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O uso do filme transparente de poliuretano no cateter venoso central de longa permanência

Resumos

O curativo é intervenção que visa a prevenção de infecção no cateter venoso central. O estudo teve como objetivo analisar a frequência de infecção, relacionada ao cateter, e toxicidade cutânea, na utilização do curativo de poliuretano no cateter de Hickman, implantado em pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoéticas alogênico. Para tal, realizou-se uma série de casos, constituída por 10 casos. O exsudato esteve presente em média por 12 dias, sendo necessário o uso do curativo de gaze estéril, com fita adesiva, por 12,9 dias (média). O curativo de poliuretano foi utilizado, em média, por 15,1 dias. A retirada precoce do cateter por infecção ocorreu em quatro casos. O maior grau de toxicidade cutânea aconteceu em um caso que utilizou o curativo de gaze e em três casos com filme. O filme transparente permitiu a visualização do sítio de saída do cateter e a troca com intervalos maiores.

Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas; Transplante de Medula Óssea; Cateterismo Venoso Central; Bandagens; Curativos Oclusivos


Dressing is an intervention aimed to prevent infection in central venous catheter. This study aimed to analyze the frequency of catheter-related infection and skin toxicity in the use of transparent film in Hickman’s catheter in patients who underwent allogeneic hematopoietic stem cell transplantation. A case series with 10 cases was carried out. Due to the presence of exudate on the average for 12 days, sterile gauze dressing was used for 12.9 days (average). Transparent film was used, on average, for 15.1 days. Catheters were precociously removed due to infection in four cases. The highest degree of skin toxicity occurred in a case that used gauze dressing and in three cases with film. The transparent film permitted visualization of the exit site of the catheter and changes with longer intervals.

Hematopoietic Stem Cell Transplantation; Bone Marrow Transplantation; Catheterization, Central Venous; Bandages; Occlusive Dressings


El curativo es una intervención que tiene por objetivo la prevención de infección en el catéter venoso central. El estudio tuvo como objetivo analizar la frecuencia de infección relacionada al catéter y la toxicidad cutánea en la utilización del curativo de poliuretano en el catéter de Hickman implantado en pacientes sometidos al trasplante de células tronco hematopoyéticas alogénicas. Para esto se realizó una serie de 10 casos. El exudado estuvo presente en promedio por 12 días, siendo necesario el uso del curativo de gasa estéril con cinta adhesiva por 12,9 días (promedio). El curativo de poliuretano fue utilizado en promedio por 15,1 días. La retirada precoz del catéter debido a surgimiento de infección ocurrió en cuatro casos. El mayor grado de toxicidad cutánea ocurrió en un caso que se utilizó el curativo de gasa y en tres casos que utilizaron la película. La película transparente permitió la visualización del sitio de salida del catéter y la realización del cambio en intervalos mayores.

Trasplante de Células Madre Hematopoyéticas; Trasplante de Médula Ósea; Cateterismo Venoso Central; Vendajes; Apósitos Oclusivos


ARTIGO ORIGINAL

O uso do filme transparente de poliuretano no cateter venoso central de longa permanência

Renata Cristina de Campos Pereira SilveiraI; Fernanda Titareli Merizio Martins BragaII; Livia Maria GarbinII; Cristina Maria GalvãoIII

IEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Doutor, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: recris@eerp.usp.br

IIEnfermeira, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: Fernanda - titareli@eerp.usp.br, Livia - liviagarbin@usp.br

IIIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: crisgalv@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O curativo é intervenção que visa a prevenção de infecção no cateter venoso central. O estudo teve como objetivo analisar a frequência de infecção, relacionada ao cateter, e toxicidade cutânea, na utilização do curativo de poliuretano no cateter de Hickman, implantado em pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoéticas alogênico. Para tal, realizou-se uma série de casos, constituída por 10 casos. O exsudato esteve presente em média por 12 dias, sendo necessário o uso do curativo de gaze estéril, com fita adesiva, por 12,9 dias (média). O curativo de poliuretano foi utilizado, em média, por 15,1 dias. A retirada precoce do cateter por infecção ocorreu em quatro casos. O maior grau de toxicidade cutânea aconteceu em um caso que utilizou o curativo de gaze e em três casos com filme. O filme transparente permitiu a visualização do sítio de saída do cateter e a troca com intervalos maiores.

