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Adaptação transcultural e validação de um questionário de conhecimento da doença e autocuidado, para uma amostra da população brasileira de pacientes com insuficiência cardíaca

Resumos

Esta pesquisa teve como objetivos realizar a adaptação transcultural de um questionário que avalia o conhecimento sobre a insuficiência cardíaca (IC) e o autocuidado e analisar sua validade de conteúdo e a reprodutibilidade para uso no Brasil. O processo de validação constituiu-se de tradução, síntese, retrotradução, revisão por comitê de especialistas, pré-teste e verificação das propriedades psicométricas. A versão final adaptada com 14 questões foi aplicada a pacientes com IC em acompanhamento ambulatorial com a equipe multidisciplinar de um hospital universitário. Quanto aos resultados, cinco questões apresentaram concordância total, sete obtiveram coeficiente Kappa >0,4, uma obteve Kappa 0,4 e apenas em uma questão não houve concordância. Avaliaram-se 153 pacientes, idade de 59±13, sendo 64% sexo masculino; mediana do tempo de acompanhamento no ambulatório de 2 (1-4) anos. Na avaliação do conhecimento, os acertos variaram de quatro a 14, média 9,9±2,1. Conclui-se pelos resultados, que esse questionário foi validado para uso no Brasil.

Insuficiência Cardíaca; Conhecimento; Enfermagem; Estudos de Validação


To adapt a questionnaire that assesses knowledge about heart failure (HF) and self-care and to analyze its content validity and reproducibility for use in Brazil. The questionnaire was validated through translation, summary, back-translation, expert committee review, pretest and assessment of psychometric properties. The final version (14 questions) was applied at the university hospital to HF outpatients under multidisciplinary team care. Five questions showed total agreement; seven scored Kappa > 0.4; one Kappa = 0.4, and just one presented no agreement. A group of 153 patients within 1-4 years of outpatient follow-up was assessed (age 59±13, 61% male). In the knowledge assessment, right answers varied from 4 to 14 (average 9.9±2.1). Results indicate the validity of the questionnaire for use in Brazil.

Heart Failure; Knowledge; Nursing; Validation Studies


Se tuvo por objetivo realizar la adaptación transcultural de un cuestionario que evalúa el conocimiento sobre la insuficiencia cardíaca (IC) y el autocuidado y analizar su validez de contenido y la reproductibilidad para uso en Brasil. Se trata de un proceso de validación constituido de traducción, síntesis, retrotraducción, revisión por comité de expertos, prueba piloto y verificación de las propiedades psicométricas. La versión final adaptada con 14 preguntas fue aplicada a pacientes con IC en acompañamiento en ambulatorio con el equipo multidisciplinar de un hospital universitario. Cinco preguntas presentaron concordancia total; siete obtuvieron coeficiente Kappa > 0,4; una obtuvo Kappa 0,4 y apenas en una pregunta no hubo concordancia. Se evaluaron 153 pacientes, edad de 59±13; 61% sexo masculino; mediana de tiempo de acompañamiento en el ambulatorio 2 (1-4) años. En la evaluación del conocimiento, los aciertos variaron de cuatro a 14, promedio 9,9±2,1. Concluimos que los resultados indicaron que este cuestionario fue validado para ser usado en Brasil.

Insuficiencia Cardíaca; Conocimiento; Enfermería; Estudios de Validación


ARTIGO ORIGINAL

Adaptação transcultural e validação de um questionário de conhecimento da doença e autocuidado, para uma amostra da população brasileira de pacientes com insuficiência cardíaca

Eneida Rejane RabeloI; Vanessa Monteiro MantovaniII; Graziella Badin AlitiIII; Fernanda Bandeira DominguesIII

IEnfermeira, Doutor em Ciências Biológicas, Professor Adjunto, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: eneidarabelo@gmail.com

