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Adesão farmacológica ao anticoagulante oral e os fatores que influenciam na estabilidade do índice de normatização internacional

Resumos

Este é um estudo transversal, desenvolvido com o objetivo de relacionar a estabilidade do índice de normatização internacional (INR), utilizado como parâmetro para monitorar os níveis de coagulação do sangue, com adesão, idade, escolaridade, nível socioeconômico, interação com outras medicações, comorbidades, ingesta de vitamina K, tempo de anticoagulação (ACO) e custo com medicações. Incluíram-se 156 pacientes, idade média 57±13 anos, 53,8% pertencente ao sexo masculino; 61 (39,1%) tiveram alta adesão, 91 (58,3%) média e 4 (2,6%) baixa adesão ao tratamento; 117 (75%) apresentaram estabilidade do INR de até 50% e 39 (25%) > a 75%; pacientes com menor tempo de ACO apresentaram maior estabilidade; aqueles que gastavam menos com a medicação permaneciam mais estáveis e com melhor adesão. Concluiu-se que mais de 90% dos pacientes apresentaram alta e média adesão referida, e que tempo de anticoagulação e custo com a medicação foram os fatores relacionados à estabilidade da ACO.

Anticoagulantes; Coeficiente Internacional Normatizado; Monitorização Ambulatorial


Cross-sectional study developed to relate the international normalized ratio (INR), used as a parameter to monitor the levels of blood clotting, stability to adherence, age, level of education, socioeconomic level, interaction with other drugs, comorbidities, vitamin K intake, anticoagulation time and drug cost. 156 patients were included, mean age 57±13 years, (53.8%) male, 61 (39.1%) had high adherence, 91 (58.3%) medium and 4 (2.6%) low adherence to treatment, 117 (75%) had INR stability up to 50% and 39 (25%) > 75%, patients with shorter time of anticoagulation presented higher stability, those who spent less on the drug remained more stable and had better adherence. It was concluded that more than 90% of patients had high and medium adherence and that the anticoagulation time and drug cost were the factors related to the anticoagulation stability.

Anticoagulants; International Normalized Ratio; Monitoring, Ambulatory


Se trata de un estudio transversal, desarrollado con el objetivo de relacionar la estabilidad del índice de estandarización internacional (INR), utilizado como parámetro para monitorizar los niveles de coagulación de la sangre, con adhesión, edad, escolaridad, nivel socioeconómico, interacción con otras medicaciones, comorbilidad, ingesta de vitamina K, tiempo de anticoagulación (ACO) y costo con medicamentos. Se incluyeron 156 pacientes, edad promedio 57±13 años, 53,8% perteneciente al sexo masculino; 61 (39,1%) tuvieron alta adhesión, 91 (58,3%) promedio y 4 (2,6%) baja adhesión al tratamiento; 117 (75%) presentaron estabilidad del INR de hasta 50% y 39 (25%) > a 75%; los pacientes con menor tiempo de ACO presentaron mayor estabilidad; aquellos que gastaban menos con la medicación permanecían más estables y con mejor adhesión. Se concluyó que más del 90% de los pacientes presentaron adhesión alta y promedio, y que el tiempo de anticoagulación y el costo con la medicación fueron los factores relacionados a la estabilidad de la ACO.

Anticoagulantes; Relación Normalizada Internacional; Monitoreo Ambulatorio


ARTIGO ORIGINAL

IEnfermeiras, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil. Mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. E-mail: Christiane - chriswavila@yahoo.com.br, Maria Karolina - mariakarolinafeijo@gmail.com

IIEnfermeira, Mestre em Ciências Cardiovasculares, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: grazialiti@gmail.com

IIIEnfermeira, Doutor em Ciências Biológicas, Professor Adjunto, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. E-mail: eneidarabelo@gmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

Este é um estudo transversal, desenvolvido com o objetivo de relacionar a estabilidade do índice de normatização internacional (INR), utilizado como parâmetro para monitorar os níveis de coagulação do sangue, com adesão, idade, escolaridade, nível socioeconômico, interação com outras medicações, comorbidades, ingesta de vitamina K, tempo de anticoagulação (ACO) e custo com medicações. Incluíram-se 156 pacientes, idade média 57±13 anos, 53,8% pertencente ao sexo masculino; 61 (39,1%) tiveram alta adesão, 91 (58,3%) média e 4 (2,6%) baixa adesão ao tratamento; 117 (75%) apresentaram estabilidade do INR de até 50% e 39 (25%) > a 75%; pacientes com menor tempo de ACO apresentaram maior estabilidade; aqueles que gastavam menos com a medicação permaneciam mais estáveis e com melhor adesão. Concluiu-se que mais de 90% dos pacientes apresentaram alta e média adesão referida, e que tempo de anticoagulação e custo com a medicação foram os fatores relacionados à estabilidade da ACO.

