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Análise da natureza da dor espiritual apresentada por pacientes terminais e o processo de sua re-significação através da intervenção relaxamento, imagens mentais e espiritualidade (RIME)

Resumos

OBJETIVO: Estudar a natureza da Dor Espiritual e sua re-significação durante a aplicação da Intervenção RIME. Sujeitos e métodos: Onze pacientes terminais (n=11), tratados em hospitais públicos, por seis profissionais treinados para aplicar a RIME. Os métodos utilizados foram o qualitativo com base na fenomenologia e o quantitativo, através do descritivo, utilizando-se o Teste Wilcoxon. RESULTADOS: Na abordagem qualitativa foram encontradas seis categorias e onze subcategorias. As categorias prevalentes foram: medo da morte por negação da gravidade do quadro clínico (n=5); medo da morte por percepção da gravidade do quadro clínico (n=5); medo do pós-morte pelo sentimento de desintegração, de inexistir, de ser afetivamente esquecido (n=5). Na análise quantitativa observou-se diferença estatisticamente significativa (p<0,0001). CONCLUSÃO: Os resultados sugeriram que a RIME promoveu qualidade de vida no processo de morrer, assim como mais serenidade e dignidade perante a morte.

espiritualidade; dor; cuidados paliativos; técnicas de relaxamento; experiências de quase morte; psicoterapia breve; terapias complementares; humanização da assistência; morte


OBJECTIVE: To understand Spiritual Pain and the new meaning it takes on using the RIME intervention. Subjects and methods: Eleven terminally ill patients (n=11), treated at public hospitals, received care from six professionals trained for RIME application. The methods used were both qualitative, through phenomenology, and quantitative, based on the descriptive method, using the Wilcoxon Test. RESULTS: In the qualitative approach, six categories and eleven subcategories were found. The prevailing categories were: fear of dying by denying the severity of the clinical condition (n=5); fear of dying by realizing the severity of the clinical condition (n=5); fear of postmortem due to disintegration or feeling of non-existence, of being affectively forgotten (n=5). In the quantitative analysis, a statistically significant difference (p<0.0001) was noted. CONCLUSION: The results suggested that RIME promoted quality of life in the dying process, as well as more serenity and dignity in the face of death.

spirituality; pain; hospice care; relaxation techniques; near-death experience; psychotherapy, brief; complementary therapies; humanization of assistance; death


OBJETIVO: Estudiar la naturaleza del Dolor Espiritual y el proceso de elaboración de un nuevo significado durante la aplicación de la Intervención RIME. Sujetos y métodos: Once pacientes terminales (n=11), tratados en hospitales públicos, por seis profesionales entrenados para aplicar la RIME. Los métodos utilizados fueron el cualitativo con base en la fenomenología y el cuantitativo, a través del descriptivo, utilizándose la Prueba Wilcoxon. RESULTADOS: En el abordaje cualitativo fueron encontradas seis categorías y once subcategorías. Las categorías que prevalecieron fueron: miedo de la muerte por negación de la gravedad del cuadro clínico (n=5); miedo de la muerte por percepción de la gravedad del cuadro clínico (n=5); miedo de la post-muerte por el sentimiento de desintegración, de dejar de existir, de ser afectivamente olvidado (n=5). En el análisis cuantitativo se observó una diferencia estadísticamente significativa (p<0,0001). CONCLUSIÓN: Los resultados sugirieron que la RIME promovió la calidad de vida en el proceso de morir, así como propició más serenidad y dignidad delante de la muerte.

espiritualidad; dolor; cuidados paliativos; técnicas de relajación; experiencias de casi muerte; psicoterapia breve; terapias complementarias; humanización de la atención


ARTIGO ORIGINAL


Análise da natureza da dor espiritual apresentada por pacientes terminais e o processo de sua re-significação através da intervenção relaxamento, imagens mentais e espiritualidade (RIME)1

Ana Catarina Araújo EliasI; Joel Sales GiglioII; Cibele Andrucioli de Mattos PimentaIII

IPsicóloga, Doutor em Ciências Médicas, Professor do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Brasil, e-mail: anacatarinaelias@uol.com.br, acatarina@fcm.unicamp.br

IIPsiquiatra, Professor Associado da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Brasil, e-mail: giglioj@uol.com.br

IIIEnfermeira, Professor Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil, e-mail: parpca@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Estudar a natureza da Dor Espiritual e sua re-significação durante a aplicação da Intervenção RIME. Sujeitos e métodos: Onze pacientes terminais (n=11), tratados em hospitais públicos, por seis profissionais treinados para aplicar a RIME. Os métodos utilizados foram o qualitativo com base na fenomenologia e o quantitativo, através do descritivo, utilizando-se o Teste Wilcoxon.