IIAluna de Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

IIIEnfermeira, Mestre em Ciências Cardiovasculares, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: Graziela: grazialiti@gmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivos realizar a adaptação transcultural de um questionário que avalia o conhecimento sobre a insuficiência cardíaca (IC) e o autocuidado e analisar sua validade de conteúdo e a reprodutibilidade para uso no Brasil. O processo de validação constituiu-se de tradução, síntese, retrotradução, revisão por comitê de especialistas, pré-teste e verificação das propriedades psicométricas. A versão final adaptada com 14 questões foi aplicada a pacientes com IC em acompanhamento ambulatorial com a equipe multidisciplinar de um hospital universitário. Quanto aos resultados, cinco questões apresentaram concordância total, sete obtiveram coeficiente Kappa >0,4, uma obteve Kappa 0,4 e apenas em uma questão não houve concordância. Avaliaram-se 153 pacientes, idade de 59±13, sendo 64% sexo masculino; mediana do tempo de acompanhamento no ambulatório de 2 (1-4) anos. Na avaliação do conhecimento, os acertos variaram de quatro a 14, média 9,9±2,1. Conclui-se pelos resultados, que esse questionário foi validado para uso no Brasil.

Descritores: Insuficiência Cardíaca; Conhecimento; Enfermagem; Estudos de Validação.

Introdução

O tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca (IC) envolve terapia farmacológica e não farmacológica, com comprovado impacto na redução da mortalidade e na melhora da qualidade de vida(1). Estudos têm reforçado que o entendimento dos pacientes acerca da doença, dos benefícios do uso regular das medicações e das alterações do estilo de vida diminuem as crises de descompensação e, por conseguinte, reduzem as readmissões hospitalares(2-3).

O tratamento não farmacológico tornou-se parte indispensável da terapêutica da IC, na qual a não adoção das medidas recomendadas coloca em risco a eficácia e a efetividade do tratamento, comprometendo a estabilidade clínica dos pacientes(1). Dentro do contexto da abordagem não farmacológica, estudos recomendam orientações para pacientes com IC a respeito da definição da doença e suas causas, reconhecimento de sinais e sintomas de descompensação, controle de sal e de líquidos, atividade física, controle de peso, vacinação anual e uso correto de medicações(4-6).

Nesse cenário, a alfabetização em saúde tem sido definida como a capacidade de obter, processar e compreender informações básicas para tomar decisões acertadas em saúde(7). A equipe multidisciplinar que acompanha, ambulatorialmente, pacientes com IC deve reconhecer os benefícios da alfabetização em saúde. Somados a isso, reconhecer aqueles com maior risco de não compreenderem as informações dispensadas e, principalmente, conhecer as preferências de aprendizagem de cada paciente, além de integrar estratégias para melhorar o conhecimento desses sobre sua doença(8).

Poucos estudos na literatura, no entanto, têm investigado como mensurar, por meio de questionários validados, se a educação desses pacientes, de fato, traduz-se em conhecimento adquirido(9-10).

Em 2002, um grupo americano desenvolveu e validou questionário de conhecimento sobre IC com 123 pacientes(9). Esse instrumento continha 15 questões relacionadas a informações gerais de IC e autocuidado. Os autores desse estudo demonstraram escores de conhecimento insatisfatório dos pacientes avaliados. Posteriormente, estudo semelhante avaliou 82 pacientes, divididos em grupo intervenção (acompanhamento com médico e enfermeira especialista) e grupo controle (atendimento convencional com equipe sem especialização), através de questionário com 10 itens. Foi identificado desempenho de 7,9 acertos para os pacientes do grupo intervenção e de 5,7 acertos para os pacientes do grupo controle(10).

Considerando ser importante a avaliação do conhecimento dos pacientes sobre a sua doença e tratamento, e a inexistência de questionários validados no Brasil, delineou-se este estudo.

Objetivo

Realizar a adaptação transcultural de um questionário que avalia o conhecimento sobre a insuficiência cardíaca (IC) e o autocuidado e analisar sua validade de conteúdo e a reprodutibilidade para uso no Brasil.

