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Avaliação da qualidade do procedimento curativo em pacientes internados em um hospital universitário

Resumos

Estudo observacional e seccional analisou a qualidade do procedimento curativo desenvolvido em pacientes internados em unidade médico-cirúrgica de um Hospital Universitário, segundo grau de dependência assistencial e fases de realização da atividade. Entre outubro e dezembro de 2005, utilizando instrumento tipo check list, foram observados 168 curativos. A qualidade do processo desenvolvido foi analisada com base no Índice de Positividade (IP). Foram considerados satisfatórios os procedimentos que alcançaram valores >70%. No preparo, o IP foi de 68%, 63%, 73% e 75% para pacientes em grau I, II, III e IV, respectivamente; na execução, de 70%, 69%, 71% e 75% e na de organização da unidade, em todos os graus foi >70%. Entretanto, os itens: conferência do prazo de validade dos materiais, respeito aos princípios de assepsia e manutenção da seqüência lógica mostraram-se comprometidos. A execução rigorosa de um procedimento reduz riscos e confere qualidade às ações de enfermagem.

garantia da qualidade dos cuidados de saúde; enfermagem; bandagens


This observational and sectional study analyzed the quality of the wound dressing procedure performed on hospitalized patients at a medical surgical unit of a University Hospital, based on their classification according to the degree of care dependency and activity performance phases. Using a check list, 168 wound dressings were observed between October and December 2005. Procedure quality was analyzed based on the Positivity Index (IP) and values >70% were considered satisfactory.For the preparation, the IP was 68%, 63%, 73% and 75% for patients with degrees I, II, III and IV, respectively; for execution, 70%, 69%, 71% and 75% and, for unit organization, it was >70% for all degrees. However, the items: validity time frame checking, respect for aseptic principles and maintenance of logical sequence of procedures were compromised. Rigorous execution of procedures allows for risk decrease and assures benefic results for patients, conferring quality to nursing actions.

quality assurance, health care; nursing; bandages


Estudio observacional y seccional analizó la calidad del procedimiento curativo, realizado en pacientes internados en una unidad medico-quirúrgica de un Hospital Universitario, de acuerdo con el grado de dependencia asistencial y las fases de realización de la actividad. Con la utilización de un instrumento tipo check list fueran observados 168 curativos, entre octubre y diciembre 2005. La cualidad de los procedimientos fue analizada basada en el Índice de Positividad (IP) y fueron considerados satisfactorios aquellos que alcanzaron valores >70%. En la preparación, el IP fue de 68%, 73% y 75% para pacientes en grados I, II, III y IV, respectivamente; en la ejecución, fueran de 70%, 69%, 71% y 75% y en la de organización de la unidad, en todos los grados fue >70%. Entre tanto, los ítems: conferencia del plazo de validez de los materiales, respeto a los principios de asepsia y manutención de la secuencia lógica muestrearon se comprometidos. La ejecución rigorosa de un procedimiento posibilita reducción de riesgos, asegura resultados benéficos a los pacientes y confiere calidad a las acciones de enfermería.

garantía de la calidad de atención de salud; enfermería; vendajes


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da qualidade do procedimento curativo em pacientes internados em um hospital universitário1 1 Trabalho extraído da Tese de Doutorado

Eleine Aparecida Penha Martins NoninoI; Maria Luiza AnselmiII; José Carlos DalmasIII

IProfessor Doutor da Universidade Estadual de Londrina, e-mail: eleinemartins@yahoo.com.br

IIProfessor Associado da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, Brasil, e-mail: anselmi@eerp.usp.br

IIIProfessor Associado da Universidade Estadual de Londrina, Brasil

RESUMO

Estudo observacional e seccional analisou a qualidade do procedimento curativo desenvolvido em pacientes internados em unidade médico-cirúrgica de um Hospital Universitário, segundo grau de dependência assistencial e fases de realização da atividade. Entre outubro e dezembro de 2005, utilizando instrumento tipo check list, foram observados 168 curativos. A qualidade do processo desenvolvido foi analisada com base no Índice de Positividade (IP). Foram considerados satisfatórios os procedimentos que alcançaram valores >70%. No preparo, o IP foi de 68%, 63%, 73% e 75% para pacientes em grau I, II, III e IV, respectivamente; na execução, de 70%, 69%, 71% e 75% e na de organização da unidade, em todos os graus foi >70%. Entretanto, os itens: conferência do prazo de validade dos materiais, respeito aos princípios de assepsia e manutenção da seqüência lógica mostraram-se comprometidos. A execução rigorosa de um procedimento reduz riscos e confere qualidade às ações de enfermagem.