Descritores: Anticoagulantes; Coeficiente Internacional Normatizado; Monitorização Ambulatorial.

Introdução

O uso da terapia anticoagulante tem aumentado significativamente nas últimas décadas devido à sua eficácia e segurança comprovadas, além de suas inúmeras indicações(1). As indicações dessa terapia incluem prevenção e tratamento da trombose venosa profunda, infarto agudo do miocárdio anterior extenso, próteses valvares e prótese biológica (nos primeiros 3 meses), fibrilação atrial, trombo intracardíaco, dentre outras(2). No entanto, a instabilidade da terapia anticoagulante tem sido problema desde a descoberta das drogas cumarínicas(3).

A estabilidade da anticoagulação (ACO) está relacionada à adesão, bem como vários outros fatores, como idade, o uso concomitante de outras drogas, comorbidades, polimorfismos genéticos e ingesta de vitamina K(4). A importância da dieta é frequentemente citada em programas educacionais para pacientes em tratamento ambulatorial de anticoagulação e vários nutrientes, especialmente a vitamina K, têm sido lembrados nas interações fármaco-nutrientes com derivados cumarínicos(3). A vitamina K é cofator essencial para a síntese de ácido carboxiglutâmico, um passo crítico na ativação de quatro fatores de coagulação (II, VII, IX e X) e proteínas C e S(5). Embora o impacto da ingesta de vitamina K dietética, na anticoagulação oral a longo prazo, seja reconhecida há 30 anos(6); estudos recentes sugerem que essa interação é clinicamente relevante e pode ser fator importante e independente que interfere na estabilidade da anticoagulação(7).

O custo da medicação também deve ser considerado como uma das causas que interferem na adesão ao tratamento. Esse fator é, sem dúvida, um grande entrave para a adesão e, portanto, deve ser contextualizado, principalmente nos países em desenvolvimento, onde o acesso aos medicamentos é muitas vezes restrito(8).

Diversos estudos têm sido conduzidos com o objetivo de avaliar o conhecimento dos pacientes sobre o tratamento com anticoagulante oral, seus efeitos e as suas complicações(9-10). Nesse contexto, dados de um artigo de revisão identificou oito instrumentos descritos na literatura. No entanto, os autores enfatizam que há pouca evidência para a seleção de um instrumento específico que possa, realmente, avaliar o conhecimento dos pacientes e suas implicações terapêuticas, e que cada país deve validar seu próprio instrumento adaptado à sua cultura e, dessa forma, avaliar também esse fator como determinante para a adesão e a estabilidade da ACO(11).

Estudos recentes, comparando pacientes acompanhados em clínicas especializadas de anticoagulação e sob a educação sistemática sobre a terapia anticoagulante, mostraram melhor controle da razão normalizada internacional (INR), dentro da faixa terapêutica(12-13). Nesse contexto, estudo transversal, que incluiu 52 pacientes, comparou os efeitos da educação sobre o conhecimento, adesão e qualidade de vida em duas clínicas de ACO, e demonstou que o controle da ACO está associado à adesão adequada e não está relacionado às variáveis demográficas, conhecimento sobre a terapêutica utilizada ou à percepção da qualidade de vida(14).

A investigação de fatores como idade, adesão, nível de escolaridade, nível socioeconômico, interação com outras drogas, comorbidades, o consumo de vitamina K, o tempo de anticoagulação, o custo da droga e a estabilidade INR permanecem pouco explorados na literatura.

Considerando o grande número de pacientes com indicações precisas de anticoagulação oral e que, mesmo em acompanhamento ambulatorial, não atingem níveis terapêuticos de INR, é essencial identificar os fatores que podem estar relacionados à adesão e, portanto, à instabilidade da anticoagulação.