Métodos

Trata-se de estudo de validação de instrumento, realizado em um ambulatório multidisciplinar de IC, de um hospital universitário, na cidade de Porto Alegre, RS, Brasil.

O questionário original de avaliação do conhecimento da doença e autocuidado engloba questões relacionadas à dieta (duas questões), líquidos e peso (duas questões), informações gerais de IC (duas questões), tratamento (sete questões), IC terminal (uma questão) e motivos de reinternação (uma questão), totalizando 15 questões. O estudo original foi publicado em 2002(9). A autora responsável autorizou a validação para a língua portuguesa, no Brasil.

A adaptação transcultural foi realizada segundo a literatura, seguindo-se as seguintes etapas sugeridas pelo autor: tradução, síntese, retrotradução, revisão por um comitê de especialistas e pré-teste(11). Para avaliar a confiabilidade e a precisão do instrumento, foi utilizada a verificação das propriedades psicométricas(12). A validade testada foi de conteúdo, a qual avalia a capacidade dos itens de representar adequadamente as dimensões do conteúdo do instrumento. A validade de conteúdo é obtida por meio de julgamento do comitê de especialistas, durante o processo de adaptação e tradução, quando conferem, igualmente, ao instrumento equivalência semântica, idiomática, cultural e conceitual(13).

A tradução inicial para o português foi realizada por dois tradutores distintos que dominavam o idioma original do instrumento (inglês) e aquele para o qual foi traduzido (português). Após, os dois tradutores e uma terceira pessoa realizaram a síntese, trabalhando com as versões dos tradutores e a original, produzindo um instrumento único. A retrotradução foi realizada por outros dois professores de língua inglesa, cuja língua materna é o português, com o objetivo de avaliar se o conteúdo da versão obtida assemelhava-se ao original. Posteriormente, a versão traduzida para a língua portuguesa foi analisada por cinco profissionais da área da cardiologia, para avaliação da equivalência cultural (comitê de especialistas). A versão final em português, adaptada do inglês original, foi traduzida para o inglês novamente, e reenviada para a autora do questionário original para que essa pudesse avaliar a versão. A autora aprovou o instrumento adaptado com as mudanças de equivalência cultural e não sugeriu novas modificações. Após, foi realizado um estudo piloto (pré-teste) com 10 pacientes, objetivando testar o questionário adaptado. Durante o estudo piloto, obtiveram-se o máximo de informações sobre a compreensão dos pacientes referente aos itens questionados. Foram novamente discutidas as questões, sendo realizadas algumas alterações na forma das questões para melhor entendimento da população alvo. Após, foi realizada a avaliação das propriedades psicométricas, na qual a versão final foi avaliada de maneira a verificar se as características do questionário original foram mantidas. A consistência interna não foi avaliada pelo fato de o questionário não ser homogêneo na sua concepção, uma vez que as questões englobam vários temas. Portanto, cada grupo de questões foi considerado isolado dos demais grupos. Contudo, a reprodutibilidade foi avaliada para testar a estabilidade na obtenção dos mesmos escores, quando o questionário é aplicado à mesma pessoa em dois momentos distintos(12). A reprodutibilidade foi avaliada por meio do teste e reteste (coeficiente Kappa), que é baseada no número de respostas concordantes. Nessa avaliação, os valores mais próximos de um indicam que há concordância, e valores mais próximos de zero indicam que há pouca ou nenhuma concordância. A reprodutibilidade foi avaliada com 51 pacientes, sendo a segunda aplicação do questionário duas semanas após a primeira.

A aplicação do instrumento incluiu pacientes com IC, de qualquer etiologia, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤45%, maiores de 18 anos e que concordaram em participar do estudo. Foram excluídos os pacientes com infarto agudo do miocárdio ou submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio, nos últimos três meses, além de pacientes com demência ou sequelas neurológicas cognitivas. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética da instituição, sob número 07-057. Todos os pacientes foram incluídos após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Análise estatística

As análises foram realizadas utilizando o pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences, 14.0. As variáveis categóricas foram expressas como percentual ou valor absoluto; as contínuas como média±desvio padrão, ou mediana e percentis 25 e 75, conforme seguissem ou não distribuição normal.

