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A atenção à saúde da família sob a ótica do usuário

Resumos

Este estudo teve como objetivo analisar a ótica do usuário sobre a atenção à saúde da família, a fim de verificar as dificuldades e potencialidades para a transformação do modelo de atenção à saúde. Trata-se de estudo de caso qualitativo, realizado em uma Unidade de Saúde da Família, a de São Sebastião, Brasília, DF, cuja coleta de dados consistiu da observação do processo de trabalho desenvolvido pela equipe e grupos focais com usuários. Os dados analisados, utilizando-se a técnica de Discurso do Sujeito Coletivo, demonstraram que as ações de prevenção e promoção da saúde e a relação profissionais-usuários foi avaliada positivamente e o acesso aos serviços de saúde, aos medicamentos e aos profissionais foram avaliados negativamente. As ações desenvolvidas não garantem a integralidade da atenção à saúde da família e apontam para a necessidade de se reverem as estratégias de organização do serviço, sobretudo aquelas que possibilitem a participação da comunidade para o alcance de suas necessidades.

atenção primária à saúde; saúde da família; satisfação dos consumidores


This study aimed at assessing the family's perspective on a family care program to better understand the challenges and potential capacities for changing the health care model. A qualitative study was carried out to assess the Family Health Program in the city of São Sebastião, Brasília, Brazil. Data was collected through direct systematic observations of the workflow developed by the program's team, and through focal groups with family members. The discourse of the collective subject was used in data analysis and showed that health prevention and promotion actions and the relationship between providers and consumers were positively evaluated while access to health services, drugs and providers was negatively evaluated. There is no assurance of comprehensive and continuous care to the family, which points to the need of reviewing the strategies of health service organization for more effective involvement of the community to meet their health needs.

primary health care; family health; consumer satisfaction


Este estudio tiene como objetivo analizar la evaluación del usuario sobre la atención a la salud de la familia, con la finalidad de verificar las dificultades y potencialidades para transformar el modelo de atención a la salud. Se trata de un estudio de caso cualitativo, realizado en una Unidad de Salud de la Familia, en San Sebastián, Brasilia-DF, Brasil, cuya recolección de datos consistió en la observación del proceso de trabajo desarrollado por el equipo y grupos focales con usuarios. Los datos analizados, utilizando la técnica del Discurso del Sujeto Colectivo, demostraron que las acciones de prevención y promoción de la salud y la relación de profesionales y usuarios fueron evaluadas positivamente; y, el acceso a los servicios de salud, a los medicamentos y a los profesionales fue evaluado negativamente. Las acciones desarrolladas no garantizan la atención integral de la salud de la familia y señalan la necesidad de revisar las estrategias de organización del servicio, sobre todo las que posibiliten la participación de la comunidad para resolver sus necesidades.

atención primaria de salud; salud de la familia; satisfacción de los consumidores


ARTIGO ORIGINAL

A atenção à saúde da família sob a ótica do usuário

Helena Eri ShimizuI; Carlos RosalesII

IProfessor Adjunto da Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade de Brasília, Brasil, e-mail: shimizu@unb.br

IIAssessor Regional da Unidade de Recursos Humanos para Saúde, da Organização Panamericana de Saúde, Washington, DC, Estados Unidos, e-mail: rosalessc@paho.org

RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar a ótica do usuário sobre a atenção à saúde da família, a fim de verificar as dificuldades e potencialidades para a transformação do modelo de atenção à saúde. Trata-se de estudo de caso qualitativo, realizado em uma Unidade de Saúde da Família, a de São Sebastião, Brasília, DF, cuja coleta de dados consistiu da observação do processo de trabalho desenvolvido pela equipe e grupos focais com usuários. Os dados analisados, utilizando-se a técnica de Discurso do Sujeito Coletivo, demonstraram que as ações de prevenção e promoção da saúde e a relação profissionais-usuários foi avaliada positivamente e o acesso aos serviços de saúde, aos medicamentos e aos profissionais foram avaliados negativamente. As ações desenvolvidas não garantem a integralidade da atenção à saúde da família e apontam para a necessidade de se reverem as estratégias de organização do serviço, sobretudo aquelas que possibilitem a participação da comunidade para o alcance de suas necessidades.