RESULTADOS: Na abordagem qualitativa foram encontradas seis categorias e onze subcategorias. As categorias prevalentes foram: medo da morte por negação da gravidade do quadro clínico (n=5); medo da morte por percepção da gravidade do quadro clínico (n=5); medo do pós-morte pelo sentimento de desintegração, de inexistir, de ser afetivamente esquecido (n=5). Na análise quantitativa observou-se diferença estatisticamente significativa (p<0,0001).

CONCLUSÃO: Os resultados sugeriram que a RIME promoveu qualidade de vida no processo de morrer, assim como mais serenidade e dignidade perante a morte.

Descritores: espiritualidade; dor; cuidados paliativos; técnicas de relaxamento; experiências de quase morte; psicoterapia breve; terapias complementares; humanização da assistência; morte

INTRODUÇÃO

Através de pesquisa(1-4) uma nova intervenção terapêutica denominada Relaxamento, Imagens Mentais e Espiritualidade (RIME), que consiste na integração das técnicas de Relaxamento Mental e Visualização de Imagens Mentais com os elementos que constituem a questão da Espiritualidade foi desenvolvida com o objetivo de re-significar a Dor Simbólica da Morte / Dor Espiritual de crianças e adolescentes(1) e de adultos(2). A continuidade do estudo(5) consistiu na operacionalização de um Curso de Capacitação sobre a RIME para profissionais da área da saúde (Fase 1), na análise da experiência dos profissionais treinados na aplicação da mesma e na análise da vivência dos pacientes na re-significação de seu sofrimento através desta intervenção (Fase 2), tema que será discutido neste artigo.

Os referencias teóricos para o desenvolvimento da RIME foram às referências sobre o significado e a dimensão da Espiritualidade(6-7), o fenômeno das Experiências de Quase Morte (E.Q.M.)(8-9), as necessidades espirituais de doentes terminais(10), os sonhos e as vivências de natureza espiritual relacionados à Fase Terminal(2,4) e o modelo desenvolvido para indução e aplicação do Relaxamento e da Visualização de Imagens Mentais(1-3).

Espiritualidade não se refere a uma determinada profissão de fé religiosa, e sim à relação transcendental da alma com a divindade e à mudança que daí resulta; ou seja, espiritualidade está relacionada a uma atitude, a uma ação interna, a uma ampliação da consciência, a um contato do indivíduo com sentimentos e pensamentos superiores e no fortalecimento, amadurecimento, que este contato pode resultar para a personalidade. Um dos caminhos possíveis para processar-se esta relação transcendental da alma com a divindade é a meditação(6).

A mediação entre o inconsciente e o consciente, entre o mundo espiritual e o mundo físico, é realizada através do mito e das imagens simbólicas porque não é possível compreender a realidade espiritual em sua forma pura com os elementos tridimensionais do mundo material, mas a realidade espiritual não deve ser considerada apenas como uma representação simbólica do mundo físico. Quando a mente explora um símbolo, ela é conduzida a idéias que estão fora do alcance da nossa razão(11).

Espiritualidade também está relacionada à vivência do "Amor Maior", que é um sentimento absoluto para o qual não há doses, é um estado de plenitude que se manifesta independente das circunstâncias. O "Amor Maior" se expressa como "Luz" porque não está vinculado aos aspectos materiais da existência e sim às virtudes universais, que se manifestam na personalidade através da ampliação da consciência sobre o sentido e a razão da vida(7).

