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Volume de líquidos excessivo: validação clínica em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada

Resumos

Estudo transversal que teve como objetivo validar clinicamente as características definidoras do diagnóstico de enfermagem volume de líquidos excessivo, em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada. Para a validação, utilizou-se o modelo de Fehring. Participaram 32 pacientes de um hospital universitário do Rio Grande do Sul. A média de idade foi de 60,5±14,3 anos. As características definidoras maiores com taxa de fidedignidade(R): R ≥0,80 foram: dispneia, ortopneia, edema, refluxo hepatojugular positivo, dispneia paroxística noturna, congestão pulmonar e pressão venosa central elevada; e menores, ou secundárias, R >0,50 a 0,79: ganho de peso, hepatomegalia, distenção da veia jugular, crepitações, oligúria, hematócrito e hemoglobina diminuídos. Demonstrou-se, neste estudo, que as características definidoras com R >0,50 e 1 foram validadas para o diagnóstico volume de líquidos excessivo na amostra em estudo.

Physical Examination; Insuficiência Cardíaca; Diagnóstico de Enfermagem; Anamnese; Exame Físico


This cross-sectional study aimed to clinically validate the defining characteristics of the Nursing Diagnosis Excess Fluid Volume in patients with decompensated heart failure. The validation model used follows the model of Fehring. The subjects were 32 patients at a university hospital in Rio Grande do Sul. The average age was 60.5 ± 14.3 years old. The defining characteristics with higher reliability index (R): R ≥ 0.80 were: dyspnea, orthopnea, edema, positive hepatojugular reflex, paroxysmal nocturnal dyspnea, pulmonary congestion and elevated central venous pressure, and minor or secondary, R> 0.50 to 0.79: weight gain, hepatomegaly, jugular vein distention, crackles, oliguria, decreased hematocrit and hemoglobin. This study indicates that the defining characteristics with R> 0.50 and 1 were validated for the diagnosis Excess Fluid Volume.

Heart Failure; Nursing Diagnoses; Medical History Taking


Estudio transversal que tuvo como objetivo validar clínicamente las características definidoras del Diagnóstico de Enfermería Volumen de Líquidos Excesivo en pacientes con insuficiencia cardíaca descompensada. Para la validación se utilizó el modelo de Fehring. Participaron 32 pacientes de un hospital universitario en Rio Grande del Sur. El promedio de edad fue de 60,5±14,3 años. Las características definidoras mayores que tuvieron tasa de fiabilidad (R): R ≥ 0,80 fueron: disnea, orto-disnea, edema, reflujo hepatoyugular positivo, disnea paroxística nocturna, congestión pulmonar y presión venosa central elevada; y las menores o secundarias con R > 0,50 a 0,79, fueron: aumento de peso, hepatomegalia, distención de la vena yugular, crepitaciones, oliguria, hematocrito y hemoglobina disminuidos. Se demostró en este estudio que las características definidoras con R > 0,50 y 1 fueron validadas para el diagnóstico Volumen de Líquidos Excesivo en la muestra en estudio.

Insuficiencia Cardiaca; Diagnóstico de Enfermería; Anamnesis; Examen Físico


ARTIGO ORIGINAL

Volume de líquidos excessivo: validação clínica em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada

Quenia Camille Soares MartinsI; Graziella Badin AlitiII; Joelza Chisté LinharesIII; Eneida Rejane RabeloIV

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Serviço de Enfermagem Onco-Hematológica, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: queniacamille@terra.com.br

IIEnfermeira, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil. Doutoranda, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: graziella.aliti@gmail.com

IIIEnfermeira, Mestranda, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: joelza@gmail.com

IVEnfermeira, Doutora em Ciências Biológicas. Professor Adjunto, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: eneidarabelo@gmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

