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Concepções de saúde na educação em enfermagem em escolas de graduação do Brasil e Portugal

Resumos

Este artigo representa um recorte de pesquisa de doutorado a respeito das concepções de saúde, presentes em escolas de graduação em enfermagem do Brasil e de Portugal. O objetivo foi compreender como as concepções de saúde estão explícitas nos documentos dos cursos de graduação e de que forma se expressam nos discursos dos professores e estudantes de enfermagem. Para tanto, utilizou-se análise de conteúdo temática sobre a educação profissional dos enfermeiros e sobre as concepções de saúde presentes nos cursos de enfermagem. A apresentação dos resultados foi realizada através do Discurso do Sujeito Coletivo. Os resultados apontaram que, no Estado de Santa Catarina, no Brasil, as concepções de saúde seguem as Diretrizes Curriculares Nacionais e há ênfase dirigida à reflexão sobre o Sistema Único de Saúde; enquanto na cidade do Porto, em Portugal, tais concepções seguem os Planos de Estudos dos Cursos de Enfermagem e se enfatiza o cuidado de Enfermagem tanto à pessoa saudável quanto à doente. Os dados revelam, ainda, preocupação na construção do conceito de saúde centrado na pessoa.

Saúde; Enfermagem; Educação em Enfermagem


This article represents an extract of my PhD research regarding the concepts of health present in undergraduate schools of nursing of Brazil and Portugal. The objective of this research was to comprehend how the concepts of health are explicit in the documents of undergraduate courses and how they are expressed in the discourses of the nursing professors and students. For this, thematic content analysis was used to analyze the professional education of the nurses and the concepts of health present in the nursing courses. The presentation of the results was performed using the Collective Subject Discourse technique. The results showed that in the state of Santa Catarina in Brazil, the concepts of health follow the National Curriculum Guidelines and there is an emphasis directed towards reflection on the Brazilian National Health System (SUS); while in the city of Porto, in Portugal, these concepts follow the Study Plans of the Nursing courses and emphasize nursing care both for the healthy and the sick person. The data also reveal a concern in the construction of the concept of people-centered healthcare.

Health; Nursing; Education, Nursing


Este artículo representa una parte de la investigación que realicé durante el doctorado sobre las concepciones de salud presentes en escuelas de graduación en enfermería de Brasil y Portugal. El objetivo de esta investigación fue comprender como las concepciones sobre la salud están explícitas en los documentos de los cursos de graduación y de qué forma se expresan en los discursos de los profesores y estudiantes de enfermería. Para esto, utilizamos el análisis de contenido temático sobre la educación profesional de los enfermeros y sobre las concepciones de la salud presentes en los cursos de enfermería. La presentación de los resultados fue realizada a través del Discurso del Sujeto Colectivo. Los resultados apuntaron que, en el estado de Santa Catarina, en Brasil, las concepciones de salud siguen las Directrices Curriculares Nacionales y existe un énfasis dirigido a reflexionar sobre el Sistema Único de Salud; en cuanto en la ciudad de Porto, en Portugal, esas concepciones siguen los Planos de Estudios de los cursos de Enfermería y se enfatiza el cuidado de Enfermería tanto a la persona saludable como a la enferma. Los datos revelan, también, una preocupación en la construcción del concepto de salud centrado en las personas.

Salud; Enfermeria; Educación en Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Concepções de saúde na educação em enfermagem em escolas de graduação do Brasil e Portugal

Cláudia Regina Lima Duarte da SilvaI; Maria Arminda da Silva Mendes Carneiro da CostaII

IEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor, Universidade Regional de Blumenau, Departamento de Enfermagem, SC, Brasil. E-mail: duarte@furf.br

IIEnfermeira, Doutor em Ciências da Educação, Professor, Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal. Pesquisador, UnIFAI (Unidade de Investigação e Formação sobre Adultos e Idosos), Portugal. E-mail: arminda@mail.esenf.pt

