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Relação entre a qualidade de vida de mães de crianças com paralisia cerebral e a função motora dos filhos, após dez meses de reabilitação

Resumos

O objetivo deste estudo foi analisar a qualidade de vida de mães de crianças com paralisia cerebral, correlacionando-a com a evolução da função motora grossa das crianças, após dez meses de reabilitação. Trata-se de estudo observacional, longitudinal, realizado em Goiânia, Goiás, Brasil, com 100 mães e seus filhos com paralisia cerebral. A função motora das crianças foi avaliada pela Medição da Função Motora Grossa (GMFM) e a qualidade de vida das mães pelo Medical Outcomes Study 36-item Short Form Health Survey (SF-36). Após dez meses de reabilitação, as crianças obtiveram melhora significativa (p<0,001) na função motora grossa e as mães apresentaram melhora significativa (p<0,001) apenas no domínio dor. A melhora da função motora grossa das crianças com paralisia cerebral não influenciou as mudanças ocorridas na qualidade de vida das mães.

Qualidade de Vida; Mães; Cuidadores; Paralisia Cerebral; Reabilitação


This study aims to analyze the quality of life of mothers of children with cerebral palsy, correlated with the evolution of their children's gross motor function after ten months of rehabilitation. An observational, longitudinal study was carried out in Goiânia, Goiás, Brazil, involving 100 mothers and children with cerebral palsy. The children's motor function was evaluated using the Gross Motor Function Measure (GMFM) and the mothers' quality of life using the Medical Outcomes Study 36-item Short Form Health Survey (SF-36). After ten months of rehabilitation, the children's gross motor function had significantly improved (p<0.001), while the mothers only presented a significant improvement (p<0.001) in the bodily pain domain. The improvement in the motor function of children with cerebral palsy did not influence the changes in the mothers' quality of life.

Quality of Life; Mothers; Caregivers; Cerebral Palsy; Rehabilitation


El objetivo de este estudio fue analizar la calidad de vida de las madres de niños con parálisis cerebral, correlacionándola con la evolución de la función motora gruesa de los niños, después de diez meses de rehabilitación. Se trata de un estudio de observación, longitudinal, realizado en la ciudad de Goiania, estado de Goiás, en Brasil, con 100 madres y sus hijos con parálisis cerebral. La función motora de los niños fue evaluada por la Medición de la Función Motora Gruesa (GMFM) y la calidad de vida de las madres por el Medical Outcomes Study 36-item Short Form Health Survey (SF-36). Después de diez meses de rehabilitación, los niños obtuvieron una mejoría significativa (p<0,001) en la función motora y las madres presentaron una mejoría significativa (p<0,001) apenas en el dominio dolor. La mejoría de la función motora gruesa de los niños con Parálisis Cerebral no influyó en los cambios ocurridos en la calidad de vida de las madres.

Calidad de Vida; Madres; Cuidadores; Parálisis Cerebral; Rehabilitación


ARTIGO ORIGINAL

Relação entre a qualidade de vida de mães de crianças com paralisia cerebral e a função motora dos filhos, após dez meses de reabilitação

Cejane Oliveira Martins PrudenteI; Maria Alves BarbosaII; Celmo Celeno PortoIII

IFisioterapeuta, Doutoranda em Ciências da Saúde. Professor, Universidade Católica de Goiás, GO, Brasil. E-mail: cejanemp@hotmail.com

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor, Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil. E-mail: maria.malves@gmail.com

IIIMédico, Doutor em Medicina, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil. E-mail: celmo@medicina.ufg.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar a qualidade de vida de mães de crianças com paralisia cerebral, correlacionando-a com a evolução da função motora grossa das crianças, após dez meses de reabilitação. Trata-se de estudo observacional, longitudinal, realizado em Goiânia, Goiás, Brasil, com 100 mães e seus filhos com paralisia cerebral. A função motora das crianças foi avaliada pela Medição da Função Motora Grossa (GMFM) e a qualidade de vida das mães pelo Medical Outcomes Study 36-item Short Form Health Survey (SF-36). Após dez meses de reabilitação, as crianças obtiveram melhora significativa (p<0,001) na função motora grossa e as mães apresentaram melhora significativa (p<0,001) apenas no domínio dor. A melhora da função motora grossa das crianças com paralisia cerebral não influenciou as mudanças ocorridas na qualidade de vida das mães.