Descritores: garantia da qualidade dos cuidados de saúde; enfermagem; bandagens

INTRODUÇÃO

O tema qualidade torna-se objeto de atenção das empresas a partir da Revolução Industrial e, particularmente, ganha centralidade a partir do início da década de 30(1). Assegurar competitividade aos produtos disponibilizados no mercado, ampliar a margem de lucro e garantir sobrevivência econômico-financeira da organização requer padronização e adoção de instrumentos de avaliação.

O movimento pela qualidade, assim, introduzido primeiramente no setor industrial e, logo em seguida, no de serviços, expandiu-se e ganhou espaço no cotidiano das instituições de saúde(2).

No campo da avaliação da qualidade em saúde, Avedis Donabedian desenvolveu quadro teórico conceitual até hoje adotado nos processos avaliativos de serviços de saúde e que envolve a análise dos seguintes aspectos: estrutura, processo e resultado(3).

A avaliação da estrutura compreende recursos físicos, humanos, materiais e financeiros necessários à assistência à saúde; o processo corresponde ao conjunto de atividades desenvolvidas na relação entre profissionais e usuários; o resultado refere-se às mudanças verificadas no estado de saúde dos pacientes que podem ser atribuídas a um cuidado prévio e, ainda, mudanças relacionadas ao conhecimento e comportamento, bem como à satisfação do usuário decorrente do cuidado prestado(3-4).

Mais recentemente, a partir da década de 90, vem sendo implementado, no Brasil, o programa de Acreditação Hospitalar, que constitui método de avaliação externa realizada por pares no campo da saúde. É desenvolvido com base em padrões previamente estabelecidos e conhecidos, os quais contemplam elementos de estrutura, processo e resultado(5) e tem por finalidade estimular o desenvolvimento de “uma cultura contínua de qualidade da assistência médico-hospitalar e da proteção da saúde da população”(1).

A avaliação para acreditação de instituições hospitalares é realizada com base no Manual Brasileiro de Acreditação Hospitalar. O serviço de enfermagem está contemplado neste manual, e os padrões estabelecidos para avaliação possibilitam verificar a qualidade da assistência de enfermagem prestada à clientela.

A enfermagem é responsável pelo cuidado direto ao paciente na sua integralidade como ser biológico e social, distingüindo-se dois campos específicos de atividades: dos cuidados que compreendem os procedimentos e o da administração da assistência de enfermagem(6).

No Brasil, o trabalho de enfermagem configura-se historicamente pela divisão em categorias distintas de agentes. De um lado, os enfermeiros, categoria minoritária, a quem são atribuídas ações de ensino e gerenciamento; de outro, auxiliares e técnicos de enfermagem, cujo núcleo central de trabalho é o cuidado de enfermagem, com foco nos procedimentos técnicos(7).

Dentre as ações desenvolvidas pela equipe de enfermagem, os procedimentos técnicos comportam riscos e, nesse sentido, requerem avaliações contínuas por parte do serviço de enfermagem, com vistas a assegurar qualidade ao processo assistencial(7).

Em revisão de literatura sobre avaliação de técnicas de enfermagem nas bases de dados LILACS e Medline, no período de 1996 a 2005, com os descritores extraídos de Descritores em Ciências da Saúde: avaliação (seguido de: bandagens, enfermagem), avaliação de processo (cuidados de saúde) (seguido de: bandagens, enfermagem) e avaliação de resultados (cuidados de saúde) (seguido de: bandagens, enfermagem) foram encontrados poucos estudos que avaliam, por meio de observação direta, o padrão de qualidade da execução dos procedimentos de enfermagem.

Dentre eles, cabe citar a avaliação, por observação direta, do desempenho de enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem na execução do procedimento punção venosa periférica. Os resultados apontam inadequações no desempenho nas três categorias de trabalhadores(8). Outra investigação, apoiada pelo Ministério da Saúde, avaliou o desempenho de auxiliares, técnicos e atendentes de enfermagem nas técnicas de inalação, punção venosa para medicação e medicação intramuscular, em três serviços hospitalares na Bahia. Também encontrou desempenho insatisfatório em todas as técnicas, nas três categorias de trabalhadores(9).