Estudo transversal que teve como objetivo validar clinicamente as características definidoras do diagnóstico de enfermagem volume de líquidos excessivo, em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada. Para a validação, utilizou-se o modelo de Fehring. Participaram 32 pacientes de um hospital universitário do Rio Grande do Sul. A média de idade foi de 60,5±14,3 anos. As características definidoras maiores com taxa de fidedignidade(R): R ≥0,80 foram: dispneia, ortopneia, edema, refluxo hepatojugular positivo, dispneia paroxística noturna, congestão pulmonar e pressão venosa central elevada; e menores, ou secundárias, R >0,50 a 0,79: ganho de peso, hepatomegalia, distenção da veia jugular, crepitações, oligúria, hematócrito e hemoglobina diminuídos. Demonstrou-se, neste estudo, que as características definidoras com R >0,50 e 1 foram validadas para o diagnóstico volume de líquidos excessivo na amostra em estudo.

Descritores: Insuficiência Cardíaca; Diagnóstico de Enfermagem; Anamnese; Exame Físico.

Introdução

A insuficiência cardíaca (IC) é doença crônica, com impacto alarmante em morbidade e mortalidade(1). Embora estudos indiquem que tem ocorrido melhora do prognóstico da IC, devido à otimização do tratamento medicamentoso, dispositivos eletrônicos e o seguimento de pacientes por equipes multidisciplinares, a evolução desses pacientes ainda é desfavorável quanto a readmissões(2-3).

Estudo recente, conduzido no Brasil, demonstrou que as manifestações clínicas mais comumente apresentadas em pacientes admitidos em emergência estão relacionadas a quadros congestivos e hipertensão(3).

Nesse cenário, a admissão de pacientes em salas de emergência exige avaliação eficiente, rápida e segura por parte de médicos e enfermeiros. O pronto reconhecimento do quadro clínico determina e orienta as intervenções mais adequadas aos pacientes(4). Nessa perspectiva, destaca-se estudo, desenvolvido recentemente, com o objetivo de comparar a avaliação de clínica de congestão realizada por enfermeira e por cardiologistas, correlacionando essas aos níveis de fragmento N-terminal do pró-hormônio BNP (NT-proBNP). Os resultados dessa investigação sugerem que enfermeira especialista, com treinamento em IC, obteve desempenho similar ao de médicos cardiologistas para detectar congestão e avaliar o perfil hemodinâmico de pacientes com IC crônica(5).

Na prática clínica, observa-se que, em muitas instituições, o enfermeiro é responsável pela triagem de pacientes em unidades de emergência. Desse modo, compreende-se que, por meio da realização das etapas do processo de enfermagem, haverá benefício quanto ao estabelecimento de diagnóstico de enfermagem prioritário, relacionado às manifestações clínicas presentes em pacientes congestos(6). Nesse contexto, a avaliação clínica do enfermeiro possibilitará o estabelecimento do diagnóstico de volume de líquidos excessivo, diretamente relacionado à congestão pulmonar e sistêmica.

No cenário das investigações, relacionadas ao diagnóstico de enfermagem volume de líquidos excessivo, destaca-se estudo que identificou as características definidoras no contexto de pacientes com IC. Nesse estudo, retrospectivo documental, com registros de 30 pacientes, as características relacionadas ao diagnóstico foram: estertores pulmonares, pressão capilar pulmonar aumentada, dispneia e murmúrio vesicular diminuído(7). Ainda, no mesmo contexto, estudo exploratório descritivo incluiu 29 pacientes que foram selecionados por duas enfermeiras peritas e divididos em dois grupos: com diagnóstico (nove pacientes) e sem diagnóstico (20 pacientes). Resultados do grupo de pacientes com diagnóstico identificaram, como características definidoras, edema, ortopneia, variação de pressão arterial, balanço hídrico positivo, mudança no padrão respiratório, variação da pressão venosa central (PVC) e alteração eletrolítica, havendo concordância entre as duas peritas para os pacientes com e sem diagnóstico(8).

Com base nos achados das investigações encontradas na literatura até o momento, evidencia-se lacuna no que se refere aos estudos de validação clínica desse diagnóstico. A relevância de estudos de validação clínica, em diferentes cenários, permite estabelecer diagnósticos de enfermagem prioritários e, principalmente, determinar as condutas baseadas nas melhores evidências. Embora, recentemente, as intervenções e os resultados de enfermagem para pacientes com problemas cardiovasculares com o diagnóstico de volume de líquidos excessivo tenham sido validados(9), a validação clínica do diagnóstico permanece inexplorada no contexto da IC.

