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Rotinas das famílias com crianças lactentes

Resumos

Através deste estudo descritivo, de abordagem qualitativa, investigou-se as rotinas de famílias com filhos lactentes de 6 meses a 2 anos, cujas mães enfrentam o mercado de trabalho e se utilizam de Unidade Básica de Saúde em um município do Sul do Brasil. Como referencial teórico, utilizou-se a abordagem das rotinas familiares. Foram entrevistadas 25 mães, através de formulário semi-estruturado. A análise dos dados qualitativos seguiu as fases de organização, codificação, categorização e interpretação dos dados. Identificou-se que as rotinas familiares de cuidado variam com a periodicidade, horário e tipo de ocupação da mãe. Foram identificadas diferentes alternativas de cuidado da criança e, apesar de grande parte das entrevistadas se considerarem casadas, quase não houve menção aos maridos na rotina. A investigação, baseada nas rotinas da família, possibilita identificar os papéis familiares, as relações sociais e a organização de cuidados na saúde.

cuidado do lactente; saúde da família; família


This descriptive study investigates the routine of families with nursing infants ages between six months and two years old, involving working mothers users of a Basic Health Unit in a city in the South of Brazil. The theoretical discussion is based on the families' routine approach. A total of 25 mothers were interviewed through a semi-structured questionnaire. The qualitative data analysis followed the phases of organization, codification, categorization and interpretation. The findings suggest that childcare routines vary according to the periodicity, schedule and occupation of the mother. Different alternatives to childcare were identified, and although most of the women interviewed reported to be married, they almost did not mention the husband's participation in the routine. The investigation based on family routines allows the identification of family roles, the social relations and the health care organization.

infant care; family health; family


Por medio de este estudio descriptivo, con enfoque cualitativo se investigó las rutinas de familias con niños lactantes entre 06 meses a 02 años de edad, cuyas madres trabajaban y tenían como referencia un Servicio Básico de Salud de un municipio del sur del Brasil. Como fundamento teórico fueron utilizadas las rutinas familiares. Siendo entrevistadas 25 madres, por medio de un formulario semi estructurado. El análisis de los datos cualitativos fue realizado por medio de las fases de organización, codificación, categorización e interpretaciòn. Identificándose que los cuidados en las rutinas familiares varían con la periodicidad, el horario y el tipo de ocupación de la madre. Se identificaron diversas alternativas de cuidado brindado al niño y, a pesar de la gran mayoría de las entrevistadas ser casadas, no fue mencionado el esposo como coadyuvante en las rutinas. Esta investigación permitió identificar los roles familiares, las relaciones sociales y la organización de los cuidados a la salud.

cuidado del lactente; salud de la familia; familia


ARTIGO ORIGINAL

Rotinas das famílias com crianças lactentes1 1 Trabalho realizado com o apoio financeiro do Funpesquisa/UFSC e o apoio geral do NEPEPS - Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação Popular, Enfermagem e Saúde

Astrid Eggert BoehsI; Márcia GrisottiII; Marly Denise Wuerges de AquinoIII

IProfessor Associado, e-mail astrid@ccs.ufsc.br

IIProfessor Adjunto; 4 Enfermeira da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Florianópolis, Mestranda. Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

RESUMO

Através deste estudo descritivo, de abordagem qualitativa, investigou-se as rotinas de famílias com filhos lactentes de 6 meses a 2 anos, cujas mães enfrentam o mercado de trabalho e se utilizam de Unidade Básica de Saúde em um município do Sul do Brasil. Como referencial teórico, utilizou-se a abordagem das rotinas familiares. Foram entrevistadas 25 mães, através de formulário semi-estruturado. A análise dos dados qualitativos seguiu as fases de organização, codificação, categorização e interpretação dos dados. Identificou-se que as rotinas familiares de cuidado variam com a periodicidade, horário e tipo de ocupação da mãe. Foram identificadas diferentes alternativas de cuidado da criança e, apesar de grande parte das entrevistadas se considerarem casadas, quase não houve menção aos maridos na rotina. A investigação, baseada nas rotinas da família, possibilita identificar os papéis familiares, as relações sociais e a organização de cuidados na saúde.

