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A Instituição de Longa Permanência para Idosos e o sistema de saúde

Resumos

OBJETIVOS: Analisar o sistema social organizacional Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) e sua relação com o Sistema Único de Saúde (SUS). Identificar as comunicações que ocorrem nos acoplamentos estruturais entre a ILPI e o SUS. Analisar as ressonâncias do acoplamento estrutural com o SUS, na ILPI. MÉTODO: Estudo exploratório descritivo, qualitativo, com uso do método funcional de Niklas Luhmann. A coleta de dados utilizou observações de segunda ordem, por meio de entrevistas com 7 dirigentes e 8 idosos, análise de comunicações de 52 ILPIs brasileiras sem fins lucrativos, de caráter público ou privado e observações de terceira ordem em literatura nacional. RESULTADOS: No sistema de saúde ocorre a exclusão do idoso institucionalizado das ações programáticas em saúde. Há desconhecimento mútuo entre ILPIs e SUS, necessitando estimulação para um acoplamento estrutural mais bem sucedido. CONCLUSÕES: A diminuta sensibilidade do Sistema de Saúde às comunicações da ILPI foi identificada como entrave no desempenho da função social dessas instituições.

instituição de longa permanência para idosos; institucionalização; idoso; geriatria; teoria de sistemas


OBJECTIVE: Analyze Long Term Care Institutions for Elders (ILPI) organizational social system and its relation to the National Health System (SUS). To identify communication that occurs in the structural couplings between the ILPIs and the SUS and to analyze resonances of the structural coupling between the SUS and the ILPIs. METHOD: A descriptive, exploratory qualitative study using the functional Niklas Luhmann's method. The data were collected using second order observations, through interviews with seven managers and eight elders, communication analysis of 52 Brazilian ILPIs and third order observations in national literature. RESULTS: The exclusion of the institutionalized elder from the programmed health actions occurs in the health system. There is mutual lack of knowledge between the ILPIS and SUS, and stimulus is necessary for a more successful structural coupling. CONCLUSIONS: The little sensitiveness of the SUS regarding the ILPI communications was identified as impediment to the performance of these institutions' social function.

homes for the aged; institutionalization; aged; geriatrics; systems theory


OBJETIVOS: Analizar el sistema social organizacional Institución de Larga Permanencia para Ancianos (ILPI) y su relación con el Sistema de Salud (SUS). Identificar las comunicaciones que ocurren en los acoplamientos estructurales entre la ILPI y el SUS. Analizar las repercusiones del acoplamiento estructural en la ILPI. MÉTODO: Estudio exploratorio descriptivo, cualitativo, con la utilización del método funcional de Niklas Luhmann. La recolecta de datos utilizó observaciones de segundo orden, a través de entrevistas con 7 dirigentes y 8 ancianos, análisis de comunicaciones de 52 ILPIs brasileñas y observaciones de tercer orden en literatura nacional. RESULTADOS: En el sistema de salud ocurre la exclusión del anciano institucionalizado de las acciones programáticas en la salud. Hay un desconocimiento recíproco entre ILPIs y SUS, necesitando estímulos para un acoplamiento estructural más exitoso. CONCLUSIONES: La diminuta sensibilidad del Sistema de Salud a las comunicaciones de la ILPI fue identificada como un obstáculo en el desempeño de la función social de esas instituciones.

hogares para ancianos; institucionalización; anciano; geriatría; teoría de sistemas


ARTIGOS ORIGINAIS

A instituição de longa permanência para idosos e o sistema de saúde

Marion CreutzbergI; Lúcia Hisako Takase GonçalvesII; Emil Albert SobottkaIII; Beatriz Sebben OjedaIV

IEnfermeira, Doutor em Gerontologia Biomédica, Professor Adjunto da Faculdade de Enfermagem, Nutrição e Fisioterapia, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil, e-mail: marionc@pucrs.br

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, e-mail: ltakase@brturbo.com.br

IIISociólogo, Doutor em Sociologia, Professor Adjunto da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil, e-mail: sobottka@pucrs.br

IVEnfermeira, Doutor em Psicologia, Professor Adjunto da Faculdade de Enfermagem, Nutrição e Fisioterapia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil, e-mail: santoslara@pucrs.br

RESUMO

Objetivos: Analisar o sistema social organizacional Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) e sua relação com o Sistema Único de Saúde (SUS). Identificar as comunicações que ocorrem nos acoplamentos estruturais entre a ILPI e o SUS. Analisar as ressonâncias do acoplamento estrutural com o SUS, na ILPI. Método: Estudo exploratório descritivo, qualitativo, com uso do método funcional de Niklas Luhmann. A coleta de dados utilizou observações de segunda ordem, por meio de entrevistas com 7 dirigentes e 8 idosos, análise de comunicações de 52 ILPIs brasileiras sem fins lucrativos, de caráter público ou privado e observações de terceira ordem em literatura nacional.