Descritores: atenção primária à saúde; saúde da família; satisfação dos consumidores

INTRODUÇÃO

A Estratégia Saúde da Família (ESF) é considerada prioritária para a reorganização da AB, segundo os preceitos do Sistema Único de Saúde (SUS). Preconiza-se que ela seja desenvolvida por meio de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em equipe multiprofissional, para populações delimitadas em territórios adstritos, com utilização de tecnologias de elevada complexidade, baixa densidade e máxima resolutividade(1). Deve estar integrada a uma rede de serviços, de forma que se garanta atenção integral aos indivíduos e às famílias e que se assegure a referência e contra-referência para os diversos níveis do sistema de problemas identificados na atenção básica.

No Distrito Federal, a ESF é atualmente denominada Programa Família Saudável (PFS) e, após dez anos de implantação, apresenta alguns problemas relevantes, como ocorre em outros municípios do país. Dentre eles, apontam-se a dificuldade de acesso à assistência, a descontinuidade da atenção e a falta de integralidade no atendimento, além de outros, o que demonstra a necessidade de se analisar, com maior profundidade, a situação em que se encontra esse complexo programa(2-4).

É, portanto, imprescindível investir-se na avaliação, considerada aqui como processo de julgamento sobre as características dos serviços, e que nela se contemple a participação dos atores envolvidos, sobretudo a dos usuários que são capazes de se expressar, com maior clareza e fidedignidade, sobre a atenção recebida(2,5-9). Nessa perspectiva, a avaliação da população adscrita às equipes do PSF visa oferecer subsídios para se re-pensar as práticas profissionais e intervir sobre a forma de organização do serviço, visando ao seu aprimoramento.

Estudos dessa natureza têm permitido incorporar no processo de avaliação a dimensão subjetiva da qualidade dos serviços do PSF, no qual se inclui os estudos da satisfação do usuário(6-9). Há que se destacar, contudo, que grande parte deles tem adotado modelos considerados de abordagem funcionalista e mecanicista, desprezando questões prioritárias na avaliação dos serviços(7-9).

O reconhecimento dessas limitações, principalmente da necessidade de superar as análises que apenas mensurem a satisfação do usuário do PSF com o serviço prestado, tem proposto um processo de avaliação que contemple a investigação das mudanças comportamentais e culturais: as representações sobre o processo saúde-doença, as práticas de cuidados relevantes e as estratégias para o enfrentamento de problemas de saúde(8-9). Outro elemento importante é a análise mais aprofundada do significado da família, vista como agente social de mudança e compreendida numa perspectiva ampla.

Nesse sentido, são importantes as avaliações que permitam a real expressão da subjetividade dos usuários em relação ao serviço(7-11), conferindo-lhes voz para que possam demonstrar livremente as suas sensações e percepções sobre as diversas dimensões: as necessidades (carências referidas, demandas associadas com a saúde) cognitiva (percepção sobre o serviço), relacional (respeito, escuta, acolhida), organizacional (acesso aos serviços, medicamentos, profissionais) e profissional (qualidade ou competência)(8-9).

Assim sendo, este estudo tem a finalidade de contribuir para a reflexão sobre a inclusão da subjetividade do usuário na avaliação da qualidade dos serviços de saúde. Seu objetivo é analisar a atenção à saúde da família sob a ótica do usuário, para que se evidenciem os seus nós críticos, bem como suas potencialidades, com o propósito de aprimorá-la, visando à reordenação do modelo assistencial.

SATISFAÇÃO DO USUÁRIO: UMA BREVE REVISÃO

Desde a década de 1960, na Europa e nos EUA - e no Brasil a partir da segunda metade da década de 1990 - utiliza-se a satisfação do usuário como um dos métodos das pesquisas de avaliação em saúde(12-13). Esse método focaliza as distintas dimensões que envolvem o cuidado à saúde, desde a relação médico-paciente até a qualidade das instalações e dos profissionais de saúde.