Descritores: cuidado do lactente; saúde da família; família

INTRODUÇÃO

Ao longo das últimas décadas, a construção de conhecimento na área da saúde da família tem reiterado a concepção de que a família representa uma unidade básica de saúde(1). Nessa concepção, o domicílio familiar é considerado como produtor de saúde, porque seus recursos internos, como tempo, condições materiais e financeiras, somados aos externos, como serviços formais de saúde, têm por objetivo resguardar, manter e restaurar a família(2).

Na década de 1980, alguns pesquisadores(3), partindo da premissa de que o suporte social se constituía em um mediador entre a vida estressante e a susceptibilidade às doenças, apontaram o caráter impreciso e de dificil mensuração de tal concepção. Reconhecendo que o ser humano tem a necessidade elementar de estabilidade, previsibilidade e continuidade, optaram por focar estudos sobre as rotinas e os rituais domésticos como forma mais objetiva de avaliar o suporte social de famílias e sua relação com as doenças. Após uma revisão da literatura e realização de duas pesquisas transversais com famílias de diferentes classes sociais e origens étnicas nos Estados Unidos, esses pesquisadores(3) buscaram entender a relação entre as rotinas e a doença, defendendo a tese de que rotinas da família são comportamentos observáveis e repetitivos que envolvem os diversos membros do grupo e ocorrem com previsível regularidade. As rotinas familiares podem proteger a saúde e o bem-estar dos seus membros, provendo estabilidade e continuidade durante períodos de estresse, promovendo solidariedade e coesão.

Mais recentemente, uma autora(4) chama a atenção para a necessidade da enfermagem preocupar-se com a saúde da família, resgatando os conceitos de rotinas e rituais já apontados anteriormente(3) e enfatiza a importância desse referencial para a assistência e para a pesquisa. Em estudos posteriores(5-6), procurou-se definir as diferenças entre rotinas e rituais: as rotinas são atividades repetitivas e padronizadas, estreitamente ligadas a atividades diárias e regulares e os rituais são atos ou ações conduzidas por um grupo de pessoas, empregando um ou mais símbolos de forma repetitiva, formal e precisa, descritos em termos de celebração, tradições religiosas e eventos simbólicos.

No Brasil, estudo(7) mais específico sobre rituais com famílias de recém-nascidos, concluiu que os cuidados desde o nascimento como ritos de passagem são aspectos importantes no âmbito da enfermagem. Outro estudo(8), com o objetivo de compreender como as famílias constroem o ambiente familiar, elaborou uma categoria denominada governando a vida cotidiana. Nela, as famílias descrevem as rotinas da vida diária dentro de enfoque relacionado aos papéis e às tarefas dos seus diversos membros. Esses estudos, contudo, diferem da abordagem, apontada inicialmente(3-6), embora mostrem a importância das rotinas e rituais na pesquisa em enfermagem.

Atualmente, na realidade brasileira, esforços têm sido empreendidos para consolidar a Estratégia da Saúde da Família (ESF). Nesse sentido, compreender a dinâmica das famílias é primordial para o cuidado de suas necessidades de saúde(9). Ademais, as atividades rotineiras da vida diária como se alimentar, dormir e preparar refeições constituem itens fundamentais para a avaliação funcional da família(10).

Assim, este estudo tem por objetivo descrever as rotinas das famílias com filhos lactentes de 6 meses a 2 anos, quando as mães trabalham fora do lar.

MÉTODO

O estudo descritivo de abordagem qualitativa foi realizado no município de Florianópolis, Santa Catarina, junto a famílias da área de abrangência de uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Como referencial teórico utilizou-se a abordagem das rotinas familiares(3-6).

