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Qualidade de vida relacionada à saúde de sujeitos internados, decorrente da primeira síndrome coronariana aguda

Resumos

O objetivo deste estudo foi investigar a qualidade de vida relacionada à saúde, baseada nas últimas quatro semanas que antecederam a primeira internação, por uma síndrome coronariana aguda, e descrever potenciais associações entre a qualidade de vida, sexo e tratamento prévio para outras doenças cardiovasculares. Usou-se, como método, o estudo descritivo e exploratório, do tipo transversal, realizado em dois hospitais públicos no interior do Estado de São Paulo. Dos 253 sujeitos estudados, 69,2% eram homens, 69,6% casados, ou viviam com um parceiro, e 58,1% eram profissionalmente ativos antes da internação. A idade média era de 57,9 anos. Os maiores escores obtidos foram no domínio aspectos sociais (X=86,1), enquanto o domínio mais comprometido foi aspectos físicos (X=57,7). Conclui-se que as mulheres, assim como os sujeitos que já faziam tratamento prévio para outras doenças cardiovasculares, apresentaram pior qualidade de vida, e as diferenças foram todas estatisticamente significantes (p<0,05).

Qualidade de Vida; Doença das Coronárias; Síndrome Coronariana Aguda


This study aimed to investigate health-related quality of life based on the four weeks antecedent to first admission for acute coronary syndrome and describe potential associations between quality of life, gender and prior treatment for any other cardiovascular condition. An exploratory, descriptive and cross-sectional study was conducted in two public hospitals in an inner state city of the State of São Paulo. Of 253 participants studied, 69.2% were male, 69.6% were married or living with a partner, and 58.1% were professionally active before the current hospital admission. Mean age was 57.9 years old. Higher scores were seen in the Social Functioning (X=86.1) domain, while the domain perceived as more compromised was Role Physical (X=57.7). Female participants and those who had previously been treated for any other cardiovascular condition had lower quality of life, and these differences were all statistically significant (p<0.05).

Quality of Life; Coronary Disease; Acute Coronary Syndrome


El objetivo de este estudio fue investigar la calidad de vida relacionada a la salud, basada en las últimas cuatro semanas que antecedieron a la primera internación, por un síndrome coronario agudo, y describir potenciales asociaciones entre la calidad de vida, sexo y tratamiento previo para otras enfermedades cardiovasculares. Como método, se utilizó el estudio descriptivo y exploratorio, de tipo transversal, realizado en dos hospitales públicos en el interior del Estado de Sao Paulo. De los 253 sujetos estudiados, 69,2% eran hombres, 69,6% casados, o vivían con un compañero, y 58,1% eran profesionalmente activos antes de la internación. La edad promedio fue de 57,9 años. Los mayores puntajes obtenidos fueron en el dominio aspectos sociales (X=86,1), en cuanto el dominio más comprometido fue aspectos físicos (X=57,7). Se concluye que las mujeres, así como los sujetos que ya hacían tratamiento previo para otras enfermedades cardiovasculares, presentaron peor calidad de vida, y las diferencias fueron todas estadísticamente significativas (p<0,05).

Calidad de Vida; Enfermedad Coronária; Síndrome Coronario Agudo


ARTIGO ORIGINAL


Qualidade de vida relacionada à saúde de sujeitos internados, decorrente da primeira síndrome coronariana aguda

Carina Aparecida Marosti DessotteI; Rosana Aparecida Spadoti DantasII; André SchmidtIII; Lídia Aparecida RossiIV

IEnfermeira, Doutoranda, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: camarosti@uol.com.br

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: rsdantas@eerp.usp.br

IIIMédico, Doutor em Medicina, Professor Doutor, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: aschmidt@fmrp.usp.br

IVEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: rizzardo@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo deste estudo foi investigar a qualidade de vida relacionada à saúde, baseada nas últimas quatro semanas que antecederam a primeira internação, por uma síndrome coronariana aguda, e descrever potenciais associações entre a qualidade de vida, sexo e tratamento prévio para outras doenças cardiovasculares. Usou-se, como método, o estudo descritivo e exploratório, do tipo transversal, realizado em dois hospitais públicos no interior do Estado de São Paulo. Dos 253 sujeitos estudados, 69,2% eram homens, 69,6% casados, ou viviam com um parceiro, e 58,1% eram profissionalmente ativos antes da internação. A idade média era de 57,9 anos. Os maiores escores obtidos foram no domínio aspectos sociais (=86,1), enquanto o domínio mais comprometido foi aspectos físicos (=57,7). Conclui-se que as mulheres, assim como os sujeitos que já faziam tratamento prévio para outras doenças cardiovasculares, apresentaram pior qualidade de vida, e as diferenças foram todas estatisticamente significantes (p<0,05).

Descritores: Qualidade de Vida; Doença das Coronárias; Síndrome Coronariana Aguda.

Introdução

As doenças cardiovasculares de origem aterosclerótica são, atualmente, as principais causas de morte e invalidez no mundo. Estima-se que em torno de 81 milhões de americanos adultos tenham uma ou mais doenças cardiovasculares. Entre elas, a prevalência de infarto do miocárdio e de angina é maior entre os homens, aumentando com a idade e o nível de escolaridade(1). Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, as doenças crônicas têm sido consideradas devastadoras, não somente para os indivíduos/familiares, mas, também, para as comunidades, particularmente as mais carentes, mostrando ser ameaça crescente ao desenvolvimento econômico. Estima-se que nas próximas duas décadas, nos países da América Latina e Caribe, haverá quase o triplo da incidência de doença isquêmica do coração e acidente cerebrovascular. Na maioria desses países, as doenças crônicas são, atualmente, as principais causas de mortalidade e incapacidades prematuras e contribuem para quase 50% dos anos de vida, ajustados por incapacidade, perdidos, na região. No que se refere às doenças cardiovasculares, na primeira década do século XXI, prevê-se que elas provoquem cerca de 20,7 milhões de mortes. As previsões para as próximas duas décadas incluem quase o triplo da mortalidade por doença isquêmica do coração e acidente cerebrovascular, na América Latina(2). No Brasil, a taxa de mortalidade específica (óbitos por 100.000 habitantes) para doença isquêmica, na faixa etária de 40 a 49, é de 29, chegando a 425 na faixa de 70 a 79 anos e 914 na faixa de 80 anos e mais. O total de óbitos em número absoluto de doenças cardiovasculares, em 2005, registradas no Brasil, foi de 283.565, sendo 84.871 por doença isquêmica(3).

A doença arterial coronariana (DAC) é a causa mais comum da síndrome coronariana aguda (SCA). A SCA ocasiona a presença de sintomas como sensação de opressão, queimação no peito, dispneia e cansaço, os quais são as principais manifestações clínicas da SCA(4). Após o diagnóstico, os indivíduos se defrontam com situações como, por exemplo, a de ter que aprender a conviver com a doença cardíaca e as possíveis incapacidades para sempre, o que tem gerado grande número de estudos sobre a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) desses sujeitos.

Ao se comparar a QVRS de indivíduos da população geral com a QVRS de indivíduos com DAC diagnosticada, tem-se observado que sujeitos com DAC têm piores avaliações tanto no aspecto físico quanto no aspecto emocional da QVRS, quando comparados às pessoas sem DAC(5-6).

A maioria dos estudos que tem avaliado a QVRS de indivíduos com DAC foram realizados nos Estados Unidos(6-8), em países europeus(5,9-10) e em menor número também tem sido conduzidos em países como o Canadá(11). Entre esses estudos, a avaliação da QVRS tem sido realizada predominantemente com o uso do instrumento SF-36. O enfoque dos pesquisadores está voltado para a avaliação da QVRS em diferentes momentos, após a primeira internação decorrente da DAC(7,9-15). A avaliação da QVRS, realizada durante a primeira internação com abordagem retrospectiva, tem sido pouco investigada e, quando feita, enfoca sujeitos com infarto agudo do miocárdio (IAM)(10). Indivíduos com angina instável (AI), a outra forma de apresentação da SCA, são pouco estudados.