Experiências de Quase Morte (E.Q.M.) é a expressão que classifica o grupo de pessoas que estiveram muito próximas da morte, voltaram a viver normalmente e se lembram das experiências espirituais que vivenciaram durante a E.Q.M. Os principais elementos descritos por estes pacientes são: paz e ausência de dor; sensação de flutuarem para fora do corpo; capacidade de deslocarem-se na velocidade do pensamento, para o local que desejassem; capacidade de ouvir o que os médicos e os familiares estavam falando de uma perspectiva que não teriam, se estivessem em seus corpos, deitados; visualização de um túnel ou caminho luminoso dourado e/ou azul ou visualização de bonitas pontes ou portas ornamentadas e belas, por onde atravessaram para uma outra dimensão, para o mundo espiritual; Seres de Luz que irradiam amor incondicional, amparo, conforto, proteção; entrada em lugares muito bonitos, como jardins floridos, bosques, lagos e envolvidos por uma luz muito brilhante; recapitulação da própria vida não como julgamento, mas sim como forma de compreensão do que cada um verdadeiramente é, e compreensão do verdadeiro sentido da vida, que é o aprendizado do amor incondicional e a aquisição de conhecimento, principalmente autoconhecimento; re-estruturação da personalidade através do contato com a Luz Divina(8-9).

Em estudo qualitativo(10), por meio de entrevistas semi-estruturadas, foi identificado como pacientes terminais definem espiritualidade e quais são as suas necessidades espirituais. Os pontos-chave conclusivos do estudo foram: espiritualidade se refere à busca de significado e propósito na vida e nos remete para uma dimensão transcendental; para melhorar a Qualidade de Vida de pacientes agonizantes, os profissionais da saúde devem cuidar das necessidades espirituais destes, assim como de suas necessidades físicas e psicológicas; os resultados indicaram que as necessidades espirituais dos pacientes são muito amplas, abrangem muitos aspectos de suas vidas e envolvem muito mais que religião; prover cuidados espirituais é uma responsabilidade de profissionais de saúde para que seja melhorada a Qualidade de Vida dos pacientes terminais.

Os Sonhos e as Vivências de Natureza Espiritual(2,4) foram colhidos junto aos pacientes terminais, aos seus familiares e também junto à psicóloga que atendeu diretamente os pacientes. Embora os sonhos, em sua grande maioria, sejam de natureza compensatória, em alguns casos apresentam uma outra natureza, a não compensatória, que sugere a seguinte classificação: antecipatórios, traumáticos, extra-sensoriais e proféticos.

Sonhos das pessoas próximas da morte indicam que o inconsciente prepara a consciência não para um fim definitivo, mas para uma espécie de continuação do processo vital que a consciência cotidiana não consegue sequer imaginar(11).

Dados colhidos na pesquisa(2,4) mostraram que próximo ao óbito de pacientes, no estado denominado fora de possibilidade de cura, podem ocorrer sonhos de natureza não compensatória: antecipatórios e pré-cognitivos, de natureza telepática, que refletem percepções extra-sensoriais. Durante o estudo(2,4) foram observados estes sonhos não compensatórios nos pacientes, nos seus familiares e na psicóloga que acompanhou os casos; os mesmos sugeriram à existência de uma vida espiritual pós-morte, e esta foi uma contribuição complementar para a re-significação da Dor Espiritual dos pacientes e para a elaboração do luto dos familiares.

A associação entre o Relaxamento Mental e a Visualização de Imagens Mentais proporcionou um maior contato com a realidade subjetiva interna e favoreceu mudanças de atitudes e idéias frente às experiências atuais de sofrimento(1-3).

Frente aos resultados encontrados(2), na continuidade da pesquisa(5, 12-13) foi desenvolvido um programa de treinamento para profissionais de saúde sobre a RIME e estudado a experiência destes profissionais na aplicação desta intervenção e a natureza da Dor Espiritual dos pacientes e o seu processo de re-significação.

OBJETIVO

Neste artigo será discutido a natureza da Dor Espiritual em pacientes terminais e a experiência de re-significação desta Dor, manifestada pelos doentes, durante a aplicação da Intervenção RIME.

SUJEITO E MÉTODOS

Foram atendidos onze pacientes em estado terminal de câncer, tratados em hospitais públicos das cidades de Campinas, São Paulo e Piracicaba. Os atendimentos foram realizados pelos seis profissionais de saúde (uma enfermeira, uma médica, três psicólogos e uma terapeuta alternativa voluntária), que participaram do Programa de Treinamento da RIME(5, 12-13). Estes profissionais foram selecionados por convite e eram, todos eles, experientes e/ou estudiosos na área de cuidados paliativos.