Descritores: Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas; Transplante de Medula Óssea; Cateterismo Venoso Central; Bandagens; Curativos Oclusivos.

Introdução

Para a realização do transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) é necessária a implantação cirúrgica do cateter venoso central (CVC) de longa permanência, sendo o cateter de Hickman indicado para a maioria dos pacientes. Essa é a primeira ação preparatória para o TCTH, no entanto, a presença do cateter pode ocasionar complicações, dentre elas a infecção causada pela quebra da integridade cutânea do paciente, podendo levá-lo à morte(1-3).

O curativo no sítio de saída do CVC visa a redução da infecção relacionada ao cateter. No que diz respeito à cobertura, existe uma variedade de materiais utilizados como curativo no CVC. Na literatura, observa-se o relato da utilização dos seguintes materiais: gaze estéril com fita adesiva, filme transparente de poliuretano, filme transparente de poliuretano com alta permeabilidade ao vapor da transpiração e curativo de hidrocoloide(4-6).

Dentre as vantagens apontadas em relação à utilização do filme transparente de poliuretano, no curativo de cateter de longa permanência em paciente submetido ao TCTH, destaca-se a sua maior permanência, diminuindo a irritação da pele, manifestada por lesões locais, as quais causam desconforto e dor durante a troca do curativo. Além desse aspecto, há evidências que retratam satisfação maior e conforto melhor sob a ótica do paciente, redução de custos com material e da necessidade da equipe de enfermagem(7-9).

Apesar das vantagens mencionadas, na literatura há divergências em relação à efetividade do filme transparente. Alguns estudos(6,10-11) evidenciaram que não há diferença na incidência de infecção quando se compara esse tipo de curativo com o uso de gaze estéril. No entanto, outras pesquisas(4,12-13) apontaram aumento na incidência de infecção, associada ao CVC com a utilização do curativo de poliuretano.

Na literatura nacional, dois ensaios clínicos randomizados controlados avaliaram o uso do curativo de poliuretano, entretanto, em cateter venoso periférico. Em ambos os estudos, os pacientes pediátricos foram divididos em três grupos, filme transparente, gaze estéril e fita adesiva e apenas fita adesiva hipoalergênica(14-15).

Outro estudo teve como objetivo analisar a influência do tipo de curativo no tempo de permanência do cateter venoso periférico. Os resultados apontaram que o grupo que utilizou o curativo de gaze estéril e fita adesiva apresentou tempo de permanência maior do dispositivo(14). O outro estudo identificou os motivos de retirada e eventos adversos, relacionados ao uso de cateter intravenoso periférico em crianças, segundo o tipo de curativo. Nesse caso, os resultados demonstraram diferença estatisticamente significante no grupo com gaze estéril e fita adesiva na diminuição dos eventos adversos como flebite, infiltração, dobra do dispositivo e remoção acidental(15).

Cabe destacar, ainda, que os estudos descritos na literatura internacional(4-13) foram conduzidos com o apoio da indústria farmacêutica e em países de clima temperado. Assim, a proposta do presente estudo foi avaliar o uso do curativo de poliuretano no cateter de Hickman, em pacientes hospitalizados, e num país de clima tropical, quente e úmido. É inédito e suscita inquietações quanto à possibilidade da influência do clima no desempenho do tipo de curativo. Tal preocupação também foi identificada em estudos nacionais(14-15).

Frente às divergências detectadas na literatura e a escassez de pesquisas nacionais, o presente estudo foi conduzido com o propósito de desenvolver pesquisas que resultem em contribuições significativas para a prática clínica da enfermagem.

Objetivo

Analisar a frequência de infecção, relacionada ao cateter, e toxicidade cutânea, na utilização do curativo de poliuretano no sítio de saída do cateter de Hickman, implantado em pacientes submetidos ao TCTH alogênico.