Ressalta-se que o conceito de qualidade permitiu avançar na definição de parâmetros de mensuração da qualidade dos serviços, devido à incorporação da visão dos não-especialistas - no caso, os usuários(13). Desse modo, foram construídos vários modelos de avaliação da satisfação do usuário. A maioria tem como pressupostos as percepções do usuário em relação às suas expectativas, valores e desejos de distintas dimensões do cuidado à saúde(12-13).

Em geral, ao julgarem as características dos serviços, os usuários tomam em consideração uma ou mais combinações dos seguintes elementos: um ideal de serviço, uma noção de serviço merecido, uma média da experiência passada em situações de serviços similares e um nível subjetivo mínimo da qualidade de serviços a alcançar para ser aceitável(12-13).

A Organização Mundial da Saúde, devido à complexidade inerente ao processo de avaliação da qualidade do serviço pelo usuário, introduziu como alternativa ao conceito de satisfação, o de responsividade. Esse se propõe a analisar como as ações governamentais atendem às expectativas e demandas da população(12). Tal conceito fundamenta-se no pressuposto de que o sistema de saúde deve promover e manter a saúde da população, tratá-la com dignidade e facilitar sua participação nas decisões sobre cuidados, tratamentos e procedimentos de saúde.

Mais recentemente, com a preocupação em considerar, de fato, o lugar dos usuários nos serviços e sistemas de saúde e, sobretudo, possibilitar a expressão de sua condição de sujeito, tem sido acrescido nas metodologias de avaliação dos serviços de saúde o conceito de humanização(10-12). Seu foco é a dimensão humana, individual e ética do atendimento e a de direitos individuais e de cidadania. Essas propostas, recentes e ainda escassas, requerem que seja agregada ao processo de avaliação a dimensão sócio-cultural relacionada à atenção à saúde. É possível executá-las, principalmente, por meio de estudos qualitativos.

METODOLOGIA

Optou-se por desenvolver um estudo de caso qualitativo, porque permite a apreensão das percepções, crenças e valores dos sujeitos sobre as diversas situações vivenciadas no cotidiano do PSF. Foi escolhida uma Unidade do Programa Família Saudável (PFS) do município de São Sebastião-DF, que atendeu os critérios de inclusão estabelecidos: ter grande número de equipe urbana; estar em funcionamento há mais de seis meses e conter os membros da equipe básica (um médico, uma enfermeira, três auxiliares de enfermagem e cinco agentes de saúde).

A coleta de dados foi realizada em duas etapas: na primeira realizaram-se duas sessões de grupo focal com duração média de uma hora e meia, que contou com a presença de um coordenador e um observador, com representantes de dez famílias residentes nas cinco micro-áreas e que utilizavam o PSF, no mínimo há um ano. Esses participantes foram sorteados e apresentavam o seguinte perfil: 60% eram mulheres, 40% homens; 50% possuíam o ensino fundamental completo e 50% incompleto; 60% eram donas de casa, 30% desempregados e 10% aposentados.

As perguntas norteadoras do grupo focal foram: Fale-me como vocês percebem o PFS. Quais são as facilidades e dificuldades encontradas no atendimento realizado pelo Programa? Para análise dos depoimentos foi utilizada a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo(DSC)(14). Na primeira etapa identificaram-se, em cada uma das respostas, as expressões-chave das idéias centrais. A segunda e terceira etapas consistiram, respectivamente, em destacar e agrupar as idéias centrais. A quarta etapa consistiu em denominar cada um dos grupos formados acima e criar uma idéia central-síntese. Finalmente, na quinta etapa, construíram-se os DSC, um para cada agrupamento, abaixo apresentados.

A segunda etapa da coleta de dados consistiu na observação não-participante do processo de trabalho desenvolvido na Unidade, com registros dos dados em diário de campo, por dois pesquisadores previamente treinados.