Objetivo

Este estudo teve como objetivo avaliar os fatores que podem interferir na adesão ao tratamento e na estabilidade do INR.

Métodos

Realizou-se estudo transversal contemporâneo, desenvolvido em um ambulatório de ACO de um hospital público e universitário no Sul do Brasil, de agosto de 2007 a janeiro de 2008. O estudo incluiu, consecutivamente, através de uma amostra de conveniência, pacientes anticoagulados cronicamente por qualquer indicação clínica, de ambos os sexos e >18 anos de idade, em uso de warfarina 5mg ou marcoumar 3mg. O estudo excluiu os pacientes com déficit cognitivo ou sequelas neurológicas que pudessem interferir no preenchimento do instrumento. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da instituição sob Protocolo nº07334. Os pacientes que concordaram em participar do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Foi aplicada a escala de adesão de Morisky, composta por quatro questões do tipo Likert, com pontuação que varia de zero (alta adesão) a quatro (baixa adesão). O paciente foi classificado no grupo de alto nível de adesão quando as respostas a todas as perguntas foram negativas e no grupo de médio nível de adesão quando uma ou duas respostas foram afirmativas. No entanto, com três ou quatro respostas afirmativas, o paciente era classificado no grupo de baixo nível de adesão(15).

Essa escala tem sido utilizada no Brasil em diferentes cenários. Recentemente, foi utilizada em pacientes hipertensos para avaliar a adesão à medicação, ao tratamento não farmacológico(16) e, também, em pacientes em anticoagulação oral crônica(17). Além disso, essa mesma escala foi utilizado para avaliar a validade de quatro métodos indiretos para avaliar a adesão à medicação em hipertensos(18).

A estabilidade do INR foi calculada usando o número de INRs dentro da faixa terapêutica, dividido pelo número de INRs coletados (por exemplo, um paciente com um INR alvo de 2,0-3,0 - INR1=2,0, INR2=1,5, INR3=2,4, INR4=1,85; INR5=3,0: 3 valores dentro do alvo, apresentou 60% de estabilidade). A utilização do INR tem sido proposta como forma de eliminar as diferenças nos resultados dos testes interlaboratoriais causados pelo uso de tromboplastinas com sensibilidades diferentes. O INR é calculado através do aumento da proporção do tempo de protrombina (TP, tempo de protrombina do paciente, dividido por um tempo de protrombina normal de referência), utilizando coeficiente conhecido como Índice de Sensibilidade Internacional (ISI). O ISI é uma medida de sensibilidade da tromboplastina/aparelho para os fatores de coagulação. Os valores do ISI são designados por comparação a uma tromboplastina primária, usada como referência pela Organização Mundial da Saúde e que, por definição, possui um ISI igual a 1,0.

Foi elaborado um instrumento para este estudo com variáveis clínicas e demográficas. Como não foi possível medir a quantidade exata de ingestão de vitamina K, essa informação foi estimada considerando o número de vezes que os pacientes consumiam alimentos ricos em vitamina K, na semana anterior à coleta de INR, de acordo com o que foi informado no instrumento.

Sangramento maior foi definido como evento fatal e sintomático, diminuição e/ou queda da hemoglobina de pelo menos 3,0g/dL e/ou sangramento necessitando de transfusão de duas ou mais unidades de concentrado de hemácias. Qualquer outro sangramento considerado significativo e que não satisfizesse os critérios de sangramento maior foi considerado sangramento menor(20).

Análise de dados

As análises foram realizadas utilizando o pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences, versão 14.0. As variáveis contínuas foram expressas como media±desvio padrão, para dados com distribuição normal, e como mediana e intervalo interquartil para dados não-paramétricos. As variáveis categóricas foram expressas como percentuais. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para associação de dados não-paramétricos. Um valor de p bicaudal inferior a 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Considerando um poder de 80% e nível de significância de 5%, para detectar uma diferença de estabilidade de 23%, entre os pacientes com boa e má adesão relatada, foi necessária a inclusão de 156 pacientes.