Material e método

Trata-se de uma série de casos, representando opção metodológica para testar produtos ou procedimentos. Nesse delineamento não há alocação aleatória da amostra e nem formação de grupo controle, o que torna difícil isolar o efeito da intervenção investigada, porém, os resultados evidenciados podem ser confrontados com a literatura e proporcionarem evidências sobre o uso e a segurança do produto ou procedimento avaliado(16).

O estudo foi realizado em uma unidade de internação de TCTH alogênico de um hospital geral, público, do interior do Estado de São Paulo. Em relação aos critérios de inclusão, a amostra foi composta por sujeitos que estavam na faixa etária igual ou maior que 16 anos, candidatos ao TCTH alogênico aparentado, com infusão de células-tronco hematopoéticas, originadas da medula óssea e sangue periférico, e implantaram cirurgicamente o cateter de Hickman, sob condições assépticas, no centro cirúrgico.

Os sujeitos excluídos foram aqueles que verbalizaram reação adversa ao curativo de poliuretano anterior; com lesões ativas na pele, apresentaram bacteremia ou fungemia até 14 dias antes do início da coleta de dados, pois consiste no período esperado para a resolução dessas complicações, após o início da terapêutica adequada, e/ou tiveram um cateter venoso central de curta permanência implantado.

A observação diária dos sujeitos investigados e a avaliação das variáveis do estudo foram realizadas pelos seis enfermeiros que atuavam na unidade, em conjunto com um dos pesquisadores. Para tal, foi realizado o treinamento dos enfermeiros utilizando a estratégia programa de ensino.

Realizou-se, inicialmente, um pré-teste com questões de múltipla escolha, abordando os seguintes itens: técnica do procedimento de curativo do CVC, características dos diferentes tipos de coberturas, forma de aplicar e retirar o filme transparente, sinais e sintomas de infecção relacionada ao CVC e de toxicidade cutânea. Após a aplicação do pré-teste nos enfermeiros, o pesquisador responsável ministrou uma aula expositiva abordando os conteúdos contidos no pré-teste e demonstrou como utilizar o filme transparente. Ao término da aula, foi solicitado aos enfermeiros que respondessem novamente o questionário elaborado, o qual foi denominado pós-teste. Os enfermeiros que atingiram, no mínimo, 80% de acertos no pós-teste foram considerados aptos para iniciarem a coleta de dados. Cabe ressaltar que a média de acertos no pré-teste foi de 86,6% e no pós-teste foi de 92,5%, assim, observou-se que já no pré-teste todos os enfermeiros atingiram o índice estipulado.

Para a coleta de dados, foi elaborado instrumento que contemplava informações relacionadas à caracterização dos sujeitos, o regime de condicionamento, ou seja, os quimioterápicos utilizados para a aplasia da medula e se associados ou não à radioterapia, data da realização do transplante, número de curativos realizados, tipo de cobertura utilizada e sinais e sintomas relacionados à infecção, segundo as diretrizes do Centers for Disease Control and Prevention (CDC)(17) e de toxicidade cutânea.

O instrumento foi submetido à validação aparente e de conteúdo por quatro juízes (enfermeiros, dois com experiência profissional na assistência a pacientes, submetidos ao TCTH, e dois que desenvolvem atividades de ensino, pesquisa e extensão em uma universidade estadual pública). Algumas modificações relativas à forma de apresentação dos itens foram sugeridas pelos juízes e acatadas pelos pesquisadores.

A variável independente foi o curativo de poliuretano da marca OpSiteÒ, com troca programada a cada sete dias. As variáveis dependentes foram: toxicidade cutânea e infecção relacionada ao CVC. A toxicidade cutânea foi avaliada como grau 1 – presença de mácula, pápula ou eritema, assintomáticos; grau 2 – presença de mácula, pápula ou eritema, com prurido ou outros sintomas associados localizados; grau 3 – presença de mácula, pápula ou vesícula, ultrapassando as bordas do curativo, e grau 4 – presença de dermatite esfoliativa ou ulcerativa(8). A infecção relacionada ao cateter venoso central foi dividida em infecção do sítio de saída, infecção do túnel e infecção da corrente sanguínea, relacionada ao cateter que deve ser confirmada por resultado de hemocultura, conforme classificação do CDC(17).