Descritores: Qualidade de Vida; Mães; Cuidadores; Paralisia Cerebral; Reabilitação.

Introdução

A paralisia cerebral é uma entidade clínica complexa, de alta incidência, podendo apresentar vários níveis de severidade e diversas complicações, necessitando, em muitos casos, de cuidado especial. Mudanças ocorrem na rotina familiar, podendo até mesmo haver impacto direto na vida do cuidador, em especial das mães.

Sempre foi desafio conceituar a paralisia cerebral, havendo inúmeras tentativas. Em 2007, considerando a complexidade da paralisia cerebral, foi proposto um conceito assim expresso: “Paralisia Cerebral constitui um grupo de distúrbios permanentes do desenvolvimento da postura e do movimento, ocasionando limitações nas atividades, atribuída a distúrbios não progressivos ocorridas no feto ou nos primeiros anos do desenvolvimento encefálico. As desordens motoras são frequentemente acompanhadas por distúrbio sensorial, na percepção, na cognição, na comunicação e no comportamento; além de epilepsia e problemas musculoesqueléticos secundários”(1).

Outro aspecto que não pode ser desconsiderado é o impacto da paralisia cerebral no dinamismo interno familiar, pelo fato de seus membros defrontarem com realidade diferente, a exigir novas funções. Essas repentinas mudanças geram conflitos e bruscas alterações na rotina, ficando geralmente a mãe com a maior sobrecarga(2). A maneira pela qual os pais se ajustam é crucial para o futuro bem-estar não só da criança, mas de toda a família(3).

Cada família é única e processará essa experiência de diferentes modos. Muitas famílias são fortalecidas, sendo que o filho com incapacidade torna-se um fator de união. Em outras, a situação leva à ruptura familiar(4). O cuidado dispensado a um membro da família que tem uma doença crônica pode resultar em sentimentos de sobrecarga ou tensão e até mesmo diminuir a qualidade de vida do cuidador(5).

Em 1994, a Organização Mundial de Saúde, com o objetivo de sistematizar as pesquisas sobre qualidade de vida, propôs a definição assim expressa: “é a percepção individual de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”(6). O conceito de qualidade de vida é marcado pela subjetividade, envolvendo todos os componentes essenciais da condição humana, quer seja físico, psicológico, social, cultural ou espiritual(7).

Nesta época de transição de modelo biomédico de saúde para um novo paradigma, holístico e generalista, que visa a compreensão do paciente e da repercussão da doença no contexto familiar, é necessário conhecer profundamente todos os aspectos biopsiquicossociais em que os mesmos estão inseridos. Com uma intervenção mais contextualizada, é possível a prestação de assistência de melhor qualidade aos seus membros.

Chama a atenção a escassez de estudos sobre qualidade de vida de mães de crianças com paralisia cerebral, sendo, em sua maioria, transversais, com amostras pequenas, sem distribuição homogênea segundo os níveis de comprometimento motor da criança; sendo que esse dado é importante para os profissionais que fazem parte desse processo. Conhecendo melhor todos os aspectos da vida dessas mães, os profissionais da saúde poderão atuar não só no comprometimento físico da criança, mas em toda a rotina familiar, principalmente na vida da mãe, a pessoa mais envolvida no processo de cuidar.

Assim sendo, desenhou-se este estudo com o objetivo de analisar a qualidade de vida de mães de crianças com paralisia cerebral, correlacionando-a com a evolução da função motora grossa das crianças, após dez meses de reabilitação.

Métodos

A abordagem metodológica quantitativa foi adotada para o desenvolvimento do estudo, sendo do tipo observacional e longitudinal, realizado entre agosto de 2007 e julho de 2008. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica de Goiás, sob n.1235.0.000.168-07 e o estudo obedeceu as recomendações éticas da Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, que dispõe sobre pesquisas envolvendo seres humanos(8).

Participantes

Participaram, no momento inicial, 146 mães de crianças com paralisia cerebral, assim como seus filhos, que eram atendidos no setor de fisioterapia de três instituições de Goiânia, Goiás, Brasil: Unidade Renascer da Associação Pestalozzi, Centro de Orientação, Reabilitação e Assistência ao Encefalopata (CORAE) e Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (CRER). Foram incluídas mães de crianças entre 3 e 13 anos de idade, nos 5 níveis do Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS) da paralisia cerebral.

