sendo, portanto, um relacionamento interpessoal ou uma intervenção terapêutica(17).

- Aceitando as regras

Significa que nas experiências em que os familiares percebem o doente independente, com equilíbrio emocional e a saúde estável, acatam as restrições porque entendem que o paciente não necessita de suporte familiar permanente e, portanto, não sentem austeridade nas normas de visitas, corroborando com a imposição da instituição em cumprirem-se as regras, expropriando o sujeito enfermo da permanência de um acompanhante.

Acho que se fosse só uma pessoa (visitante) poderia ficar mais tempo... e também às vezes, tem paciente que quer dormir ou que sente muitas dores e a pessoa fica falando, às vezes irrita, eu acredito, né? (5)

O enfermeiro parecia que já ia começar a falar alguma coisa para a gente, que não pode... acho que a gente também atrapalha, né? Muitas vezes eles querem dar banho, fazer medicação nela... (6).

As profissões têm progressivamente disciplinado o cuidar em procedimentos, tarefas, tecnologias e rotinas hospitalares para lidar com as doenças, fragmentando a pessoa em especialidades distintas(14). Essa fragmentação acaba por impor, pela complexidade que a organização adquire, a aceitação das regras.

Tornando-se familiar acompanhante

É a segunda modalidade de suporte oferecida pela família ao doente hospitalizado nas situações em que são considerados mais dependentes de cuidados de enfermagem, bem como quando um elemento da família tem disponibilidade de se afastar de suas atividades diárias para assumir o papel de acompanhante.

- Sentindo-se acolhida pela enfermagem

É um sentimento expresso pela família quando a mesma é tratada com atenção e consideração pela equipe de saúde, assim, quando vê que esse tratamento é estendido ao doente.

Agora como a gente fica como acompanhante... conhece mais, pergunta o que está sentindo necessidade de perguntar ... antes alguma coisa me impedia de perguntar mas agora não... a gente tem mais liberdade... me sinto mais confiante... (8).

As enfermeiras são muito atenciosas, muito humanas principalmente porque meu pai já tem 75 anos...em termos de atendimento, medicamento e em relação paciente-médico também está sendo muito bem atendido... (5).

Em estudo que buscou validar uma escala de razão das necessidades de familiares em Unidade de Terapia Intensiva, o "sentir que os funcionários se interessam pelo paciente" foi tido como a necessidade com maior grau de importância para os mesmos(18).

No momento em que a família percebe a enfermeira como quem informa, orienta e apóia, pode-se constatar o fortalecimento da profissão por meio de um papel definido a uma identidade formal(19).

No ambiente hospitalar, os enfermeiros, mais do que qualquer outro profissional da saúde têm freqüentes oportunidades de facilitar e manifestar o respeito pelos direitos dos pacientes. Como líderes de equipe, ou seja, assumindo a liderança da assistência prestada ao paciente, os enfermeiros são a fonte principal de contato pessoal, íntimo e contínuo com os pacientes, não obstante seu envolvimento com a tecnologia e com a burocracia hospitalar(20).

Dependendo das características pessoais dos envolvidos, é possível que ocorram momentos de integração onde a equipe acolhe o sujeito, considerando suas dimensões biopsicossociais, envolvendo a família nesse processo. Sob tal aspecto, a gerência é considerada como processo aberto, repleto de possibilidades dentro do processo de trabalho em saúde(4).

No processo de cuidar em enfermagem, no qual estão envolvidos a equipe, o paciente e sua família, deve-se levar em consideração a bagagem histórica e cultural que cada um dos envolvidos traz consigo em uma situação de enfermidade(17).