A reprodutibilidade foi avaliada por meio do coeficiente Kappa. Para a etapa de reprodutibilidade foram reavaliados 51 pacientes com o objetivo de identificar diferenças ≥1,0 (entre 1a e 2a avaliações) com nível de significância 0,05 e poder de 80%. Para testar a validade do instrumento, foram avaliados 153 pacientes.

Concluídas as etapas de validação, foi avaliado o escore de conhecimento sobre a doença e autocuidado nos 153 pacientes incluídos no estudo. O escore de conhecimento foi determinado pela soma do número de repostas corretas. Considerando que o instrumento adaptado possui 14 questões e que para a questão correta o paciente ganhava um ponto, o escore de acertos do instrumento poderia variar de zero a 14.

Resultados

Adaptação cultural

Houve necessidade da retirada de três questões. A primeira questão relacionava-se à quantidade de miligramas de sal que contém um vidro de pimenta em conserva; a segunda relacionava-se à IC terminal, decisões, ou ordens, antecipadas (testamentos) nas quais o paciente explica quais métodos deseja que sejam utilizados para salvá-lo, caso não esteja em condições de falar por si mesmo; a terceira referia-se a efeitos colaterais da furosemida. Em substituição às três questões, foi acrescentada uma questão sobre atividade física e uma sobre ingesta hídrica. Além disso, foi reduzido o número de alternativas para resposta de cinco para quatro. Em algumas questões, principalmente nas questões sobre medicação, foi acrescentada a alternativa "não se aplica", no caso de os pacientes não fazerem uso da medicação, o que dificulta o acerto da questão, totalizando cinco alternativas para resposta. A nova versão do questionário englobou questões relacionadas à dieta (uma questão), líquidos e peso (três questões), informações gerais de IC (duas questões), medicamentos (cinco questões), atividade física (uma questão), medidas que melhoram a IC (uma questão) e motivos de reinternação (uma questão), totalizando 14 questões. Em relação aos tipos de respostas que o instrumento adaptado permite, 12 questões são de múltipla escolha, uma questão solicita que os pacientes preencham o espaço em branco, havendo uma única alternativa correta (questão 2) e, na questão 13, só receberão a pontuação se julgarem corretas todas as alternativas verdadeiras.

Reprodutibilidade

Em relação à reprodutibilidade, as questões 10, 11, 12, 13 e 14 apresentaram concordância total, as questões um, dois, três, quatro, cinco, seis e oito obtiveram coeficiente Kappa >0,6, a questão número sete obteve Kappa 0,4 e apenas na questão nove não houve concordância. Após esse processo, o questionário foi aplicado a mais 102 pacientes em atendimento multidisciplinar ambulatorial, a fim de testar a validade do instrumento.

Sujeitos

Para este estudo incluíram-se 153 pacientes com idade média de 59±13 anos, 153 (64%) do sexo masculino. Os pacientes tinham média de seis anos de estudo, e, em torno de 50% desses, estavam em acompanhamento ambulatorial por dois anos. Esses e os demais dados estão demonstrados na Tabela 1.

Escore de acertos: estudo original e estudo de validação

Na Tabela 2 apresenta-se a versão adaptada do questionário de conhecimento da doença e autocuidado para pacientes com IC, e os respectivos índices de acertos dos 153 pacientes. As questões 10 e 11, relacionadas ao consumo de líquidos e à atividade física, respectivamente, foram acrescidas na versão adaptada do questionário em substituição às três questões retiradas do instrumento original.

Aplicação do questionário

O escore de acertos da amostra variou entre quatro e 14, sendo que um paciente obteve o escore máximo, respondendo corretamente todas as questões. A média de acertos foi de 9,8±2,1, sendo que o instrumento permitia escore variando de zero a 14. Cinquenta e três por cento dos pacientes permaneceram com acertos entre 10 e 12 questões.