A UBS localiza-se em um bairro que abrange várias áreas, marcadas pela relação conflituosa entre comunidades de população considerada nativa e novos moradores. Os novos imigrantes são oriundos de outras regiões da Grande Florianópolis, do interior do Estado de Santa Catarina e de outros Estados do Brasil(11). A área de abrangência da Unidade de Saúde contempla população de aproximadamente 18.000 moradores. Está operacionalmente subdividida em 4 subáreas, onde atuam 4 equipes de saúde da família. Disponibiliza espaço para a realização da Residência Multiprofissional em Saúde e para as atividades de estágio curricular de alunos dos cursos da área da saúde.

Neste estudo, foi utilizado formulário para identificação das mães a serem entrevistadas. Caso a mãe atendesse os critérios, solicitava-se a permissão para a entrevista, que era então agendada para ser realizada no domicílio ou, se a mãe estivesse disponível, era realizada nas dependências da UBS. Foi utilizado um formulário semi-estruturado, constituído de 4 partes: a) dados de identificação; b) conhecendo a família, que incluía a percepção da mãe entrevistada sobre quem ela considerava como sendo sua família, um genograma, um ecomapa(10,12) e dados sobre o principal cuidador enquanto a mãe vai trabalhar; c) conhecendo as rotinas diárias, semanais e mensais da mãe junto à família e à criança lactente; d) cuidado de saúde do lactente. As entrevistas foram gravadas mediante permissão e quando isso não era possível, os registros eram feitos imediatamente depois de finalizada a entrevista, procurando-se manter, na íntegra, as falas das entrevistadas.

Foram três os critérios de seleção dos sujeitos. Primeiro, deveria haver na família uma criança com a idade entre 6 meses e 2 anos. Essa faixa etária foi escolhida pensando-se nas recomendações preconizadas para o aleitamento exclusivo até o 6° mês, o que muitas vezes altera e retarda a entrada ou o retorno da mãe ao mercado de trabalho. O segundo critério era o de que a criança estivesse fazendo acompanhamento do crescimento e desenvolvimento na UBS, conforme protocolo de atenção à criança de 0 a 6 anos da Secretaria de Saúde do município de Florianópolis. O terceiro critério era que a mãe estivesse trabalhando regularmente, no mínimo 3 dias por semana.

Para a análise dos dados referentes à identificação das características das mães entrevistadas foi utilizada uma classificação simples(13). Na análise do genograma, analisou-se a composição e estrutura familiar e, no ecomapa, as redes de relações mais amplas estabelecidas pelos membros da família(10,12). Quanto aos dados qualitativos, foram seguidas as seguintes etapas da análise de conteúdo: organização dos dados, codificação, categorização, inferências e interpretação(14). A categorização dos dados correspondia aos itens previamente estabelecidos no formulário: a família da entrevistada, as rotinas diárias, semanais e mensais e o cuidado de saúde do lactente. A interpretação dos dados foi efetuada à luz do referencial de rotinas familiares(3-6).

Esta pesquisa foi aprovada pelo ao Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina, e esteve de acordo com a Resolução 196/96, no que diz respeito ao sigilo, anonimato, consentimento livre esclarecido e liberdade das participantes de desistirem a qualquer momento do estudo.

RESULTADOS

Características das entrevistadas

O grau de escolaridade das 25 mães entrevistadas restringe-se, na sua maioria (68%), ao ensino fundamental, dos quais 44% incompletos e 24% completos. As demais cursam ou já completaram o segundo grau.

Quanto ao tipo de ocupação, 72% das entrevistadas trabalham em funções de cunho doméstico. Desse percentual, 56% trabalham no domicilio de famílias e 16% exercem funções de limpeza em estabelecimentos comerciais. As demais, com percentual de 24%, referem exercer a ocupação de auxiliar de creche, auxiliar de padaria, agente de saúde, telefonista, estagiária e digitadora. Mais da metade (52%) apresenta vínculo empregatício formal com registro na carteira profissional.

É importante destacar, que das 25 mães entrevistadas, 60% moram em casa própria e 36% em casa alugada; apenas uma delas vive em casa emprestada. Vale enfatizar a grande mobilidade existente no bairro, uma vez que 52% das entrevistadas vive apenas entre um e seis meses no endereço atual. Quanto ao estado civil, 72% das entrevistadas se consideram casadas* * Considerou-se casadas, de acordo com a percepção das entrevistadas, também as mulheres de uniões não oficializadas. .