RESULTADOS: No sistema de saúde ocorre a exclusão do idoso institucionalizado das ações programáticas em saúde. Há desconhecimento mútuo entre ILPIs e SUS, necessitando estimulação para um acoplamento estrutural mais bem sucedido. Conclusões: A diminuta sensibilidade do Sistema de Saúde às comunicações da ILPI foi identificada como entrave no desempenho da função social dessas instituições.

Descritores: instituição de longa permanência para idosos; institucionalização; idoso; geriatria; teoria de sistemas

INTRODUÇÃO

O aumento da proporção de idosos com incapacidades e fragilizados, nas capitais brasileiras, a redução da disponibilidade de cuidado familiar e transferências intergeracionais no contexto urbano, a inexistência de serviços de apoio social e de saúde, o alto custo do cuidado domiciliar, moradias com espaço físico reduzidos e estruturas com riscos para quedas e a violência contra o idoso são considerados fatores de risco para a institucionalização. Pesquisas demonstram que a proporção de idosos que vivem em instituições de longa permanência para idosos (ILPIs), nos países em transição demográfica avançada, chega a 11%, enquanto, que no Brasil, não chega a 1,5%(1). A tendência é o aumento da demanda por ILPIs no Brasil, embora as políticas priorizem a família como signatária do cuidado ao idoso. Ainda que imbuídos dessa percepção, há consenso de que, em muitos momentos, a ILPI se torna alternativa importante, uma opção voluntária e esperada, devendo assegurar a qualidade de vida das pessoas.

A ILPI é considerada um sistema social organizacional. A complexidade societal alcançada nas sociedades funcionalmente diferenciadas desencadeia a explosão de organizações para desenvolver atividades que se restringem ao cumprimento e satisfação de metas específicas e de muitas das necessidades humanas, desempenhando uma função social. No caso da ILPI os objetivos são: assistir ao idoso "sem vínculo familiar ou sem condições de prover à própria subsistência de modo a satisfazer as suas necessidades de moradia, alimentação, saúde e convivência social" ou "idosos dependentes e/ou independentes em estado de vulnerabilidade social"(2). A complexidade que conduziu à diferenciação funcional das ILPIs é a existência de idosos nessas condições e a multiplicidade de fatores no que se refere ao idoso.

A questão das ILPIs para idosos, especialmente quando o foco são instituições para assistência ao idoso de baixa renda, é considerada problema crônico, aparentemente sem solução na sociedade brasileira. No entanto, juntamente com outros estudos, acredita-se "que as instituições sejam passíveis de influências e reformulações"(3).

A Política Nacional do Idoso (PNI)(2) prevê a criação e implementação de múltiplas e variadas ações e serviços, considerando a articulação inter e intra-setorial, de órgãos não-governamentais e de todos os segmentos da sociedade. O que se percebe, no entanto, é a dificuldade de operacionalizar e implantar tais propostas em nível local, também no que se refere à relação entre as ILPIs e o Sistema de Saúde.

Na análise da relação das ILPIs com o Sistema de Saúde, utilizou-se o referencial explicativo-analítico de Niklas Luhmann(4), formulação atualizada da teoria de sistemas, com aplicações nos fenômenos sociais e culturais, com abordagem interdisciplinar. Os sistemas sociais organizacionais, como a ILPI, podem ser analisados em seus processos internos e as interdependências com outros sistemas. O sistema de saúde tem a sua orientação no entorno, sendo determinado pelo que nele observa. A sua comunicação interna e seus programas se ocupam, essencialmente, com as condições de saúde-doença do ser humano, que mobilizam recursos e geram um ciclo de utilização do sistema de saúde. A saúde, ao diferenciar-se como sistema, adquire um corpo de conhecimento e de regulações, incluindo os saberes e as regulações das diferentes profissões dessa área(5), historicamente construídas.