Discussão

Neste estudo, objetivou-se realizar a adaptação transcultural de um questionário que avalia o conhecimento sobre a insuficiência cardíaca (IC) e o autocuidado, e analisar sua validade de conteúdo e a reprodutibilidade para uso no Brasil.

Em relação às adaptações, foram retiradas três questões por não possuírem equivalência cultural. Por exemplo, no instrumento original, uma questão relacionava-se à quantidade de miligramas de sal que o paciente consumia ao ingerir pimenta em conserva. A utilização de pimenta em conserva não é prática habitual na nossa população, por esse fato, essa questão foi excluída. A segunda questão retirada relacionava-se à IC terminal, decisões ou ordens antecipadas (testamentos) no qual o paciente explica quais métodos deseja que sejam utilizados para salvá-lo, caso não esteja em condições de falar por si mesmo. Optou-se por retirar essa questão, uma vez que até o momento não houve situações semelhantes na prática da autoria deste estudo.

A última questão retirada referia-se a efeitos colaterais da furosemida. Neste ambulatório e com a experiência da autoria desta pesquisa os pacientes não relatam tais efeitos. No lugar dessas questões, foi acrescentada uma questão sobre atividade física e outra sobre a ingesta hídrica.

O número de alternativas para cada pergunta foi reduzido de cinco para quatro, uma vez que os pacientes tinham dificuldade para memorizar cinco opções de respostas por pergunta. Foi acrescentada como quarta alternativa a opção "não sabe". Nas questões sobre medicamentos, foi ainda adicionada a alternativa "não se aplica", no caso de pacientes que não fazem uso da medicação questionada. Na questão nove, relacionada ao uso de bebida alcoólica, a alternativa "não consome bebida alcoólica" foi acrescentada, uma vez que no pré-teste todos os pacientes responderam que "não bebiam".

A reprodutibilidade avaliada em 51 pacientes mostrou-se adequada, embora a questão sete tenha obtido Kappa de 0,4, e a questão nove não tenha obtido concordância. Na questão sete, relacionada aos sintomas da IC, foi solicitado aos pacientes que escolhessem a alternativa incorreta, respondendo qual o sintoma que não pertence à doença. Essa abordagem contrária pode prejudicar o entendimento dos pacientes. Comparando com o estudo original, a média de escolaridade era de 11 anos(9), enquanto no presente estudo foi de seis. Estudos já demonstraram que a baixa escolaridade está associada à má compreensão da informação escrita ou falada, condição que pode comprometer a realização dos cuidados para a saúde(14).

Em estudos com diferentes amostras para validação de questionários para avaliar o conhecimento de IC, o alfa de Cronbach foi de 0,61 e 0,74, respectivamente(9-10). Em estudos que avaliam o conhecimento de enfermeiras que prestam cuidados a pacientes com IC, sobre a doença e tópicos de orientações aos pacientes, os resultados foram semelhantes tanto no grupo que avaliou a consistência interna(15) quanto no grupo que não utilizou esse método(16).

A média de acertos foi de 9,8±2,1. O escore mínimo de acertos foi quatro e um paciente acertou todas as 14 questões. No estudo original, a média de acertos foi de 5,83±2,50 acertos(9). Estudo europeu semelhante testou e validou um questionário de 10 itens sobre conhecimento do automanejo de IC, em 82 pacientes, acompanhados ambulatorialmente. Nesse estudo, os grupos foram divididos em intervenção (educação com médico e enfermeira especialista em IC) e grupo controle (atendimento convencional com equipe sem especialização). Para cada resposta correta o paciente recebia um ponto. Os autores demonstraram que o desempenho no teste foi 7,9 para os pacientes do grupo intervenção e 5,7 para os pacientes do grupo controle(10). Esses resultados confirmam que pacientes acompanhados por equipe especializada apresentam melhor desempenho quanto ao conhecimento da IC e autocuidado.