Objetivo

Validar clinicamente as características definidoras do diagnóstico volume de líquidos excessivo, em pacientes com IC descompensada.

Métodos

Realizou-se estudo transversal prospectivo, entre os meses de janeiro a junho de 2007, em um hospital universitário na cidade de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A amostra foi constituída por pacientes com diagnóstico de IC descompensada classe III ou IV, de acordo com a classificação da New York Heart Association (NYHA)(10). Para o estudo, foram incluídos pacientes de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos que estivessem internados em, no máximo, seis horas nas unidades de emergência, no centro de terapia intensiva (CTI) e nas unidades de internação. Os pacientes poderiam ter disfunção ventricular sistólica ou diastólica, e deveriam somar oito ou mais pontos, de acordo com os critérios de Boston para o diagnóstico de IC descompensada. Para obtenção de tais critérios, foram avaliados dados da história clínica, exame físico e achados radiológicos(11). Excluíram-se pacientes com IC aguda (pós-infarto agudo do miocárdio, secundária à sepse, ou pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio nos últimos 30 dias).

Para a validação das características definidoras, seguiu-se o modelo de validação clínica proposto por Fehring. A validação clínica se baseia na busca por evidências de um determinado diagnóstico, a partir do ambiente clínico real, no qual os dados são obtidos por meio da avaliação direta das respostas do paciente. Esse modelo define que duas enfermeiras clínicas peritas avaliam determinado número de pacientes com diagnóstico pré-estabelecido; para cada um dos pacientes, as duas peritas avaliam, de modo individual, a presença ou ausência de cada uma das características definidoras do diagnóstico, e, por último, calcula-se a taxa de fidedignidade (R) entre os observadores para cada característica. De acordo com esse método, são consideradas características principais, ou maiores, aquelas que obtiverem escore R≥0,80 e, menores ou secundárias, as que obtiverem escores R>0,50 a 0,79(12). Uma das peritas desse estudo tinha doutorado e outra mestrado em cardiologia, ambas com produção científica relevante, tanto na área de insuficiência cardíaca como na área de processo de enfermagem, somados a isso, ambas tinham experiência clínica comprovada de mais de oito anos na assistência a pacientes com IC. A avaliação clínica dos pacientes ocorreu em momentos distintos, com intervalo inferior a 10 minutos, entre um exame e outro.

O primeiro instrumento utilizado na coleta de dados sistematiza o exame clínico inicial do paciente com o objetivo de estabelecer o diagnóstico de IC descompensada, na admissão hospitalar, por meio dos critérios de Boston e a avaliação de classe funcional(11). Para a avaliação desses critérios, utilizaram-se dados da história clínica, exame físico e radiografia de tórax. O segundo instrumento contempla dados demográficos (idade, sexo e cor) e clínicos (classe funcional da NYHA, comorbidades, causa da descompensação da IC, peso, pressão arterial, frequência cardíaca e alteração no raios X de tórax), além de questões relativas à presença das características definidoras para o diagnóstico volume de líquidos excessivo. O peso seco baseou-se na informação do paciente sobre o peso usual (antes do inicio dos sintomas de descompensação, e, posteriormente, conferido com peso de consultas ambulatoriais para aqueles com acompanhamento na instituição), o peso atual foi verificado no momento da inclusão no estudo. A adesão farmacológica foi autorreferida (de acordo com as respostas dos pacientes sobre o uso regular ou não dos medicamentos prescritos) e a adesão não farmacológica foi avaliada pelas respostas em relação ao autocuidado (restrição de sódio e de líquidos, verificação do peso diário e realização de atividade física). As questões relacionadas à adesão não farmacológica já foram utilizadas em estudo prévio do grupo desta pesquisa(13).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição sob nº 06-632. Os pacientes receberam informações completas sobre os objetivos do estudo e incluídos após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Análise estatística