Os pacientes foram selecionados pelos profissionais treinados para aplicar a Intervenção RIME, com base na observação de que estavam vivenciando sofrimento importante no processo de morrer; estes pacientes haviam sido considerados fora de possibilidades de cura pela equipe médica responsável, exceto uma paciente, em que a RIME foi aplicada porque a enfermeira observou que ela, apesar de não estar fora de possibilidades de cura, estava evoluindo para o óbito com muito sofrimento, fato que realmente veio a ocorrer na madrugada seguinte à aplicação desta intervenção.

Os métodos utilizados foram o qualitativo e o quantitativo.

A base teórica qualitativa foi fundamentada na fenomenologia, que é definida, em geral, como um estudo do vivido e seus significados. Há vários tipos de pesquisa fenomenológica e, a utilizada neste estudo, foi a fenomenológica de tipo empírico. Os instrumentos utilizados para a coleta dos dados qualitativos foram vinte e uma entrevistas semi-estruturadas e onze questionários estruturados; a Dor Espiritual e o processo de re-significação desta Dor foram identificados de forma qualitativa pelos profissionais nos atendimentos, transcritos no questionário estruturado e analisados junto com a pesquisadora nas entrevistas de supervisão. Os resultados qualitativos foram analisados através do método Análise do Conteúdo, ramificado na Análise Temática.

A análise quantitativa teve como base o método descritivo, que procura descrever as características de um determinado fenômeno ou população para estabelecer relações entre variáveis e fatos; o instrumento utilizado foi uma escala, que é um instrumento planejado para conferir um escore numérico aos sujeitos, colocando-os em um continuum no que diz respeito a atributos mensurados, tal como uma balança utilizada para medir o peso das pessoas.

Foi escolhida a Escala Visual Analógica (EVA) com expressões faciais coloridas porque, como estavam sendo medidas questões subjetivas relacionadas à Dor Espiritual, talvez o modelo numérico fosse "frio" para avaliar estes propósitos. Faces com cor e expressões podem permitir melhor identificação para o doente expressar intensidade de medo, idéias, culpas, sentimentos e emoções. Foi observado também que talvez as faces, por terem um formato lúdico na sua apresentação, atendessem melhor ao momento do paciente terminal, que, frente as suas circunstâncias clínicas, apresenta-se, em geral, emocionalmente regredido. A escala utilizada tem seis faces coloridas que expressam desde a ausência de sofrimento até o sofrimento insuportável. A face azul (10) expressa nenhum sofrimento; a face azul esverdeado (8) expressa sofrimento leve; a face verde (6) expressa sofrimento moderado; a face amarela (4) expressa sofrimento incômodo; a face laranja (2) expressa sofrimento intenso; a face vermelha (0) expressa sofrimento insuportável.

Os profissionais apresentaram a EVA para os pacientes no início e no final de cada sessão. Para propiciar compreensões, os dados sobre o "Bem-Estar" manifestos pelos pacientes, antes e após as sessões da RIME, foram calculados através de medianas e médias por doente, e também foi calculado o número de sessões em que houve melhora de "Bem-Estar". A comparação da diferença dos escores no final e no início de cada sessão foi feita, a partir das medianas, utilizando-se o Teste de Wilcoxon.

ASPECTOS ÉTICOS

O presente artigo refere-se a uma tese de doutorado, através da qual foi desenvolvido um programa de treinamento para profissionais de saúde sobre a Intervenção Terapêutica RIME. Esta intervenção foi operacionalizada na dissertação de mestrado da autora principal e cujo projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP sob o número 194/99, homologado na I Reunião do CEP / FCM em 2000. O Projeto da tese de doutorado, a qual este artigo se refere, foi aprovado sem restrições pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, sob o número 023/2002 e homologado na VII Reunião Ordinária do CEP / FCM, em 20 de agosto de 2002.

RESULTADOS

Em relação à natureza da Dor Espiritual, analisada na abordagem qualitativa, foram encontradas seis categorias e onze subcategorias, a seguir descritas e ilustradas por alguns exemplos.