Endereço para correspondência

RESUMO

Este artigo representa um recorte de pesquisa de doutorado a respeito das concepções de saúde, presentes em escolas de graduação em enfermagem do Brasil e de Portugal. O objetivo foi compreender como as concepções de saúde estão explícitas nos documentos dos cursos de graduação e de que forma se expressam nos discursos dos professores e estudantes de enfermagem. Para tanto, utilizou-se análise de conteúdo temática sobre a educação profissional dos enfermeiros e sobre as concepções de saúde presentes nos cursos de enfermagem. A apresentação dos resultados foi realizada através do Discurso do Sujeito Coletivo. Os resultados apontaram que, no Estado de Santa Catarina, no Brasil, as concepções de saúde seguem as Diretrizes Curriculares Nacionais e há ênfase dirigida à reflexão sobre o Sistema Único de Saúde; enquanto na cidade do Porto, em Portugal, tais concepções seguem os Planos de Estudos dos Cursos de Enfermagem e se enfatiza o cuidado de Enfermagem tanto à pessoa saudável quanto à doente. Os dados revelam, ainda, preocupação na construção do conceito de saúde centrado na pessoa.

Descritores: Saúde; Enfermagem; Educação em Enfermagem.

Introdução

A saúde é conceito sobre o qual não existe homogeneidade de posições. As definições acabam se tornando incompletas, pois a vida é dinâmica e o homem só se sente em boa saúde quando se percebe não apenas adaptado ao meio e às suas exigências, mas, também, capaz de seguir normas de vida(1).

A Enfermagem é uma profissão de saúde. Esse fato, por si só, já implica a necessidade de ampliar a compreensão sobre o significado do termo saúde. A saúde, como um conceito positivo, enfatiza a mobilização de recursos sociais, pessoais e capacidades físicas. É um recurso para o desenvolvimento social, econômico e pessoal, assim como importante dimensão da qualidade de vida(2). A saúde é contemplada nos projetos de felicidade das pessoas, a partir de experiências vividas e valorizadas positivamente como meios para se alcançar a felicidade(3).

Nesse sentido, homens e mulheres assumem o papel de protagonistas no que tange à promoção da saúde, uma vez que são considerados potencialmente capazes de vir a controlar os fatores que a determinam, ainda que, por vezes, o próprio conceito de saúde possa não lhes parecer claro. Possível razão para isso é o fato de se utilizarem, frequentemente, determinados conceitos de saúde, de modo abstrato, idealizado e teórico, sem que se tenha suficiente e completo entendimento e compreensão do que significam(4), tanto numa perspectiva geral (coletiva) quanto em uma perspectiva individual, isso porque "Compreender saúde na perspectiva do outro é um desafio. Ouvir o outro, permitir que este se mostre, representa mais do que um confronto de conceitos, mas a possibilidade de ampliá-los a partir da incorporação do saber contido no outro"(5).

A lacuna existente em relação à construção de concepção de saúde na Enfermagem não é um problema exclusivo dessa categoria profissional, pois, em disciplinas que constituem o chamado campo da saúde, se nota maior concentração de esforços no sentido de produzir modelos biomédicos de patologia, com inspiração mecanicista que, ao enfatizarem os níveis de análise individual, terminam por reduzir o alcance das suas contribuições(6).

Este trabalho originou-se da preocupação com a formação de enfermeiros e enfermeiras e envolveu reflexão sobre a concepção de saúde que está explícita nos documentos dos cursos de graduação e aquela que se depreende dos discursos dos professores e estudantes de Enfermagem. A pesquisa, desenvolvida parcialmente no Brasil, no Estado de Santa Catarina, e parte em Portugal, na cidade do Porto, durante período de estágio de doutorado sanduíche, com bolsa CAPES, na Escola Superior de Enfermagem do Porto, envolveu a confrontação de dados obtidos nesses dois contextos de pesquisa.

O Estado de Santa Catarina tem 95.442,9km² e 5.356.360 milhões de habitantes, ocupa área de 95.346km² e sua costa oceânica tem cerca de 450km, ou seja, aproximadamente metade da costa continental de Portugal. Nesse Estado, observa-se a preocupação de que a formação do enfermeiro e enfermeira se efetive com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais(7) para esse fim. Santa Catarina é uma das 27 unidades federativas do Brasil que desenvolve as diretrizes do Sistema Único de Saúde(8).

Portugal possui 10.945.870 milhões de habitantes e extensão territorial de 92.391km². Faz parte da União Europeia desde 1986. A União Europeia (UE) é um bloco econômico, político e social, constituído, atualmente, por 27 estados membros. Porto é a segunda maior cidade de Portugal e é considerada a capital do Norte do País. Está localizada na margem direita do rio Douro. A cidade tem cerca de 350 mil habitantes, mas a área metropolitana tem aproximadamente 1,2 milhões de habitantes.