Estudo sobre a execução de curativos assépticos e sépticos, em unidade distrital de saúde, verificou que, dos 101 curativos assépticos realizados, 57,4% apresentaram padrão de desempenho insatisfatório; dos 206 curativos sépticos, 20,8% tiveram execução insatisfatória(10).

A qualidade dos serviços prestados por uma instituição de saúde depende muito da competência técnica e da habilidade de interação e comunicação de seus trabalhadores para com o usuário, mas também de outros aspectos como as condições de trabalho vigentes, recursos materiais e serviços de apoio disponibilizados.

Entre os procedimentos técnicos, realizados freqüentemente pelos profissionais de enfermagem, destaca-se o curativo, que consiste na limpeza e cobertura de uma lesão com o objetivo de auxiliar no tratamento da ferida, ou prevenir a colonização nos locais de inserção de dispositivos invasivos diagnósticos e terapêuticos(11), e promover a cicatrização da ferida, evitando a infecção, diminuindo custos e prejuízos para o paciente.

Na prática, o curativo é procedimento realizado predominantemente por auxiliares e técnicos de enfermagem, cabendo ao enfermeiro a supervisão, a provisão de produtos conforme a disponibilidade na instituição, a orientação, acompanhamento, desenvolvimento de processos educativos e a avaliação dos trabalhadores.

Considerando que o curativo, procedimento técnico que compõe o processo assistencial de enfermagem, envolve riscos que podem comprometer a qualidade da assistência de enfermagem, desenvolveu-se este estudo com o objetivo de avaliar a qualidade do referido procedimento, segundo o grau de dependência do paciente em uma unidade médico-cirúrgica de um hospital universitário no Estado do Paraná. Espera-se, desse modo, identificar aspectos satisfatórios e/ou insatisfatórios, propor medidas que contribuam para a melhoria da prática profissional e dos processos de avaliação da qualidade da atenção à saúde na instituição estudada.

MÉTODO

Trata-se de estudo observacional e seccional, desenvolvido em um hospital universitário, localizado na região Norte do Estado do Paraná que, em 2005, contava com 333 leitos ativados e um quadro de pessoal de 816 trabalhadores.

A unidade de internação estudada foi a médico-cirúrgica masculina que, em meados de 2005, totalizava 73 leitos ativados (aproximadamente 22% do total de leitos do hospital) e quadro de enfermagem de 9 nove enfermeiros, 10 técnicos de enfermagem e 42 auxiliares de enfermagem.

O hospital dispõe de Assessoria de Controle de Qualidade da Assistência de Enfermagem que, trimestralmente, monitora os processos de trabalho e a qualidade da assistência de enfermagem e, quando necessário, direciona treinamentos para aperfeiçoamento da equipe de enfermagem.

A Sistematização da Assistência de Enfermagem está implantada há 24 anos e, hoje, são desenvolvidas as etapas de histórico, prescrição e anotações de enfermagem.

A população de estudo foi constituída de curativos executados pela equipe de enfermagem em pacientes internados, classificados segundo o grau de dependência (I, II, III e IV), conforme instrumento readaptado(12), e que apresentavam uma única lesão. Esses graus representam, de maneira crescente, a dependência do paciente em relação à assistência de enfermagem nas atividades deambulação, banho, alimentação, comportamento, autocuidado, medicação, cuidados pré e pós-operatório e manutenção da vida. Essa classificação auxilia no desenvolvimento do processo de enfermagem, ordenando e direcionando o trabalho da enfermagem e permitindo avaliação dos procedimentos que estão sendo realizados pelos profissionais(12).

A técnica de coleta de dados foi a observação direta e o instrumento adotado, do tipo check list (lista de verificação), construído a partir de consulta à literatura sobre o assunto(11,13-16), levando em consideração o processo de trabalho da equipe de enfermagem, as necessidades humanas básicas dos pacientes e as características peculiares da técnica nas fases de preparo, execução propriamente dita e organização da unidade. Para essa ultima fase, cabe esclarecer que de acordo com a rotina estabelecida, o trabalhador efetua o registro de todos os curativos nos prontuários apenas ao final de seu turno de trabalho, o que dificultou a presença dos pesquisadores no campo até o momento da anotação e, conseqüentemente, a observação dessa ação, que foi excluída do instrumento.