A coleta de dados foi realizada no período de agosto de 2007 a julho de 2008. A aplicação do curativo foi executada pelos enfermeiros e pelo pesquisador responsável e da seguinte forma: após a implantação do cateter de Hickman, todos os pacientes utilizaram o curativo de gaze estéril, fixado com uma fita adesiva fina até que cessasse o exsudato, a antissepsia da pele foi realizada em três movimentos firmes no sentido horário, com gazes estéreis embebidas em clorexidina alcoólica a 0,5%. Na presença de exsudato, a cobertura utilizada foi gaze estéril fixada com uma fita adesiva fina, trocada diariamente e, na ausência do exsudato, a cobertura utilizada foi o filme transparente de poliuretano (OpSite® IV 3000), com troca programada a cada 7 dias. A presença de exsudato, após o implante, deve-se ao processo de cicatrização da ferida cirúrgica que se inicia com fase inflamatória, ou exsudativa, que dura de quatro a seis dias. O acúmulo do exsudato abaixo do curativo é preocupante, devido ao risco de proliferação local de microrganismos(18).

Os sinais e sintomas de toxicidade cutânea foram avaliados diariamente no local de adesão do curativo, pelos enfermeiros treinados, e, quando diferiam do dia anterior, os dados eram confirmados pela observação do pesquisador responsável. Os sinais e sintomas de infecção relacionada ao CVC foram observados diariamente pelos enfermeiros treinados. O pesquisador responsável consultou diariamente os resultados laboratoriais de hemogramas, hemoculturas e culturas de pele no prontuário do paciente e os dados registrados pelos enfermeiros no instrumento de coleta de dados, durante a avaliação clínica diária, para a classificação do tipo de infecção relacionada ao cateter.

A análise dos dados foi realizada na forma descritiva e segundo medidas estatísticas tais como média aritmética, desvio padrão, mediana, valores mínimo e máximo.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, em 28 de fevereiro de 2007 (Protocolo nº14222/2006). Todos os participantes do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, após o pesquisador fornecer informações quanto ao objetivo da pesquisa, ressaltando que esses poderiam, a qualquer momento, desistir do estudo, sem nenhum tipo de risco ou prejuízo.

Resultados

A amostra foi constituída por 10 sujeitos, sendo seis (60%) do sexo feminino. A idade média foi de 41,9 anos, variando de 16 a 57 anos. Em relação à patologia de base, quatro pacientes tinham leucemia, três síndrome mielodisplásica, dois anemia aplástica grave e um síndrome de Blackfan-Diamond. Durante a internação, ocorreram três (30%) óbitos. O tempo transcorrido entre o diagnóstico e a realização do TCTH apresentou mediana de oito meses, sendo o mínimo dois e o máximo 504 meses. O regime de condicionamento fludarabina e bussulfano foi empregado em cinco casos, sendo que, em sete casos, foi utilizada a droga bussulfano.

Na Tabela 1, observa-se que a avaliação do CVC foi realizada em período que variou de 12 a 39 dias, sendo que a média foi de 28 dias, totalizando 280 observações. O exsudato esteve presente, em média, por 12 dias, o que acarretou a necessidade de utilização do curativo de gaze estéril com fita adesiva, por 12,9 dias (média). O curativo de poliuretano foi utilizado, em média, por 15,1 dias. O tempo entre o implante cirúrgico do CVC e o início do regime de condicionamento variou de 12 a 192 horas, sendo a média de 51,8 horas, ou seja, o regime de condicionamento foi iniciado, em média, dois dias após o implante.

A troca adicional do curativo de gaze estéril com fita adesiva foi necessária uma vez; entretanto, no curativo de poliuretano, a troca adicional ocorreu 15 vezes (Tabela 2). A média de troca adicional no curativo de gaze estéril com fita adesiva foi de 0,1 vez e, no poliuretano, foi de 1,5 vez. Em três casos não foi necessária a troca adicional do curativo de poliuretano. Assim, apesar da necessidade de troca adicional em sete casos, quando comparada à troca diária do curativo de gaze, o tempo de permanência do filme foi maior.