Medo da morte por negação da gravidade do quadro clínico. (n=5)

Dificuldade em aceitar o diagnóstico e os cuidados clínicos

Apego ao mundo concreto e material

Paciente: P.M. (Masculino, 76, Câncer de Próstata com Metástase e Compressão Medular, Católico, Técnico Metalúrgico). Dor Espiritual: Resistência em aceitar o estado terminal, representada pela crença de que voltaria a caminhar e a negação de que este quadro era irreversível. Re-Significação da Dor Espiritual: Nas primeiras intervenções o paciente relatou melhora de bem-estar após a aplicação da RIME. Na penúltima sessão o paciente disse não ter encontrado alívio, apesar de ter relaxado durante a sessão (observado estado REM), de ter dormido tranqüilamente após a RIME e também durante a noite. Perante a sua postura dramática durante as sessões, esperava-se que este paciente fosse a óbito com muito "choro e ranger de dentes", o que não ocorreu, ele morreu de forma silenciosa e escreveu em versos, na véspera do óbito, que aceitava morrer.

Medo da morte por percepção da gravidade do quadro clínico. (n=5)

Preocupação importante com o sofrimento físico

Expressões não verbais de tensão, medo e pavor

Exacerbação dos sintomas clínicos

Paciente: M.L.C.I. (Feminino, 57, Câncer de Mama, Católica, do Lar). Dor Espiritual: Semblante assustado, o que preocupava muito os familiares. Re-Significação da Dor Espiritual: A paciente estava com muito desconforto respiratório e os familiares perguntaram aos médicos se não havia mais nada que pudesse aliviá-la; a equipe médica respondeu que já estava sendo feito tudo o que era possível. Na tarde deste mesmo dia foi aplicada a RIME e a nora da paciente disse que havia sim, mais alguma coisa para fazer e essa "mais alguma coisa" era esta Intervenção, pois a paciente melhorou da dispnéia e suavizou seu semblante em expressão de serenidade.

Medo do pós-morte por vivências ou sonhos espirituais negativos. (n=2)

Visualização de imagens apavorantes ou muito assustadoras

Paciente: Paciente M.S.S. (Feminino, 27, Câncer de Colo Uterino com Invasão de Vértebras e Bexiga, Evangélica Quadrangular, Auxiliar de Limpeza). Dor Espiritual: Manifestado pela visualização de imagens negativas e assustadoras as quais tinha antes da aplicação da Intervenção RIME. Ela via cobras na parede, dizia que pessoas queriam matá-la, muitas coisas ruins. Re-Significação da Dor Espiritual: Após o início da aplicação da RIME a paciente começou a ver uma pessoa muito iluminada do lado dela à noite, uma presença de uma Luz muito forte e também crianças; segundo ela, a sensação era muito boa. Antes da psicóloga, que a atendia, chegar para começar a sessão, ela começava a ver crianças, ela dizia que tinha uma senhora sempre perto desta psicóloga.

Medo do pós-morte pelo sentimento de desintegração, de inexistir, de ser afetivamente esquecido. (n=5)

Estado de alerta exacerbado

Angústia de separação

Dúvidas sobre o Amor Divino

Paciente: M.A.S. (Feminino, 63, Patologia Meta Hepática (Tumor Primário Oculto), Evangélica, Auxiliar de Serviços da Secretaria da Fazenda). Dor Espiritual: Medo de fechar os olhos e dormir, como extensão ou amplificação da carência afetiva em que parecia viver.

Re-Significação da Dor Espiritual: Na 1ª sessão, M.A.S. modificou muito a sua expressão e emitia sons, como pequenos gemidos ou como cantarolasse para si própria. Ao término da sessão sentiu-se encantada com o que vivenciou na visualização; deixou claro que havia entendido como era a experiência espiritual e que depois da morte restaria vida.

Idéias e concepções negativas em relação ao sentido da vida pela ausência deste sentido e sentimento de vazio existencial. (n=4)

Experiências anteriores negativas, de ordem afetiva ou produtiva

Paciente: M.S.S. (Feminino, 27, Câncer de Colo Uterino com Invasão de Vértebras e Bexiga, Evangélica Quadrangular, Auxiliar de Limpeza). Dor Espiritual: Pessimismo pela vivência de abandono e solidão que experimentava. Re-Significação da Dor Espiritual: Após as sessões de RIME, a paciente sempre verbalizava que se sentia mais tranqüila. Sua face ficava sempre mais suave e, algumas vezes, referiu melhora da dor física. Morreu amparada pela mãe, que através da RIME, perdeu o medo de ficar no hospital.