A Escola Superior de Enfermagem do Porto é instituição pública, não integrada, de ensino superior politécnico, resultante da fusão das Escolas Superiores de Enfermagem D.Ana Guedes, Cidade do Porto e de São João, todas com sede no Porto. Criada no dia 1º de janeiro de 2007, a Escola tornou-se parte de uma história centenária, a história da Escola Superior de Enfermagem D.Ana Guedes. Recentemente, na União Europeia, o tratado de Bolonha vem exigindo a adequação da formação de profissionais de saúde ao novo modelo de organização do ensino superior. A questão central apontada pelo Tratado de Bolonha é a mudança do paradigma de ensino de um modelo passivo, baseado na aquisição de conhecimento, para um modelo baseado no desenvolvimento de competências(9).

As universidades certamente assumem papel relevante na formação dos profissionais de saúde, papel esse que é norteado por discussões presentes em seus projetos político-pedagógicos (PPP), acerca da natureza do profissional que desejam formar, para atender a que propósitos/objetivos, em relação a quem e comprometidos com o quê(10). Igualmente, marcam-se nesses projetos, assim como em outros documentos do curso de graduação, os parâmetros teórico-epistemológicos que ancoram o curso, o que inclui as concepções de saúde. Dessa forma, constituiu objetivo desta pesquisa depreender e discutir de que modo as concepções de saúde estão explícitas nos documentos dos cursos de graduação e de que forma elas se expressam nos discursos dos professores e estudantes de enfermagem do Estado de Santa Catarina e da Escola Superior de Enfermagem do Porto, em Portugal.

Outras pesquisas recentes e publicadas entre 2008 e 2009, na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde, demonstram preocupação com a discussão de concepções de saúde e com a formação do profissional que atua nessa área.

A formação do enfermeiro e da enfermeira é moldada a partir de uma relação dialética entre Educação, Saúde e Ensino. Nesse tripé, o conhecimento é imprescindível, tanto para os profissionais de saúde quanto para os da educação, compromissados com a formação de novos profissionais enfermeiros e enfermeiras(11). A enfermagem é frequentemente desafiada a buscar caminhos que respondam, de forma crítica e efetiva, às questões de saúde que estão postas na vida em sociedade(12).

O saber da enfermagem em Saúde Coletiva vem sendo impulsionado pelo aprofundamento dos referenciais teórico-metodológicos(13). As transformações tecnológicas têm proporcionado mudanças na sociedade, em seus mais diversos contextos, em especial no campo da saúde, exigindo dos seus profissionais novas competências, pensamento crítico e habilidades para a tomada de decisões(14). Este estudo contribui para reforçar as interfaces existentes entre saúde e educação em enfermagem, com vistas à construção de bases epistemológicas para o estabelecimento de visão mais positiva de saúde para a prática do enfermeiro e enfermeira em decorrência da articulação entre pensamento e ação

Passos Metodológicos

Esta pesquisa se desenvolveu com base em abordagem qualitativa, com análise de conteúdo temática(15), envolvendo a definição prévia de dois temas: concepções de saúde na educação em enfermagem e educação profissional de estudantes de enfermagem. Os dados foram organizados com a utilização do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)(16), por ser uma forma prática de coleta e descrição de dados qualitativos de natureza discursiva. Para a elaboração do Discurso do Sujeito Coletivo, partiu-se dos discursos em estado bruto, após um trabalho analítico de decomposição que consistiu, basicamente, na seleção das principais ancoragens, que são manifestações linguísticas explícitas de uma dada teoria ou ideologia, usada pelo enunciador para "enquadrar" uma situação específica e/ou ideias centrais.

A pesquisa foi realizada em oito cursos de graduação em Enfermagem em Santa Catarina – Brasil, dos 27 existentes, obedecendo a critérios de distribuição geográfica dos cursos por Mesorregiões, abrangência populacional, caráter da instituição, número de vagas oferecidas, tempo de existência dos cursos e proposta curricular. Em Portugal, o critério foi a existência de parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o momento histórico de fusão das três escolas que haviam se unificado, formando a Escola Superior de Enfermagem do Porto – Portugal, composta por três polos – São João, Cidade do Porto e D.Ana Guedes.