Foram observadas: a recepção do usuário, a triagem, as consultas médicas e de enfermagem, a realização de alguns procedimentos, a visita domiciliar, as campanhas e as palestras educativas, no período de duas semanas (trinta horas), Na primeira semana, a observação durou vinte horas (manhã e tarde), e na segunda, dez horas (manhã e tarde). Cabe ressaltar que esse período foi avaliado pelos pesquisadores como suficiente porque havia permitido conhecer como era desenvolvido o processo de trabalho naquele serviço.

Vale ressaltar que essa etapa teve como propósito verificar a qualidade do atendimento, a relação dos profissionais com os usuários, o acesso ao serviço e a resolutividade dos problemas. Assim, os dados obtidos foram analisados conjuntamente com os DSC, com a finalidade de aprofundar o conhecimento da realidade, ou seja, o cotidiano do PSF.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da SES/DF e todos os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após receber esclarecimento dos objetivos, dos procedimentos metodológicos, dos riscos e benefícios do estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foi possível apreender, no DSC1, que os usuários, ao falarem sobre o PFS, destacaram, inicialmente, a representação de saúde. É importante compreender essa representação, pois ela orienta as suas atitudes e práticas em relação ao cuidado com a saúde(8-9).

A saúde está em primeiro lugar, quando a gente tem uma saúde boa, dorme bem, acorda bem, alimenta bem. Saúde é não ter dor no corpo, não sentir dor de cabeça, ter um corpo saudável, não ficar muito cansada e ficar bem pra trabalhar. Saúde é riqueza. Não é só o médico e o medicamento. A gente tem que cuidar da alimentação, assear nossa casa, nossos filhos (DSC1).

O discurso mostra que os usuários têm buscado incorporar o conceito ampliado de saúde proposto pelo SUS, como componente de qualidade de vida. Nessa perspectiva, a saúde não é compreendia apenas como ausência de doenças, que perdurou durante muito tempo, sobretudo com a finalidade de manter os corpos saudáveis e produtivos. A OMS, na tentativa de ampliar a compreensão de saúde, conceituou-a como completo bem-estar físico, mental e social, mas tem sido bastante criticada, principalmente porque não a considera como processo, composto por fatores econômicos, sociais e culturais.

Na realidade, atualmente apesar do empenho de muitos profissionais da saúde para mudar a forma como as pessoas devem cuidar da sua saúde, ainda existe uma concentração de esforços que enfatiza a produção de modelos biomédicos de patologia, com forte inspiração mecanicista ou, no máximo, sistêmica, que influenciam as práticas de saúde(15). Abordagens dessa natureza mostram-se incapazes de contribuir com os complexos processos relativos a vida, saúde, cuidado, cura e morte, que envolvem os seres humanos.

Nesse sentido, é necessário maior investimento nas ações de prevenção e promoção da saúde. Além disso, é necessário reforçar, junto à população, a noção de saúde como um direito social, a partir da utilização de todo conhecimento de tecnologias disponíveis, e que abranja a prevenção, promoção, tratamento e reabilitação(16).

Outro discurso, o DSC2, apresentado pelos usuários foi a representação de família, que é o principal objeto de trabalho da equipe do PFS.

A família é o começo da vida, sendo composta por filhos, pais e irmãos. Ela vem em primeiro lugar, simboliza tudo, eu vejo que se você tem uma família, tem amor, harmonia uns com os outros. A família é um conjunto, dá amor, carinho, atenção. Além disso, deve dar uma vida melhor. Quem socorre a gente nas horas mais difíceis é a família, ajuda na hora do aperto e da doença. É necessária comunicação uns com os outros, porque tem problemas, mas é necessário esquecer (DSC2).

A família é caracterizada pelos usuários como instituição social básica, constituída tradicionalmente por pai, mãe e filhos, e que tem a função de prover afeto, cuidado e ajuda aos seus integrantes. Contudo, percebe-se que hoje ela sofre modificações causadas por fenômenos como redução do seu tamanho, fragilização dos laços matrimoniais e multiplicação de arranjos que fogem do padrão da típica família nuclear. Isso ocorre, sobretudo, pela presença de famílias constituídas por apenas um dos pais, normalmente chefiadas por mulheres sem cônjuge. Esses fenômenos vêm suscitando questionamentos sobre a centralidade e o futuro da família nas sociedades contemporâneas, suas responsabilidades e suas funções sociais.