Os dados foram analisados por meio do programa estatístico Statistical Package for Social Sciences, versão 14.0. As variáveis categóricas foram descritas com frequências absolutas e relativas, e as variáveis contínuas, como média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartil, conforme seguissem ou não distribuição similar à normal. Para calcular a taxa de fidedignidade entre as peritas, para cada característica definidora avaliada, foi utilizada a seguinte fórmula:

Na qual A = número de concordâncias; D = número de discordâncias; F1 = frequência das características observadas pelo primeiro observador; F2 = frequência das características observadas pelo segundo observador; N = número de sujeitos observados e R = taxa de fidedignidade entre os observadores(12).

Resultados

Foram incluídos 32 pacientes com diagnóstico de IC descompensada, com idade média de 60,5±14,3 anos, 17 (53%) do sexo masculino. A classe funcional predominantemente foi III. Observou-se que a maior causa de descompensação da IC foi falta de adesão ao tratamento 20 (62,5%), os dados estão apresentados na Tabela 1.

Características definidoras do diagnóstico de enfermagem (DE) volume de líquidos excessivo

A Tabela 2 ilustra a taxa de fidedignidade entre as peritas. Para validação desse diagnóstico, foram avaliados 32 pacientes nos quais foram obtidas sete características definidoras principais (R≥0,80) e seis secundárias (R>0,50 a 0,79).

Discussão

Este é o primeiro estudo de validação clínica do diagnóstico de enfermagem volume de líquidos excessivo no contexto de pacientes com IC descompensada.

A amostra de 32 pacientes constituiu-se de homens brancos, com idade entre 46 e 79 anos, admitidos no serviço de emergência com pontuação elevada nos critérios de diagnóstico de IC descompensada. Os pacientes apresentavam marcada limitação funcional, no momento da avaliação, disfunção ventricular grave, presença de derrame pleural, além de outras comorbidades e, majoritariamente, descompensação por má adesão ao tratamento.

A identificação de características definidoras principais ou maiores como dispneia, ortopneia, edema, refluxo hepatojugular, congestão pulmonar e pressão venosa central elevada foram os indicadores clínicos principais para o diagnóstico volume de líquidos excessivo. Esses sinais e sintomas retratam as manifestações mais comumente apresentadas por pacientes descompensados que estão relacionadas, principalmente, a quadros congestivos, com percentual de 80,7% nos pacientes admitidos em unidade de emergência(3).

A característica definidora dispneia foi considerada uma das mais importantes para a validação do diagnóstico em estudo, alcançando a maior taxa de fidedignidade entre as peritas. Trata-se de um dos sintomas mais comuns apresentados por pacientes com IC(14) e, pode estar associado diretamente à congestão pulmonar(15). Resultados semelhantes também foram demonstrados em estudo retrospectivo, com pacientes com IC congestiva, em que a característica definidora dispneia foi uma das mais expressivas, identificada em 93,3% dos pacientes(7).

A característica definidora ortopneia está associada a hospitalizações frequentes, incapacidade de melhora da fração da função ventricular e tem sido um sintoma capaz de identificar grupos de indivíduos com pior prognóstico em longo prazo(16). Em estudo de validação de conteúdo, desse mesmo diagnóstico, a ortopneia também foi evidenciada como uma das características maiores(17).

A presença de edema é achado comum em pacientes com diagnóstico de IC descompensada(18). Resultados semelhantes, também na validação de conteúdo desse diagnóstico, classificaram o edema como característica maior(17). A característica definidora edema é dado clínico relevante na avaliação, sua importância é destacada em uma publicação evidenciando que a presença de edema periférico e de refluxo hepatojugular, em pacientes com IC sistólica, foram sinais clínicos capazes de definir diferentes níveis de pressão do átrio direito(19), sendo úteis para a estratificação de prognóstico nessa síndrome. Desse modo, a presença de edema em pacientes com quadro de IC aponta para a necessidade de avaliação minuciosa, buscando outros sinais de congestão que possam subsidiar decisão clínica precisa.