No total, foram entrevistados 34 sujeitos, sendo 24 no Brasil e 10 em Portugal. Dentre os sujeitos entrevistados, 11 eram coordenadores dos cursos de Enfermagem e, portanto, ocupavam função didático-pedagógica nos cursos em questão; 12 eram enfermeiros e enfermeiras docentes responsáveis por abordarem os conteúdos sobre concepções de saúde, explícitos nos planos de ensino das disciplinas ou módulos que esses desenvolvem nos cursos em que atuam e 11 eram estudantes da última fase de cada curso. Preferiu-se entrevistar estudantes em fase de conclusão de curso uma vez que esses haviam tido mais contato com os conteúdos que abordam concepções de saúde em comparação com os demais.

O discurso do Sujeito Coletivo se expressa através de um discurso emitido naquilo que se poderia chamar de primeira pessoa (coletiva) do singular. Trata-se de um eu sintático que, ao mesmo tempo em que sinaliza a presença de um sujeito individual do discurso, expressa uma referência coletiva, na medida em que esse eu fala pela ou em nome de uma coletividade(16).

A análise de conteúdo temática envolve estabelecer um processo estruturado de análise para validar ou estender conceitualmente uma teoria. Para isso, relaciona estruturas semânticas com estruturas sociológicas dos enunciados, atingindo um nível de análise mais aprofundado, o qual ultrapassa os significados manifestos. Inicialmente, o pesquisador define conceitos-chave, temas ou categorias de análise. No caso desta pesquisa, os temas dizem respeito aos conceitos de saúde que se podem depreender dos documentos dos cursos de graduação, através de pesquisa documental, e do discurso dos entrevistados. Tais temas incluíram: o ideal de enfermeiro e de enfermeira, a maneira como o conceito de saúde é abordado na formação do enfermeiro e enfermeira e vivências no caminhar para um conceito de saúde no Brasil e Portugal.

Em Santa Catarina, foram analisados os planos de curso e projetos político-pedagógicos que continham o marco conceitual e o perfil do egresso – profissional. As ementas contidas nos planos de ensino serviram para a coleta dos dados sobre as disciplinas e módulos que abordam o conceito de saúde. Na Escola Superior de Enfermagem do Porto – ESEP, foram coletadas as informações explícitas nos planos de estudo e nos guias orientadores das disciplinas e módulos. Em seguida, para a análise das concepções de saúde explícitas nos discursos dos professores e estudantes do curso de Enfermagem, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com coordenadores, enfermeiros e enfermeiras docentes e estudantes dos cursos de graduação em Enfermagem de Santa Catarina e dos cursos de licenciatura em Enfermagem dos três polos da Escola Superior de Enfermagem do Porto.

Em todas as etapas deste estudo houve a preocupação com as questões éticas, levando-se em consideração a Resolução nº196/96(17), sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Obteve-se a aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina, sob nº347/2006. Para tanto, foi apresenada a proposta de pesquisa a todos os sujeitos entrevistados, os quais leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Apresentação e análise dos dados

Uma característica da trajetória da formação em enfermagem em Santa Catarina é a descentralização dos cursos de algumas Instituições de Ensino Superior. Em Portugal, o sistema público de saúde não é evidenciado, a preocupação maior está em formar enfermeiros e enfermeiras que consigam prestar cuidados de enfermagem gerais à pessoa saudável ou doente. Os estudantes brasileiros e portugueses têm boa visibilidade curricular. Nos dois países, aparece, nas ementas das disciplinas e módulos que abordam o conceito de saúde, o contexto coletivo, comunitário, o processo saúde/doença, a saúde da família e a assistência de enfermagem nas unidades básicas de saúde. Em Portugal, o destaque é para a saúde ambiental, praticamente inexplorada no Brasil. Lá o processo de aprendizagem individual é bastante valorizado a partir do confronto com o desconhecido e a superação de desafios para o crescimento pessoal do estudante. No Brasil, a abordagem é de transformação do modelo de atenção à saúde e há insistência na reflexão sobre a realidade de saúde da população.

O ideal de enfermeiro e de enfermeira no Brasil e em Portugal

Em ambos os países deseja-se formar profissionais generalistas. Porém, a conotação do termo generalista é distinta. No Brasil, ser generalista tem relação com a formação de enfermeiros para intervir no processo saúde/doença de forma integral, como se vê no excerto abaixo, retirado dos dados de pesquisa.