Assim, a grande maioria do conhecimento sobre a QVRS de pessoas com DAC foi produzido estudando indivíduos que vivem em países desenvolvidos e, predominantemente, durante a sua reabilitação, após a alta hospitalar. Diante da multiplicidade de fatores que envolvem a determinação e o tratamento da DAC e do caráter subjetivo da avaliação da QVRS, faz-se necessário ampliar essa investigação, envolvendo outras populações com diferentes características sociodemográficas e culturais. Pessoas que vivem em países em desenvolvimento, como o Brasil, podem perceber, de forma distinta, os domínios que determinam a sua QVRS, após o diagnóstico da DAC.

No Brasil, os estudos sobre a QVRS desses indivíduos ainda são incipientes(15-19). Acredita-se ser necessário avaliar como o indivíduo percebe a sua QVRS no mês que antecedeu a primeira internação devido à SCA. Esse conhecimento poderá auxiliar os enfermeiros na compreensão de como eles percebem as manifestações da doença cardíaca e, consequentemente, como esses sujeitos deverão ser abordados pela equipe de saúde visando a prevenção de eventos mais graves e, posteriormente, auxiliando no plano de cuidado durante a internação e no processo de reabilitação. Diante da literatura consultada e da experiência clínica da autoria deste estudo, decidiu-se investigar a seguinte questão: existem diferenças na QVRS de indivíduos que internam pela primeira vez em decorrência da SAC (IAM e AI), segundo o sexo e a existência de tratamento prévio para alguma doença cardiovascular? Alguns estudos têm mostrado piores avaliações da QVRS entre mulheres com DAC(6,8,11,13,16) e com a presença de outras doenças cardiovasculares(14).

Os objetivos do estudo foram investigar a QVRS, tendo como referência as últimas quatro semanas da vida dos indivíduos que se encontravam internados, em decorrência da primeira SAC, e analisar possíveis associações da QVRS com o sexo e a presença de tratamento prévio, para outras doenças cardiovasculares.

Métodos

Delineamento do estudo e amostra

Trata-se de estudo descritivo e exploratório, do tipo corte transversal, desenvolvido em dois hospitais públicos. Um deles, um hospital universitário, de atendimento terciário, afiliado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto. Esse hospital universitário é considerado um dos mais avançados da saúde pública do país, atendendo vasta população da área metropolitana, além de atender sujeitos de cidades vizinhas e até de outros Estados do país. O outro hospital utilizado para a coleta de dados, também de atendimento terciário, foi a Santa Casa de Misericórdia, que apresenta fins filantrópicos.

O projeto de investigação foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa dos hospitais. Os participantes do estudo foram devidamente esclarecidos sobre a pesquisa, tanto verbalmente quanto por escrito, e o termo de esclarecimento e consentimento pós-esclarecido foi assinado pelos sujeitos e pesquisadores.

Os potenciais participantes do estudo foram os sujeitos assistidos nos referidos hospitais e que atenderam os seguintes critérios de inclusão: estar internado devido à primeira SAC, estar hospitalizado há, no mínimo, vinte e quatro horas e, no máximo, sete dias, ter acima de 21 anos, estar em condições clínicas (físicas e psicológicas) de ser entrevistado pelos pesquisadores e concordar em participar do estudo. O total de 253 sujeitos foi inserido no estudo, no período de maio de 2006 a julho de 2009. O período de coleta de dados foi definido por meio da disponibilidade de recursos humanos e de prazos para o desenvolvimento do projeto. Não foi realizado o cálculo amostral porque esse estudo foi observacional, cujo objetivo principal foi explorar as variáveis e não confirmar hipóteses.

Coleta de dados

Todos os dados foram coletados por entrevistas individuais com os participantes, durante a internação. O instrumento de coleta constou de variáveis sociodemográficas (sexo, estado civil, situação profissional e data de nascimento) e clínicas (diagnóstico da SAC na internação e presença de tratamentos prévios para outras doenças cardiovasculares). Os dados clínicos foram obtidos por meio de revisão aos prontuários. O uso de psicofármacos, durante a internação, foi investigado por poder comprometer a avaliação dos participantes no que se refere à sua percepção sobre a QVRS.