Desenvolveu-se também manual que acompanha o instrumento no qual constam os descritores de cada item a ser observado. Ambos (instrumento e manual) foram validados, quanto ao conteúdo, por nove juízes considerados experts no assunto, sendo quatro enfermeiros docentes e cinco enfermeiros assistenciais. Incorporadas as sugestões, os instrumentos foram testados em uma unidade médico cirúrgica com a observação de 28 curativos.

A apresentação de cada item é seguida por três opções de resposta: “sim” (quando o item é executado corretamente), “não” (quando o item não é executado), “não se aplica” (quando para a situação observada, o item não é aplicável) e, ainda, um espaço para observações. As observações diretas foram realizadas por uma enfermeira e 11 acadêmicos de enfermagem chamados pesquisadores de campo, selecionados e treinados para este estudo.

A coleta de dados foi desenvolvida no período de outubro a dezembro de 2005, pela manhã, totalizando 45 dias. Os pesquisadores ficavam à disposição na unidade e à medida que identificavam um trabalhador que fosse realizar algum curativo, efetuavam a observação e, concomitantemente, classificavam o paciente no respectivo grau de dependência.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina e 20 trabalhadores da unidade assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Os dados coletados foram digitados e armazenados em banco de dados, formato Excel. Para análise, adotou-se o Índice de Positividade (IP) que consiste em identificar, para cada item do instrumento, o tipo de resposta observada (afirmativa, negativa ou não se aplica). Quando verificada a situação em que o paciente não estava exposto à condição observada, o item foi desconsiderado na análise, uma vez que a sua inclusão na equação subestimaria os valores obtidos para o índice. Aplicada a equação abaixo, obteve-se o percentual de positividade para cada item do instrumento e, em seguida, para o conjunto de itens, segundo o grau de dependência do paciente em cada uma das fases do procedimento.


onde: ra - respostas afirmativas e rn - respostas negativas

Com base na literatura consultada(8-9), adotou-se, como parâmetro para avaliação da qualidade dos curativos, o Índice de Positividade (IP) igual ou superior a 70%.

RESULTADOS

Foram observados 168 curativos, executados por 20 trabalhadores, sendo 55% técnicos de enfermagem e 45% auxiliares de enfermagem, com predomínio do sexo feminino (70%), média de idade de 40 anos e tempo médio de atuação na área da enfermagem de oito anos.

Dos 168 curativos, 57(33,9%) foram realizados em pacientes classificados como grau de dependência I, 65(38,7%) grau II, 33(19,6%) grau III e 13(7,8%) no grau IV. Portanto, os curativos foram observados predominantemente em pacientes classificados nos graus I e II.

Optou-se por apresentar os dados com valores inteiros conforme as tabelas a seguir. Na Tabela 1 tem-se o IP encontrado na fase de preparo do curativo.

Verifica-se que os curativos realizados em pacientes classificados nos graus III e IV tiveram índices totais de positividade satisfatórios, uma vez que atingiram valores superiores a 70%, enquanto aqueles realizados em pacientes nos graus I e II mostram índices abaixo do esperado.

Analisando os diferentes itens que compõem a fase de preparo evidencia-se comprometimento em “apresenta-se ao paciente”, “aquece o soro fisiológico” e “lava as mãos antes de iniciar o curativo”, nos quais o IP foi < 50%. No grau IV, a explicação do procedimento ao paciente foi executada em 67% das observações, talvez porque neste grau é possível que o paciente apresente nível de consciência diminuído e, portanto a comunicação esteja prejudicada, entretanto não se registrou qualquer tipo de interação entre profissionais de enfermagem e paciente.

Na Tabela 2 apresentam-se os dados do Índice de Positividade na fase de execução do procedimento curativo.

Exceto no grau II (69%), nos demais graus o IP total atingiu o valor recomendado, ou seja, > 70%. Em pelo menos sete itens, nos quatro graus de dependência, obteve-se o IP >70%.

Em alguns itens porém, o IP está abaixo de 70%, a saber “preparou o ambiente de forma adequada” (< 63%); “conferiu o prazo de validade dos materiais” (< 17%); sendo que nos graus I e IV o trabalhador nunca atendeu esse item.

Outro item comprometido na positividade foi “manteve a seqüência lógica”, pois o IP verificado está abaixo de 70% nos curativos de pacientes em graus I (27%), II (17%) e III (67%). Somente no grau IV foi satisfatório. O descritor desse item prevê a utilização das pinças de acordo com os quatro tempos de execução do procedimento(13,16). Quando as pinças são substituídas por luvas, há que se manter a seqüência lógica e o princípio de assepsia, elementos esses que contribuem para a diminuição da taxa de infecção do sítio cirúrgico(16-17).