A identificação da presença de refluxo hepatojugular positivo é alteração que reflete a incapacidade do ventrículo direito para se adaptar ao maior volume sanguíneo que lhe é oferecido, durante a compressão do fígado congesto(20). Em pacientes com IC e dispneia, o refluxo hepatojugular é um preditor clínico utilizado, com sucesso, para identificar a IC congestiva(19). Em estudo exploratório descritivo, desenvolvido em instituição especializada em pacientes com doenças cardiovasculares, buscou-se detectar o uso e a importância atribuída às características definidoras do diagnóstico volume de líquidos excessivo com 61 enfermeiras. O refluxo hepatojugular destacou-se na categoria importância, obtendo pontuação de 3,89 em uma escala que variou de 1 a 5 pontos(21). Nessa investigação, foi possível observar a relação importante do refluxo hepatojugular com o diagnóstico volume de líquidos excessivo.

A característica definidora dispneia paroxística noturna também é sintoma frequentemente associado à IC. Nesses casos, durante o sono, ocorre reabsorção do edema periférico, levando à hipervolemia sistêmica e pulmonar, com consequente agravamento da congestão pulmonar e surgimento da dispneia paroxística noturna(14,20). Nos estudos relativos ao diagnóstico volume de líquidos excessivo, essa característica não foi mencionada. A característica dispneia paroxística noturna foi sintoma clínico importante para a validação desse diagnóstico, uma vez que revelou ser queixa referida por diversos pacientes. Cabe ressaltar que esse sintoma não consta das características definidoras presentes na classificação da North American Nursing Diagnosis Association (NANDA-I), no entanto, foi considerada como principal no presente estudo.

A evidência de congestão pulmonar também foi validada neste estudo. Nesse contexto, uma investigação avaliou a mortalidade no período de um ano em pacientes com IC aguda hospitalizados, e os autores demonstraram que a congestão pulmonar foi o sintoma mais comum na amostra, presente em 63,5% dos casos avaliados(22). Nos resultados de estudo, realizado em instituição especializada em pacientes cardiovasculares, a congestão pulmonar foi descrita pelas enfermeiras participantes do estudo com pontuação acima da média, na categoria 'uso das características definidoras', recebendo 4,35 em escala de 1 a 5 pontos(21). Além disso, em estudo para validação de conteúdo desse diagnóstico, observou-se que essa foi característica incluída no grupo de características principais(17). Na presente investigação, a característica congestão pulmonar foi avaliada por meio do exame radiológico, salientando a importância da instrumentalização dos enfermeiros para a interpretação desse achado.

Por fim, a validação da característica definidora pressão venosa central elevada também se destaca como principal. Neste estudo, essa foi medida avaliada através da técnica de pressão venosa central estimada, obtida por meio da inspeção e mensuração da distensão jugular(23). Esse é um método de exame físico, cujos achados podem ser de extrema utilidade na prática clínica, visto que se constitui num meio factível e de baixo custo para subsidiar a avaliação de estados hemodinâmicos, especialmente em pacientes críticos(24). Em estudo com um grupo de pacientes com doenças cardiovasculares, no qual as enfermeiras detectaram o uso e a importância atribuída às características definidoras do diagnóstico volume de líquidos excessivo, foi possível constatar que a pressão venosa central elevada aparece entre as características acima da média com pontuação de 3,84(21). Em outro estudo, as variações da pressão venosa central foram definidas como uma das características definidoras menores, identificadas em 55,5% dos pacientes com diagnóstico de volume de líquidos excessivo pela perita 1 e em 66,6% dos pacientes pela perita 2(23). Essa característica também foi mencionada entre as características maiores, observadas no estudo de validação de conteúdo desse diagnóstico(17).

Dentre as características secundárias validadas, estão o ganho de peso num curto período, hepatomegalia, distensão da veia jugular, crepitações, oligúria e hematócrito e hemoglobina diminuídos.