A QVRS foi avaliada pelo instrumento Medical Outcomes Survey (MOS) 36 items (SF-36)(20), em sua versão adaptada para o português(21), com validade e confiabilidade comprovadas entre pacientes com DAC(15-18).

Para responder aos seus itens, o sujeito deve considerar as últimas quatro semanas, o que justifica a pertinência da sua utilização no presente estudo. A consistência interna dos itens de cada domínio do SF-36 apresentou valores de alfa de Cronbach variando de 0,71 (estado geral de saúde) a 0,97 (aspectos emocionais e aspectos físicos), o que representa consistência interna satisfatória.

Análise dos dados

Os dados foram processados e analisados no programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 15.0. Para analisar as possíveis diferenças entre os grupos (segundo a presença de tratamento prévio e o sexo dos participantes), foi utilizado o teste de t de Student para amostras independentes, e o nível de significância adotado foi de 0,05.

Resultados

Dos 253 participantes do estudo, 175 (69,2%) eram do sexo masculino, 176 (69,6%) casados ou vivendo em união consensual e 147 (58,1%) ativos profissionalmente, antes da atual internação decorrente da SCA. A idade média foi de 57,9 anos (dp=12,2), variando de 25,4 a 82,2 anos.

Quanto ao diagnóstico na internação, 142 (56,1%) estavam hospitalizados com o diagnóstico de IAM e 111 (43,9%) com o diagnóstico de AI. Constatou-se que 141 (55,7%) participantes já faziam tratamento para alguma doença cardiovascular antes do aparecimento da primeira SCA, sendo a mais incidente a HAS (135; 53%). Entre os participantes, 62 (24,5%) estavam sendo medicados com psicofármacos, durante a internação.

Os resultados da avaliação da QVRS de indivíduos que internaram, devido à primeira SCA, estão apresentados na Tabela 1. Observou-se que as melhores avaliações encontram-se nos domínios aspectos sociais (=86; dp=26,3) e aspectos emocionais (=79,4; dp=39,5), enquanto os domínios percebidos como mais comprometidos para os sujeitos foram aspectos físicos (=57,7; dp=47,6), saúde mental (=62,9; dp=25,1) e vitalidade (=63; dp=27,2) (Tabela 1).

Ao se considerar o uso de psicofármacos e a avaliação da QVRS, constatou-se melhores avaliações nas médias dos oito domínios do SF-36 entre os participantes sem uso desses medicamentos (médias variando de 59 no domínio aspectos físicos a 87 no domínio aspectos sociais). No grupo de sujeitos que receberam psicofármacos, o domínio mais comprometido também foi aspectos físicos (=53,6) e o menos comprometido foi aspectos sociais (=82,2). Entretanto, a diferença entre os grupos se mostrou estatisticamente significante apenas para os domínios aspectos emocionais (p=0,034), saúde mental (p=0,004) e vitalidade (p=0,032).

Ao analisar a presença de possíveis diferenças na QVRS, segundo a presença de tratamento prévio para alguma doença cardiovascular, constatou-se que o grupo de participantes, sem tratamento prévio, apresentou maiores valores médios em todos os domínios do SF-36 (de 67,1 a 91,5) do que aqueles com tratamento prévio (médias variando de 47,7 a 81,6) e essas diferenças foram todas estatisticamente significantes (Tabela 2).

Os resultados sobre a QVRS dos sujeitos, segundo o sexo, evidenciaram que os homens apresentaram maiores valores médios (89,3 a 65,1) do que as mulheres (78,7 a 41,0), em todos os domínios, sendo essas diferenças estatisticamente significantes (Tabela 3).

Discussão

A caracterização dos participantes do estudo quanto à idade se assemelha às de outros estudos com pessoas com DAC(10,13-16,22). Quanto ao sexo dos participantes, houve maior número de homens, o que também foi constatado em outros estudos que abordaram indivíduos coronariopatas e QVRS(10,12-17,22-23) .