A inclusão da família como foco da atenção à saúde é um avanço em direção à mudança do modelo de atenção, mas requer que os profissionais a tomem de forma aprofundada e contextualizada. Há que se considerar, de partida, que a família não é algo apenas biológico, algo natural ou dado, mas um produto de formas históricas de organização entre os humanos. Além disso, existe uma multiplicidade na abordagem da família, que deve ser analisada pela equipe para que assumam referenciais que dialoguem ente si e se complementem, a fim de produzir cuidados integrais(17).

Os usuários evidenciaram, no DSC 3, suas representações sobre os profissionais da equipe do PFS:

A equipe de saúde também é da nossa família porque ajuda na hora do aperto. A da enfermagem dá remédio pra gente, cuida na hora do aperto, dá banho, leva no banheiro. Isso é muito importante. No entanto, tem Deus, tem a família e tem o médico. O médico é realmente algo criado por Deus, quando você leva na mão do médico, você realmente entrega com bastante consciência porque ele estudou para aquilo (DSC3).

Os usuários têm avaliações bastante positivas da equipe de saúde, principalmente demonstram ter vínculo afetivo, porque percebem que podem contar com a ajuda dela. A equipe de enfermagem é vista como a cuidadora. O médico é visto como um ser criado por Deus, ou seja, alguém que recebeu um dom para salvar vidas, e que possui conhecimentos para resolver os problemas de saúde.

Ressalta-se que essa representação do médico como elemento central na resolução dos problemas de saúde baseia-se no "modelo médico hegemônico". Ela pode dificultar a aceitação do conhecimento popular, imprescindível para estimular o papel das famílias no cuidado da saúde, mediante adoção de práticas que dispensem a medicalização.

O DSC 4 trata da avaliação das práticas desenvolvidas pela equipe do PFS:

A gente vem aqui quando tem problema de bronquite, para fazer exame, medir pressão, fazer prevenção. Aqui é pra curar uma gripe, um problema pequeno, porque quando tem um problema mais grave, eles te mandam para um hospital. Aquela equipe que faz visita em casa vai mais à casa das pessoas que estão precisando, a equipe sempre vai visitar quando é grave, na minha casa eles nunca foram. Quem faz as visitas são os médicos, as enfermeiras e os agentes de saúde. Ultimamente, o médico não tem ido fazer as visitas porque está com a agenda muito cheia. Mesmo assim, algumas vezes que eles tiveram lá em casa, foi muito bom, pra mim foi ótimo. A equipe também faz palestras, ela explicou, colocou filme. Eu gostei porque ela explicou bastante. Outra atividade desenvolvida foi a campanha que teve de próstata, que eu gostei muito (DSC4).

Em relação às práticas desenvolvidas na unidade, o DSC4 acima demonstra que são destinadas à resolução de problemas clínicos de saúde de baixa densidade tecnológica. Constatou-se, por meio da observação, que grande parte da agenda de trabalho da equipe é ocupada pela realização de consultas de Clínica Médica, Pré-Natal, Crescimento e Desenvolvimento, organizadas com base na demanda espontânea, mas agendadas previamente. As consultas são feitas rapidamente, com duração máxima de quinze minutos, e centradas nas queixas, com pouca oportunidade para diálogo entre usuário e profissionais. Além disso, identificou-se que existem os grupos de hipertensão e diabetes, nos quais os usuários têm oportunidade de realizar procedimentos para o controle das doenças.

As visitas domiciliares realizadas principalmente para as pessoas que necessitam de cuidados especiais foram avaliadas positivamente. Verificou-se, na observação, que os ACS realizam visitas domiciliares, identificam os problemas nas famílias e os levam para a equipe. A comunidade os recebe cordialmente e procura informá-los sobre os problemas existentes e ainda busca esclarecimentos sobre os cuidados com a saúde.