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) resultou de processos reflexivos que culminaram no marco referencial das novas práticas e políticas de Saúde, a 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986. Essa Conferência ofereceu subsídios para a legitimação legal e concretização do SUS na Constituição de 1988 e na legislação própria, em 1990. O modelo assistencial que fundamenta as ações no SUS está pautado nas diretrizes de descentralização, atendimento integral com priorização das ações preventivas, sem prejuízo das assistenciais e participação da comunidade. As estratégias de intervenção, além do saber interdisciplinar e do fazer intersetorial, reúnem ações de promoção e manutenção da saúde, prevenção de riscos e agravos, cura, recuperação e reabilitação, dirigidas ao indivíduo, à família, à comunidade, ou à coletividade, na perspectiva da vigilância da saúde(6). Nesse sentido, percebe-se o avanço do Sistema de Saúde brasileiro. No entanto, a plena implementação da política do SUS, em todas as suas dimensões, e que "se mescla a uma nova episteme no universo das relações sociais, políticas, econômicas, culturais, ecológicas, biológicas, físico-químicas"(5) é, ainda, um caminho a percorrer e longe de ser alcançado. E é nesse contexto que se insere o estudo da ILPI na relação com o Sistema de Saúde.

OBJETIVOS

Analisar o sistema social organizacional ILPI e sua relação com o Sistema Único de Saúde, identificando as comunicações que ocorrem nos acoplamentos estruturais entre a ILPI e o Sistema Único de Saúde e as ressonâncias do acoplamento estrutural com o Sistema Único de Saúde, na ILPI.

MÉTODO

Estudo de abordagem qualitativa, de cunho exploratório-descritivo. Adotou-se a teoria de sistemas de Luhmann como método analítico, denominado método funcional(4).

O estudo teve como foco a ILPI, do contexto brasileiro, em meio urbano, com residentes sem condições de prover à própria subsistência ou provindos de famílias de baixa renda. Foram incluídas no estudo instituições regularmente reconhecidas como ILPIs (tradicionalmente conhecidas como asilo de idosos), de caráter público ou privado e sem fins lucrativos.

A diversidade de observações proporciona maior aproximação à compreensão do problema. Nessa perspectiva a coleta de dados foi realizada por observações de segunda e de terceira ordem(4). A observação de segunda ordem é a auto-observação do sistema. A sua importância está no fato de que o sistema observado pode ter funções latentes, não percebidas por ele mesmo, mas podendo ser compreendidas pelo pesquisador. Este estudo foi realizado por meio de entrevista com sete profissionais dirigentes de diferentes subsistemas internos de ILPIs e oito idosos residentes, em três ILPIs, na região metropolitana de Porto Alegre, RS. Atendendo à diversidade de pontos de vista sobre o problema e os acontecimentos apresentados sob diferentes circunstâncias, foram observadas comunicações produzidas por 52 ILPIs, veiculadas pela mídia. Tal material é expressão de operações internas, representando como as organizações se vêem. Expressa, também, expectativas do ambiente social em relação à organização. A observação de terceira ordem é aquela em que o pesquisador observa a produção artística e literária que tematiza a auto-observação de sistemas sociais. As investigações, em especial as descritivas, são consideradas fontes importantes para essa observação. Foi realizada a observação de 28 publicações nacionais identificadas por um levantamento em bases de dados, do período de 1998 a 2004, captando-as com os descritores asilo, asilo para idosos e institucionalização.

A análise dos dados das observações de segunda e terceira ordem tem, por referência, o método de análise funcional de Niklas Luhmann. Optou-se pelo método de análise de conteúdo(7) para a análise do material textual, oriundo da transcrição das entrevistas, bem como da compilação impressa das comunicações de ILPIs. Ao utilizar os dados provindos da observação das diversas fontes, ou seja, idosos, dirigentes, ILPIs, literatura e legislação, somados à experiência da pesquisadora, a análise foi, constantemente, resultado da triangulação desses dados, o que constituiu o procedimento de validação dos dados.