Em relação à avaliação que os sujeitos fizeram da QVRS, nas quatro semanas que antecederam a internação, em decorrência da primeira SCA, foi constatada pior avaliação no domínio aspectos físicos do SF-36, com média geral de 57,7. Esse domínio avalia o quanto a presença dos problemas (físicos) de saúde interfere na realização das atividades do dia a dia e do trabalho. Quando foi analisado o domínio segundo as variáveis: tratamento para outra doença cardiovascular, uso de psicofármacos na internação e sexo verificou-se que o maior comprometimento ocorreu entre aqueles sujeitos que já faziam tratamento (=47,7), que receberam medicações psicotrópicas na internação (=53,6) e do sexo feminino (=41,0). Esse comprometimento também foi observado em outros sujeitos internados com diagnóstico de DAC, porém, os valores médios apresentados foram maiores do que os deste estudo(13-14). No entanto, em outro estudo, realizado no Brasil, com coronariopatas, o valor médio apresentado pelo grupo feminino foi de 19(16), bem menor do que o valor médio obtido entre os participantes desta pesquisa.

A melhor avaliação da QVRS entre os participantes foi para o domínio aspectos sociais, com média de 86,0. Esse domínio investiga a presença de problemas de saúde (físicos ou emocionais) que impedem a realização de atividades sociais pelos indivíduos. Os participantes deste estudo são predominantemente indivíduos com baixo poder aquisitivo, como a grande maioria das pessoas atendidas em hospitais públicos no Brasil. Devido aos poucos programas sociais e de recreação, as atividades sociais desses sujeitos comumente se restringem a visitas aos familiares e idas à igreja, sendo que tais atividades sociais não exigem muito esforço físico dos participantes.

A comparação dos resultados obtidos neste estudo com os de outras investigações encontra-se restrita a um pequeno número de publicações que também avaliaram os sujeitos com DAC, durante a internação(13-14). Entretanto, se se analisar os domínios com melhores avaliações, antes da primeira internação em decorrência da SCA, com os resultados obtidos nas avaliações de pessoas coronariopatas, seguidos até um ano após a alta hospitalar, percebe-se que o domínio aspectos sociais se mantém como o mais bem avaliado(9,14,16,24).

A pior avaliação da QVRS foi para o domínio aspectos físicos, o que já era esperado em decorrência das limitações impostas pela manifestação da DAC aos sujeitos. Até um ano após a alta, esse domínio continua sendo o pior avaliado em outros grupos de coronariopatas(12,16,24), embora outros domínios também continuem comprometidos, como vitalidade(9) e estado geral de saúde(14).

A expectativa da autoria deste estudo era de que os indivíduos que já faziam tratamento, para alguma outra doença cardiovascular, poderiam apresentar percepção da QVRS diferente daqueles participantes que nunca fizeram tratamento, então, decidiu-se comparar os dois grupos. Os resultados demonstraram que os participantes com tratamento prévio apresentaram menores escores nos oito domínios do SF-36 um mês antes de serem acometidos pela primeira SCA. Quando a QVRS foi avaliada segundo essa variável, verificou-se que as maiores médias encontravam-se nos domínios aspectos sociais e aspectos emocionais para ambos os grupos. No entanto, as médias foram maiores para os sujeitos do grupo sem tratamento prévio para doença cardiovascular. Resultado semelhante foi observado em outro estudo, com valores médios menores para os sujeitos com doenças cardiovasculares prévias(13).

Com relação à existência de possíveis diferenças na QVRS de indivíduos com DAC, de acordo com o sexo, constatou-se que as mulheres internadas, devido à primeira SCA, apresentaram menores valores em todos os domínios do SF-36, quando comparadas aos valores obtidos pelos homens, sendo todas as diferenças estatisticamente significantes. Em geral, esse resultado corrobora a literatura encontrada em estudos realizados em outros países(10,12-14,22) e também no Brasil(15-17). Essa pior QVRS, entre mulheres com DAC, se manteve nas avaliações após a alta hospitalar, independente do tratamento ao qual foram submetidas(16,22). Tais resultados sugerem que as mulheres constituem um grupo vulnerável, com mais limitações físicas, maior comprometimento do estado emocional, mais sofrimentos e angústias, e que, no geral, apresentam maiores limitações físicas quando comparadas aos homens(25).