Resultados

Este estudo incluiu 156 pacientes cronicamente anticoagulados. A idade média foi de 57,4±13 anos (variando entre 25 e 82 anos), 84 (53,8%) dos pacientes eram do sexo masculino e apresentavam mediana de 2 (1-4) anos de escolaridade, e a maioria era inativa (121-77,6%). A renda média mensal era de 633±454 dólares e o custo médio mensal com a anticoagulação foi de 8,3 (5,6-11) dólares. A principal indicação para o uso de anticoagulante oral na população estudada foi a fibrilação atrial em 53 (34,2%) pacientes. A mediana do tempo de anticoagulação foi de 27,5 (10-52) meses, em que o menor período foi de 1 mês e o máximo de 216 meses. A mediana de tempo do grupo de anticoagulação foi de 12 (3-31) meses. O anticoagulante mais comum foi o Warfarin 135 (86,5%), com dose máxima de 93mg por mês. Naqueles pacientes em uso de ácido acetilsalicílico, 65 (41,9%) ingeriam 100mg e 5 (3,2%) ingeriam 200mg. A Tabela 1 apresenta essas características.

A Tabela 2 mostra a adesão ao tratamento farmacológico classificado como alta, média e baixa adesão. Nota-se que mais de 90% dos pacientes estão entre média e alta adesão.

Quanto à estabilidade do INR, 117 (75%) pacientes permaneceram com estabilidade de até 50% e 39 (25%) apresentaram estabilidade de 75% ou mais. Quando a estabilidade foi relacionada a fatores como adesão, idade, escolaridade, nível socioeconômico, interação com outras drogas, comorbidades e ingesta de vitamina K, nenhuma associação significativa foi observada. Pacientes com menor tempo de anticoagulação apresentaram maior estabilidade do que os anticoagulados há mais tempo. O custo mensal foi outro fator relacionado à estabilidade do INR, sendo que os pacientes que gastavam menos com medicação permaneciam mais estáveis (p<0,05). A Tabela 3 ilustra esses dados.

Sessenta e oito (42,5%) dos pacientes avaliados deixaram de ingerir o anticoagulante pelo menos uma vez, e 57 (83,8%) desses apresentaram até 50% (p<0,05) de estabilidade.

Quanto à ocorrência de complicações prévias (eventos hemorrágicos ou tromboembólicos), 4 (2,6%) pacientes apresentaram eventos tromboembólicos durante o tratamento. Os eventos hemorrágicos foram os mais prevalentes, 41 (26,5%) dos pacientes apresentaram sangramento leve e 17 (11%) sangramento maior. Quando se relacionou a ocorrência desses eventos à adesão ao tratamento farmacológico, ao uso de medicações que interagem com drogas cumarínicas, ou ao tempo de ACO, não foi encontrada relação significativa.

Quanto aos fatores que influenciam a adesão ao tratamento farmacológico, foi encontrada associação significativa entre o custo das medicações e a adesão ao tratamento farmacológico. Entre os pacientes que apresentaram adesão satisfatória, 61 (38,12%) gastavam, uma mediana de 7,8 (5,5-9,4) dólares com medicação. Os pacientes que apresentaram baixa ou média adesão gastavam uma mediana de 10 (6,7-11) dólares (p<0,05) com o anticoagulante.

Discussão

Este estudo demonstrou que pouco mais da metade dos pacientes apresentavam média ou baixa adesão referida. Mesmo vinculados a um ambulatório específico e recebendo acompanhamento regular, somente 39 (25%) apresentavam estabilidade de 75% ou mais. Os fatores relacionados à estabilidade foram: tempo de anticoagulação e custo da medicação. Além disso, foi encontrada associação significativa entre custo da medicação e a adesão ao tratamento. Houve pequeno número de eventos tromboembólicos, embora alguns casos de subanticoagulação tenham sido registrados. Os episódios de sangramento, em sua maioria, foram de pouca relevância.

O tempo que os pacientes permaneceram dentro do INR alvo foi inferior ao publicado na sétima conferência do American College of Chest Physicians, sobre o tratamento antitrombótico e trombolítico de 2004, que relata estudos com INR alvo alcançado em 50 a 70% do tempo, aproximadamente(3). No entanto, o baixo percentual de pacientes que atingiram o INR alvo, neste estudo, vai ao encontro de dados da literatura internacional. Até mesmo os estudos realizados em países desenvolvidos, com população com nível educacional mais elevado, demonstraram baixos níveis de estabilidade(21). Portanto, não parece interessar o fato de pertencer a um país desenvolvido ou ter mais anos de estudo, uma vez que o problema da indicação do tratamento crônico, com monitorização frequente, parece ser semelhante para todos os pacientes.