Quanto à toxicidade cutânea, detectou-se que foi mais frequente durante a utilização do filme transparente de poliuretano, sendo que três casos apresentaram o grau 4. Em contrapartida, apenas um caso desenvolveu grau 4 de toxidade cutânea, durante a utilização do curativo de gaze estéril com fita adesiva.

Na Tabela 3, a presença do eritema ≤2cm no sítio de saída do CVC mostrou média de 13,5 dias, sendo ausente em dois casos; quatro casos apresentaram eritema ≤2cm antes da aplicação do filme transparente de poliuretano e cinco apresentaram no dia ou após a aplicação do curativo de poliuretano. Quanto às características edema e dor, a ocorrência dessas é reduzida e estavam presentes nos dois primeiros dias do pós-operatório, excetuando um caso onde houve persistência dessas características desde o pós-operatório imediato até a retirada do CVC, por infecção do túnel subcutâneo. O calor foi uma característica observada em dois casos, sendo que ambos desenvolveram infecção relacionada ao CVC.

Ainda, aponta-se, na Tabela 3, que o período médio de neutropenia foi de 22,7 dias e quatro casos desenvolveram a infecção relacionada ao cateter (infecção do sítio de saída, infecção do túnel subcutâneo e infecção de corrente sanguínea). Dentre esses casos, a média de permanência do CVC foi de 20,2 dias.

Discussão

O TCTH alogênico implica em maior risco de infecção, devido ao rompimento da integridade cutânea, decorrente do implante do CVC, presença de neutropenia prolongada, devido às altas doses de quimioterapia, uso de imunossupressores na profilaxia da doença do enxerto contra o hospedeiro, além da necessidade de permanência longa do cateter(19-20).

No presente estudo, o início do regime de condicionamento ocorreu, em média, dois dias após o implante do cateter, apesar de um estudo indicar que os agentes quimioterápicos não devem ser administrados até, pelo menos, cinco a sete dias após a cirurgia para evitar comprometimento dos eventos iniciais de cicatrização(18). Portanto, devido ao fato de os pacientes não apresentarem função adequada de plaquetas, em decorrência da patologia de base, e serem submetidos à quimioterapia com agente inibidor de fibroblasto, manteve-se exsudação da ferida por período prolongado, demonstrando o comprometimento da cicatrização e diminuindo a efetividade da tunelização, que é a formação de fibrose ao redor do cuff do cateter que permite o controle da ascensão de microrganismos.

A presença prolongada de exsudato indica a necessidade da utilização do curativo de gaze estéril com fita adesiva, pois o acúmulo de secreção, abaixo do curativo de poliuretano, acarreta frequentes trocas adicionais, devido ao risco de proliferação local de microrganismos. Em um caso foi observado que a presença de exsudato obrigou a troca diária do curativo de poliuretano, o que gerou lesões ulceradas em toda a superfície de adesão.

A troca adicional do curativo de poliuretano ocorreu em sete casos, devido à presença de sujidade ou descolamento da cobertura. Dessa forma, o curativo de poliuretano necessitou de troca adicional, prejudicando a permanência proposta no estudo (no mínimo sete dias). Esses dados não corroboram os resultados evidenciados na literatura, a qual recomenda a permanência do filme transparente de poliuretano por período superior a sete dias(7-8).

O maior grau de toxicidade cutânea (grau 4) foi observado em três casos no uso do curativo de poliuretano, em contrapartida, apenas um caso ocorreu no curativo com gaze estéril com fita adesiva. Cabe ressaltar que as lesões acometeram principalmente o local de adesão das bordas do curativo.

Na literatura, os estudos que avaliaram a toxidade cutânea, relacionada à adesão do curativo de poliuretano em pacientes submetidos ao TCTH, apresentaram resultados controversos. Em uma pesquisa com delineamento experimental, tipo ensaio clínico, os resultados evidenciaram diferença estatisticamente significante, sendo a toxidade cutânea menor no grupo com intervalo de troca a cada dois dias quando comparado ao grupo no qual a troca ocorreu a cada cinco dias(7). Por outro lado, estudo que avaliou 112 pacientes demonstrou diferença estatisticamente significante na redução da toxicidade da pele, para o grupo com troca do curativo em intervalos maiores (estudo com o mesmo delineamento de pesquisa daquele mencionado anteriormente). Dentre os 32 pacientes que apresentaram toxidade cutânea grau ≥2, oito pertenciam ao grupo que realizava a troca do curativo a cada 15 dias e 24 eram do grupo com troca a cada quatro dias(8).