As palestras e campanhas de prevenção de doenças foram também avaliadas satisfatoriamente pelos usuários. As observações mostraram que as palestras que tratam de noções de higiene, alimentação saudável, cuidados com o ambiente e lixo, planejamento familiar e cuidados com o recém-nascido utilizam linguagem acessível, mas há pouca participação e os recursos didáticos são precários. Quanto à campanha para prevenção de doenças, observou-se que os usuários manifestaram sentimentos positivos em relação à atividade, pois percebiam como uma oportunidade para realizar um importante controle de saúde.

Os dados acima demonstram que as ações desenvolvidas visam resolver os problemas de saúde que requerem baixa densidade tecnológica, ocupam a maior parte dos profissionais, principalmente o médico, e existem atividades voltadas para atendimento de grupos e de natureza educativa, o que é de suma importância para o alcance da transformação na AB. Todavia, percebe-se que é necessário investir na qualidade dessas ações para que os usuários sintam-se efetivamente envolvidos na busca da melhoria da qualidade de sua saúde, a partir da análise de suas reais necessidades e demandas.

No DSC 5 os usuários demonstraram as deficiências da organização do programa:

Aqui no Programa Saúde da Família, a gente não consulta no mesmo dia, mas marca para ser atendido depois. Mas tem um problema, se tiver morrendo e não tiver marcado, não é atendido. A maior deficiência que tem no Programa saúde da Família é a falta de medicamento. O governo geralmente dá notas falando que tem medicamento e quando você chega à unidade não consegue o medicamento, você tenta até o último instante e acaba tendo que comprar na farmácia. Não adianta ser atendido e não ter o medicamento, o tratamento fica pela metade. Outro problema muito grande é quando chega o dia de receber o resultado do exame. O resultado do exame de sangue não fica pronto porque a máquina está quebrada, isso não pode acontecer. Além disso, a equipe de saúde do Programa não dá conta de tudo, porque é pouca gente para muito usuário e eles não têm os materiais para poderem trabalhar. É necessário um hospital para a saúde melhorar (DSC5).

Em relação à organização do programa, apontou-se que existe dificuldade de acesso ao atendimento, sobretudo devido à necessidade de enfrentar a burocracia para se conseguir ser atendido. Foi observado que, diariamente, cerca de dez pacientes deixam de ser atendidos. Vários usuários tiveram as consultas agendadas para depois de um mês, alguns se queixavam que estavam voltando pela terceira vez para tentar uma vaga. Na visita domiciliar também se percebeu um grande número de usuários pedindo uma vaga ou reclamando da demora no atendimento na unidade e de outros serviços de maior complexidade.

Outro problema apontado pelo DSC5 é a falta de acesso a medicamentos. Isso indica que o programa de assistência farmacêutica do Ministério da Saúde, cujo propósito é a promoção da integralidade, não tem atendido satisfatoriamente as necessidades da população.

Além disso, o DSC5 mostra que os usuários têm dificuldades para realizar os exames. Nesse sentido, parece que a dificuldade para resolver os problemas de saúde que requerem maior densidade tecnológica tem impulsionado os usuários a acreditar que necessitam de um hospital na região. Essa crença dificulta a valorização do PSF e, conseqüentemente, das ações de prevenção e promoção da saúde. E, por último, afirmaram ter dificuldade de acesso aos profissionais, devido à grande demanda de pessoas a serem atendidas.

Verifica-se, principalmente, que o acesso aos diversos serviços (consultas e exames) e medicamentos está prejudicado. É evidente também a necessidade de o PFS envidar esforços para o alcance da integralidade, que consiste na coordenação durável das práticas de saúde aos elementos da família (o que não foi observado na unidade), visando assegurar a continuidade e a globalidade dos serviços requeridos e de diferentes profissionais e organizações, articuladas no tempo e no espaço. Além disso, a integralidade da atenção significa, necessariamente, a integração de serviços por meio de redes assistenciais, considerando-se a interdependência dos atores e organizações, visto que nenhuma delas dispõe da totalidade dos recursos necessários para a resolução dos problemas dos usuários, em seus diversos ciclos de vida(18).