O tempo de referência das questões do SF-36 é diz respeito às últimas quatro semanas da vida do indivíduo e, por isso, foi escolhido para este estudo. Entretanto, a avaliação da QVRS, nesse período, pode não capturar a real variabilidade das condições de saúde vivenciada pelo indivíduo coronariopata, nesse espaço de tempo(18,26).

Implicações para a prática clínica

No Brasil, até o momento, não foi encontrada outra pesquisa com o mesmo objetivo de avaliar a QVRS de sujeitos que vivenciaram, pela primeira vez, a SCA, enfocando o mês que antecedeu o evento. A maioria dos estudos, nacionais e internacionais, tem abordado os sujeitos coronariopatas após a alta hospitalar, em tratamento ambulatorial, nas repetidas internações e até no momento da reabilitação.

Como uma das limitações do estudo, salienta-se a impossibilidade de se realizar a comparação dos resultados obtidos com a população geral do Brasil, devido à falta de estudos que utilizaram o SF-36 na população geral. Outra limitação do estudo é que os participantes representaram apenas uma parcela dos sujeitos atendidos em instituições públicas de saúde, não investigando pessoas com maior nível socioeconômico, atendidas em clínicas e hospitais privados.

No presente estudo foi utilizado um questionário genérico de QVRS. Novas pesquisas utilizando questionários específicos para esse grupo de indivíduos como, por exemplo, Seattle Angina Questionnaire e MacNew Questionnaire, são necessárias e auxiliarão na elaboração de um novo protocolo de assistência de saúde para coronariopatas, visando o melhor atendimento, recuperação e reabilitação dos mesmos.

Diante do exposto, faz-se necessário rever o modelo de assistência prestado aos sujeitos internados nas unidades coronarianas e enfermarias de cardiologia com o diagnóstico de primeira SCA, principalmente no que diz respeito ao sexo, pois o presente estudo demonstrou que as mulheres dão entrada nos serviços de saúde com maior comprometido em diversos domínios de suas vidas, quando comparadas aos homens. Diante dessas informações, a equipe multidisciplinar pode elaborar planos de cuidados que visem minimizar o comprometimento físico e emocional dessas mulheres, auxiliando também na reabilitação, visto que vários estudos longitudinais mostraram que, com o passar do tempo, as mulheres pioram ainda mais a sua percepção da QVRS, ou seja, o comprometimento tanto no aspecto físico quanto no psicológico aumenta ao longo dos anos.

Conclusões

Foram encontradas associações entre a QVRS avaliada pelos oito domínios do SF-36 e tratamento prévio para outras doenças cardiovasculares, assim como QVRS e sexo. Os pacientes internados em decorrência do primeiro episódio da SAC já apresentavam comprometimento físico e emocional, em alguns domínios da vida. As mulheres, assim como os participantes que já faziam tratamento prévio para outras doenças cardiovasculares, apresentaram piores avaliações da QVRS.

Os resultados deste estudo enfatizam a necessidade de um plano de cuidados individualizado aos pacientes com DAC, considerando a experiência da doença, assim como o sexo do paciente. Equipe multidisciplinar, composta por psicólogos, terapeutas ocupacionais e enfermeiros, por exemplo, poderia desenvolver grupos de apoio a esses pacientes. O foco desses grupos seria na pessoa como um todo, e não apenas focando a reabilitação física e clínica.

Pesquisas longitudinais poderiam mostrar se essas diferenças permanecem ao longo do processo de reabilitação.

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  • Corresponding Author:
    Rosana Aparecida Spadoti Dantas
    Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
    Departamento de Enfermagem Geral e Especializada
    Av. dos Bandeirantes, 3900
    Bairro: Monte Alegre
    CEP: 14040-902, Ribeirão Preto, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Fev 2010
    • Aceito
      16 Jul 2011
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