Idéias e concepções negativas em relação à espiritualidade por experiências de abandono afetivo, projetadas nos seres espirituais. (n=2)

Dificuldade de transcendência e de confiar na espiritualidade

Paciente: E.O.G. (Feminino, 74, Carcinoma, Católica, do Lar). Dor Espiritual: Apetite voraz, apesar da impossibilidade de se alimentar. Re-Significação da Dor Espiritual: Entendimento da impossibilidade de se alimentar fisicamente, após ter se conectado, através da visualização com o túnel de Luz, simbolicamente como um alimento espiritual.

Foram calculadas as medianas e médias por doente e o número de sessões em que houve melhora de "bem estar". Observou-se diferença estatisticamente significativa (p<0,0001).

DISCUSSÃO

Em um estudo com doze sobreviventes de câncer hematológico, a Dor Espiritual foi estudada através de entrevistas semi-estruturadas e foi entendida como uma ameaça à vida do doente pela ruptura com o cotidiano normal, com os relacionamentos previstos, com a satisfação com a vida e com a perda de identidade, frente a um tratamento invasivo e agressivo; quando a desconexão é aguda e dolorosa (um fenômeno subjetivo dependendo do indivíduo), esta é experimentada, então, como 'Dor Espiritual', criando um vácuo que desafia a habilidade do indivíduo em manter um significado para sua existência(14). Observou-se que tanto neste estudo com pacientes que sobreviveram a uma doença grave, como na pesquisa com pacientes terminais, referida neste artigo, o processo para aceitação da nova situação gerada pela doença, ocasiona sofrimento existencial, e requer atenção e cuidados importantes por parte dos profissionais de saúde.

O medo da morte representado tanto pela negação, como pela percepção da gravidade do quadro clínico, e que se mostrou o aspecto prevalente da Dor Espiritual, manifesta-se na relação direta do paciente com a equipe de saúde, através da forma como o doente lida com os seus próprios sintomas, e reage aos cuidados que lhe são ministrados. Consideramos que entender as representações da Dor Espiritual é muito importante, pois muitas vezes os profissionais relacionam as atitudes dos pacientes que expressam esta Dor, à esfera pessoal, o que gera estresse profissional desnecessário, além do atendimento insatisfatório às necessidades destes doentes.

O medo do pós-morte, tanto no que se refere aos sonhos e às vivências espirituais negativas, como em relação ao sentimento de desintegração, de inexistir, de ser afetivamente esquecido, requer uma atenção especial do profissional de saúde frente à nova categoria diagnóstica intitulada 'problema religioso ou espiritual', que foi incluída na quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico das Desordens Mentais (DSM-IV); a inclusão desta nova categoria abre caminho para um novo relacionamento entre o psiquiatra e os campos da religião e da espiritualidade, o que é benéfico tanto para os profissionais de saúde mental, como para os pacientes que procuram auxílio(15).

Em ambas as pesquisas(2,5), quando as experiências espirituais negativas dos pacientes foram trabalhadas através da Intervenção RIME como vivências reais, e não como alucinações, houve melhora significativa no padrão destas vivências, aliviando-se o sofrimento. Observou-se que em relação a E.Q.M., o que motiva uma experiência desta natureza a ser negativa é a ausência da conexão psíquica do indivíduo com os aspectos transcendentais de amor e de abertura para a espiritualidade, justamente aspectos que são motivados na aplicação da RIME.

No que se refere às idéias e concepções negativas em relação ao sentido da vida, pela ausência deste sentido e sentimentos de vazio existencial, e em relação à espiritualidade por experiências de abandono afetivo projetadas nesta espiritualidade, observou-se que os procedimentos da RIME favoreceram com que os pacientes resgatassem aspectos positivos da história de suas vidas e finalizassem tarefas inacabadas; fossem estas tarefas de ordem intrapsíquica, ou da esfera das relações interpessoais.