Do total de 146 mães de crianças com paralisia cerebral que iniciaram o estudo, apenas 100 completaram dez meses de observação. Isso se deve, por diversos motivos como, por exemplo, óbito da criança, transferência de instituição, alta por faltas frequentes e desistência da mãe em continuar participando do estudo.

Instrumentos

O nível de comprometimento motor das crianças com paralisia cerebral foi baseado no GMFCS e a função motora grossa foi avaliada pela Medição da Função Motora Grossa (GMFM-88). Para analisar a qualidade de vida das mães, foi aplicado o questionário Medical Outcomes Study 36-item Short Form Health Survey (SF-36).

O GMFCS avalia a severidade do distúrbio de movimento em crianças com paralisia cerebral(9). Essa classificação permite medir as habilidades e as limitações, dando ênfase às funções de sentar e andar, graduando a paralisia cerebral em 5 níveis(10), sendo o nível I o mais leve e o V o mais grave.

O GMFM mensura as mudanças na função motora grossa de maneira quantitativa(11). Esse instrumento tem sido amplamente utilizado nas mensurações clínicas e em pesquisas científicas, mostrando-se confiável. O teste avalia a função motora em cinco dimensões: (1) deitado e rolando; (2) sentado; (3) engatinhando e ajoelhando; (4) ficando em pé e (5) andando, correndo e pulando.

O Medical Outcome Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36) é um dos questionários genéricos de avaliação de qualidade de vida mais amplamente utilizado, sendo traduzido e adaptado para a população brasileira(12). É sucinto, porém abrangente, de fácil aplicação e compreensão, com 36 itens, distribuídos em 8 domínios - capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. O questionário gera oito notas de 0 a 100, no qual zero corresponde ao pior estado de saúde e 100 ao melhor estado de saúde.

Procedimentos

As mães e crianças foram selecionadas seguindo os critérios de inclusão e exclusão citados anteriormente. O GMFCS foi aplicado para definir o nível de severidade do distúrbio de movimento das crianças com paralisia cerebral.

As mães assinaram termo de participação da pessoa como sujeito, após lerem o termo de consentimento livre e esclarecido, com as informações sobre a pesquisa. Os instrumentos (GMFM-88 e SF-36) foram aplicados inicialmente em agosto e setembro de 2007 e após dez meses de reabilitação das crianças, finalizando em junho e julho de 2008, antes de as crianças receberem férias da instituição. Optou-se por concluir a pesquisa nesse período para evitar que as férias influenciassem na qualidade de vida das mães e na função motora grossa das crianças.

Nesse período de dez meses, todas as crianças participaram de processo de reabilitação, acompanhadas por diferentes profissionais, de acordo com a necessidade de cada uma delas, incluindo fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, assistente social, psicólogo, musicoterapeuta, enfermeiro e médicos de diversas especialidades. No que se refere à fisioterapia, diferentes abordagens foram utilizadas, de acordo com a necessidade, como o conceito neuroevolutivo Bobath, a hidroterapia, a equoterapia, dentre outros. Algumas crianças sofreram intervenção cirúrgica, aplicação de toxina botulínica e fenol, dentre outros procedimentos.

Todos os instrumentos foram aplicados por seis avaliadoras previamente treinadas. O SF-36 foi aplicado mediante entrevista com as mães, sendo que, das 100 participantes, apenas 4 delas autoaplicaram os questionários.

Análise estatística

Para análise dos dados foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Science (SPSS) do Windows (versão 15.0). Para comparar os resultados, da primeira e última avaliação, da evolução da função motora das crianças, bem como de cada domínio do questionário SF-36, foi utilizado o teste de Wilcoxon, tendo em vista que os dados obtidos não tiveram uma distribuição normal. Para relacionar as alterações obtidas em cada domínio do questionário SF-36 com a evolução da função motora nas crianças com paralisia cerebral, no intervalo de dez meses, foi utilizada a análise de regressão linear. Optou-se por essa técnica estatística por se tratar de variáveis de medidas diferentes. Nessa última análise, foi utilizada tanto a melhora relativa quanto a absoluta da qualidade de vida e da função motora. Por serem semelhantes os resultados, foram apresentados em forma de tabela apenas a melhora relativa. Em todas as análises utilizou-se nível de significância de 5%.