Ideia central: formar enfermeiros para intervir no processo saúde/doença de forma integral (documento)

DSC 1 – Forma enfermeiros generalistas para intervir no processo saúde/doença de forma integral, atuar em todos os níveis de atenção à saúde do indivíduo e da coletividade, e que compreendam a enfermagem como arte e ciência de pessoas que convivem e cuidam de outras. Desenvolver a competência profissional através dos seguintes requisitos: autocrescimento e atitude científica; compromisso com a realidade socioeconômica-político-cultural da população. Preparar o futuro enfermeiro para o desenvolvimento de competências e habilidades no cuidar, gerenciar e pesquisar (curso 1; curso 2; curso 4; curso 7. Santa Catarina).

Na cidade do Porto, o termo generalista significa um profissional com conhecimento e capacidade de compreensão na área da enfermagem, que desenvolva o rigor científico, seja comunicativo, possua destreza técnica, tenha motivação profissional, esteja aberto ao mundo e lembre-se do papel social da profissão.

Em Portugal, a experiência prática do futuro profissional é valorizada como forma de desenvolver competências que lhe permita aprendizagem ao longo da vida, com elevado grau de autonomia. Já em Santa Catarina, a formação fortalece a expectativa de que o futuro profissional seja crítico e reflexivo e desenvolva capacidade de liderança. Também é esperado, nesse último contexto, o compromisso com a melhoria da qualidade de vida da população e com os princípios do SUS. Os estudantes brasileiros afirmam que cresceram para a vida pessoal e profissional, a partir do contato privilegiado com as pessoas, destacam o lado humano da enfermagem manifestada pela visão integral do ser humano. Portanto, o bom enfermeiro seria aquele que age, no desempeno da profissão, com profissionalismo e responsabilidade, conforme se verifica no trecho abaixo:

Ideia central: o bom enfermeiro seria aquele que sabe fazer bem as coisas com rigor, profissionalismo e responsabilidade (entrevista)

DSC 48 – Um bom enfermeiro é aquele que é capaz de estar atento ao contexto, ao clima, quer da instituição, do serviço onde trabalha, portanto, da realidade daquela pessoa que ele vai cuidar. É aquela que sabe fazer bem, ou seja, sabe cuidar do outro bem, com rigor, obviamente em termos técnicos, fazer as coisas com responsabilidade, profissionalismo, exigência para consigo próprio, para com a sua profissão, para com os outros. Paralelamente a isso, também saiba se comunicar (professor 1; professor 2; professor 4. cidade do Porto).

Por outro lado, os estudantes portugueses destacam o caráter científico e humano da profissão e a atuação comunitária. Afirmam que os enfermeiros e enfermeiras têm contato privilegiado com os doentes, o que os torna profissionais que sabem estar com o outro e gerenciar o cuidado de enfermagem à pessoa saudável ou doente.

A maneira como o conceito de saúde é abordado na formação do enfermeiro e enfermeira no Brasil e em Portugal

Em Santa Catarina, alguns conceitos de saúde utilizados nos cursos de graduação em enfermagem se fundamentam na Lei Orgânica da Saúde. Depreende-se, também, da análise dos dados, tendência à adoção de perspectiva mais holística para o conceito de saúde. A inserção desse conceito no currículo dos cursos em Santa Catarina inicia, desde a primeira fase, com a integração do conceito de saúde que o estudante já traz consigo. A forma de abordar o conceito de saúde é discutida pelos professores no PPP dos cursos de graduação, onde citam, porém, que existem dificuldades de comunicação no processo de reflexão sobre tal conceito. Existem dúvidas sobre o esmero com que os professores fazem a integração do conceito de saúde ao longo do curso. Nesses documentos (PPP), o SUS é lembrado, em Santa Catarina, quando se fala sobre a não fragmentação do conhecimento, em virtude do princípio da integralidade que norteia o seu funcionamento.

A realidade descrita nos documentos analisados durante a pesquisa mostra que facilitar o processo de elaboração da concepção de saúde parece ser de responsabilidade da área da saúde coletiva. Aparece como ideia central o fato de que a área hospitalar esquece um pouco o conceito de saúde, todavia, todos os cursos afirmam que enfocam esse conceito desde a primeira fase ou ano, sendo ele discutido nos anos seguintes de formação. Em Portugal, as concepções de saúde se originam dos planos de estudo dos cursos de licenciatura em enfermagem e nos guias orientadores das disciplinas e módulos. A análise dos dados permitiu perceber que, como fica claro no trecho mencionado abaixo e obtido durante as entrevistas, o conceito de saúde é visto numa perspectiva psicossocial.