No item “manteve o princípio de assepsia durante o curativo”, em pacientes de graus I e III, o IP ficou abaixo do preconizado, ou seja, 61% e 52%, respectivamente.

Na Tabela 3 são mostrados os dados do Índice de Positividade na fase de organização da unidade após o término do curativo.

Os índices totais de positividade obtidos foram > 70%. Mesmo atingindo o índice de positividade total satisfatório em todos os graus, a assepsia das mãos ao final da execução do curativo está comprometida nos quatro graus de dependência com IP variando de 39% no grau II a 58% no grau IV, fato que pode favorecer a infecção cruzada.

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos apontam que a comunicação foi deficitária, embora se considere que, no cuidado de enfermagem integral, as dimensões técnicas e aquelas de comunicação sejam indissociáveis(9). Pesquisa, sobre a realização de técnicas de enfermagem em hospitais no Estado da Bahia, também encontrou desempenho insatisfatório dos trabalhadores de enfermagem nos itens comunicação/interação com o paciente(9).

Com relação ao item “aquecimento do soro fisiológico”, essa é uma etapa considerada essencial na execução de um curativo, pois está associada à melhora da cicatrização, preservação das reações bioquímicas e enzimáticas das células, aumento da circulação e da tensão de oxigênio no local da lesão e aumento da imunidade celular com diminuição da contaminação bacteriana(14,16-18).

Na unidade há uma estufa disponível, mas que, em geral, se encontra desligada. Compete aos enfermeiros, por meio de ações gerenciais, assegurar o provimento e a disponibilização de equipamentos, materiais adequados existentes na instituição, bem como a supervisão e acompanhamento do trabalho da equipe de modo a possibilitar a execução satisfatória dos procedimentos de enfermagem.

Outro fato que chama a atenção foi a falta de lavagem das mãos antes e após o procedimento. Embora o setor conte com quantidade expressiva de leitos ativados (73), distribuídos em 11 enfermarias, e poucas pias disponíveis nos corredores, existem recipientes com álcool gel em cada enfermaria, não justificando os resultados obtidos. Evidencia-se que o hábito de lavar as mãos ou aplicar o álcool gel, não está incorporado como uma ação de enfermagem importante na prevenção de riscos para os pacientes e trabalhadores.

Estudos internacionais apontam baixa adesão a esse procedimento por parte dos profissionais da área da saúde em diferentes setores de atuação. Os motivos que contribuem para a falta de adesão são o descrédito para o risco de transmissão de patógenos, a negligência, déficit de materiais e acesso difícil aos dispensadores de álcool ou álcool gel(19-20). Na literatura nacional, pesquisas também identificam que a lavagem das mãos antes e após a execução dos procedimentos de enfermagem é deficiente, expondo o paciente a riscos de infecção hospitalar, porém, as causas para esse comportamento não são apontadas(8-9).

Esse item do procedimento envolve outros aspectos comportamentais, para além da dimensão técnica, como mudanças de atitudes, crenças e motivação do trabalhador(20). Nesse sentido, a higiene das mãos exige supervisão mais direta do enfermeiro durante a execução do procedimento, que deve vir acompanhada de processos educativos que favoreçam a modificação de hábitos já consolidados.

Outro aspecto que se mostrou comprometido foi a conferência do prazo de validade do material. No hospital estudado há uma central de distribuição de materiais que confecciona kits contendo o pacote de curativos, gazes e luvas. À medida que o trabalhador não confere o prazo de validade do material é possível que ele acabe realizando o curativo com técnica limpa e não estéril, conforme preconizado para ambientes hospitalares(11,16), colocando em risco o paciente.

No tocante à seqüência lógica do procedimento, que mostrou comprometimento, tem-se, que em feridas limpas se recomenda iniciar a limpeza pelas áreas menos contaminadas para a mais contaminada, ou seja, do centro para as áreas adjacentes da lesão; e, nas feridas contaminadas, seguindo o mesmo princípio, inicia-se o curativo pelas áreas adjacentes, bordas e termina no centro ou dentro da lesão. Esse princípio ajuda a diminuir a ocorrência de sinergismos de ação das bactérias que provocam lesões maiores nas áreas adjacentes, evita a disseminação de microorganismos em feridas ulceradas, abscessos e deiscências cirúrgicas e áreas limpas(11,13,16).