Em um estudo com indivíduos sadios, onde houve a simulação de repetidas aplicações e retiradas de fita adesiva para curativo, ou fixação de cateteres intravasculares sobre a pele íntegra, os resultados demonstraram alterações na epiderme acarretando irritação, além de muitos pontos de ruptura do extrato córneo(21).

Além desse aspecto, o paciente submetido ao TCTH recebe altas doses de agentes quimioterápicos que impedem, na maioria das vezes, a divisão celular para reparo tecidual. O bussulfano é agente associado à toxicidade dermatológica sistêmica, predispondo a alterações como dermatite, eritema, secura e fragilidade cutânea, contribuindo para o aparecimento de toxicidade cutânea no local de adesão do curativo(8). No presente estudo, essa droga foi utilizada em sete casos, sendo que, em cinco, os pacientes apresentaram algum grau de toxidade cutânea.

O calor local está relacionado à presença de processo inflamatório, sendo esse um dado objetivo, obtido na palpação do sítio de saída e túnel subcutâneo. O curativo de poliuretano impede essa observação, funcionando como barreira térmica isolante, não deixando o avaliador sentir diferenças na temperatura local.

O eritema no sítio é característica atribuída à infecção do sítio de saída, segundo os critérios de infecção relacionados ao CVC, preconizados nas diretrizes do CDC(17), para prevenção da infecção de cateteres intravasculares. No presente estudo, um fato que pode apontar essa infecção local foi a retirada precoce de quatro cateteres, sendo que o motivo foi a infecção relacionada ao CVC.

O período posterior ao implante do CVC pode ser de risco, devido ao trauma da pele no procedimento e ao retardo na cicatrização dos pacientes submetidos ao TCTH, demonstrando a importância dos cuidados no sítio de saída do cateter para a prevenção e o controle de infecção como o tipo de curativo(22-23). Dado preocupante foi o aparecimento do eritema ≤2cm no dia ou após a aplicação do curativo de poliuretano em cinco casos.

Em quatro casos avaliados, o CVC foi retirado precocemente, devido à presença de infecção relacionada ao cateter intravascular (D+4 - quatro dias após a infusão das células-tronco hematopoéticas, D+6 – seis dias após a infusão das células-tronco hematopoéticas, D+15 - 15 dias após a infusão das células-tronco hematopoéticas e D+20 – 20 dias após a infusão das células-tronco hematopoéticas), sendo duas infecções do sítio de saída, uma do túnel subcutâneo e uma da corrente sanguínea, relacionada ao cateter. O aparecimento da infecção ocasionou média de permanência do CVC de 20,2 dias, onde a menor permanência foi de 12 e a maior de 27 dias.

Em contrapartida, em estudo retrospectivo identificou-se que a infecção relacionada ao cateter de Hickman ocorreu em 10 pacientes (9,1%) submetidos ao TCTH alogênico e, em média, 32 dias após o implante (D+31 – 31 dias, após a infusão das células-tronco hematopoéticas). No estudo, destaca-se que a infecção relacionada ao cateter de Hickman foi definida como presença de eritema, edema, dor e/ou secreção purulenta no sítio de saída e/ou no túnel subcutâneo, associado à febre(22). Ainda, a pesquisa indicou que o tempo para a enxertia mieloide (confirmada pela contagem absoluta de neutrófilos superior a 500 células/mm3, por três dias seguidos) foi identificado como único fator de risco para a infecção do cateter de Hickman, sendo a média de 18 dias para a enxertia.

No presente estudo, seis casos foram admitidos com o quadro de neutropenia (contagem absoluta de granulócitos ≤1000 células/mm3, sem tendência ao aumento) antes do início do regime de condicionamento, o que prolongou o período de neutropenia, sendo a média de 22,7 dias. Dentre os quatro casos que desenvolveram infecção relacionada ao CVC, três foram admitidos com quadro de neutropenia.