Outro estudo, americano, que procurou identificar o nível de adesão e conhecimento em relação ao tratamento em 113 pacientes com IC, mostrou que 37% dos pacientes afirmaram ter pouco ou nenhum conhecimento sobre a doença, 49% afirmaram ter conhecimento médio e somente 14% afirmaram ter bastante conhecimento(17). Na presente investigação, nas questões que englobavam informações gerais de IC, 74% dos pacientes souberam corretamente o que é IC, enquanto que 77% dos pacientes sabiam diferenciar os sintomas da IC. No entanto, pouco mais da metade dos pacientes soube responder a questão relacionada ao aumento do peso, o que demonstra que, ainda, boa parcela não sabe a relação entre aumento de peso e piora da IC. Esses dados vão ao encontro dos dados do estudo americano, no qual, aproximadamente, 40% dos pacientes não souberam dizer a importância de se pesar diariamente e 27% dos pacientes afirmaram que se pesam, no máximo, duas vezes por mês(17).

Em relação à ingesta hidrossalina, 38% afirmaram acreditar que deveriam ingerir grande quantia de líquidos por dia e um, em cada cinco pacientes, mencionou não saber quanto de sal deveria restringir diariamente. Nestes resultados, aqui apresentados, as questões relacionadas à ingesta de líquidos e sal obtiveram índice de acertos bastante elevado, com índice de acertos entre 88,9 e 96,1%.

As questões que obtiveram menor índice de erro foram referentes às medicações e seus efeitos colaterais (digoxina, inibidor da enzima conversora da angiotensina). Nessas questões, o índice de acertos permaneceu entre 34,6 e 51,5%. Esses dados vão ao encontro dos dados encontrados no estudo americano, no qual apenas 31% dos pacientes responderam corretamente as questões sobre medicações(9). Nas demais questões, relacionadas ao autocuidado, motivos de readmissão hospitalar, informações gerais de IC, o índice de acertos variou entre 60,3 e 94,9%, resultados semelhantes aos do estudo americano que identificou entre 50 e 75% de acertos nessas questões(7).

Um método que pode melhorar o conhecimento de pacientes sobre a IC e autocuidado é identificar as maneiras de aprendizagem e as necessidades dos pacientes, etapas essenciais para o desenvolvimento de estratégias de educação efetivas no tratamento.

Estudo publicado recentemente investigou os métodos de aprendizagem e as necessidades de pacientes com IC, internados por descompensação, por meio de um questionário dividido em duas etapas: a primeira relacionada a estilos de aprendizagem que os pacientes mais utilizam, e a segunda relacionada a temas que os pacientes consideram fundamental saber. Ao todo, 55 pacientes completaram o questionário, sendo que 64% mencionaram preferência por estilo de aprendizagem multimodal, 18% por ler/escrever e 11% preferem ouvir alguém falar sobre o assunto. Em relação às necessidades de aprendizagem dos pacientes, sinais e sintomas de descompensação da IC foram considerados os mais importantes, seguido de prognóstico da doença e fatores que contribuem para o desenvolvimento da IC(18).

Limitações do estudo

Considera-se como uma limitação do presente estudo a retirada de duas questões sobre as quais não havia experiência de se ter observado situações semelhantes na prática clínica da autoria. No entanto, essas podem ser validadas em estudos futuros. A primeira refere-se aos efeitos colaterais da furosemida (dor de estômago e vômitos, tonturas e dor de ouvido) e a segunda é relativa à terminalidade do paciente com IC.

Conclusão

Após concluídas as etapas de adaptação transcultural, esse instrumento foi validado em um grupo de pacientes com IC, indicando ser ferramenta adequada para avaliar o conhecimento de pacientes brasileiros com IC. No entanto, sugere-se que esse instrumento também seja aplicado a outros grupos de pacientes com IC, nas demais regiões do Brasil, visando confirmar e ampliar a sua validade.

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  • Corresponding Author:
    Eneida Rejane Rabelo
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem. Departamento de Enfermagem Médico-Cirurgica.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      16 Abr 2010
    • Aceito
      10 Nov 2010
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