Em algumas situações, por diferentes motivos, contrariando o que é preconizado na literatura(11,13), houve contaminação das pinças: pelo manuseio inadequado, ocorrendo o cruzamento entre elas; toque das mãos no campo estéril; o levantamento das pinças do centro do campo estéril de maneira inadequada ou, ainda, desrespeito ao limite do campo que foi dividido em estéril e não estéril (onde se posiciona a parte da pinça que se toca). Verificou-se também que não houve a troca de luvas do primeiro para o segundo tempo, quando a execução do curativo com luvas foi a opção escolhida.

Quanto à organização do ambiente, evidencia-se, por parte dos trabalhadores, preocupação com esse aspecto, quando despreza os materiais de maneira adequada não permitindo que fiquem espalhados nas enfermarias. Esse comportamento pode ser decorrente do processo de supervisão de enfermagem, pelo qual o enfermeiro detecta com mais facilidade problemas relativos à organização das enfermarias, como restos de curativos, pinças espalhadas e lixos fora de posição e, desse modo, o trabalhador se empenha em cumprir as atividades satisfatoriamente.

Segundo o Manual Brasileiro de Acreditação, à enfermagem cabe, entre outros aspectos: identificar, definir, padronizar e documentar seus processos, estabelecer procedimentos, medir e avaliar os resultados de processos(5). Curativos desenvolvidos de forma inadequada, ou seja, que não atendam os princípios básicos de assepsia e a seqüência lógica preconizada; comprometem a qualidade da assistência, uma vez que implica risco de infecção tanto para o paciente como para o trabalhador e pode retardar o processo de cicatrização e, assim, prolongar a internação do paciente, aumentando custos.

Nesse sentido, a realização de curativos pela enfermagem representa importante atividade do processo assistencial e a execução padronizada, ou seja, que obedeça de forma rigorosa aos princípios técnico-cientifícos e de interação profissional-usuário, contribuirão para a qualidade da atenção ofertada pela instituição.

A adoção de protocolos e o desenvolvimento/implementação de processos de treinamento que capacitem, tanto enfermeiros como os demais membros da equipe para execução desse procedimento, possibilitam melhorar o desempenho profissional e, por conseqüência, assegurar determinados padrões quantitativos e qualitativos da assistência à saúde(9).

CONCLUSÕES

A execução do procedimento foi satisfatória na fase de preparo dos curativos para os pacientes em graus III e IV, 73 e 75%, respectivamente; na fase de execução, nos pacientes em graus I, III e IV (70, 71 e 75%), enquanto para aqueles em grau II o percentual de positividade foi de 69% muito próximo ao parâmetro estabelecido; na fase de organização da unidade em todos os graus o IP obtido foi > 70%.

Em alguns itens, entretanto, a positividade esteve aquém do esperado, entre eles a comunicação com o paciente, a conferência do prazo de validade dos materiais, o respeito à seqüência lógica de desenvolvimento do procedimento e aos princípios de assepsia. Esses resultados apontam que a realização do curativo, na unidade selecionada, pode elevar os riscos para infecção, comprometendo o processo de cicatrização e de recuperação da integridade da pele do paciente, exigindo assim maior permanência no hospital. Tais aspectos nos remetem à necessidade de melhor supervisão do trabalho pelos enfermeiros da unidade que, desenvolvida de forma compartilhada com os demais membros da equipe, contribuirá para melhorar o desempenho dos trabalhadores, assegurando a qualidade dos processos assistenciais.

Entre as limitações do estudo aponta-se a ausência, no instrumento de coleta de dados, do item sobre o método de limpeza da ferida, o qual não foi identificado pelos juízes; bem como o registro da execução do procedimento no prontuário, elementos que também podem interferir na qualidade. Cabe ainda salientar a escassez de estudos que avaliam procedimentos por meio da observação direta, adotando índices para mensuração da qualidade, o que dificultou a comparação dos resultados com a literatura.

Destaca-se, ainda, que a técnica de observação com base em um check list corresponde a um padrão de qualidade de execução do procedimento estudado, e poderá constituir instrumento valioso para o ensino, para a gerência de serviços de saúde e para outras pesquisas, direcionando a prática dos enfermeiros.

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Recebido em: 9.8.2006

Aprovado em: 26.9.2007

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  • 1
    Trabalho extraído da Tese de Doutorado
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Aceito
      26 Set 2007
    • Recebido
      09 Ago 2006
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