Embora alguns estudos na literatura tenham demonstrado que a estabilidade da anticoagulação está relacionada a fatores como a adesão, a idade, o nível de escolaridade, o nível socioeconômico, a interação com outras drogas, as comorbidades e a ingesta de vitamina K(4,22) não foi encontrada associação com esses fatores neste estudo. Esses dados também foram recentemente demonstrados em um estudo conduzido em ambulatório especializado, no Brasil(17). Pode-se inferir que isso se deve às diferenças nos métodos de avaliação que, em estudos que demonstram o impacto da adesão sobre a estabilidade do INR, foram utilizados outros instrumentos de avaliação como, por exemplo, dispositivos eletrônicos(13).

A idade média dos pacientes incluídos neste estudo foi de 57 anos, característica diferente do que foi encontrado em outros estudos, que demonstraram que pacientes idosos, acima dos 70 anos, possuem controle menos adequado da ACO, sendo o sangramento a mais frequente complicação nessa população(23). Nesse cenário, a educação e o acompanhamento sistemático de enfermagem têm demonstrado resultados satisfatórios na redução de eventos trombóticos ou sangramentos, o que implica melhora da qualidade de vida para esses pacientes(12).

Grande número de pacientes usava uma ou mais medicações que interagiam com a varfarina, porém, a ocorrência de complicações ou instabilidade do INR não foi atribuída ao uso concomitante dessas drogas, sendo as mais frequentes utilizadas pelos pacientes (propranolol, sinvastatina, omeprazol, amiodarona etc.). Exceto para o ácido acetilsalicílico, as medicações foram classificadas como possuindo pouca probabilidade de interação, tendo como base uma revisão sistemática, publicada em 2005. Essa revisão também demonstrou que, embora o número de drogas que interagem com a varfarina continue aumentando, apenas pequenos estudos foram realizados até o momento(24). A administração concomitante de ácido acetilsalicílico (aspirina) e varfarina aumenta o risco de sangramento. O mecanismo dessa interação adversa são os efeitos antiplaquetários, lesão de mucosa gástrica e hipotrombinemia como resposta à varfarina (com uma dose de aspirina de 2 a 4g por dia)(25).

Alguns ensaios clínicos randomizados sobre a estratégia da dieta demonstraram o impacto da mudança na ingesta de vitamina K no controle da ACO(3-4,22). Como este estudo, trata-se de estudo observacional e não estratégia dietética, e não foi possível realmente demonstrar a influência da ingesta de vitamina K na estabilidade desses pacientes.

O tempo de anticoagulação e o custo da medicação estavam relacionados à estabilidade do INR, sendo que os pacientes anticoagulados há menos tempo e aqueles que gastavam menos com a medicação mantiveram-se mais estáveis. No entanto, não foi encontrado nenhum estudo que tenha relacionado esses fatores à estabilidade da anticoagulação. A razão pela qual os pacientes anticoagulados há menos tempo apresentaram maior estabilidade pode estar relacionada ao monitoramento mais intensivo, que é realizado no início do tratamento com anticoagulação, quando mais ajustes são necessários. A falta de recursos financeiros foi a principal razão para a interrupção do tratamento, tendo contribuído para maior instabilidade dos pacientes. No entanto, esses são dados a partir do momento da entrevista e podem não refletir a verdadeira influência da falta de recursos ao longo de todo o tratamento.

Poucos pacientes apresentaram complicações. As complicações hemorrágicas, principalmente intracranianas e gastrointestinais são as mais temidas quando se prescreve anticoagulação oral(26). De acordo com os dados apresentados em consenso internacional, os principais determinantes de sangramento são as oscilações de INR, valores de INR acima de cinco e uso concomitante de outras medicações (especialmente agente antiagregante plaquetário). Apesar disso, as taxas anuais de sangramento clinicamente relevantes (intracerebral e do trato gastrointestinal) são cerca de 1,3% quando o INR permanece dentro da faixa terapêutica de dois a três, o que corresponde, aproximadamente, ao valor encontrado neste estudo(27).