Na análise qualitativa observou-se que os procedimentos da RIME favoreceram a re-significação da Dor Espiritual de forma personalizada, de acordo com a manifestação específica de cada doente.

Na análise quantitativa observou-se diferença estatisticamente significativa (p<0,0001), isto é, no final das sessões de RIME, os doentes relataram maior nível de Bem-Estar do que no início da sessão.

Observou-se também que a re-significação da Dor Espiritual acontece de maneira processual e, embora não exista uma regra sobre o intervalo que deve ser dado entre as sessões, alguns pacientes referiram piora de bem-estar neste intervalo, e por esta razão recomenda-se que eles sejam breves, dentro das possibilidades de atendimento ao doente. Um dos psicólogos, por exemplo, aplicou duas sessões da RIME em um mesmo dia na paciente M.S.S., o que se mostrou producente.

Em relação à idade, religião e profissão, em doentes de ambos os sexos portadores de algum tipo de câncer, os dados sócio-demográficos indicaram que a Intervenção RIME apresentou bons resultados para minimizar o sofrimento no processo de morrer de uma população diversificada.

A idade dos pacientes variou entre vinte e sete e setenta e seis anos, o que indicou a possibilidade do uso da RIME tanto para adultos jovens, como adultos na meia idade e também idosos. Também foram encontrados bons resultados com crianças e adolescentes em outro estudo(1).

As profissões dos pacientes estudados requeriam desde nível mínimo de educação até a graduação superior, o que sugeriu a possibilidade de aplicação da RIME para qualquer nível de escolaridade.

No que se refere à religião, os pacientes participantes professavam diferentes crenças religiosas como a católica, a espírita e modalidades diversas da evangélica, o que indicou à possibilidade de se trabalhar a questão da espiritualidade através da RIME, independente da religião que o paciente professe.

Profissionais de saúde não podem mais ignorar as práticas espirituais. Em uma pesquisa qualitativa(16) foi estudado como a espiritualidade permeia o processo de cuidar de si e do outro, no mundo da terapia intensiva, sob o olhar das profissionais de enfermagem. Um dos temas emergidos na pesquisa foi a espiritualidade no cuidado de si, que foi evidenciada nas práticas cotidianas que aconteciam por meio da oração, do contato íntimo com a natureza, assim como do senso de conexão com uma Força Superior, que propiciava tranqüilidade, bem-estar e fortalecimento à vida e ao trabalho destas cuidadoras no CTI. O autoconhecimento revelou-se como prática essencial no cuidado de si para também melhor cuidar do outro. Uma outra pesquisa(17) objetivou identificar a opinião dos docentes de enfermagem sobre a espiritualidade e a assistência espiritual no ensino de graduação, identificando sua presença no ensino atual e propondo aspectos para a sua abordagem junto aos alunos. Foram entrevistados 24 docentes durante o mês de novembro de 1994 e 95,8% responderam considerar o homem um ser espiritual, citando diferentes maneiras de como essa dimensão altera e influencia seu dia-a-dia; 66,6% referiram ser importante o ensino da assistência espiritual na graduação. Frente à diversidade dos conceitos e respostas ficou evidenciada a necessidade de reflexão sobre este tema.

CONCLUSÕES

A análise qualitativa e quantitativa da re-significação da Dor Espiritual dos doentes terminais sugeriu que a Intervenção RIME promoveu qualidade de vida no processo de morrer, assim como mais serenidade e dignidade perante a morte.

Foram observados como aspectos mais relevantes da Dor Espiritual o medo da morte e o medo do pós-morte.

Em relação às limitações desta pesquisa observou-se que o desenho do estudo não permitiu a utilização de grupo controle para que os resultados da RIME fossem comparados com os resultados de outras intervenções. A segunda limitação referiu-se ao tamanho da amostra, pois embora os resultados tenham sido significativos e colhidos dentro de rigorosa metodologia acadêmica, os mesmos não podem ser generalizados. Novos estudos deverão ser desenvolvidos para que estas limitações sejam trabalhadas.

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  • 1
    The research was conducted at the Faculty of Medical Sciences, State University of Campinas, Brazil;
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Recebido
      12 Ago 2007
    • Aceito
      02 Jul 2008
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