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifície Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Os dirigentes das ILPI e os idosos residentes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Ainda, nos dados obtidos nas comunicações de ILPIs, preservou-se a identidade da organização.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

A relação entre a ILPI e o Sistema Único de Saúde é reconhecida, pelos dirigentes, num primeiro momento, pela fiscalização exercida pela Vigilância Sanitária, responsável pela emissão e renovação do licenciamento ou Alvará de Funcionamento das ILPIs. Autores(8) têm indicado a necessidade de fiscalização mais sistemática da estrutura e funcionamento das ILPIs. De acordo com a Regulamentação Técnica, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária(9) indicadores específicos para avaliação das ILPIs como a taxa anual de mortalidade, densidade de incidência de doença diarréica aguda, de escabiose, prevalência de idosos com diabetes mellitus e quadro demencial e a taxa de atendimento de saúde realizado pelos funcionários da ILPI devem sofrer medição sistemática pelos órgãos da saúde. Verificou-se que a fiscalização constitui importante estimulação* * Luhmann utiliza o termo "irritação". Do ponto de vista da dinâmica social, a irritação é uma informação que perturba, estimula uma reação no sistema. Se não há reação, não há informação em atividade. do Sistema Único de Saúde, provocando ressonâncias nas instituições.

Dentre os subsistemas internos da ILPI há a necessidade, prevista pela legislação, de equipe que se ocupe com os processos de atenção à saúde, respondendo pelas demandas cotidianas de cuidado. Mesmo assim, a relação com os serviços de saúde é inevitável, uma vez que, em diversos momentos, há a necessidade de exames diagnósticos, referência a especialidades ou hospitalização. Em geral, somente nas situações de alterações do estado de saúde, os idosos são conduzidos aos serviços de saúde(10-11), como comentou a idosa:

A questão da saúde tá muito boa, porque aquilo que eles não resolvem aqui eles mandam pra um posto (I5).

A ILPI se envolve com todo o processo, apesar de solicitar e obter, no ingresso do idoso, comprometimento do familiar, ou responsável, em acompanhar tais situações.

Na relação com o Sistema Único de Saúde observou-se três diferentes tendências: nas ILPIs públicas, a assistência unicamente nos serviços públicos de saúde; nas ILPIs filantrópicas, a utilização da rede do SUS e, em outros casos, para evitar as dificuldades que percebem nessa relação, a busca de convênios com serviços da iniciativa privada ou a utilização de serviços previstos nos planos de saúde individuais de idosos. Essa última é mais rara, uma vez que são poucos os idosos que mantêm um plano de saúde privado. Estudo(12) identificou que 100% dos idosos de duas ILPIs e 96% de outra não possuíam tais planos. Verificou-se, confirmando outros estudos(10), que a disponibilidade de serviços de saúde para o idoso, nos diferentes níveis de atenção depende, principalmente, da concepção e conhecimentos que os dirigentes e equipe de saúde interna da ILPI têm, acerca da saúde do idoso, do ponto de vista gerontológico. A atenção à saúde, em geral, está centrada na cura e reabilitação, o que contradiz as diretrizes do atual sistema de saúde brasileiro e as políticas de saúde voltadas à pessoa idosa. Programas sistemáticos de promoção da saúde e atividades de educação em saúde com vistas à manutenção da capacidade funcional são muito raros nas instituições.

A relação com os serviços de atenção básica

Os dirigentes expressaram não perceber, especialmente nos serviços de saúde de atenção básica, o entendimento da ILPI como pertencente à área geográfica de abrangência sob, sua responsabilidade:

... eles [serviço de saúde] dizem que isso [saúde] é um problema da instituição (D1).

O idoso não é considerado como um morador da área:

Eles não se preocupam com os idosos daqui, acham que não fazem parte desta comunidade (D1).

Além disso [a Prefeitura] não incluiu os ocupantes do asilo nos Programas de Saúde da Família, de Saúde Mental e de Saúde Bucal (ILPI11).

O acesso à atenção é marcada por desencontros, pois os serviços, conforme os dirigentes.

... não facilitam, tudo é muito complicado, tem que percorrer postos e postos (D1).

Ao que se percebe, o serviço de saúde usa do raciocínio de que, em havendo uma equipe de saúde na ILPI, ela pode responder pela atenção à saúde. Isso gera, na ILPI, como ressonância, descontentamento.

... nós temos que fazer tudo, cuidar deles, nós que temos que ver a medicação deles, nós que temos que ir atrás (D1).