- Tendo de se adaptar ao cenário hostil

Significa que, ao se tornar um acompanhante, o familiar se vê obrigado a mudar os seus hábitos, a compartilhar de outras experiências de sofrimento e a aprender como se portar diante de situações hospitalares. A equipe de saúde o aconselha a se adaptar aos eventos, uma vez que os mesmos não podem ser modificados para lhe garantir conforto. Nesse contexto, ele começa a acumular papéis além de acompanhante, agora de cuidador, ao perceber que a qualidade da assistência de enfermagem está afetada pelo déficit de recursos humanos na área.

Quando chega a noite...é uma situação meio difícil... o acompanhante... a gente não tem um lugar... tem que dormir no chão, eles tem um colchão aí... (4)

Ontem tiveram que fazer uns exames lá... em uma senhora...e ficou aquele mau cheiro...e nós reclamamos e o enfermeiro virou e falou assim: vocês tem que se acostumar porque é assim mesmo...a gente já está acostumado... (4).

Essa delegação do papel de cuidador ao familiar traz à tona a fragmentação do trabalho que normalmente é efetuado pela enfermagem, tendo conseqüências na abordagem integral do paciente. Nessa situação, a enfermagem exime-se da responsabilidade da globalidade da assistência, realizando menor vínculo com o paciente. A instituição, não conseguindo adequar a quantidade necessária de recursos humanos para o cuidado integral, dificulta uma forma mais abrangente de assistir.

Os modelos de organização do trabalho em enfermagem são diretamente relacionados à sobrecarga ou à satisfação no trabalho. Alguns autores mostram que quando modelos nos quais o funcionário é responsável pelo cuidado integral de um paciente, durante todo seu turno, são adotados, a satisfação no trabalho é evidente(16).

Além da maior satisfação do trabalhador, o processo de trabalho com cuidados integrais favorece a interação e maior vínculo com os clientes e seus familiares, elevando também a satisfação desses.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta releitura do papel dos acompanhantes e visitantes de adultos e idosos hospitalizados na perspectiva do processo de trabalho em enfermagem permitiu resgatar importantes aspectos: o primeiro (visitante) refere-se à elucidação das barreiras encontradas pelo familiar para se tornar acompanhante, tais como não conseguir romper a austeridade normativa, deparar-se com regras rígidas, sentir-se coibido pelas mesmas, perceber que existe variação dessas e aceitá-las pelo fato de não conseguir rompê-las, no segundo (acompanhante) o familiar sente-se acolhido pela enfermagem, porém, tenta adaptar-se a um cenário que lhe é hostil.

O estudo auxiliou na compreensão do quanto as regras estabelecidas, cujo objetivo principal é disciplinar e tornar eficiente o trabalho desenvolvido no hospital, podem explicitar o desprovimento de autonomia no processo de trabalho para modificar as relações nesse contexto e o quanto a apropriação do familiar como parte da equipe de saúde está distante de ser pensada no concreto das instituições.

O papel gerencial que a enfermeira vem desempenhando exime-a da generosidade, sobretudo consigo mesma, fazendo com que não desfrute dos benefícios de um trabalho fundamentado em outros valores, mais coincidentes com sua natureza humana(12).

Ao atuarem em instituições é importante que o enfermeiro mantenha equilíbrio entre os processos gerencial e assistencial, considerando o cliente e sua família. Por outro lado, faz-se necessário destacar que a opção por uma forma ou outra de organização do trabalho não é isoladamente uma escolha individual ou institucional, mas está determinada por condicionantes históricos e suas múltiplas mediações, tais como as políticas sociais e de saúde, os modelos assistenciais, as condições de trabalho e outros(9).

Acredita-se que este trabalho permite ampliar o entendimento da complexidade em que o contexto institucional está inserido e buscar possibilidades de atuação efetiva e refletida nessa prática.

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Recebido em: 2.8.2005

Aprovado em: 18.9.2006

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    Trabalho extraído de estudo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo 01/13273-8, Apresentado no 56º Congresso Brasileiro de Enfermagem - Gramado,RS - 2004;
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Recebido
      02 Ago 2005
    • Aceito
      18 Set 2006
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