Na literatura, a recomendação para o uso do curativo de poliuretano apoia-se nos seguintes aspectos: redução da manipulação do sítio de saída, do custo e do tempo de enfermagem, além de promover o conforto do paciente sem aumentar o risco para infecção relacionada ao cateter intravascular(6,10-11). Entretanto, os resultados dessas pesquisas são divergentes, dificultando a tomada de decisão na prática clínica.

Nessa direção, observa-se um estudo que avaliou três diferentes tipos de curativos no CVC de curta permanência, gaze estéril com fita adesiva, filme transparente de poliuretano e filme transparente de poliuretano com alta permeabilidade ao vapor da transpiração, na incidência de infecção de corrente sanguínea, relacionada ao cateter intravascular. Os resultados apontaram diferença estatisticamente significante na redução da infecção relacionada ao CVC com o filme transparente de poliuretano de alta permeabilidade ao vapor da transpiração, trocado a cada 72 horas(24).

Em contrapartida, em um ensaio clínico randomizado, conduzido para comparar o filme transparente de poliuretano comum e o de alta permeabilidade ao vapor da transpiração no CVC de curta duração, trocado a cada 48 horas, os resultados evidenciaram que a quantia de fluido, crescimento de microrganismo na cultura de pele e colonização da ponta do cateter foram similares entre os tipos de curativos(25).

Assim, a recomendação da utilização de filme transparente de poliuretano é controversa, principalmente por estudos que demonstraram aumento na incidência de infecção, quando o intervalo de troca foi de sete dias(12-13).

A identificação de microrganismo gram-positivo como agente causador da infecção, relacionada ao cateter de Hickman, indica que a microbiota local pode ter relação com a contaminação do CVC(22-23). Daí a importância dos cuidados com o curativo, durante o período de cicatrização e formação da fibrose ao redor do cuff, para a prevenção e controle de infecção do sítio de saída do cateter, pois parece haver relação com a contaminação do lúmen e, posteriormente, da corrente sanguínea.

Conclusões

Os resultados evidenciados nesta série de casos possibilitaram a inferência de algumas observações sobre o uso do curativo de poliuretano em pacientes submetidos ao TCTH: o implante cirúrgico do cateter de Hickman, seguido do início do regime de condicionamento, pode ter prolongado o período de cicatrização e a presença do exsudato, o que inviabilizou o uso do curativo de poliuretano, em média, nos 12 primeiros dias; o filme transparente de poliuretano permitiu a visualização constante do sítio de saída e a troca com intervalos maiores, porém, sua troca adicional pode ter contribuído para o aparecimento de toxicidade cutânea; a presença desse curativo dificultou a identificação de calor local; o aparecimento do eritema ≤2cm, sinal de infecção do sítio de saída, pode ter relação com a presença do curativo de poliuretano.

Para a avaliação da efetividade de intervenções na saúde é sabido que o padrão-ouro consiste no desenvolvimento de estudos com delineamento experimental, como, por exemplo, o ensaio clínico randomizado controlado. Entretanto, frente ao tipo de paciente investigado, acredita-se que a condução desse tipo de estudo só seria possível em um estudo multicêntrico ou em período de coleta de dados extenso. Assim, entende-se que, apesar do tipo de estudo empregado (série de casos), os resultados do presente estudo oferecem evidências que poderão contribuir para a tomada de decisão do enfermeiro na prática clínica sobre qual tipo de cobertura utilizar no curativo de CVC de longa permanência tunelizado.

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  • Corresponding Author:
    Renata Cristina de Campos Pereira Silveira
    Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto.
    Departamento de Enfermagem Geral e Especializada.
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    E-mail:
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    Article extracted from Doctoral Dissertation "Filme transparente de poliuretano: evidências para a sua utilização no curativo de cateter venoso central de longa permanência", presented to Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, WHO Collaborating Centre for Nursing Research Development, SP, Brazil. Supported by Programa de Apoio à Pós-graduação, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PROAP-CAPES).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      03 Maio 2010
    • Recebido
      01 Set 2009
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