A definição inicial da necessidade de encaminhamentos aos serviços diagnósticos e às especialidades é, em geral, da equipe de saúde da ILPI. Nesse momento, ela segue o fluxo do serviço local. A despeito da obrigatoriedade do atendimento preferencial ao idoso, nos órgãos de saúde(2), a discriminação bem como a falta de humanização nas relações com os profissionais dessa área foram observadas em outros estudos(13-14). Os percalços e a condição de dupla discriminação dos idosos institucionalizados nos serviços são relatados pelos entrevistados.

Na saúde falta um atendimento específico, alternativas no atendimento aos idosos. Se o idoso não consegue chegar e correr na frente da fila do posto de saúde, as pessoas acabam atropelando, ele não consegue tirar a ficha. Têm muitas queixas deles disso (D6).

Uma queixa da ILPI está na dificuldade de ter acesso à medicação do idoso, direito garantido a ela(2). Expressa a dirigente:

... o que é mais difícil pra nós é a medicação que a gente não consegue retirar no posto (D4).

Para receber a medicação nos serviços de atenção básica é realizado o cadastramento individual que, além de oportunizar o acompanhamento do indivíduo, permite a adequada previsão da medicação necessária para atender a demanda do serviço. Isso é visto como um problema pelos dirigentes, indicando o desconhecimento da gestão nos serviços.

Por ocasião das campanhas de vacinação de idosos, com a vacina antiinfluenza, as Unidades Básicas de Saúde se mobilizam para alcançar todos os idosos de sua área, inclusive os que vivem em ILPI.

A aproximação ao serviço de atenção básica tem sido buscada e efetivada por meio de diálogos e tratativas entre as equipes. Embora haja avanços, ainda fica evidente que os idosos da ILPI não são considerados no cômputo dos residentes da comunidade. Exemplificando, os dirigentes externaram que os recursos materiais para controle de diabéticos não são repassados à ILPI para que essa possa gerenciar o controle. O serviço de saúde, para esse fornecimento, fundamentado nas diretrizes da Atenção à Hipertensão e ao diabetes melittus, precisa obter dados dos idosos e acompanhá-los no serviço, individualmente. Nesse caso, uma ação compartilhada entre serviço de saúde e ILPI se faria necessária. A instituição pode, com a ação de sua equipe interna, realizar o que é previsto na ação programática e oferecer os dados ao serviço, garantindo a ele a produtividade na área de abrangência. São alternativas que encontrariam, na Política Nacional de Saúde do Idoso, o respaldo ou a estimulação necessária.

A relação com os serviços especializados e hospitalares

Percebeu-se que é freqüente a necessidade de remoção do idoso aos serviços de saúde de atendimento de emergência ou para hospitalização. Os dirigentes expressaram a relação com o serviço de remoção e atendimento do município e outras tratativas na ampliação do atendimento dessa necessidade:

... Nós temos um relacionamento muito bom com o SAMU, então a gente chama. Ou a gente leva (D3).

Além do serviço municipal de ambulância e remoção, algumas ILPIs ou idosos, individualmente, possuem convênio com empresa privada. Na tentativa de evitar as longas esperas para a marcação de exames diagnósticos, as ILPIs identificam parcerias com a iniciativa privada em serviços especializados.

No que tange às internações hospitalares de idosos no Brasil, verifica-se o número elevado de hospitalizações, a maior ocupação de leitos, em dias, por esses pacientes, bem como os altos índices de re-hospitalização(15). Não foram identificados dados precisos acerca dos índices de hospitalização de idosos institucionalizados.

Há dificuldades relacionadas às situações de atendimento em emergências ou hospitalização, envolvendo desrespeito e a não priorização do idoso.

Pro hospital ele vai ocupar mais um leito, que retorno que ele vai dar? Despesa, trabalho, tanto que eles retornam com úlceras de pressão. É complicado (D1).

Tal situação encontra explicações na discussão sobre alocação de recursos escassos e idade. Os idosos ficam em vantagem no critério de merecimento, mas em desvantagem nos critérios que se fundamentam na necessidade e prognóstico, utilizados na disputa pela disponibilização de algum recurso em cuidados à saúde. E, considerando a imagem das ILPIs no ambiente societal, infere-se que o idoso institucionalizado acaba sendo duplamente excluído nesse processo. Mudar a condição de relegado em segundo plano nos cuidados em saúde exigirá desse grupo populacional e da sociedade muita estimulação para a plena implementação das políticas que promovem a sua inclusão.