Os pacientes que apresentaram adesão satisfatória gastavam menos com o fármaco em relação àqueles que apresentavam média ou baixa adesão. Encontraram-se resultados semelhantes a outro estudo clássico que procurou avaliar o impacto dos custos das medicações sobre adesão ao tratamento farmacológico. Nesse estudo, o principal fator relatado, para a não adesão ao tratamento por idosos, foi o alto custo do medicamento. Além disso, o custo das drogas prescritas para os pacientes não aderentes era, em média, o dobro do valor das drogas prescritas aos pacientes que aderiam ao tratamento(8). Esse fator é, sem dúvida, grande obstáculo para a adesão e deve ser um dos aspectos contextualizados, especialmente em países em desenvolvimento.

No entanto, alguns estudos que relatam altas taxas de não adesão não referenciam a disponibilidade da medicação. Por exemplo, estudo publicado em 2009 sobre os fatores associados à não adesão dos pacientes ao tratamento da hipertensão, de acordo com o protocolo de Morisky-Green, constatou que 86,76% não estavam de acordo com o esquema de medicação, e entre as razões apontadas para a não adesão à medicação estão: não pode dizer o motivo (p=0,006), doenças associadas (p=0,049) e consumo de álcool (p=0,013)(28). Além da questão dos custos, outros fatores podem estar associados à não adesão quando se compara o tratamento contínuo usado nas doenças crônicas.

Somente conhecendo as formas de acesso às medicações, portanto, é que será possível fazer perguntas sobre adesão ao tratamento. No entanto, estudos recentes que compararam pacientes submetidos a acompanhamento por profissionais especializados, em clínicas de anticoagulação, e acompanhamento sistemático têm apresentado resultados positivos em termos de melhora da adesão e conhecimento do paciente sobre a terapêutica adotada(12-13).

Limitações do estudo

A escala de adesão de Morisky é amplamente utilizada para avaliar a adesão à terapia medicamentosa, porém, encontraram-se algumas limitações ao aplicá-la. Esse teste tende a superestimar a não adesão e não dá ao paciente a oportunidade de expressar suas dificuldades e seu entendimento a respeito do tratamento. Portanto, torna-se necessário o desenvolvimento de outros instrumentos para avaliação da adesão, principalmente em pacientes usuários de anticoagulantes orais. Outro fator identificado representando limitação foi a forma de avaliar a ingesta de vitamina K, justamente porque se sabe que a inconstância da ingesta pode contribuir para mudanças nos níveis de INR.

Outros estudos, com desenho adequado para avaliar a combinação com outros fatores como consumo de álcool e presença de polimorfismos genéticos, podem produzir resultados mais conclusivos.

Conclusões

Mais de 90% dos pacientes apresentaram média ou alta adesão referida. O tempo de anticoagulação e o custo da medicação foram os fatores que estiveram relacionados à estabilidade da ACO.

Com base nos resultados deste estudo, foi possível demonstrar que fatores como a adesão, idade, escolaridade, nível socioeconômico, interação com outras drogas, comorbidades e ingesta de vitamina K não influenciaram a estabilidade do INR. No entanto, os resultados mostram que o tempo de anticoagulação e as dificuldades econômicas constituem barreiras à adesão ao tratamento com anticoagulante e que a indisponibilidade de acesso à medicação é, muitas vezes, pouco valorizado por alguns profissionais. O conhecimento desses dados podem possibilitar o desenvolvimento de estratégias específicas dentro do cenário de atendimento ambulatorial desenvolvido por enfermeiros, tornando o acompanhamento de enfermagem ainda mais qualificado e, com isso, melhorando a adesão ao tratamento, a qualidade, a compreensão, o manejo do cuidado ao paciente, minimizando o risco de complicações tromboembólicas e hemorrágicas.

Considerando o elevado número de pacientes com indicação precisa para anticoagulação oral e aqueles que não atingem os níveis terapêuticos de INR, mesmo quando acompanhados em um ambulatório especializado, é essencial identificar preditores clínicos de subanticoagulação e hiperanticoagulação. Novos estudos são necessários para identificar e eliminar os obstáculos para adequar e assegurar a anticoagulação crônica.

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  • Adesão farmacológica ao anticoagulante oral e os fatores que influenciam na estabilidade do índice de normatização internacional

    Christiane Wahast ÁvilaI; Graziella Badin AlitiII; Maria Karolina Ferreira FeijóI; Eneida Rejane RabeloIII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Recebido
      27 Jan 2010
    • Aceito
      30 Set 2010
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