As entrevistadas, na sua totalidade, relatam que utilizam o dinheiro obtido do trabalho para despesas de primeira necessidade: alimentação, pagamentos de contas, aluguel, roupas. Constatou-se que o principal motivo que as levou a trabalhar fora de casa foi a "necessidade financeira".

As famílias das entrevistadas

Na análise das respostas para a pergunta sobre "quem consideram da família" e na análise do genograma, constatou-se que as entrevistadas consideram como família as pessoas que moram juntas, sendo algumas compostas na forma tradicional de pai, mãe e filhos, ou de mãe e filhos, e outras, ainda, de mãe, filhos, sobrinho e avós. Quando indagadas sobre quem mais consideram pertencentes à família, mencionaram outros parentes que residem na mesma cidade ou em cidades distantes. Nesse caso, o critério considerado por elas foi da consangüinidade. Mencionaram, também, as relações baseadas na afetividade, como requisitos importantes para considerar quem faz parte da família como vizinhos, babá, namorado.

Na análise do ecomapa identificou-se a rede de relações sociais. O ambiente de trabalho destaca-se como a relação mais constante dos adultos que integram o núcleo familiar. Em alguns casos também aparece a igreja e a unidade de saúde do bairro. Para as mulheres, geralmente a mãe e as irmãs aparecem como relações muito próximas e, em alguns casos, foram mencionadas as cuidadoras de seus filhos. Já, para os homens, na percepção das entrevistadas, as relações próximas ocorrem com mais freqüência com os amigos do trabalho e/ou do futebol.

A cuidadora de crianças

Quando a mãe vai trabalhar, ela precisa buscar alternativas para o cuidado da criança. Duas modalidades apareceram nos dados: a creche, que pode ser pública ou privada, e o cuidador particular, que pode ser pago ou não.

A creche pública, que pertence à rede municipal e é gratuita, é um recurso utilizado somente por 2 mães, uma vez que, de acordo com as entrevistadas, há muita dificuldade em conseguir vaga e, quando a conseguem, há o inconveniente de oferecer o serviço por apenas meio período. As mães entrevistadas consideram o cuidado em creche pública como a solução ideal, no entanto, pelas razões já alegadas, poucas têm a oportunidade de obtê-lo.

Existem duas modalidades de creche privada: a formal e a domiciliar. A formal, que é uma instituição particular, com fins lucrativos, é regulamentada oficialmente. Os depoimentos apontam o alto custo da mensalidade como fator limitante dessa modalidade. A domiciliar não é regulamentada pelos órgãos oficiais do município, sendo que a prestação de serviço é feita em uma residência onde se reúnem várias crianças.

Na modalidade do cuidador particular, a mãe elege uma pessoa para cuidar exclusivamente da criança, seja na casa do cuidador ou no próprio domicílio da criança. O custo dos cuidados, nessa modalidade, é acertado com um pagamento formal. Há casos que não envolvem pagamento em dinheiro, mas retribuição de favor. Há, ainda, situações em que outros filhos menores, a partir da faixa etária de 8 anos, ou as avós, cuidam da criança.

A escolha do cuidador particular obedece a alguns critérios. Algumas mães escolhem meninas abaixo de 15 anos para cuidar do bebê, outras mães consideram importante que o cuidador tenha experiência e, para tanto, buscam vizinhas que já tenham netos.

As rotinas diárias e semanais

Na análise das respostas sobre as rotinas diárias das entrevistadas e de suas famílias, emergiram 2 categorias: a seqüência e os tipos de atividades rotineiras.

A seqüência das rotinas está fortemente vinculada com o tipo de ocupação, escolaridade, idade, estado civil e horário de trabalho da mãe. Foram identificados 3 grupos: o primeiro, composto por 10 entrevistadas que trabalham o dia inteiro, durante 5 dias por semana; o segundo, composto por 10 entrevistadas que trabalham meio turno de 4 a 5 dias por semana; e, um terceiro grupo, composto de 5 entrevistadas que trabalham alguns dias na semana aleatoriamente, de acordo com o surgimento de serviços de faxina.