Resultados

Em relação ao nível do GMFCS, as 100 crianças ficaram assim distribuídas: 19 do nível I, 17 do nível II, 20 do nível III, 20 do nível IV e 24 do nível V. Do ponto de vista clínico e comprometimento anatômico, havia 16 crianças com hemiplegia espástica, 1 com hemiplegia atáxica, 34 com diplegia espástica, 1 com diplegia atáxica, 2 com diplegia atetóide, 27 com quadriplegia espástica, 2 com quadriplegia atáxica, 16 com quadriplegia atetóide e 1 com quadriplegia hipotônica.

A idade das crianças variou entre 3,7 e 13 anos, com média de 7,53 anos, sendo que, dessas, 58 crianças eram do sexo masculino. Das 100 mães que participaram do estudo, somente 7 eram adotivas, e a idade delas variou de 19,5 a 61,1 anos, com média de 33,36 anos.

Na Tabela 1 verifica-se que a evolução da função motora grossa das crianças com paralisia cerebral, avaliada pelo GMFM-88, após dez meses de reabilitação, apresenta melhora estatisticamente significativa (p<0,001). A melhora da função motora em valor absoluto foi de 2,06%, mas em valor relativo foi de 13,02%.

Como se observa na Tabela 2, na qual se comparou os resultados do questionário de qualidade de vida SF-36, na primeira e última avaliação, ou seja, após dez meses de reabilitação, as mães de crianças com paralisia cerebral apresentaram diferença com significância estatística apenas no domínio dor, com melhora de 14,57 (p<0,001). Já, os domínios capacidade funcional, aspectos físicos, aspectos emocionaisl, aspectos sociais, estado geral de saúde, vitalidade e saúde mental não tiveram diferenças estatisticamente significativas. Contudo, é importante salientar que a média de todos os domínios, na primeira avaliação, foi superior a 50, e que as pontuações mais baixas foram nos domínios dor e vitalidade, sendo observado melhora estatística na última avaliação justamente no domínio dor.

Ao correlacionar as alterações obtidas, em cada domínio do questionário de qualidade de vida SF-36, com a evolução da função motora grossa nas crianças com paralisia cerebral, após dez meses, pode-se observar que não houve relação significativa em nenhum dos domínios, ou seja, a melhora da função motora grossa das crianças com paralisia cerebral, embora significativa, não influenciou na melhora do domínio dor das mães de crianças com paralisia cerebral (Tabela 3).

Discussão

Há poucos estudos na literatura que avaliam a qualidade de vida de mães de crianças com paralisia cerebral. O único estudo longitudinal encontrado teve como objetivo verificar se, após o uso de toxina botulínica em crianças com paralisia cerebral, houve melhora na qualidade de vida dos cuidadores(13). Existem fortes limitações nesse estudo, representadas por número reduzido de cuidadores, apenas 20, e o curto tempo de acompanhamento da amostra, apenas 3 meses. O instrumento de avaliação da qualidade de vida foi o mesmo utilizado no presente estudo, mas os resultados poderiam ser considerados discordantes quando se observa os percentuais de melhora na qualidade de vida das mães, em cada domínio, após os 3 meses, sendo de 5% na capacidade funcional, 10% nos aspectos físicos, 6% na dor, 9% no estado geral de saúde, 8% na vitalidade, 8% nos aspectos sociais, 23% nos aspectos emocionais e 12% nos aspectos mentais. No entanto, estatisticamente, a média de melhora não foi significante.

Dois outros estudos sobre qualidade de vida de mães de crianças com paralisia cerebral, com utilização do questionário SF-36, foram encontrados na literatura, contudo, ambos se restringiram a um corte transversal, não havendo reavaliação após período de reabilitação(14-15). Esses estudos merecem análise pela qualidade metodológica e por servirem como parâmetro de comparação com os dados encontrados na avaliação inicial das mães do presente estudo.

O primeiro estudo citado, realizado na Turquia, avaliou a qualidade de vida de 40 mães de crianças com paralisia cerebral, comparativamente com 44 mães de crianças com problemas de outra natureza, como febre, tosse ou diarreia. Os instrumentos utilizados foram o SF-36 e o GMFCS. Os resultados mostraram que, com exceção da capacidade funcional, o escore médio dos domínios do SF-36 foi significativamente menor em mães de crianças com paralisia cerebral em relação ao grupo controle. Observa-se que a média de todos os domínios do SF-36 das mães de crianças com paralisia cerebral foi superior a 50 e a pontuação mais alta foi na capacidade funcional, semelhante ao encontrado na primeira avaliação do presente estudo, mas, diferentemente, a pontuação mais baixa foi no estado geral de saúde(14).