Ideia central: o conceito de saúde é visto numa perspectiva psicossocial, mais holística (entrevista)

DSC 75 – O conceito de saúde aqui é visto muito numa perspectiva hoje, já numa perspectiva de âmbito psicossocial, numa perspectiva holística, ou seja, nós não vemos. Hoje a pessoa sentir-se doente é mais importante do que de fato só o diagnóstico da patologia. Quando uma pessoa se sente doente, ela está realmente doente ou não, pode estar, pode não ser uma doença física, com diagnóstico claro, mas há alguma coisa que não está bem com ela (coordenador 1. Cidade do Porto).

Em Portugal, considera-se complexo o conceito de saúde e afirma-se que a escola parte do modelo salutogênico. A sua inserção no currículo ocorre desde o primeiro ano do curso e os professores responsáveis por disciplinas e módulos que abordam o conceito de saúde, em sua maioria, possuem formação em saúde comunitária. Tal conceito é discutido pelos professores das unidades curriculares e depois entre coordenadores. Entretanto, existe a dúvida se todos os professores estão preocupados em fazer a integração do conceito de saúde ao longo do curso.

Vivências no caminhar para um conceito de saúde no Brasil e Portugal

Em Santa Catarina, a qualidade de vida é mencionada no discurso dos enfermeiros e enfermeiras para a realização do cuidado global às pessoas. O estudante compreende o que o professor lhe ensina, como resultado da acessibilidade e da flexibilidade, o que torna a educação mais agradável.

Ainda ocorrem momentos de frustração durante a formação quando o enfermeiro ou a enfermeira julgam não ter se saído bem na prática de cuidado, não ter correspondido à expectativa do paciente, do grupo e de cobranças no processo de formação. A necessidade de ser persistente, esforçado e ter objetivo de vida foi reforçada, considerando que as pessoas que seguem a profissão de enfermeiro são muito cobradas e sofridas.

Ideia central: ter conseguido ajudar aquela pessoa a se sentir mais feliz (entrevista)

DSC 85 - É o contacto, o contacto com os doentes, eu acho que nós aprendemos muito, as aulas sobretudo são importantes para uma formação de base, principalmente para despertar em nós um espírito crítico e refletir e permitir–nos conhecer o contexto da prática. Considero mais importante foi ter conseguido ajudar aquela família, ter conseguido ajudar aquela pessoa a se sentir mais feliz (estudante 1; estudante 2; Cidade do Porto).

Em Portugal, foi mencionada a necessidade de os enfermeiros e enfermeiras aprenderem a lidar com a morte profissionalmente. Como experiências menos agradáveis, os estudantes relatam que perceberam certa redução na visão do papel do enfermeiro e da enfermeira e salientam que a enfermagem é profissão que pretende chegar ao indivíduo. Quanto às experiências positivas, ocorridas durante as aulas e estágios, foi destaque a preocupação do docente com o ser humano e não somente com a parte técnica, pois os futuros profissionais devem ir além da dor física e compreender o contexto da pessoa. A ajuda às pessoas é vista como oportunidade de crescimento pessoal. Somado a isso, aparece a necessidade e o prazer em ajudar as pessoas a se sentirem mais felizes.

Considerações finais

Os contextos de pesquisa revelaram-se distintos, quer na sua antiguidade quer na sua inserção sociocultural. Esse fato pode se relacionar com algumas falas que enfatizam a especificidade local da construção do conceito de saúde. O contexto histórico das Instituições de Ensino Superior que oferecem cursos de graduação e de licenciatura em enfermagem nos mostra que, na cidade do Porto, a formação do enfermeiro e da enfermeira foi iniciada em 1901 para atender às necessidades de formação de pessoal para os hospitais da cidade. Em Santa Catarina, a Universidade Federal de Santa Catarina foi a primeira Instituição de nível superior a oferecer formação nessa área.