Das 10 entrevistadas que trabalham o dia inteiro (primeiro grupo), apenas 2 são menores de 20 anos, 2 estão na faixa de 21 a 25 anos, uma tem 28 anos e as demais têm mais de 30 anos. Com relação ao estado civil, 80% se considera casada e 20%, separada. Estão nesse grupo as mulheres que possuem o maior número de filhos e o menor nível de escolaridade: 70% delas não avançaram além da quinta série do ensino fundamental. Além disso, 80% trabalha como empregada doméstica, isto é, a trabalhadora que permanece em uma mesma residência, por vários dias da semana, em meio período ou integral. Apenas 2 estão na função há menos de 1 ano, sendo que as demais estão no mesmo emprego há mais tempo. O vínculo empregatício de 90% delas é formal, com carteira profissional assinada.

A rotina dessas mulheres pode ser traduzida no seguinte depoimento.

(...) acordo cedo, às 6 horas da manhã, troco a fralda do nenê, deixo já ele arrumado para sair, dou mamadeira e faço café para todos. Saio e deixo o nenê na creche e vou para o serviço. Como o ônibus demora muito, só chego lá às 9 horas. Ao meio-dia o meu filho mais velho (14 anos), que estuda de manhã, vai pegar o nenê na creche (...). É ele que cuida do nenê à tarde. Ele já sabe o que fazer e eu tenho confiança nele. Volto no final da tarde e preparo a janta, dou banho no nenê e preparo a comida para outro dia.

Daquelas que se denominaram casadas (80%), nenhuma mencionou o marido nessa rotina.

Do grupo das 5 entrevistadas que "fazem faxinas", consideradas nesse trabalho como diaristas (trabalham em várias casas durante a semana, não tendo vínculo empregatício formal, com carteira profissional assinada), uma tem 29 anos e as demais têm mais de 30 anos; possuem entre 1 e 3 filhos; apenas 1 tem o segundo grau completo e as demais não avançaram além da sexta série do primeiro grau; quanto ao estado civil, 1 refere que é separada e as demais se consideram casadas.

Essas mulheres possuem rotina instável, uma vez que trabalham de acordo com as oportunidades de faxina que surgem. Quando sabem que irão trabalhar no dia seguinte, deixam os alimentos e as roupas de suas famílias preparadas no dia anterior e providenciam um cuidador particular. Esse sujeito também tem um vínculo instável, já que ele é requisitado ocasionalmente. Essa instabilidade gera trocas constantes de cuidador, dificultando também a vinculação do lactente com o mesmo. Apenas uma das entrevistadas mencionou a ajuda do marido nas tarefas domésticas e no cuidado à criança.

No grupo de 10 mulheres que trabalham meio período estão as entrevistadas mais novas, sendo que 6 têm menos de 25 anos, 2 entre 26 e 30 anos e outras 2 com mais de 30 anos. Quanto ao estado civil, 6 se consideram casadas, 3 separadas e 1 solteira. Esse grupo tem maior escolaridade: apenas 2 não completaram o ensino fundamental; 3 já o completaram; e as 5 restantes estão cursando o segundo grau, ou já o completaram. Dessa forma, esse grupo tem o maior número de empregos fora da esfera doméstica, abrangendo 50%, em que 80% possui vínculo empregatício com carteira profissional assinada.

Na análise da rede social, através do ecomapa, observa-se que esse grupo de mulheres recebe maior ajuda de parentes, na maioria dos casos, da avó da criança. Assim, podem conciliar suas atividades domésticas com o trabalho formal, tendo a possibilidade de cuidar do lactente durante um período do dia. Também, nesse grupo, o marido tem maior presença no relato da rotina diária.

Na categoria tipo de atividades rotineiras emergiu atividades ligadas à alimentação, higiene corporal, limpeza da casa e cuidado com as roupas. O atendimento dessas necessidades é realizado com maior ou menor rigidez de horário de acordo com os grupos acima mencionados e de acordo com o apoio da rede social que a mãe entrevistada dispõe.