Outro estudo, também da Turquia, investigou a qualidade de vida de 40 cuidadores primários de crianças com paralisia cerebral em comparação a 40 cuidadores primários de crianças sem paralisia cerebral. Os questionários utilizados foram o SF-36 e o GMFCS. A distribuição das crianças com paralisia cerebral, no que respeita ao nível do GMFCS, não foi homogênea, havendo mais crianças nos níveis I e V. As dimensões capacidade funcional, vitalidade, estado geral de saúde e aspectos emocionais foram significativamente menores nos cuidadores primários de crianças com paralisia cerebral em comparação ao grupo controle. Diferentemente da primeira avaliação do presente estudo, quase todas as pontuações do SF-36 no grupo de cuidadores de crianças com paralisia cerebral foram mais baixas, sendo que em 4 domínios foi inferior a 50. Já o domínio dor apresentou pontuação superior ao presente estudo. Algo semelhante foi o fato da maior pontuação ser referente à capacidade funcional(15).

Pesquisas têm relatado melhoras funcionais em crianças com paralisia cerebral submetidas a diversos tipos de abordagem(16). Após dez meses de reabilitação, as crianças com paralisia cerebral, acompanhadas neste estudo, obtiveram melhora estatisticamente significante na sua função motora grossa.

Neste estudo, a evolução da função motora grossa das crianças com paralisia cerebral não influenciou as mudanças ocorridas na qualidade de vida das mães, cumprindo ressaltar que não foi encontrado na literatura nenhum estudo que analisou a qualidade de vida das mães, após longo período de reabilitação dos filhos. A propósito, o único estudo longitudinal, encontrado sobre qualidade de vida das mães de crianças com paralisia cerebral, não relatou se houve melhora funcional das crianças após aplicação de toxina botulínica, não correlacionando, dessa forma, com a qualidade de vida dos cuidadores(13).

No que diz respeito à possível correlação entre a qualidade de vida das mães de crianças com paralisia cerebral e o nível de comprometimento motor das crianças, foram encontrados apenas três estudos transversais, com resultados conflitantes(14-15,17). Além disso, por se tratar de objetivos e metodologias diferentes, não é possível correlacionar os resultados com o presente estudo. Dois estudos observaram que o grau de limitação motora da criança não interferiu na qualidade de vida das mães de crianças com paralisia cerebral(15,17). Outro estudo encontrou resultado diferente, pois a qualidade de vida das mães teve correlação significativa com o grau de comprometimento motor das crianças nos domínios aspectos físicos, vitalidade, aspectos emocionais e saúde mental(14).

Pelo fato de a qualidade de vida ser algo muito complexo, influenciado por diversos fatores, limitações são facilmente reconhecidas neste estudo. Acredita-se que fatos ocorridos, durante esses dez meses de reabilitação, possam ter influenciado de forma positiva ou negativa a vida dessas mães como, por exemplo, uma intervenção cirúrgica na criança ou o nascimento de outro filho.

Considerações finais

Após dez meses de reabilitação das crianças com paralisia cerebral, observa-se que as mães dessas crianças tiveram melhora significativa da qualidade de vida apenas no domínio dor; as crianças com paralisia cerebral obtiveram melhora estatisticamente significante na sua função motora grossa, e a melhora da função motora grossa das crianças com paralisia cerebral não influenciou as mudanças ocorridas na qualidade de vida das mães, inclusive no domínio dor.

O cuidar não envolve somente o doente, mas todo o contexto que o circunda, onde surge a figura do cuidador como instrumento de cuidar(18). A análise dos dados obtidos neste estudo permite propor estratégias que direcionem à real necessidade das mães de crianças com paralisia cerebral, modificando as atuais condutas empregadas pelos profissionais da saúde ligados à reabilitação. Atenção especial deve ser direcionada aos aspectos vitalidade e dor das mães de crianças com paralisia cerebral, que foram as menores pontuações observadas na avaliação inicial.

O presente estudo não teve a pretensão de esgotar a temática. O foco deste estudo foi analisar o impacto da evolução da função motora da criança com paralisia cerebral na qualidade de vida das mães, mas os resultados encontrados nesta pesquisa indicam a necessidade de se investigar outros fatores, como a evolução cognitiva da criança.

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  • Corresponding Author:

    Cejane Oliveira Martins Prudente
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Aceito
      03 Set 2009
    • Recebido
      08 Abr 2009
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