Os normativos políticos e curriculares dos contextos estudados revelaram-se diferenciadores para a abordagem do conceito de saúde, sobretudo os Projetos Político-Pedagógicos em Santa Catarina e o Tratado de Bolonha em Portugal. O perfil esperado para o enfermeiro e a enfermeira brasileiros é aquele em que o profissional seja crítico, reflexivo e desenvolva a liderança na sua área de atuação. Os enfermeiros do Porto destacam o contato privilegiado com os doentes, o fato de serem profissionais que sabem estar com o outro e gerenciar o cuidado de enfermagem geral à pessoa saudável ou doente.

A área da saúde coletiva aparece com destaque na discussão do conceito de saúde. Para os estudantes, caminhar para a construção do conceito de saúde relaciona-se à formação técnica da profissão. O contexto coletivo, comunitário, o processo saúde/doença, saúde da família e a assistência de enfermagem nas unidades básicas de saúde estão presentes nas ementas das disciplinas e módulos que abordam o conceito de saúde, tanto no Brasil como em Portugal. Em Santa Catarina, o destaque foi para o conceito de qualidade de vida e na cidade do Porto foi para a necessidade de aprender a lidar com a morte, devido ao envelhecimento populacional de Portugal.

Os marcos de referência curricular dos cursos de graduação em enfermagem do Brasil expressam concepções de saúde resultantes de documentos orientadores em nível nacional, como a Constituição da República. Os principais elementos, características e origens das concepções de saúde, encontrados nos documentos dos cursos de enfermagem de Santa Catarina, se fundamentam na Lei Orgânica da Saúde e nas Diretrizes Curriculares Nacionais. Os modos de olhar a realidade são diferenciadores na construção do conceito de saúde em ambos os contextos: no Brasil, enfatiza-se a reflexão sobre a realidade do sistema de saúde e, em Portugal, desafia-se a autoconstrução do estudante e do seu conceito de saúde.

Os dados revelam preocupação geral na construção do conceito de saúde centrado nas pessoas, mas se diferenciam: no Brasil, o Sistema Único de Saúde é enfatizado na maioria dos cursos de graduação, e, em alguns casos, aparece nos objetivos e competências específicas para a capacitação do estudante para atuar na área da saúde pública; em Portugal, o sistema público de saúde não é evidenciado com a mesma importância. A preocupação maior está em formar enfermeiros e enfermeiras para o cuidado de enfermagem geral à pessoa saudável ou doente, e o conceito de saúde é trabalhado numa perspectiva de psicossocial e mais holística, já não se considera o conceito de saúde como oposto de doença e, sim, o fato de ser muito complexo e de que a Escola parte de um modelo salutogênico.

No Brasil, a qualidade de vida está presente no discurso do enfermeiro e da enfermeira para a realização do cuidado global às pessoas. Existe a preocupação com o ser humano ao enxergar o contexto da pessoa. O estudante compreende o que o professor ensina a ele como resultado da acessibilidade, da flexibilidade, o que torna a educação agradável. A necessidade de se ter persistência, esforço e objetivo de vida foi reforçada, considerando que a profissão de enfermeiro e de enfermeira é muito cobrada e sofrida.

Nas vivências no caminhar para uma concepção de saúde em Portugal, foi citada a necessidade de enfermeiro e enfermeira aprenderem a lidar com a morte e desenvolverem autocontrole. Foi destaque a preocupação do docente com o ser humano e não com a parte técnica, devido à grandeza do primeiro face à segunda. De modo geral, os estudantes brasileiros e portugueses referem possuir boa visibilidade do curso do qual fazem parte. No Brasil, a mudança do modelo de atenção à saúde é preocupação constante, a partir de reflexões da realidade dos serviços de saúde prestados à população. Em Portugal, ocorre valorização do processo de aprendizagem individual, a partir do confronto com o desconhecido.

O desenvolvimento do estudo multicêntrico, nos contextos de Santa Catarina e do Porto, para além do enriquecimento pessoal, revelou-se útil e promissor com perspectivas de ampliação da parceria entre instituições e países. O aprofundamento dos dados remanescentes pode representar valor agregado, quer para se aprofundarem novas perspectivas do conceito de saúde, quer para o desenvolvimento de novos projetos de pesquisa.

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  • Corresponding Author:
    Cláudia Regina Lima Duarte da Silva
    Universidade Regional de Blumenau. Departamento de Enfermagem.
    Rua Antônio da Veiga, 140
    Bairro Victo Konder
    CEP: 89012-900 Blumenau, SC, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      13 Set 2009
    • Aceito
      21 Out 2010
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