A rotina de fim-de-semana não se diferenciou muito entre os 3 grupos: há o grupo daquelas que "não saem de casa porque não têm tempo" e aproveitam para fazer faxina doméstica e há o grupo que refere "passear" na casa de parentes ou em outros locais públicos como o "parquinho e o shopping". A freqüência à igreja também representa opção para sair de casa nos finais de semana.

A rotina mensal não foi possível aprofundar, uma vez que as entrevistadas, talvez por não conceberem sua vida em longo prazo, alegaram não saber responder.

Os cuidados à saúde do lactente

No que se refere às tomadas de decisões no cuidado das necessidades de sono, alimentação e higiene do bebê, vários sujeitos foram mencionados (alguns se referiam a vários sujeitos concomitantemente): mãe (16), avó (10), marido (4), irmã (2), filha (2), babá (2) e cunhada (1). É visível a predominância do papel da mãe e da avó nessa questão e, novamente, houve pouca menção ao marido nos relatos das entrevistadas.

Quanto à orientação no dia-a-dia, as entrevistadas apontaram: a avó (10), a mãe (8), o médico (6), a equipe da UBS (4), a sogra (1), a irmã (1), a tia (1), o marido (1) e a cunhada (1). Ao se repensar o papel da mãe e da avó, por um lado, e o papel do médico e da equipe da UBS, por outro, constata-se relação de complementaridade entre as práticas dos profissionais de saúde e prática dos cuidadores familiares. Além disso, é interessante ressaltar, novamente, a quase nula participação do marido nesse processo.

No caso de doença, as entrevistadas responderam que dependia da "gravidade". As categorias "doenças leves" e "doenças graves", por elas mencionadas, implicavam em diferentes tipos de itinerários terapêuticos. Se a doença fosse considerada leve, as mães cuidavam em casa com medicamentos ou chás caseiros, ou levavam à UBS do bairro. Se fosse grave, elas recorriam à emergência dos hospitais. As categorias doenças leves e doenças graves foram assim exemplificadas.

Leve: gripe, aparência caidinha. Grave: tuberculose, pneumonia, doenças que exigem internação. [...] Em casos de doenças leves, eu levo ao Posto; em outros casos (uma febre alta, por exemplo) eu levo direto ao hospital.

Em relação à confiança nas orientações de cuidado do bebê as entrevistadas indicaram alguns sujeitos: o médico da UBS (14), a avó (9), a mãe (3), um parente (1), o filho mais velho (1). Outras indicaram: ninguém (1) e não sabem (2).

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo apontam relação entre a seqüência e tipo de atividades rotineiras desenvolvidas e os fatores: escolaridade, tipo de ocupação e apoio da rede social.

A baixa escolaridade é percebida, pelas entrevistadas, como fator limitante no processo de inserção delas no mercado de trabalho e na escolha do tipo de ocupação e também justifica as suas expectativas para o futuro, já que esperam pela possibilidade de continuar os estudos, ter um emprego melhor e de poder proporcionar estudos para os filhos.

Rede social é um sistema composto por pessoas, funções e situações que oferecem apoio instrumental e emocional à pessoa, em suas diferentes necessidades(15-16). Além disso, constitui-se como a mediadora de situações estressantes, favorecendo o atendimento da necessidade elementar de previsibilidade, continuidade e estabilidade do ser humano(3-6) e permitindo a inserção da mãe no mercado de trabalho. Neste estudo, essa rede é representada por pessoas que, tanto dentro da família (avós, tias, irmãs e adolescentes e pré-adolescentes), quanto fora (vizinhas, amigas e outras), e mediante pagamento ou não, exercem a função de cuidadoras. A dinâmica cotidiana dessa rede tem influência sobre o tipo de vínculo empregatício da mãe trabalhadora, a periodicidade e os horários de trabalho.