O DCS 6 trata da relação entre profissionais e usuários:

No PSF eu fui bem recebido, muito bem atendido, todos me tratam bem. Essa equipe é muito boa na questão da recepção, atendimento, carinho e atenção que tem com as pessoas. O médico é excelente, eu gosto muito dele. Eu não tenho o que reclamar e agradeço muito o atendimento (DSC6).

Os usuários evidenciaram que os profissionais da equipe são atenciosos e carinhosos, na recepção e no atendimento. Isso demonstra que foi assimilada a humanização do cuidado como elemento essencial do trabalho. Este conceito traz em seu bojo a idéia de dignidade e respeito à vida humana, enfatizando-se a dimensão ética na relação entre pacientes e profissionais de saúde(19).

No DSC7, os usuários expressam a sua percepção sobre o programa por meio da comparação entre assistência prestada pelo PFS e pelo Posto de Saúde:

Eu achei que no Programa Saúde da Família, a gente é mais bem atendido do que no posto de saúde, é muito melhor. No posto eles tratam a gente como se não fosse ninguém. As médicas têm umas que consultam a gente e nem olham pro rosto da gente, não verificam a pressão, não colocam aparelho, só escrevem lá e mandam a gente embora. Veja só, eu achei que aquilo ali é uma falta de respeito (DSC7).

Os usuários mostram que os profissionais da equipe do PFS realizam as ações de forma humanizada e cuidadosa, o que faz com que se sintam tratados com dignidade e respeito. Os dados acima sugerem que o PFS tem potencial para garantir a humanização do atendimento por meio do vínculo estabelecido entre os profissionais e usuários. A conquista deste direito é resultado do processo de construção da democracia e cidadania, garantida na Constituição de 1988, a qual estabelece que os serviços de saúde preservem a autonomia das pessoas e garantia do acesso à informação sobre sua saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados do estudo demonstram que, na ótica dos usuários, predomina a representação da saúde como ausência de doença, fundamentada no modelo biomédico de atenção à saúde. Isso evidencia a necessidade de o PFS trabalhar mais enfaticamente o conceito ampliando de saúde, o qual considera a compreensão das necessidades humanas fundamentais, biológicas, psicológicas e sociais, com foco na promoção da saúde.

Em relação às práticas de saúde desenvolvidas, verificou-se que elas se concentram na resolução de problemas clínicos que requerem baixa densidade tecnológica. As ações de prevenção e promoção da saúde, que incluem as visitas domiciliares, as palestras educativas e as campanhas de prevenção de doença, foram avaliadas positivamente pelos usuários. Considera-se que são ferramentas importantes, mas que requerem estratégias mais criativas para comprometê-los na transformação da qualidade de saúde.

O grau de satisfação dos usuários, quanto à dimensão organizacional do serviço, é bastante reduzido, sobretudo devido à dificuldade de acesso a diversos serviços, medicamentos e profissionais, essenciais para a resolução dos problemas de saúde. A atenção proporcionada é percebida como humanizada, atenciosa e respeitosa, o que demonstra a possibilidade de construção de vínculos entre profissionais e usuários, os quais são fundamentais para o cuidado das famílias.

Em suma, verifica-se que o programa tem permitido alguns avanços na atenção à saúde da família, mas é necessário redirecionar as ações a serem desenvolvidas para o alcance da transformação do modelo assistencial, com o efetivo envolvimento dos usuários para garantir as suas necessidades. Nessa perspectiva, deve-se buscar a construção da participação emancipatória no processo de gestão do programa, como base indispensável para a qualidade da ação política e técnica e uma identidade cultural comunitária, propondo-se uma abertura de horizontes para a conquista do direito à garantia de um modo de vida saudável.

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  • Family perspective on a family care program

    Helena Eri ShimizuI; Carlos RosalesII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Aceito
      10 Ago 2008
    • Recebido
      15 Ago 2007
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