A respeito da hospitalização, outro aspecto evidenciado, interno à ILPI, foi o conflito acerca da decisão em hospitalizar. Observou-se a existência de uma pressão para a hospitalização, por um lado e a resistência de fazê-lo, por outro.

Então tem a crítica assim: o idoso tem que ir pro hospital. Se ao locomover para o hospital for a óbito, vem a crítica: porque que mandaram pro hospital? (D1).

A decisão pela hospitalização ou pelo encaminhamento a uma assistência especializada deveria estar relacionada à clareza quanto aos recursos, humanos e materiais, disponíveis na própria ILPI. Um diálogo entre os diversos membros da equipe, com esclarecimentos e busca de consenso, poderia minimizar esses conflitos. De qualquer maneira, a dificuldade encontrada para a autorização de um leito hospitalar, ou a demora no encaminhamento à especialidade, não deveria ser motivo para negar tal assistência ao idoso. Da mesma forma, a hospitalização com o objetivo único de evitar que o óbito aconteça na ILPI, também não seria argumento aceitável. As instituições carecem, além de entrosamento maior das equipes, de reflexão conjunta sobre cuidados paliativos e o respeito para com a morte e o morrer. Ainda, nesse aspecto, observou-se que a decisão sobre a hospitalização inclui, quase sempre, dilema ético quanto às reais possibilidades de cuidado e recuperação da saúde:

Claro que a gente fica assim: será melhor? Será bem atendido? Será que vai ter o conforto? Vai ter uma cama confortável, vão dar comida? Porque no hospital também há uma carência de profissionais (D1).

Ao citarem os conflitos e dilemas os dirigentes não se referiram, em nenhum momento, à autonomia do idoso que deveria ser levada em conta na decisão, desde que tenha capacidade para fazê-lo, envolvendo-se com o assunto, ter condições de avaliar as possibilidades e expressar sua vontade. A família também precisaria ser envolvida, principalmente quando o idoso não estiver apto às próprias decisões. No entanto, quando perguntada, uma dirigente expressou que, dificilmente, a família se posiciona a favor ou contra a hospitalização, deixando a definição ao encargo da ILPI.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As comunicações entre a ILPI e o Sistema Único de Saúde têm, como pano de fundo, a desconsideração do idoso institucionalizado como morador da área de abrangência dos serviços de atenção básica. É repassada à ILPI a responsabilização pelo cuidado, havendo, como ressonância, a exclusão do idoso das ações programáticas em saúde. Por outro lado, há desconhecimento, por parte das ILPIs, sobre o Sistema Único de Saúde. A clareza acerca dos serviços, dos processos de referência e contra-referência, das possibilidades e a estimulação por meio da proposição de alternativas pode resultar em acoplamento estrutural mais bem sucedido. Transparece a indisponibilidade de ambos ou, na linguagem de Luhmann, há baixa sensibilidade em dialogar e aprofundar ações compartilhadas com base em projetos de assistência e nas políticas já existentes.

Como ressonância dos ruídos de comunicação entre o Sistema Único de Saúde e ILPI, identifica-se a existência de dilemas éticos no cuidado à saúde do idoso institucionalizado que, no entanto, parecem ser ainda pouco discutidos, tanto no âmbito das instituições, quanto na gerontologia.

Apesar do bem-sucedido estímulo da teoria luhmanniana à análise das ILPIs, entende-se que a teoria dos sistemas sociais auto-referenciais não pretende ser a única opção, nem a melhor, mas dispõe de atitudes especiais para essa tarefa. Assim, na perspectiva da necessária continuidade da investigação, a aplicação da teoria de sistemas de Luhmann na análise da relação da ILPI com o Sistema Único de Saúde, incluindo membros desse Sistema, poderia proporcionar aprofundamento ainda maior acerca dos acoplamentos estruturais. Tal análise poderá constituir importante subsídio para a implementação de estratégias de ampliação de redes de inclusão da ILPI e o comprometimento dos serviços de saúde com as instituições.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 10.2.2007

Aprovado em: 6.8.2007

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    Luhmann utiliza o termo "irritação". Do ponto de vista da dinâmica social, a irritação é uma informação que perturba, estimula uma reação no sistema. Se não há reação, não há informação em atividade.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      06 Ago 2007
    • Recebido
      10 Fev 2007
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