Constata-se que essa rede é frágil, pois as mães dependem diretamente de um cuidador para a criança e é, predominantemente, feminina, já que os companheiros quase não são mencionados na rotina diária. Esse achado difere de outra pesquisa(15), realizada com população com características semelhantes às deste estudo, na qual o apoio do marido/companheiro foi considerado, pelas mães, como o mais importante que os demais. Por outro lado, essa rede tem papel crucial na manutenção do emprego da mãe (uma vez que ela não conta com a ajuda do companheiro) e permite a elas o aporte de bens materiais básicos, que garantem continuidade, previsibilidade e estabilidade pelo atendimento às necessidades de moradia, alimentação e agasalho.

Nas decisões sobre os cuidados diários das crianças lactentes, bem como nas situações de doenças, a rede feminina constitui-se como ponte para a busca dos recursos fora do círculo familiar, onde o médico foi o profissional mais apontado.

Verifica-se que essa rede tem fragilidades, principalmente para aquelas entrevistadas com pouca qualificação e que não possuem o suporte da família ampliada como, por exemplo, as faxineiras eventuais que precisam, com o pouco que recebem, pagar um cuidador. Desse modo, contratam outras mulheres, por uma importância ínfima, usando apenas como parâmetros de competência: a pessoa ser calma,possuir alguma experiência (no caso das mais idosas, por terem netos e no caso das jovens, por cuidarem dos irmãos).

A rotina instável dessas entrevistadas requer trocas constantes de cuidador, o que deve ser considerado negativo uma vez que se trata de lactentes com necessidade de vinculação e de cuidados prestados por pessoas responsáveis e habilitadas. Considera-se que, para os serviços de saúde, ainda faltam dados mais sistematizados sobre quem efetivamente cuida das crianças em bairros de população pobre quando a mãe precisa trabalhar e não há creches suficientes. Uma tarefa primordial, portanto, na promoção da saúde da criança na atenção básica seria identificar a situação dos cuidadores, enquanto as mães se afastam de seus domicílios para trabalhar.

Sobre o aspecto dos cuidadores ocorre um fenômeno que parece estar arraigado à cultura brasileira, no qual a tarefa de cuidar das crianças recai sobre as mulheres. É percebido como "natural" que, quando as mães trabalham fora de casa, as demais mulheres, apontadas nesse estudo, mais novas ou mais velhas, também seguindo as suas aptidões "naturais", exerçam tais funções, pagas ou não, qualificadas ou não. É importante enfatizar que, muitas vezes, a naturalização das habilidades socialmente construídas pode intervir no encaminhamento das políticas públicas(17). Os resultados mostram esse fenômeno, pois a rede feminina, mesmo que frágil e sobrecarregada, permite que a mãe se insira no mercado de trabalho, transfigurando que, aparentemente, as creches são suficientes, as crianças estão sendo cuidadas e os governantes estão cumprindo as suas funções.

Finalmente, considera-se relevante esse tipo de investigação baseado nas rotinas das famílias, tanto para a enfermagem quanto para os demais profissionais de saúde, por possibilitar a compreensão da vida cotidiana familiar de mães de lactentes que trabalham fora do lar. A partir desses aspectos é possível identificar, com certa facilidade, quais os papéis familiares, como os diferentes membros se relacionam interna e externamente à família, como se organizam para o atendimento das necessidades básicas, na promoção da saúde e nas situações de doenças, principalmente as infantis, e quais as possibilidades do profissional de saúde para fortalecer ou ajudar o grupo familiar.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à enfermeira Daniela Mafioletti Floriano, pelo auxílio no planejamento da pesquisa, assim como na coleta e registro dos dados.

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Recebido em: 6.3.2006

Aprovado em: 14.2.2007

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    Trabalho realizado com o apoio financeiro do Funpesquisa/UFSC e o apoio geral do NEPEPS - Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação Popular, Enfermagem e Saúde
  • *
    Considerou-se casadas, de acordo com a percepção das entrevistadas, também as mulheres de uniões não oficializadas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Recebido
      06 Mar 2006
    • Aceito
      14 Fev 2007
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