O ganho de peso em curto período já foi investigado em estudo de validação de conteúdo em que foi classificado como principal para o diagnóstico em estudo(17). Em outra pesquisa sobre uso e importância das características definidoras em pacientes com patologias cardiovasculares, o peso foi referido por enfermeiras nessas duas categorias, obtendo, respectivamente, as pontuações de 4,36 e 4,31 em escala numérica de 1 a 5(21). É importante salientar que o ganho de peso está diretamente relacionado ao desenvolvimento de quadros congestivos, culminando com acúmulo de líquidos que se reflete no acréscimo de peso e que pode haver aumento pouco perceptível de 10% do peso corporal total, até que o edema se torne evidente(25).

Neste estudo, verificou-se, também, a ocorrência de hepatomegalia, sintoma que na IC associa-se à congestão hepática venosa, estando mais frequentemente relacionada a quadros congestivos, gerados por IC direita(20,23). Embora, até o presente momento, a hepatomegalia não esteja descrita na listagem de características definidoras, propostas pela NANDA-I para o diagnóstico volume de líquidos excessivo, nem tenha sido mencionada em nenhuma pesquisa relativa ao assunto em questão, sugere-se a inclusão desse sinal na listagem de características definidoras, com base na relevância fisiopatológica da distensão hepática e também na evidência encontrada no presente estudo.

As crepitações pulmonares foram classificadas como característica definidora secundária. Muitas vezes, devido à drenagem linfática compensatória, existente em portadores de IC congestiva crônica, os crepitantes estão ausentes em mais de 80% dos casos, mesmo existindo pressões de enchimento elevadas. Apesar disso, os dados encontrados na presente investigação reforçam aqueles evidenciados na literatura, identificando presença constante desse achado clínico em pacientes com IC que apresentam o diagnóstico volume de líquidos excessivo. Em estudo retrospectivo, as crepitações foram identificadas em 96,6% dos pacientes com IC congestiva(7). Esse achado clínico também foi encontrado em estudo de validação de conteúdo que o descreveu como característica definidora maior(17), com destaque nas categorias 'uso' (4,56) e 'importância' (4,63), com escores de 1-5, atribuídos por enfermeiras(21).

Por fim, oligúria, hemoglobina e hematócrito diminuídos completam as características definidoras secundárias, identificadas no presente estudo. Em estudo de validação de conteúdo, a oligúria foi considerada característica definidora principal, enquanto hemoglobina e hematócrito diminuídos foram definidos como características secundárias(17).

Conclusões

Este foi o primeiro estudo em cenário clínico que validou as características definidoras do diagnóstico volume de líquidos excessivo em pacientes com IC descompensada. Validaram-se como características principais ou maiores: dispneia, ortopneia, edema, refluxo hepatojugular positivo, dispneia paroxística noturna, congestão pulmonar e pressão venosa central aumentada; características menores ou secundárias: ganho de peso, hepatomegalia, distenção da veia jugular, crepitações, oligúria e hemoglobina e hematócrito diminuídos.

Ressalta-se que duas características, dispneia paroxística noturna e hepatomegalia, foram clinicamente relevantes na validação desse diagnóstico, e, portanto, sugere-se, aqui, a possibilidade de inclusão na classificação da NANDA-I às características atuais.

As características definidoras azotemia, ingestão maior que o débito, murmúrios vesiculares diminuídos, som de terceira bulha (B3) e mudanças no estado mental obtiveram escore inferior a 0,50 e foram desconsideradas para o diagnóstico.

Implicações para a prática clínica

A validação de diagnósticos de enfermagem, sustentada por dados observados diretamente no ambiente clínico real, e determinados por enfermeiros peritos, pode contribuir para melhorar a acurácia das demais etapas do processo de enfermagem, e, portanto, trazer mais benefício assistencial aos pacientes.

Os resultados deste estudo contribuirão para melhorar a acurácia diagnóstica na admissão de pacientes com IC descompensada e, por conseguinte, direcionar as intervenções mais adequadas.

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  • Corresponding Author:
    Eneida Rejane Rabelo
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem
    Departamento de Enfermagem Médico-Cirurgica
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      17 Maio 2010
    • Aceito
      22 Fev 2011
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